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quinta-feira, 4 de junho de 2009

JURID - Ação de indenização de perdas e danos morais e materiais. [04/06/09] - Jurisprudência


Reexame necessário c/c recurso de apelação cível. Ação de indenização de perdas e danos morais e materiais. Lixão. Responsabilidade objetiva do ente público municipal.


Tribunal de Justiça do Mato Grosso - TJMT.

SEGUNDA CÂMARA CÍVEL

APELAÇÃO / REEXAME NECESSÁRIO Nº 106855/2007 - CLASSE CNJ - 1728 - COMARCA DE JUÍNA

INTERESSADO/APELANTE: MUNICÍPIO DE CASTANHEIRA

INTERESSADO/APELADO: IVO ROYER

Número do Protocolo: 106855/2007

Data de Julgamento: 27-5-2009

EMENTA

REEXAME NECESSÁRIO C/C RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO DE PERDAS E DANOS MORAIS E MATERIAIS LIXÃO - RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ENTE PÚBLICO MUNICIPAL - SENTENÇA RATIFICADA - RECURSO DE APELAÇÃO IMPROVIDO.

A responsabilidade civil do Estado é objetiva e para ser caracterizado o dever de indenizar deve ser demonstrado que o dano efetivamente haja decorrido, direta ou indiretamente, da ação indevida do Agente Público. No caso concreto, o liame causal configura-se no fato Município proceder ao despejo de lixo sem tratamento e a céu aberto no imóvel do autor, causando danos e prejuízo material.

RELATÓRIO

EXMA. SRA. DRA. CLARICE CLAUDINO DA SILVA

Egrégia Câmara:

Trata-se de Reexame Necessário de Sentença acompanhado de Recurso de Apelação Cível interposto pelo Município de Castanheira contra a sentença proferida pelo Juízo da 1ª Vara de Juína-MT que, nos autos da Ação de Indenização de Perdas e Danos Morais e Materiais nº 450/2004, movida por Ivo Royer em face do Município Apelante, julgou parcialmente procedentes os pedidos.

O Juízo singular condenou o Recorrente a pagar indenização por danos materiais no montante de R$4.700,00 (quatro mil e setecentos reais), sendo R$1.200,00 (mil e duzentos reais) referente a 10hs (dez horas) de trator para a recuperação da área; R$2.000,00 (dois mil reais) correspondente à deterioração de plásticos e latas enterradas no solo e R$1.500,00 (mil e quinhentos reais) para compensar a morte de duas vacas por ingestão de plástico.

O Apelante assevera que a ação indenizatória deveria ter sido julgado improcedente, pois embora não tenha rebatido item por item os valores pleiteados pelo Recorrido, a contestação não pode ser considerada genérica, haja vista que atacou os fatos impeditivos, extintivos e modificativos do direito do autor.

Aduz que a sentença deve ser reformada, eis que já detinha a posse do imóvel antes da aquisição da área pelo Autor e que, o Recorrido não deve ser indenizado por ter recuperado o solo sem antes ter ajuizado ação possessória.

Sustenta que as vacas morreram por culpa exclusiva do Apelado que colocava os semoventes não área onde era depositado o lixo.

Alega que a responsabilidade do Município é subjetiva, pois a atividade por ele desenvolvida (lixão) não impõe riscos ao direito de outrem e que não há prova de dolo ou culpa pelo óbito dos animais.

Contra-razões às fls. 277/282, rechaçando todos os argumentos do apelo.

Instada a se manifestar, a Douta Procuradoria de Justiça, por meio de parecer da lavra do Dr. Astúrio Ferreira da Silva Filho, opinou pelo improvimento do recurso, ratificando-se a sentença combatida (fls.292/295).

É o relatório.

À douta revisão.

PARECER (ORAL)

O SR. DR. VIVALDINO FERREIRA DE OLIVEIRA

Ratifico o parecer escrito.

VOTO

EXMA. SRA. DRA. CLARICE CLAUDINO DA SILVA (RELATORA)

Egrégia Câmara:

Conforme relatado, cuida a espécie de Reexame Necessário c/c Recurso de Apelação Cível interposto pelo Município de Castanheira-MT, contra a sentença que julgou parcialmente procedentes os pedidos ínsitos na Ação Indenizatória que lhe move Ivo Royer.

Narra a peça inaugural que o Autor/Apelado adquiriu, em 15-7-2003, o lote rural nº 51, localizado na Secção Chácara-Juina 2ª Fase, no Município de Castanheira-MT.

Após a aquisição, notificou o Apelante (21-7-2003) e deu-lhe ciência de que adquiriu a propriedade do bem, oportunidade em que informou que a partir de 24-7-2003 a Prefeitura não poderia mais depositar lixo naquele local; todavia, o Município assim não procedeu.

Diante do fato da Prefeitura Municipal continuar jogando lixo no local e a fim de proteger seu patrimônio, o Apelado ergueu cerca de proteção e fechou a porteira com cadeados; porém, as cercas foram derrubadas e os cadeados quebrados pelos fiscais tributários a mando do então Prefeito do Município.

Em conseqüência do depósito do lixo, o Apelado perdeu duas vacas, haja vista que ingeriram plástico, fato que ocasionou empanzinamento dos semoventes e os levou a óbito.

Infere-se ainda da petição inicial que a Prefeitura Municipal de Castanheira manteve-se na posse do imóvel até 4-11-2003, quando, em virtude da Ação Civil Pública nº 2213/2003, foi concedida liminar determinando que cessasse o despejo irregular de lixo na propriedade do Apelado.

Interrompido o despejo do lixo, o Apelado ainda teve gastos com a recuperação, escavação e aterro dos detritos superficiais remanescentes.

Após analisar o feito, o Juízo singular condenou o Município Recorrente a pagar indenização por danos materiais assim compostos: R$1.200,00 (mil e duzentos reais) referente a 10hs (dez horas) de trator para a recuperação da área; R$2.000,00 (dois mil reais) correspondente à deterioração de plásticos e latas enterradas no solo e R$1.500,00 (mil e quinhentos reais) para compensar a morte de duas vacas por ingestão de plástico; todavia, não vislumbrou os danos morais e os lucros cessantes, que restaram indeferidos.

Irresignado, o Município Apelante assevera que a ação indenizatória deveria ter sido julgada improcedente, pois embora não tenha rebatido um por um os valores pleiteados pelo Recorrido, a contestação não pode ser considerada genérica, haja vista que atacou os fatos impeditivos, extintivos e modificativos do direito do autor.

Aduz que a sentença deve ser reformada, eis que já detinha a posse do imóvel antes da aquisição da área pelo Autor; assim, o Recorrido não deve ser indenizado por ter recuperado o solo sem antes ter ajuizado ação possessória.

Sustenta que as reses morreram por culpa exclusiva do Apelado, que colocava os semoventes não área onde era depositado o lixo.

Alega que no caso a responsabilidade do Município é subjetiva, pois a atividade por ele desenvolvida (lixão) não impõe riscos ao direito de outrem e que não há prova de dolo ou culpa pelo óbito dos animais.

Pois bem. A ação tem como pressuposto básico a responsabilidade civil do Estado. Estipula o § 6º do artigo 37 da Constituição Federal, que:

"As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa."

Já o artigo 43 do Código Civil, assim dispõe:

"As pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente responsáveis por atos dos seus agentes que nessa qualidade causem danos a terceiros, ressalvado direito regressivo contra os causadores do dano, se houver, por parte destes, culpa ou dolo."

Hely Lopes Meirelles, entendendo aplicável à responsabilidade civil da Administração Pública a teoria do risco administrativo, preleciona:

"A teoria do risco administrativo faz surgir a obrigação de indenizar o dano do ato lesivo e injusto causado à vítima pela Administração. Não se exige qualquer falta do serviço público, nem culpa de seus agentes. Basta a lesão, sem o concurso do lesado. Na teoria da culpa administrativa exige-se a falta do serviço, na teoria do risco administrativo exige-se, apenas, o fato do serviço. Naquela, a culpa é presumida da falta administrativa; nesta, é inferida do fato lesivo da Administração.

Aqui não se cogita da culpa da Administração ou de seus agentes, bastando que a vítima demonstre o fato danoso e injusto ocasionado por ação ou omissão do Poder Público. Tal teoria como o nome está a indicar, baseia-se no risco que a atividade pública gera para os administrados e na possibilidade de acarretar dano a certos membros da comunidade, impondo-lhes um ônus não suportado pelos demais." (in Direito Administrativo Brasileiro, 30ª ed., Malheiros Editores, 2005, p. 631).

Por sua vez, esclarece Odete Medauar:

"Informada pela teoria do risco, a responsabilidade do Estado apresenta-se, hoje, na maioria dos ordenamentos, como responsabilidade objetiva. Nessa linha, não mais se invoca o dolo ou culpa do agente, o mau funcionamento ou falha da Administração. Necessário se torna existir relação de causa e efeito entre ação ou omissão administrativa e dano sofrido pela vítima. É o chamado nexo causal ou nexo de causalidade. Deixa-se de lado, para fins de ressarcimento do dano, o questionamento da licitude ou ilicitude da conduta, o questionamento do bom ou mau funcionamento da Administração. Demonstrado o nexo de causalidade, o Estado deve ressarcir." (in Direito Administrativo Moderno, 9ª ed., Ed. Revista dos Tribunais, 2005, p. 430).

Alexandre de Moraes, ao tratar da responsabilidade civil objetiva do Estado, consigna que ela tem como requisitos a "ocorrência do dano; ação ou omissão administrativa; existência de nexo causal entre o dano e a ação ou omissão administrativa e a ausência de causa excludente da responsabilidade Estatal." (in "Direito Constitucional", 10ª edição, Editora Atlas S/A, p. 341).

Nessa ordem de idéias, pode-se concluir que para que o Poder Público seja obrigado a indenizar, deve ser demonstrado que o dano sofrido decorreu de ação do Agente Público e que a inexistência (ou tão somente a não comprovação no processo judicial) de algum dos pressupostos da responsabilidade civil, ou a prova da culpa do administrado (exclusiva ou concorrente) elide ou atenua o dever de reparar o dano. Frisando-se que na hipótese de culpa da vítima, o ônus da prova cabe sempre à Administração.

Tecidas essas considerações iniciais e assentadas as premissas necessárias ao deslinde da causa, tenho que não deve prevalecer a tese do Apelante de que a responsabilidade do Município é subjetiva.

Com efeito, existe nexo de causalidade entre o fato e o dano. O último efetivamente decorreu da ação direta e indevida do agente público que determinou o despejo do lixo na propriedade do Apelado; assim, ao Estado resta o dever de ressarcir o prejuízo por ele experimentado. Ademais, das fotos produzidas (fls. 92/93), verifica-se que as reses morreram pela ingestão de plástico.

Isto posto, tenho que os elementos probatórios colacionados pelo Apelado, bem como aqueles que sobrevieram com a instrução do feito, são suficientes à caracterização da responsabilidade objetiva do Município Apelante.

Com efeito, durante a instrução processual foram ouvidas testemunhas (fls. 206/223) que assim consignaram:

"[...] o lixo era depositado naquele lugar de forma descoberta, inclusive foi a testemunha e o vereador Iran quem tiraram 80% das fotos que constam nos autos [...] que tinha plásticos espelhados ao redor do lixão, porque com o vento, eles voam longe; Que sabe que algumas vacas do Sr. Ivo Royer morreram, por terem engolido plásticos, sendo que presenciou a abertura da barriga de uma vaca[...] - Depoente: Lourival Castilhon Pimentel "[...] que na época em que foi feito o pedido para melhorar o estado do local, as coisas eram jogadas sem qualquer ordem no lixão; Que na época eram jogados lixos sem tratamentos, tinha urubus, cachorros, e fumaça no local, além de moscas [...]; que já ouviu falar sobre a morte dos animais pertencientes ao Sr. Ivo Royer; Que disseram que as vacas morreram por causas dos plásticos e ossos; Que era comum os plásticos voarem do lixão para as propriedades dos vizinhos [...]" - Depoente: Sugi Tabata Brandão.

As fotografias juntadas pelo Autor/Apelado demonstram com clareza que o lixo era depositado sem qualquer tratamento e a céu aberto, bem como que os sacos plásticos eram levados pelo vento para as propriedades vizinhas (fls. 36/40).

Conclui-se, assim, que prova testemunhal, aliada às fotos anexadas, não deixam dúvidas quanto à responsabilidade do Município Apelante frente à mera alegação de que o evento se deu por culpa exclusiva do proprietário do imóvel, que deixava o gado no "lixão". Incontroversa a responsabilidade do Município perante o seu dever de conservar o meio ambiente e assegurar a incolumidade de toda a população local.

No que concerne à irresignação do Município Apelante acerca da peça contestatória, insta salientar que o Juízo monocrático não a considerou genérica; todavia, ante a falta de impugnação de alguns pontos articulados na inicial, estes foram presumidos como verdadeiros, conforme prevê o artigo 302 do Código de Processo Civil e o princípio da impugnação específica, que impõe ao réu a obrigação de impugnar todas as alegações, uma a uma. Assim, cumpria ao Apelante o ônus de elidi-las. Se não o fez, a sua responsabilidade não pode ser afastada por esse motivo.

Em relação à alegação de que a sentença deve ser reformada porque o Município Apelante já detinha a posse do bem antes da aquisição do imóvel pelo Apelado, melhor sorte não assiste ao Recorrente.

Com efeito, como bem salientou o Douto Procurador de Justiça, Dr. Astúrio Ferreira da Silva Filho às fls. 294, "a partir do momento em que tomou conhecimento da aquisição da área pelo Interessado/Apelado e da notificação de desocupação, ao insistir na manutenção da posse desprovida de contrato, perdeu a sua condição de possuidor de boa-fé, assumindo os riscos pelos danos que sua posse injusta e indevida causou ao proprietário da área."

Irretocável, portanto, a sentença de primeiro grau que reconheceu a responsabilidade do Município Apelante pelo ocorrido e determinou que indenizasse o Apelado pelos danos materiais experimentados.

Posto isso, e em consonância com o parecer da douta Procuradoria, nego provimento à Apelação e ratifico na íntegra a sentença invectivada.

É como voto.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a SEGUNDA CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência do DES. A. BITAR FILHO, por meio da Câmara Julgadora, composta pela DESA. CLARICE CLAUDINO DA SILVA (Relatora), DES. DONATO FORTUNATO OJEDA (Revisor) e DESA. MARIA HELENA GARGAGLIONE PÓVOAS (Vogal), proferiu a seguinte decisão: À UNANIMIDADE, RATIFICARAM A SENTENÇA E IMPROVERAM O RECURSO VOLUNTÁRIO, EM CONSONÂNCIA MINISTERIAL.

Cuiabá, 27 de maio de 2009.

DESEMBARGADOR A. BITAR FILHO - PRESIDENTE DA SEGUNDA CÂMARA CÍVEL

DOUTORA CLARICE CLAUDINO DA SILVA - RELATORA

PROCURADOR DE JUSTIÇA

Publicado em 02/06/09




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