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terça-feira, 3 de novembro de 2009

JURID - Ação possessória. Possibilidade jurídica do pedido. [03/11/09] - Jurisprudência


Recurso especial. Ação possessória. Possibilidade jurídica do pedido. Bem imóvel público.


Superior Tribunal de Justiça - STJ.

RECURSO ESPECIAL Nº 998.409 - DF (2007/0249655-2)

RELATORA: MINISTRA NANCY ANDRIGHI

RECORRENTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO DISTRITO FEDERAL E TERRITÓRIOS

RECORRIDO: BIAGIO SANTORO - ESPÓLIO

REPR. POR: JOSÉ DE AGUIAR SANTORO - INVENTARIANTE

ADVOGADO: WALTER DE CASTRO COUTINHO E OUTRO(S)

EMENTA

Civil e Processo civil. Recurso especial. Ação possessória. Possibilidade jurídica do pedido. Bem imóvel público. Ação ajuizada entre dois particulares. Situação de fato. Rito especial. Inaplicabilidade.

- A ação ajuizada entre dois particulares, tendo por objeto imóvel público, não autoriza a adoção do rito das possessórias, pois há mera detenção e não posse. Assim, não cumpridos os pressupostos específicos para o rito especial, deve o processo ser extinto, sem resolução de mérito, porquanto inadequada a ação.

Recurso especial provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da TERCEIRA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, dar provimento ao recurso especial para, com fundamento no art. 267, inciso IV do CPC, extinguir o processo sem julgamento do mérito, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Massami Uyeda, Vasco Della Giustina e Paulo Furtado votaram com a Sra. Ministra Relatora. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Sidnei Beneti.

Brasília (DF), 13 de outubro de 2009(data do julgamento)

MINISTRA NANCY ANDRIGHI
Relatora

RELATÓRIO

Recurso especial interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO DISTRITO FEDERAL E TERRITÓRIOS com fundamento na alínea "a" do permissivo constitucional.

Ação: reintegração de posse ajuizada por BIAGIO SANTORO - ESPÓLIO em face de JOÃO CAMÊLO TIMBÓ JÚNIOR.

Narra o recorrente que o falecido Biagio Santoro adquiriu, por meio de instrumento de mandato outorgado por Milton Lourenço Luiz, imóvel localizado na Colônia Agrícola Vicente Pires, em Taguatinga DF (chácara 323), de área equivalente a 25.000 m² (vinte e cinco mil metros quadrados).

Todavia, durante o processamento do inventário, o imóvel foi objeto de apossamento, esbulho e grilagem, por parte de Iva Rodrigues Ferreira, em face de quem foi ajuizada ação cautelar de sequestro, cujo pedido foi, ao final, julgado procedente. Nos autos da referida cautelar, pretendeu o autor a expedição de mandado de desocupação do imóvel, o que foi indeferido sob o fundamento de que deveria ser ajuizado processo apropriado para tanto (fls. 07).

Diante disso, o autor ajuizou a ação de reintegração de posse, para reaver os bens imóveis que alega tratar-se de objeto de esbulho por parte do réu, que, atualmente, é o ocupante dos lotes 4, 5 e 6 da Chácara 323, objeto da lide.

Sentença: extinguiu o processo, sem resolução de mérito, diante da impossibilidade jurídica do pedido. Entendeu a Juíza da 1ª Vara Cível da Circunscrição Judiciária de Taguatinga-DF que "não cabe ao Judiciário decidir lides entre particulares que envolvem questões possessórias quando ocupam imóvel público. Se as partes estão utilizando imóvel público, há mera detenção, que é, ainda, manifestamente ilícita. Nada há a resguardar. A tutela pleiteada é ilegal, revelando impossibilidade jurídica da pretensão deduzida" (fls. 81).

Acórdão: deu provimento à apelação interposta pelo recorrido, sob o fundamento de que é possível o ajuizamento de ação possessória, ainda que o imóvel seja público, desde que a lide seja promovida entre particulares. Confira-se a ementa:

"PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE. TERRA PÚBLICA. DISPUTA TRAVADA ENTRE PARTICULARES. POSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. TEORIA DA CAUSA MADURA. INAPLICABILIDADE. MATÉRIA FÁTICA. NECESSIDADE DE DILAÇÃO PROBATÓRIA.

1. Não há que se falar em impossibilidade jurídica do pedido quando a disputa possessória é travada entre particulares, ainda que sobre bem público.

2. Resta inviável a aplicação da teoria da causa madura inserta no art. 515, § 3º, do CPC, quando, além de não ter havido contestação, a lide envolve questão possessória, matéria fática, a demandar dilação probatória, único meio de se obter mais elementos a fim de dirimir a questão possessória.

3. Recurso provido. Sentença cassada."

Recurso especial: alega violação aos arts. 927, I, e 267, VI, do CPC. Sustenta o recorrente a impossibilidade jurídica do pedido, porque imóvel público não é passível de posse, faltando, portanto, pressuposto indispensável para a ação de reintegração.

Às fls. 195/197, contrarrazões do recorrido.

Às fls. 206/210, parecer do Ministério Público Federal, de lavra do Subprocurador-Geral da República Maurício Vieira Bracks, pelo conhecimento e provimento do recurso especial.

É o relato do necessário.

VOTO

Cinge-se a controvérsia em definir se é juridicamente possível o pedido de reintegração de posse ajuizada entre particulares, tendo por objeto bem imóvel público.

- Da proteção possessória perante ente público

O recurso especial foi interposto pelo MPDFT e é incontroverso neste processo que o bem imóvel objeto da lide é bem público.

A jurisprudência do STJ já enfrentou discussões relativas à proteção possessória de particular perante o Poder Público, adotando o entendimento de que, em situações tais, a ocupação do bem público não passa de mera detenção, sendo incabível, portanto, invocar proteção possessória contra o órgão público. Confira-se: REsp 489.732/DF, 4ª Turma, Rel. Min. Barros Monteiro, DJ de 13/06/2005; REsp 146.367/DF, 4ª Turma, Rel. Min. Barros Monteiro, DJ de 14/03/2005; AgRg no AG 648.180/DF, 3ª Turma, Rel. Min. Menezes Direito, DJ de 14/05/2007, REsp 699.374/DF, Rel. Min. Menezes Direito, DJ de 18/06/2007; e REsp 863.939/RJ, 2ª Turma, Rel. Min. Eliana Calmon, DJe de 24/11/2008.

Extrai-se da fundamentação deste último julgado:

"Sabe-se que os imóveis públicos, por expressa disposição do art. 183, §3º da CF/88, não são adquiridos por usucapião. Tem-se conhecimento também de que eles, assim como os demais bens públicos, somente podem ser alienados quando observados os requisitos legais. Daí resulta a conclusão de que se o bem público, por qualquer motivo, não pode ser alienado, ou seja, não pode se tornar objeto do direito de propriedade do particular, também não pode se converter em objeto do direito de posse de outrem que não o Estado.

(...)

Nestes autos, tem-se caso de ocupação imóvel público, a qual, dada a sua irregularidade, não pode ser reconhecida como posse, mas mera detenção. Tal conclusão, registre-se, está assentada no próprio acórdão recorrido, que inadmitiu a existência do direito de retenção das benfeitorias e de indenização pela acessão clandestinamente realizada.

Ressalte-se que neste feito, como se abstrai da decisão recorrida, não se vislumbra hipótese de uso especial de bem público legalmente titulado, mas de ocupação irregular de área pública, porque a utilização do imóvel realizou-se de forma clandestina, sem base em qualquer ato unilateral ou contrato emanado da Administração".

Sedimentado, portanto, o entendimento de que, perante o Poder Público, o particular ocupante de imóvel público não pode invocar os principais consectários da posse, que, na lição de Silvio Rodrigues, são a proteção possessória e a possibilidade de gerar usucapião (Direito Civil - Direito das Coisas. Ed. Saraiva: São Paulo. 27ª Edição, 2002, p. 17).

- Da presente reintegração de posse

A situação dos autos, contudo, não se amolda àquela tratada pelos julgados apontados anteriormente. A questão aqui é distinta, porque objetiva saber se é possível ao particular, que ocupa terra pública, utilizar-se da ação de reintegração de posse para reaver a coisa esbulhada por outro particular. Esse tema ainda não foi enfrentado pelo STJ.

O espólio de Biagio Santoro - 1º recorrido - não demonstrou com a inicial nenhum dos fundamentos que autorizam o pedido de proteção possessória. Relatou, apenas, que adquiriu a chácara 323, da Colônia Vicente Pires, de Milton Lourenço Luiz que, em 1.989, outorgou-lhe substabelecimento para atuar em seu nome em quaisquer atos envolvendo o referido imóvel, inclusive, com a finalidade de representá-lo perante a Fundação Zoobotânica do DF (fls. 13 e verso).

Assim, sendo público o imóvel, segundo jurisprudência consolidada do STJ, o espólio-recorrido nada mais é que mero detentor.

Diante desse quadro, a transpor para a presente hipótese as mesmas orientações dos julgados anteriores, a conclusão a que se chega é a de impossibilidade de caracterização da posse, por se tratar de imóvel público, pois não há título que legitime o direito do particular sobre esse imóvel. Essa utilização do bem público pelo particular só se considera legítima mediante ato ou contrato administrativo, constituído a partir de rigorosa observância dos mandamentos legais para específica finalidade.

O acórdão do TJ/DF reconhece que o espólio é detentor do imóvel, mas enfatiza que tem afastado "a impossibilidade jurídica do pedido quando a disputa possessória é tratada entre particulares, ainda que sobre bem público", justificando o entendimento com o argumento de que "o panorama fático descreve situação peculiar, em que vários particulares vem ocupando lotes em áreas públicas" (fls. 173).

Não obstante o devido respeito ao entendimento adotado pelo Tribunal de origem que realçou a peculiar situação das questões de disputa de posse no Distrito Federal, não há como aplicar as regras procedimentais e de direito material de caráter peremptório que cuidam da posse.

O rito nobre das possessórias, previsto nos arts. 926 e seguintes do CPC, exige que a posse seja provada de plano para que a ação tenha seguimento. E se não há posse, não há o cumprimento dos pressupostos específicos exigidos para a ação de reintegração de posse (art. 927 do CPC), o que culmina com a extinção do processo, sem resolução de mérito, por impossibilidade jurídica do pedido.

Não se trata, portanto, de flexibilizar o direito processual, nem de utilizar o princípio da instrumentalidade porque a peculiaridade de uma região geográfica do país não é suficiente para autorizar o abandono da aplicação das regras legais a que todo Juiz está submetido.

Imperioso ressalvar, contudo, que a extinção da reintegração de posse, não afasta a possibilidade de análise do conflito pelo Judiciário. Não se está aqui a dizer que a adoção desse entendimento, com a extinção do processo sem julgamento de mérito, autoriza deflagração da proteção da alegada posse pelos próprios particulares, por meio dos mais diversos instrumentos, distantes do Judiciário, inclusive pelo uso da força. Esta Corte não corrobora o exercício arbitrário das próprias razões, que foge do ideal de pacificação social.

O que está firmado, neste momento, é que o rito das possessórias não pode ser banalizado para o fim de ser utilizado em situações de fato que não caracterizam a posse. Todavia, continua presente e premente a necessidade de atuação do Poder Judiciário a intervir nesse conflito, por meio, porém, de outro rito que não o especial e nobre das possessórias

Forte em tais razões, CONHEÇO do recurso especial e DOU-LHE PROVIMENTO para extinguir o processo, sem resolução de mérito, com fundamento no art. 267, IV do CPC.

CERTIDÃO DE JULGAMENTO

TERCEIRA TURMA

Número Registro: 2007/0249655-2 REsp 998409 / DF

Número Origem: 2005070024126

PAUTA: 13/10/2009 JULGADO: 13/10/2009

Relatora
Exma. Sra. Ministra NANCY ANDRIGHI

Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro MASSAMI UYEDA

Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. MAURÍCIO VIEIRA BRACKES

Secretária
Bela. MARIA AUXILIADORA RAMALHO DA ROCHA

AUTUAÇÃO

RECORRENTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO DISTRITO FEDERAL E TERRITÓRIOS

RECORRIDO: BIAGIO SANTORO - ESPÓLIO

REPR. POR: JOSÉ DE AGUIAR SANTORO - INVENTARIANTE

ADVOGADO: WALTER DE CASTRO COUTINHO E OUTRO(S)

ASSUNTO: DIREITO CIVIL - Coisas - Posse

CERTIDÃO

Certifico que a egrégia TERCEIRA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

A Turma, por unanimidade, deu provimento ao recurso especial para, com fundamento no art. 267, inciso IV do CPC, extinguir o processo sem julgamento do mérito, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Massami Uyeda, Vasco Della Giustina (Desembargador convocado do TJ/RS) e Paulo Furtado (Desembargador convocado do TJ/BA) votaram com a Sra. Ministra Relatora.

Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Sidnei Beneti.

Brasília, 13 de outubro de 2009

MARIA AUXILIADORA RAMALHO DA ROCHA
Secretária

Documento: 919737

Inteiro Teor do Acórdão - DJ: 03/11/2009




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