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quarta-feira, 25 de novembro de 2009

JURID - Prisão preventiva. Excepcionalidade. [25/11/09] - Jurisprudência


Prisão preventiva. Excepcionalidade.
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Supremo Tribunal Federal - STF.

DJe nº 176 Divulgação 17/09/2009 Publicação 18/09/2009 Ementário n° 2374 - 2

PRIMEIRA TURMA

HABEAS CORPUS 92.098-5 RIO DE JANEIRO

RELATOR: MIN. MARCO AURÉLIO

PACIENTE(S): JÚLIO CÉSAR GUIMARÃES SOBREIRA

IMPETRANTE(S): NELIO ROBERTO SEIDL MACHADO

PACIENTE(S): ANTONIO OTON PAULO AMARAL

ADVOGADO(A/S): PAULO ROBERTO ALVES RAMALHO E OUTRO

PACIENTE(S): JORGE DA SILVA CALDAS

ADVOGADO(A/S): CARLO HUBERT C. C. E LUCHIONE

LITISCONSORTE(S): FERNANDO RODRIGUEZ SANTOS ATIVO(A/S)

COATOR(A/S)(ES): PRESIDENTE DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

IMPETRAÇÕES SUCESSIVAS - PREJUÍZO - INEXISTÊNCIA. O fato de impetrar-se habeas corpus no Supremo não resulta no prejuízo daquele em curso, versando o mesmo pano de fundo e com liminar indeferida, no Superior Tribunal de Justiça.

PRISÃO PREVENTIVA - EXCEPCIONALIDADE. Em virtude do princípio constitucional da não-culpabilidade, a custódia acauteladora há de ser tomada como exceção. Cumpre interpretar os preceitos que a regem de forma estrita, reservando-a a situações em que a liberdade do acusado coloque em risco os cidadãos ou a instrução penal.

PRISÃO PREVENTIVA - GRAVIDADE DO CRIME. A gravidade do crime circunscreve-se ao tipo penal, não autorizando a prisão preventiva.

PRISÃO PREVENTIVA - PREMISSA - SUPOSIÇÃO. A suposição de que, solto, o agente voltará a delinquir não respalda, tecnicamente, a custódia preventiva.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, por maioria, em deferir o pedido de habeas corpus, nos ter os o voto do relator, em sessão presidida pelo Ministro Carlos Ayres Britto, na conformidade da ata do julgamento e das respectivas notas taquigráficas.

Brasília, 4 de agosto de 2009.

MARCO AURÉLIO - RELATOR

RELATÓRIO

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO - Adoto como relatório a síntese formalizada pela Assessoria:

Vossa Excelência, ao deferir a medida acauteladora, consignou (folha 607 a 614):

HABEAS CORPUS - IMPLEMENTO DE MEDIDA ACAUTELADORA - PEDIDOS DE EXTENSÃO A CO-RÉUS - DEFERIMENTO.

1. Eis as informações prestadas pelo Gabinete:

1) Petição enviada por fac-símile, protocolada sob o nº 121.881 (petição original - n° 125.122).

A advogada Eliania Schier de Moraes pleiteia, em favor do paciente Luiz Paulo Dias de Mattos, a extensão dos efeitos da medida acauteladora concedida por Vossa Excelência a Júlio César Guimarães Sobreira no Habeas Corpus nº 92.098-5/RJ.

A requerente afirma que, apesar de ser co-réu no processo penal instaurado em decorrência da "Operação Furacão II", o nome do paciente não constou do provimento cautelar formalizado por Vossa Excelência porque o processo revelador do referido habeas não estava instruído com o ato mediante o qual o Juízo da Sexta Vara Federal Criminal da Circunscrição Judiciária do Estado do Rio de Janeiro recebeu o aditamento à denúncia oferecida pelo Ministério Público. Ressalta a igualdade de condições subjetivas do paciente com a do co-réu beneficiado pela liminar deferida, tendo aplicação à espécie as disposições do artigo 580 do Código de Processo Penal. Para corroborar a assertiva, junta cópia do mandado de prisão expedido pelo Juízo da causa contra o réu.

2) Petição enviada por fac-símile, protocolada sob o nº 121.827 (petição original - nº 125.109).

A advogada Eliania Schier de Moraes requer, em favor da paciente Susie Pinheiro Dias de Mattos, a extensão dos efeitos da medida acauteladora concedida por Vossa Excelência a Júlio César Guimarães Sobreira no Habeas Corpus nº 92.098-5/RJ.

A impetrante repete as argumentações expendidas na petição em que pleiteia a extensão da liminar em benefício do paciente Luiz Paulo Dias de Mattos e anexa cópia do mandado de prisão expedido pelo Juízo da causa contra a ré.

3) Petição protocolada sob o n° 125.120.

A advogada Ana Cristina Mendonça requer, em favor dos pacientes Luiz Paulo Dias de Mattos e Susie Pinheiro Dias de Mattos, a extensão da medida acauteladora concedida por Vossa Excelência a Júlio Guimarães Sobreira no Habeas Corpus nº 92.098-5-RJ. Pede a juntada de cópia da decisão mediante a qual o Juízo da Sexta Vara Federal Criminal da Circunscrição Judiciária do Estado do Rio de Janeiro recebeu o aditamento à denúncia oferecida pelo Ministério Público e do decreto de prisão preventiva expedido contra os pacientes. Afirma estar demonstrada a unidade do ato em que decretada a custódia e pleiteia a extensão do provimento liminar deferido por Vossa Excelência na mencionada impetração, por se cuidar de co-réus denunciados no mesmo processo da "Operação Furacão II".

4) Petição enviada por fac-símile, protocolada sob o nº 122.226 (petição original - nº 125.121).

A advogada Ana Cristina Mendonça requer, em favor dos pacientes Luiz Paulo Dias de Mattos e Susie Pinheiro Dias de Mattos, a extensão da medida acauteladora concedida por vossa Excelência a Júlio Guimarães Sobreira no Habeas Corpus n° 92.098-5/RJ. Assevera tratar-se de co-réus no processo penal instaurado em decorrência da "Operação Furacão II", encontrando-se presos preventivamente em virtude dos mesmos fundamentos acolhidos para a decretação da ordem de prisão de Júlio César Guimarães Sobreira. Para comprovar tal fato, junta certidão expedida pelo Diretor da Secretaria da Sexta Vara Federal Criminal.

5) Petição enviada por fac-símile, protocolada sob o nº 121.692 (petição original - nº 123.179).

A advogada Eliania Schier de Moraes novamente peticiona em favor dos co-réus Luiz Paulo Dias de Mattos e Susie Pinheiro Dias de Mattos. Requer a extensão da medida acauteladora deferida a Júlio César Guimarães Sobreira no Habeas Corpus nº 92.098-5/RJ. Para demonstrar a identidade de situação processual, pleiteia a juntada de cópia da decisão mediante a qual o Juízo da Sexta Vara Federal Criminal recebeu o aditamento à denúncia oferecida pelo ministério Público e decretou a prisão dos referidos co-denunciados.

6) Petição enviada por fac-símile, protocolada sob o nº 121.697 (petição original - n° 122.950).

O advogado Fernando Fragoso requer, em benefício do paciente Eduardo Machado Fonte, a extensão da medida acauteladora concedida por Vossa Excelência a Júlio Guimarães Sobreira no Habeas Corpus nº 92.098-5/RJ. Sustenta cuidar-se de co-réu no processo penal instaurado em decorrência da "Operação Furacão II", encontrando-se preso preventivamente em razão dos mesmos fundamentos expendidos para a decretação da ordem de prisão de Júlio César Guimarães Sobreira. Para corroborar as assertivas, anexa cópias do aditamento à denúncia oferecida pelo Ministério Público e do ato do Juízo da Sexta Vara Federal Criminal da Circunscrição Judiciária do Estado do Rio de Janeiro que implicou o recebimento desta em que se decretou a prisão do paciente.

[...]

A Procuradoria Geral da República, no parecer de folha 636 a 644, esclarece ter o paciente contra si instauradas duas ações penais, sendo lhe imputados os delitos de formação de quadrilha e corrupção ativa, aferidos a partir da "Operação Furacão" implementada pela Polícia Federal. Ressalta pretender-se a revogação da prisão preventiva decretada no recebimento da denúncia referente à "Operação Furacão II", por considerar-se insuficiente a fundamentação para a imposição da custódia, porquanto haveria repetição da motivação do primeiro decreto.

Sustenta a regularidade da decisão que implicou a expedição da ordem de prisão, tendo como base a investigação policial. Diz da descrição da conduta dos acusados, dando como certo o envolvimento destes no esquema de recebimento de propina, imputação não contida na denúncia anterior decorrente da "Operação Furacão I", fato que, desde logo, elide a alegação de litispendência. Refuta a argumentação da defesa quanto à duplicidade de acusação, visto que a denúncia - alicerçada na investigação "Operação Furacão II" - bem como o respectivo aditamento não se limitam a transcrever ou a parafrasear matéria versada na investigação anterior. Acentua não configurar ilegalidade a reiteração de fundamentos para o decreto de prisão preventiva em processos diversos, não havendo necessidade de, em cada uma das ações, ser formulada decisão distinta, tão-só em virtude da 'inter-relação do contexto fático. Afirma que, se há inovação na situação fática e estão presentes os requisitos legais autorizadores, cabível a decretação da custódia preventiva, consoante jurisprudência do Supremo - Habeas Corpus nos 79.237/MS, relator ministro Nelson Jobim, com acórdão publicado no Diário da Justiça de 12 de abril de 2002, e nº 88.952/CE, relator ministro Carlos Britto, com acórdão veiculado no Diário da Justiça de 8 de junho de 2007.

Destaca, no tocante à isonomia, não ser admissível falar-se em igualdade de tratamento diante de complexa organização criminosa que, estratificada em diversos níveis, atribuía aos agentes funções variadas, em maior ou menor grau, para a manutenção dos fins almejados. Ressalta evidenciada ofensa à ordem pública, já que a organização, composta de ocupantes de cargo público, representava risco concreto à convivência social. Aduz que a defesa do interesse público há de suplantar o interesse individual. Opina pelo indeferimento da ordem.

Por meio da petição de folha 672, o co-réu Jorge da Silva Caldas, beneficiado pela extensão de liminar proferida no habeas acima mencionado, requereu a admissão como litisconsorte e seja intimado, para a sessão de julgamento da impetração, o advogado que subscreveu o pedido. Vossa Excelência deferiu o pleito e determinou o lançamento do nome do litisconsorte na autuação.

Acrescento que o Habeas Corpus n° 87.236/RJ, do Superior Tribunal de Justiça, que se encontrava em curso, foi declarado prejudicado pela ministra Laurita Vaz em virtude da medida liminar por mim deferida.

Lancei visto no processo em 4 de dezembro de 2008, liberando-o para ser julgado na Turma a partir de 16 seguinte, isso objetivando a ciência dos impetrantes.

Mediante decisão de 11 de dezembro de 2008, declarei o prejuízo parcial do habeas, em relação ao paciente Jorge da Silva Caldas, porquanto, conforme noticiado por meio da Petição/STF n° 174.121/2008, foi ele beneficiado pela ordem concedida, no Habeas Corpus n° 2008.02.01.011716-2, pela Primeira Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da 2á Região.

Por meio da Petição/STF nº 90.941/2009, os impetrantes requereram fosse declarado o prejuízo do habeas no tocante aos pacientes: Jacqueline da Conceição Silva, Rogério Delgado Carneiro, Roberto Cunha de Araújo, Marcos Antonio dos Santos Bretas, Renato Gabriel Alves da Silva, Marco Antonio Machado Romeiro, Cláudio Augusto Reis de Almeida e Luciano Andrade do Nascimento. Esclarecem que, beneficiados pela extensão da liminar por mim deferida, foram alcançados pela decisão mediante a qual o Tribunal Regional Federal da 2ª Região concedeu a ordem a Marcos Antonio dos Santos Bretas no Habeas Corpus nº 2008.02.01.01176-2, julgado em 28 de janeiro de 2009, consoante cópia do acórdão que acompanha a peça.

É o relatório.

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (RELATOR) - Senhor Presidente, pelas sustentações, podemos constatar que o processo revela peculiaridades a partir do fato de haver ocorrido o desmembramento do inquérito em curso nesta Corte para observar-se - e deve-se sempre observar de forma linear, de forma fidedigna - o princípio do juiz natural. Sem esse desmembramento - cabe a pergunta -, qual seria a situação jurídica em termos da liberdade de ir e vir dos pacientes, dos beneficiários da medida acauteladora? Estariam eles presos enquanto à temporária decretada nesta Corte não seguiu a preventiva? A resposta, para mim, considerada a presunção do que normalmente ocorre, é no sentido de que estariam soltos. Acontece que houve o desmembramento e, então, passamos a ter as designações das operações mediante algarismos romanos: Operação Furacão I, II, III, IV, e não sei se V.

Há mais, Presidente. O pedido de prisão preventiva formalizado pelo Ministro Público estaria a alcançar trinta e seis acusados. Entre esses, vários já foram beneficiados por decisões definitivas do Tribunal Regional Federal da 21 Região. Daí haver declarado e registrado, no relatório, o prejuízo parcial da impetração, considerado o instituto da extensão, no tocante a vários dos envolvidos.

Ao deferir a medida acauteladora, o que fiz no dia 4 de agosto de 2007, exatamente hoje se completam dois anos, consignei:

"A ação penal em tramitação na Sexta Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro resultou do desmembramento, neste Tribunal, de procedimento ainda embrionário" - hoje já temos ação penal - "do Inquérito n° 2.424-4/RJ, da relatoria do ministro Cezar Peluso, no qual Sua Excelência decretou a prisão temporária dos envolvidos".

VOTO

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (RELATOR) - A esta altura, não há o obstáculo revelado pelo Verbete n° 691 da Súmula do Supremo. É que, ante o ato precário e efêmero, por mim formalizado, que implicou a liberdade do paciente e dos corréus, a ministra Laurita Vaz acabou por declarar o prejuízo do Habeas Corpus n° 87.236/RJ. Aliás, para evitar tal conclusão, em situações concretas a envolverem o citado verbete, venho assentando o óbvio, ou seja, que medida acauteladora deferida não prejudica a impetração em curso no Superior Tribunal de Justiça.

No mais, reitero o que tive a oportunidade de consignar ao acolher o pedido de liminar, em 4 de agosto de 2007:

[...]

2. A situação deste processo não é diversa da retratada no Habeas Corpus n° 91.723-2/RJ, no qual, afastando o óbice do Verbete n° 691 da Súmula do Supremo, implementei medida acauteladora. Eis o que lancei na oportunidade, ficando registrado que, no ato em exame, reportou-se o Juízo ao anterior, que deu margem àquela impetração:

[...]

2. Observem a necessária compatibilização do Verbete n° 691 da Súmula do Supremo com a Constituição Federal, evitando-se a tomada a ponto de configurado ato ilícito e existindo órgão capaz de apreciá-lo, vir-se simplesmente a dizer da incompetência deste último. Aliás, ante pronunciamentos do Tribunal flexibilizando o citado Verbete, urge a revisão. Reitero o que tenho consignado sobre a referida compatibilização:

O habeas corpus, de envergadura constitucional, não sofre qualquer peia. Desafia-o quadro a revelar constrangimento ilegal à liberdade de ir e vir do cidadão. Na pirâmide das normas jurídicas, situa-se a Carta Federal e assim há de ser observada. Conforme tenho proclamado, o Verbete nº 691 da Súmula desta Corte não pode ser levado às últimas conseqüências. Nele está contemplada implicitamente a possibilidade, em situação excepcional, de se admitir a impetração contra ato que haja resultado no indeferimento de medida acauteladora em idêntica medida - Agravo Regimental no Habeas Corpus nº 84.014-1/MG, por mim relatado na Primeira Turma e cujo acórdão foi publicado no Diário da Justiça de 25 de junho de 2004. É esse o enfoque que torna o citado verbete compatível com o Diploma Maior, não cabendo extremar o que nele se contém, a ponto de se obstaculizar o próprio acesso ao Judiciário, a órgão que se mostre, dados os patamares do Judiciário, em situação superior e passível de ser alcançado na seqüência da prática de atos judiciais para a preservação de certo direito.

[...]

A ação penal em tramitação na Sexta Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro resultou do desmembramento, neste Tribunal, de procedimento ainda embrionário, do Inquérito nº 2.424-4/RJ, da relatoria do ministro Cezar Peluso, no qual Sua Excelência decretou a prisão temporária dos envolvidos.

Pois bem, o que ocorreu ante o citado desmembramento? A prisão temporária dos que permaneceram no inquérito em andamento no Supremo foi relaxada, enquanto a daqueles que passaram a ter procedimento em curso no Juízo referido veio a ser transformada em preventiva. Presente o princípio isonômico, o quadro é gerador de perplexidade, pouco importando haver, em relação a estes, ação penal já formalizada. O fato, por si só, não respalda o ato de constrangimento extremo que é a prisão preventiva. Os acusados, com denúncia recebida, é certo, de integrar quadrilha e de cometer o crime de corrupção ativa estão submetidos, de forma precária e efêmera, sem culpa formada, à custódia do Estado. Aqueles envolvidos nos mesmos crimes, sendo o de corrupção na forma passiva, encontram-se em liberdade presente ato do Supremo. Indaga-se, então: não tivesse havido o desmembramento, qual seria a situação jurídica de todos os envolvidos nos lamentáveis acontecimentos? A presunção do ordinário e não do excepcional, do extravagante, bem sinaliza a ocorrência do afastamento linear, puro e simples, da prisão temporária.

Há mais. As premissas constantes do ato do Juízo não guardam sintonia com o disposto o artigo 312 do Código de Processo Penal, no que o preceito nele inserido deve ser tomado como a consubstanciar exceção, isso considerado o princípio constitucional da não-culpabilidade.

Analisem o que nele consignado. Em primeiro lugar, fez-se histórico a revelar práticas criminosas. A seguir, asseverou-se a gravidade dos crimes narrados (folha 89 do apenso):

Os veementes indícios de participação nos graves crimes narrados, bem assim a mecânica dos acontecimentos permitem afirmar que, ao que tudo indica, os acusados, além de terem a personalidade voltada para a prática de crimes, pautam sua atuação na crença de impunidade em relação aos seus atos.

Adiante se discorreu novamente sobre "os graves crimes noticiados". Essa fundamentação parte de óptica que diz respeito às imputações em si. Graves ou não os crimes, o enquadramento realizado antes da prova, antes da culpa formada, não é conducente à prisão preventiva.

Quanto a entender-se os envolvidos como detentores de personalidade voltada para a prática de crimes, a ordem natural das coisas mostra-se como obstáculo à preventiva. A própria prisão decretada afasta a possibilidade de eles terem contra si condenações passíveis de serem acionadas visando ao cumprimento da pena, sendo que a existência de inquéritos e processos em curso não respalda a conclusão a que se chegou, sob pena de presumir-se a culpa.

Apontou-se como mais razoável presumir que, soltos, os acusados poderão voltar a delinqüir. Eis o trecho da decisão (folhas 89 e 90 do apenso):

Deveras, os graves crimes noticiados, por tudo o que foi apurado até o momento, eram praticados de forma repetida pelos acusados durante razoável espaço de tempo - a investigação em torno do grupo durou pelo menos um ano e meio e há fortes indícios de que o esquema vem de muito antes. Logo, é mais do que razoável afirmar que os mesmos, caso soltos, virão a reiterar a prática criminosa.

Esta suposição é ainda mais robustecida quando se vê que os denunciados, mesmo após o fechamento das casas de bingo, procuravam burlar decisões judiciais através a utilização de federações desportivas e empresas fictícias, que conseguiriam, novamente mediante liminares, fazer voltar a funcionar maquinário pertencente a casas de bingo fechadas pelo próprio judiciário.

Reiterados são os pronunciamentos desta Corte no sentido de se exigirem, para a configuração da periculosidade, dados robustos. A tanto não equivale, no campo de que trata a espécie - de jogos ilícitos -, a afirmação de vir-se atuando há muito tempo. O problema deságua em conclusão sobre a deficiência do poder de polícia, valendo notar que, ante a operação realizada, ante a persecução criminal, estarão os acusados sob o crivo do Judiciário e, aí sim, caso cheguem a intentar práticas condenáveis, existirá base para a custódia excepcional. O que se distancia da ordem jurídica é considerar-se o que teria acontecido até aqui, o que, se de fato procedente, apenas evidencia a falha do aparelho estatal.

Também não vinga o que consignado sob o ângulo da preservação da ordem pública. Parte-se de pressuposto discrepante do que normalmente ocorre - de que, mesmo diante da operação verificada, do processo criminal em curso, os acusados persistirão nas práticas tidas pelo ministério Público e sob o ângulo do recebimento da denúncia, como configuradoras dos crimes. O que asseverado quanto à difusão no seio da sociedade, ao grau sofisticado de organização, à infiltração nos órgãos públicos e ao uso deturpado de funções atribuídas a servidores públicos, não é requisito para chegar-se ao acionamento do artigo 312 do Código de Processo Penal. Frente a quadra vivida, impõe-se, sim, a adoção do rigor referido no ato da cuidadosa magistrada que decretou a prisão preventiva - a Dra. Ana Paula Vieira de Carvalho -, mas tal procedimento há de fazer-se com observação irrestrita à necessidade de apurar-se para, só depois de formada a culpa, punir-se, e não caminhar-se como que para a imposição precoce de pena ainda não formalizada.

O sentimento de impunidade mencionado não é passível de afastamento com a inversão de valores, e isso ocorre quando, não sendo de excepcionalidade maior a situação, a enquadrá-la no regramento próprio - artigo 312 do Código de Processo Penal -, mitiga-se o princípio constitucional da não-culpabilidade. 0 mesmo deve ser dito considerada a referência à "total promiscuidade por que passam as instituições do nosso país, cuja credibilidade já se encontra fortemente abalada" (folha 91 do apenso). Avança-se no aprimoramento da vida em sociedade respeitando-se o arcabouço normativo regedor da espécie.

Compreendam a responsabilidade de todos que atuam em nome do Estado. Mais, tenham presente que o deterioramento da vida pública não serve, em verdadeira profissão de fé, à busca de imediato enquadramento jurídico penal, em antecipação à indispensável formação da culpa.

Não subsiste o que asseverado em termos de inserção dos acusados nos diversos segmentos da Administração Pública, no que teriam praticado atos em verdadeira corrupção de servidores. Eis o trecho da decisão proferida (folha 91 do apenso):

Veja-se que não se está a falar da gravidade dos crimes em tese. Está-se a analisar a gravidade em concreto dos crimes supostamente praticados, que envolvem corrupção nos mais altos escalões do Judiciário e, segundo o que venha a ser apurado em investigações ulteriores, talvez também do legislativo federal e estadual.

Atuem os segmentos da Administração Pública. Acionem os dispositivos legais visando a impedir que crimes sejam cometidos. Mas observem que, ainda em curso ação penal, descabe potencializar as imputações verificadas e, em meio a envolvimento de vulto, de diversos setores, cercear-se a liberdade de ir e vir. 0 afã de punir sofre os temperamentos próprios ao devido processo legal, sob pena de grassar para todos, e o chicote muda de mãos, a insegurança na vida gregária, abrindo-se margem, com o desprezo a balizas legais imperativas, ao surgimento de verdadeira época de terror. Em um Estado Democrático, em um Estado de Direito, hão de ser respeitados princípios, hão de ser observadas balizas. Eis o preço que se paga - e é módico, estando ao alcance de todos - por nele se viver.

Por último, cumpre a apreciação do quadro considerados certos réus. Em relação a Jaime e Licínio, porque nacionais portugueses, aventou-se a possibilidade de deixarem o Brasil. Ora, a persistir tal entendimento, como capaz de levar à prisão preventiva, ter-se-á que esta se tornará automática sempre que se tratar de estrangeiro, o que não se coaduna com os ditames constitucionais.

Relativamente a Paulo Lino e José Renato Granado, ressaltou-se possuírem, segundo relatório policial, contas bancárias e contatos no exterior. A irrelevância do que assentado, em termos de cerceio à liberdade de ir e vir, dispensa maiores comentários.

No tocante a Nagib Suaid e João Oliveira de Farias, considerou-se que tentaram sacar das respectivas contas importâncias vultosas, isso logo após a deflagração da "Operação Furacão". Tudo teria ocorrido objetivando frustrar eventual medida assecuratória. Os dados são neutros no que e refere à preventiva, colocando-se no campo da autodefesa, não gerando a conseqüência extrema que é a perda da liberdade.

O pronunciamento de folha 347 a 373, embora de lavra ilustre - da juíza Ana Paula Vieira de Carvalho -, não apresenta dados suficientes a ter-se como enquadrado, nos artigos 312 e 313 do Código de Processo Penal, o ato de constrição que alcançou a liberdade de ir e vir do paciente, em face da circunstância de a prisão preventiva, mitigando o princípio constitucional da não-culpabilidade, mostrar-se exceção. Supôs-se que, mesmo ante as duas operações desencadeadas - Furacão I e Furacão II -, as ações penais surgidas, a cogitar-se inclusive, em outros habeas, de litispendência, o paciente poderia voltar a práticas condenáveis, considerado o crime de quadrilha, presente a corrupção nas formas ativa e passiva. O enfoque contraria a ordem natural das coisas. A prisão preventiva há de estar baseada, quanto à preservação da ordem pública, em delitos subseqüentes àqueles que deram margem à persecução criminal.

Mais uma vez, consigne-se a presunção de procedimento por servidores públicos em consonância com a ordem jurídica em vigor, e não justamente o contrário. A possível infiltração no aparelho estatal diz respeito, até aqui, a fatos ainda em apuração, não se podendo cogitar da continuidade delitiva. Apesar dos anseios da sociedade por uma mudança de quadra, deve-se apurar, com a percuciência própria, com o rigor devido, para, posteriormente, punir-se. Avança-se no Estado Democrático de Direito, no aprimoramento que lhe é próprio, no campo cultural, observando-se os meios previstos na ordem jurídica. Conforme assentado na decisão anterior, é esse o preço que se paga por viver-se em uma Democracia, e é módico, estando ao alcance de todos.

[...]

Concedo a ordem, tornando definitivo o relaxamento da prisão preventiva formalizada contra os pacientes e os corréus no Processo n° 2007.51.01.804865-5, da 6ª Vara Federal Criminal da Seção Judiciária do Rio de Janeiro, a saber: Ailton Guimarães Jorge, Alcides Campos Sodré Ferreira, Alexandre Cândido Pereira de Almeida, Ana Cláudia Rodrigues do Espírito Santo, Aniz Abrahão David, Antonio Oton Paulo Amaral, Antonio Petrus Kalil, Armando Jorge Varella de Almeida, Eduardo Machado Fonte, Fernando Rodriguez Santos, José Alexandre dos Santos, José Januário de Freitas, José Renato Barbosa de Medeiros, José Renato Granado Ferreira, Juarez Giffori Hygino, Júlio César Guimarães Sobreiro, Júlio Rodrigues Bilharinho, Luiz Carlos Rodrigues de Lima, Luiz Carlos Rubem dos Santos, Luiz Henrique Rossetti Loureiro, Luiz Paulo Dias de Mattos, Marcio de Andrade Vasconcelos, Maurício Alves de Araújo, Miguel Laino, Paulo Roberto de Carvalho Moreira da Silva, Paulo Roberto Ferreira Lino, Rogério Delgado Carneiro, Ronaldo Gonçalves Montalvão, Ronaldo Rodrigues, Susie Pinheiro Dias de Mattos e Valdenir Lopes Alcântara.

Quanto aos pacientes Jacqueline da Conceição Silva, Rogério Delgado Carneiro, Roberto Cunha de Araújo, Marcos Antonio dos Santos Bretas, Renato Gabriel Alves da Silva, Marco Antonio Machado Romeiro, Cláudio Augusto Reis de Almeida e Luciano Andrade do Nascimento, declaro o prejuízo dos pedidos de extensão, ante o requerimento formalizado.

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (RELATOR) - Senhor Presidente, ressalto que o relaxamento - não posso asseverar quanto aos demais, porque os pedidos foram sucessivos - da prisão do paciente da impetração originária data de 4 de agosto de 2007, e, a esta altura, tem-se no contexto situações em descompasso: alguns dos alcançados pelo ato de constrição encontram-se em liberdade ante decisão do próprio Regional Federal, e outros em virtude da decisão precária e efêmera que implementei, para ouvir, no julgamento final, o Colegiado.

A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA - E outros ainda do mesmo grupo, porém ficaram em processos em curso perante este Supremo Tribunal.

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (RELATOR) - Em relação a esses, desnecessário é estender a ordem, porque o ministro Cezar Peluso não deu sequência à custódia, transformando-a de temporária em preventiva!

A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA - Não, eu estou dizendo só para configurar qual é o quadro.

O SENHOR MINISTRO CARLOS BRITTO (PRESIDENTE) - O quadro é dispare.

A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA - O quadro é, como disse, descompassado.

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (RELATOR) - Ou seja, após o período da temporária, ele não implementou a preventiva. Foi quando disse que, se o processo houvesse permanecido, sob o ângulo subjetivo como um grande todo, no Supremo, não teria tido o trabalho que tive ao redigir a liminar.

O SENHOR MINISTRO CARLOS BRITTO (PRESIDENTE) - O Ministério Público justifica esse quadro extremamente dispare, diferenciado, com os fundamentos de cada decreto de prisão preventiva nas instâncias de base em que se enxerga a óptica do Ministério Público, em que situações de caráter pessoal e, portanto, não comunicáveis são devidamente ressalvadas.

A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA - Mas, engraçado, Presidente, que o Ministério Público, pelo menos no parecer dado, apenas aponta que alguns teriam, por exemplo, um seria tesoureiro da suposta organização, mas não especifica, nem especifica nada que não fosse objetivo. O dado é esse que o Ministro-Relator apontou.

O SENHOR MINISTRO CARLOS BRITTO (PRESIDENTE) - 0 Ministério Público põe ênfase nessa peculiaridade de protagonizações, de participação na suposta quadrilha e no cometimento dos ...

A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA - O que não está, pelo que o Ministro-Relator afirma, na descrição feita no decreto de prisão.

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (RELATOR) - De qualquer forma, precisamos aguardar o crivo do Juízo no julgamento da ação penal para estabelecer o grau de participação de cada qual.

A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA - Ou a conduta de cada um.

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (RELATOR) - E ter-se a gradação das penas que possam ser impostas. Isso se o Juízo concluir pela formação da culpa, pela demonstração robusta da culpa dos acusados, até aqui simples acusados.

O SENHOR MINISTRO CARLOS BRITTO (PRESIDENTE) - Como sucede com todo habeas corpus, o que nos cabe aqui é julgar se os decretos prisionais ...

A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA - Estão de acordo, exatamente.

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (RELATOR) - É um decreto só, quer dizer, normalmente é um só, alcançando, como ressaltei trinta e seis ou trinta e sete envolvidos, acusados.

A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA - Isso é o que os advogados inclusive argúem, que haveria o mesmo fundamento, independente do que o Ministério Público estabelece.

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (RELATOR) - O ato é o mesmo. É um ato longo, reconheço que é longo, mas, sob a minha óptica, não afinado com o artigo 312 do Código de Processo Penal.

A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA - Porque é tudo ordem pública.

O SENHOR MINISTRO CARLOS BRITTO (PRESIDENTE) - O habeas corpus é uma ação de matriz constitucional cujos pressupostos de ilegalidade e abuso de poder também estão na Constituição Federal. Isso é o que nos cabe aferir em cada caso concreto.

A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA - Senhor Presidente, nós já analisamos e decidimos aqui sobre alguns outros pacientes em algumas dessas medidas tomadas, não sei se na mesmíssima operação ou se na Operação Furacão II; mas, de toda sorte, isso já veio a este Tribunal.

Naquela ocasião, em um deles, eu o Ministro Menezes Direito, me parece, ficamos vencidos, e, num outro, eu fiquei vencida sozinha, mas o fundamento era outro, era a questão de uma mesma fundamentação que tinha sido aproveitada - Furacão II, me parece.

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (RELATOR) - Em relação ao segundo (inaudível) ou Nagib, não é? A Turma (inaudível) imputações outras.

A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA - É, e eu fiquei vencida.

Eu só estou me lembrando de que o fundamento, naquela ocasião, era que tinha havido o aproveitamento do fundamento de um decreto para uma outra. Ali residiria a ilegalidade.

Neste caso, Senhor Presidente, vou acompanhar o Ministro-Relator, pela circunstância de basicamente dois dados: o primeiro relativo à aplicação do princípio da isonomia, no que se refere, diferentemente do que apontado pelo Ministério Público no caso e tal como enfatizado pelo Ministro-Relator, à igualdade, que, neste caso, de tratamento não teria sido respeitada, até porque a fundamentação é a mesma, e ela é objetiva neste caso.

E, segundo: a questão da ordem pública, porque já se extinguiu, conforme foi enfatizado inclusive pelos advogados da tribuna, a fase de instrução, e ainda houve o afastamento ó

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (RELATOR) - E, mesmo assim, considerados fatos que estão sendo objeto de apuração.

A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA - Ainda estão sob crivo.

E o último dos advogados que falou da tribuna chamou a atenção para a circunstância de que o que poderia levar a algum tipo de mácula ou de empecilho, enfim, a verificação teria sido que os policiais poderiam contribuir para impedir o acesso às provas, ocorre que eles estão afastados exatamente das suas funções. Isso é o que foi dito.

Por esta razão, considerando principalmente que teria havido um tratamento desonômico em relação às partes, mesmo considerando que o Ministério Público não desfaz o que se contém no voto do Ministro-Relator, agora de maneira enfática, que teria havido uma gradação ou uma diferenciação nas condutas e, portanto, imputações diferenciadas; aqui basicamente o que se tem é uma só, eu acompanho o Ministro-Relator, neste caso, especificamente, com a fundamentação por ele apresentada. Vale dizer: não demonstração de agravamento à ordem pública, tal como posto no artigo 312 do Código de Processo Penal, e, principalmente, porque teria havido a quebra do princípio constitucional da igualdade, fazendo com que, portanto, a restrição à liberdade, neste caso, não tivesse o embasamento legal consistente.

É como voto, acompanhando, portanto, o Ministro Relator, neste caso e com esta ressalva referente ao outro julgamento.

VOTO

O Sr. Ministro RICARDO LEWANDOWSKI - Senhor Presidente, começo louvando o cuidadoso e substancioso voto do eminente Relator, que, a meu ver, esgotou todos os aspectos da questão. Cumprimento também os nobres Advogados que sustentaram de forma muito competente da tribuna.

Como foi ressaltado, basicamente a partir do voto do eminente Relator, em primeiro lugar, a prisão preventiva está fundamentada de forma muito precária: uma prisão preventiva comum que não se reporta a fatos concretos, como exige o artigo 312 do CPP. A única diferença, ao que me foi dado entender, é que se sinaliza, se discrimina a participação distinta de cada um dos corréus na ação supostamente criminosa.

Em segundo lugar, ficou bem ressaltado aqui que para um dos pacientes - parece-me que os demais já estão soltos há dois anos ou até mais anos - o fundamento da prisão preventiva foi exatamente a preservação da ordem pública. E ao que tudo indica, a ordem pública não se viu, nem de longe, ameaçada durante esse tempo.

Em terceiro lugar, foi ressaltado da tribuna também que os réus permaneceram soltos durante toda a instrução criminal.

É jurisprudência absolutamente pacífica desta Casa que, se os réus respondem soltos à instrução criminal, não podem ser presos senão depois de transitada em julgado a condenação.

Também achei uma observação muito interessante feita pelo nobre Advogado, Doutor Nélio, salvo engano, da tribuna, de que a aplicação do artigo 580 do Código de Processo Penal não constitui uma faculdade discricionária do magistrado, sujeita ao seu livre arbítrio, mas, sim, uma competência vinculada. Quer dizer, no caso de concurso de agentes, se a situação dos réus for idêntica, o juiz é obrigado a aplicar esse dispositivo, com base nesse dispositivo da lei processual ordinária, quando mais não seja com base no princípio da isonomia, salvo se de modo expresso e fundamentado o magistrado explicitar a diferença da situação de cada réu.

Portanto, acompanho integralmente Sua Excelência o Relator, não só concedendo a ordem com relação a um dos pacientes, mas também determinando a extensão da decisão a todos os demais.

É o meu voto.

O SENHOR MINISTRO CARLOS BRITTO (PRESIDENTE) - Também louvo o voto do eminente Relator, feito com pena de mestre, e a fundamentação dos eminentes ministros.

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (RELATOR) - Considerada a visão da Turma, o ato não foi politicamente correto.

O SENHOR MINISTRO CARLOS BRITTO (PRESIDENTE) - Também louvo o desempenho brilhante dos eminentes Advogados. Mas peço vênia para discordar e, portanto, ficar vencido.

Sempre que julgo um habeas corpus, procuro não perder de vista que ele corresponde a uma via de atalho, per saltam, não comporta dilação probatória, é sabido. E compete aos impetrantes fazer a demonstração cabal.

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (RELATOR) - Demonstração a partir de fatos.

O SENHOR MINISTRO CARLOS BRITTO (PRESIDENTE) - A partir de fatos. De que as instâncias, de ordinário as instâncias judiciais, de que as autoridades impetradas ou as instâncias impetradas agiram com ilegalidade ou abuso de poder. E ilegalidade ou abuso de poder não se presumem; todos nós sabemos disso. Exigem cabal demonstração a carrear para o habeas corpus esse ônus da pré-constituição das provas e alegações robustas, convincentes, primo oculi, ou para além de qualquer dúvida razoável.

No caso, o conjunto da obra - todos nós conhecemos as características desse caso, sintetizado com o nome policial de Operação Furacão - sabemos que o contexto se deu de modo a aliciar autoridades, a corromper autoridades, pelo menos são as imputações mais graves, num contexto de formação de quadrilha para a prática de jogos de azar. E eu prestigio sobremodo as decisões dessas instâncias jurisdicionais de base, porque lidam de perto com fatos, com pessoas; os magistrados que prolatam seus decretos de prisão preventiva conhecem supostamente os fatos melhor do que todos nós, que julgamos papéis; eles julgam fatos e pessoas e se expõem a riscos pessoais e familiares. Então, quando não avulta do processo uma flagrante ilegalidade ou um vistoso abuso de poder, eu me atenho à natureza jurídico-processual da ação constitucional em que se constitui o habeas corpus.

Portanto, peço vênia para discordar.

O SENHOR NÉLIO MACHADO (ADVOGADO) - Senhor Presidente, só uma observação, se Vossa Excelência não considerar uma impertinência. A decisão está tomada, mas eu gostaria de tomar a liberdade de mencionar o voto que Vossa Excelência proferiu no Habeas Corpus n° 92.423, sobre o mesmo contexto.

Vossa Excelência disse textualmente:

"Mais de ano nisso, sem causar nenhum obstáculo e sem justificar uma prisão com base no artigo 312 do Código Penal; sem causar nenhum embaraço ao processo, encontrando-se à disposição da Justiça para os devidos chamamentos."

Vossa Excelência concedeu a ordem, e a acusação aqui era de lavagem - crime mais grave dissentindo do ministro Direito.

A rigor, apenas por uma questão de lembrança, penitenciando-me pela minha ousadia, mas sei que Vossa Excelência tem uma mente elevada e não vai se sentir melindrado pela contribuição que o Advogado busca dar ao melhor posicionamento que vossa Excelência eventualmente possa ter, considerando ou não o seu voto no precedente.

O SENHOR MINISTRO CARLOS BRITTO (PRESIDENTE) - Eu votei como Juiz vogal ou Juiz Relator nesse processo?

O SENHOR NÉLIO MACHADO (ADVOGADO) - Como vogal. Relator foi o ministro marco Aurélio. É o mesmo contexto, é a Operação Furacão, vossa Excelência considerou que o tempo - não tinha dois anos ainda, foi em fevereiro nesse caso, não justificava mais a prisão preventiva.

O SENHOR MINISTRO CARLOS BRITTO (PRESIDENTE) - Mas eu já oficiei várias vezes em processos da chamada Operação Furacão e atentei em todos eles para as peculiaridades do caso.

O SENHOR NÉLIO MACHADO (ADVOGADO) - Perfeito.

O SENHOR MINISTRO CARLOS BRITTO (PRESIDENTE) - Aqui, atento também para o papel desempenhado pelos supostos, ou pelo menos para o principal deles, agentes na suposta Operação Furacão e na formação da suposta - sempre digo suposta, porque não temos ainda a conclusão do processo -, no plano da decisão.

O SENHOR NÉLIO MACHADO (ADVOGADO) - Peço perdão a Vossa Excelência, mas não resisti à tentação de provocá-lo diante disso.

O SENHOR MINISTRO CARLOS BRITTO (PRESIDENTE) - Não, mas eu atento para as peculiaridades do caso.

O SENHOR NÉLIO MACHADO (ADVOGADO) - Perfeito.

O SENHOR MINISTRO CARLOS BRITTO (PRESIDENTE) - Aliás, o Ministério Público também colocou ênfase nessa protagonização diferenciada dos agentes e, no caso, dos pacientes.

De toda maneira, em Direito Penal, Vossa Excelência sabe muito bem, a ordem jurídica ou o Direito positivo é eminentemente orteguiano. Vossa Excelência sabe muito bem que o Direito diz de si para si: eu sou eu e as minhas circunstâncias.

Em matéria penal isso é um dogma de difícil contestação.

Então, eu atento para cada caso. Eu estive aqui a ler peça por peça, as alegações de todas as partes, o criterioso parecer do ministério Público e, por isso, ousei dissentir de tão substanciosos votos.

Agradeço a intervenção de Vossa Excelência, sempre educada, sempre gentil.

O SENHOR NÉLIO MACHADO (ADVOGADO) - Vossa Excelência sabe da minha admiração por Vossa Excelência. Agradeço.

EXPLICAÇÃO

O SENHOR MINISTRO CARLOS BRITTO (PRESIDENTE) - Eu quero comunicar ao Advogado Nélio Machado que Vossa Excelência, Doutor Nélio, não leu por inteiro a fundamentação do meu voto.

O meu voto no Habeas Corpus n° 92.423 teve dois fundamentos. Um foi exatamente este: o paciente estava à solta há mais de um ano e, nesse período, não causou nenhum obstáculo processual, não embaraçou a marcha do processo. Mas houve outro, com base numa deficiência do próprio decreto prisional. Eu entendi que o decreto estava desfundamentado; ele não atendia a nenhum fundamento do artigo 312 do Código Penal.

Então, é uma situação completamente diferente desta que acabamos de julgar, em que a ordem pública foi o fundamento do decreto prisional que me convenceu por completo. Assim, repito: em matéria penal, o Direito é eminentemente orteguiano, cada caso é um caso.

Então, parece-me que a comparação que Vossa Excelência fez, embora educadamente, não tem pertinência temática.

EXTRATO DE ATA

HABEAS CORPUS 92.098-5

PROCED.: RIO DE JANEIRO

RELATOR MIN. MARCO AURÉLIO

PACTE.(S): JÚLIO CÉSAR GUIMARÃES SOBREIRA

IMPTE.(S): NELIO ROBERTO SEIDL MACHADO

PACTE.(S): ANTONIO OTON PAULO AMARAL

ADV.(A/S): PAULO ROBERTO ALVES RAMALHO E OUTRO

PACTE.(S): JORGE DA SILVA CALDAS

ADV.(A/S): CARLO HUBERT C. C. E LUCHIONE

LIT. ATIV. (A/S): FERNANDO RODRIGUEZ SANTOS

COATOR(A/S)(ES): PRESIDENTE DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Decisão: Por maioria de votos, a Turma deferiu o pedido de habeas corpus, nos termos do voto do Relator; vencido o Ministro Carlos Ayres Britto, Presidente. Falaram: o Dr. Nélio Machado, pelo paciente Júlio César Guimarães Sobreira, o Dr. Paulo Ramalho, pelo paciente Antônio Oton Paulo Amaral, o Dr. Marcos Criciúma, pelo corréu Eduardo Machado Fontes e o Dr. José Mauro Couto de Assis, pelo litisconsorte Fernando Rodriguez Santos. Ausente, justificadamente, o Ministro Menezes Direito. 1ª Turma, 04.08.2009.

Presidência do Ministro Carlos Ayres Britto. Presentes à Sessão os Ministros Marco Aurélio, Ricardo Lewandowski e a Ministra Cármen Lúcia. Ausente, justificadamente, o Ministro Menezes Direito.

Subprocurador-Geral da República, Dr. Edson Oliveira de Almeida.

Ricardo Dias Duarte - Coordenador




JURID - Prisão preventiva. Excepcionalidade. [25/11/09] - Jurisprudência

 



 

 

 

 

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