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quinta-feira, 26 de novembro de 2009

JURID - Ação de reparação de danos. Ilegitimidade da fundação. [26/11/09] - Jurisprudência


Ação de reparação de danos. Ilegitimidade da fundação mantenedora. Prescrição.
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Tribunal de Justiça de Minas Gerais - TJMG.

EMENTA: AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS. ILEGITIMIDADE DA FUNDAÇÃO MANTENEDORA. PRESCRIÇÃO. PRINCÍPIO ACTIO NATA. DANOS MORAIS E MATERIAIS. CONSTRANGIMENTO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. QUANTUM INDENIZATÓRIO. CORREÇÃO MONETÁRIA. DANO MATERIAL.- Se a decisão que ocasionou a expulsão da autora do curso de Química da Faculdade de Ciências, Filosofia e Letras foi tomada unilateralmente pela Universidade, face à sua autonomia administrativa e pedagógica, sem a interferência da Fundação, entidade mantenedora da entidade de ensino, no Processo Administrativo Disciplinar ou em qualquer ato que teria causado o dano à autora, não é parte ilegítima para figurar no pólo passivo da presente relação processual. - O prazo prescricional está submetido ao princípio da actio nata, segundo o qual a prescrição se inicia com o nascimento da pretensão ou da ação, ou seja, quando o prejudicado tomar conhecimento do fato e/ou de suas consequências.- A responsabilidade do prestador de serviços educacionais deve ser analisado à luz do microssistema consumerista, que prestigiou a teoria da responsabilidade objetiva, segundo a qual é desnecessária, para a caracterização do dever reparatório, a comprovação da culpa do agente, ficando o consumidor responsável, apenas, em demonstrar a efetiva ocorrência do dano à consumidora e do nexo causal.- No que diz respeito, especificamente, ao quantum indenizatório, este Tribunal, a exemplo de várias outras Cortes brasileiras, tem primado pela razoabilidade na fixação dos valores das indenizações. É preciso ter sempre em mente que a indenização por danos morais deve alcançar valor tal, que sirva de exemplo para a ré, sendo ineficaz, para tal fim, o arbitramento de quantia excessivamente baixa, mas, por outro lado, nunca deve ser fonte de enriquecimento para o autor, servindo-lhe apenas como compensação pela dor sofrida.- É proibida a vinculação do salário mínimo para qualquer fim, em cumprimento do disposto no art. 7º, IV, parte final, da CF/88.- A cifra indenizatória deve ser atualizada, segundo os índices fornecidos pela Corregedoria Geral de Justiça, a contar da publicação deste acórdão. - Os danos materiais, como cediço, devem ser cabalmente demonstrados para que se possa quantificá-los de forma precisa e criteriosa.

APELAÇÃO CÍVEL N° 1.0338.06.049189-5/001 - COMARCA DE ITAÚNA - 1º APELANTE(S): FUND UNIVERSIDADE ITAUNA - 2º APELANTE(S): GEANE CARLA DE SOUSA - APELADO(A)(S): FUND UNIVERSIDADE ITAUNA E OUTRO(A)(S), GEANE CARLA DE SOUSA - RELATOR: EXMO. SR. DES. LUCAS PEREIRA

ACÓRDÃO

Vistos etc., acorda, em Turma, a 17ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, incorporando neste o relatório de fls., na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, à unanimidade de votos, EM ACOLHER A PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE PASSIVA DA FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE DE ITAUNA, CORRIGINDO O ERRO MATERIAL NO DISPOSITIVO DA SENTENÇA. REJEITAR A PREJUDICIAL DE PRESCRIÇÃO. NO MÉRITO, NEGAR PROVIMENTO À PRIMEIRA APELAÇÃO E DAR PROVIMENTO PARCIAL À SEGUNDA.

Belo Horizonte, 08 de outubro de 2009.

DES. LUCAS PEREIRA - Relator

NOTAS TAQUIGRÁFICAS

O SR. DES. LUCAS PEREIRA:

VOTO

Trata-se de apelações cíveis interpostas contra sentença proferida pela MMa. Juíza de Direito da 2ª Vara Cível da Comarca de Itaúna, nos autos da ação ordinária de reparação de danos, movida por GEANE CARLA DE SOUSA em desfavor da UNIVERSIDADE DE ITAÚNA e FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE DE ITAÚNA.

Noticiou a exordial, que a autora era aluna do curso de Química da Faculdade de Ciências, Filosofia e Letras da primeira requerida, tendo se formado em julho de 2005. Alega que em razão das reivindicações realizadas no Campus da Universidade pelos alunos dos cursos de História e Química, ocorrida em 20/03/2001, foi instaurado um Processo Administrativo Disciplinar que culminou em sua expulsão do corpo discente da instituição educacional. Face à irregularidade do Processo Administrativo, ele foi anulado no Mandado de Segurança no. 2002.38.00.002845-2. A partir de então, assevera, passou a sofrer todo tipo de "terror psicológico" e ter "tratamento diferenciado de todos os demais colegas" (f. 19). Afirma que sofreu prejuízos no mercado de trabalho e continuidade normal do curso. Ao final, pugnou pela condenação solidária ou subsidiária das rés ao pagamento de indenização, a título de danos morais, psicológicos e materiais, no valor de R$50.000,00 (cinquenta mil reais).

Citadas, as requeridas apresentaram defesa. A UNIVERSIDADE DE ITAÚNA, na contestação de f. 86/96, alegou que a relação havida entre as parte é de consumo e que, por força do art. 27 do CDC, os direitos da autora estão prescritos. No mérito, alega que não se encontram presentes, in casu, os requisitos da obrigação de indenizar. Destaca que ainda que tenha havido vício no PA, a autora não foi prejudicada, pois retornou às atividades escolares em 15 (quinze) dias mediante liminar concedida no Mandado de Segurança. Rechaça qualquer indenização a título de dano moral e o valor pleiteado. Por derradeiro, bate pela improcedência dos pedidos iniciais.

A FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE DE ITAÚNA, na contestação de f. 105/117, arguiu sua ilegitimidade passiva para figurar no pólo passivo da relação processual e os mesmos themas expostos pela UNIVERSIDADE DE ITAÚNA em sua defesa.

Audiência de Instrução e Julgamento às f. 190/195.

Sobreveio sentença às f. 244/259, na qual a douta julgadora a quo acolheu a preliminar de ilegitimidade passiva da FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE DE ITAÚNA para excluí-la da lide, rejeitar a prescrição e julgar parcialmente procedente o pedido inicial para condenar a FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE DE ITAÚNA a pagar à autora 15 (quinze) salários mínimos vigentes à época da liquidação a título de danos morais, acrescida de juros de mora à razão de 12% (doze por cento) ao ano, a contar da citação, estando dispensada a correção monetária por ter o valor da indenização como base o salário mínimo. Condenou a requerida a pagar as custas processais e honorários, estes fixados em 15% (quinze por cento) sobre o valor da condenação.

Inconformada a autora apresentou Embargos de Declaração (f. 260), que foram acolhidos às f. 264 para conceder à embargante a gratuidade de justiça definitiva.

Inconformada, a FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE DE ITAÚNA apela, repisando, nas razões de f. 265/276, sua ilegitimidade passiva para figurar no pólo passivo da relação processual; a prescrição, calcada no art. 27 do CDC. No mérito, alega que não se encontram presentes, in casu, os requisitos da obrigação de indenizar; que não restou provado o prejuízo da requerente; repudia o quantum pleiteado e pede a improcedência do pedido inicial.

A autora também recorre, pugnando, nas razões de f. 286/294, pelo reconhecimento da legitimidade passiva da FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE DE ITAÚNA; majoração da cifra indenizatória e condenação em danos materiais.

Contrarrazões à primeira apelação às f. 280/284, em que a apelada se pauta pela manutenção da sentença e ao segundo recurso às f. 297/300, batendo pelo desprovimento do apelo.

JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE

Conheço dos recursos, porque presentes os pressupostos de admissibilidade.

Tendo em vista a natureza das matérias neles arguidas, passo a analisá-los conjuntamente.

PRELIMINAR - ILEGITIMIDADE PASSIVA

Questionam as partes a legitimidade da Fundação Universidade de Itaúna para figurar no pólo passivo da presente demanda.

Ao examinar a extensão conceitual da legitimidade ad causam pasiva, adverte Arruda Alvim:

"A legitimidade ad causam, uma das condições da ação, se não integra os fundamentos da demanda, partindo do direito substancial, é definida em função de elementos fornecidos pelo direito material (apesar de ser dele, existencialmente, desligada). A legitimatio ad causam é a atribuição, pela lei ou pelo sistema, do direito de ação ao autor, possível titular ativo de uma dada relação ou situação jurídica, bem como a sujeição do réu aos efeitos jurídico-processuais e materiais da sentença. (...) A legitimidade é idéia transitiva, isto é, alguém é legítimo em função de outrem; vale dizer, o perfil final da legitimidade exige a consideração do outro." (in "Manual de Direito Processual Civil". São Paulo: Revista dos Tribunais, volume 1, 5a edição, 1996, p. 349/350).

Com efeito, a legitimidade para a causa "decorre da pertinência abstrata com o direito material controvertido", sendo certo que, "para ter legitimidade, não se exige que a pertinência com o direito material seja real, basta a mera afirmação" (apud Elpídio Donizetti Nunes. in "Curso Didático de Direito Processual Civil". 2ª ed. Belo Horizonte: Del Rey, 1999, p. 39).

Neste sentido, conclui o citado autor:

"(...) pouco importa o direito controvertido real, existente, que possa ser reconhecido na sentença. O que interessa para verificação da legitimidade é o direito abstratamente invocado, a afirmação do autor, de tal forma que o juiz possa estabelecer um nexo entre a narrativa e a conclusão." (ob. cit., p. 39).

Sobre o tema ensina Cândido Rangel Dinamarco, em Instituições de direito processual civil, 4. ed., São Paulo: Malheiros Editores, vol. II, p. 306:

"Legitimidade ad causam é a qualidade para estar em juízo, como demandante ou demandado, em relação a determinado conflito trazido ao exame do juiz. Ela depende sempre de uma necessária relação entre o sujeito e a causa e traduz-se na relevância que o resultado desta virá a ter sobre sua esfera de direitos, seja para favorecê-la ou para restringi-la. Sempre que a procedência de uma demanda seja apta a melhorar o patrimônio ou a vida do autor, ele será parte legítima; sempre que ela for apta a atuar sobre a vida ou patrimônio do réu, também esse será parte legítima. Daí conceituar-se essa condição da ação como relação de legítima adequação entre o sujeito e a causa."

Compulsando os autos, verifica-se que a autora menciona fatos e colaciona documentos relacionados à sua expulsão da UNIVERSIDADE ré e à deficiência do Processo Administrativo Disciplinar por esta realizado unilateralmente.

Entendo que, os fatos narrados têm pertinência somente à instituição educacional ré, porque somente a ela atribuídos. Ora, em momento algum a entidade mantenedora participou do Processo Administrativo que ocasionou a expulsão da autora do curso de Química da Faculdade de Ciências, Filosofia e Letras e nem dos demais atos que lhe teriam causado os danos morais e materiais. Tal decisão foi tomada unilateralmente pela UNIVERSIDADE, face à sua autonomia administrativa e pedagógica.

Nessa linha de conta, inolvidável que, como decidido pelo d. Juízo a quo, a Fundação Universidade de Itaúna é parte ilegítima para figurar no pólo passivo da presente relação processual.

Acolho a preliminar para corrigir erro material no dispositivo da sentença e excluir a Fundação Universidade de Itaúna do pólo passivo da demanda.

PREJUDICIAL - PRESCRIÇÃO

Sustenta a primeira apelante que a pretensão da autora está invariavelmente prescrita por força do disposto no art. 27 do Código de Defesa do Consumidor, que estipula um prazo de prescricional de 5 (cinco) anos.

É cediço que a relação existente entre as partes é de consumo, sendo aplicáveis as regras do Código de Defesa do Consumidor, pois, os três requisitos hábeis a ensejar o enquadramento da demanda na seara consumerista estão presentes: (i) o curso ministrado é um serviço, o que está implícito na própria natureza do fornecimento; (ii) o aluno é, a toda evidência, consumidor, por ser destinatário final dos serviços (CDC, art. 2º); (iii) a instituição educacional é pessoa jurídica e presta serviços à população (CDC, art. 3º).

O art. 27 do CDC determina que:

"Art. 27. Prescreve em cinco anos a pretensão à reparação pelos danos causados por fato do produto ou do serviço prevista na Seção II deste Capítulo, iniciando-se a contagem do prazo a partir do conhecimento do dano e de sua autoria." (g.n.)

Como determina o dispositivo, o prazo prescricional está submetido ao princípio da actio nata, segundo o qual a prescrição se inicia com o nascimento da pretensão ou da ação. No campo da responsabilidade civil, de acordo com o princípio da actio nata podemos dizer que o termo inicial do prazo prescricional para a ação de indenização ou reparação de danos só se inicia quando o prejudicado tomar conhecimento do fato e/ou de suas consequências. Afinal, não se pode reclamar de um fato desconhecido ou do qual não se tem ciência da consequência danosa que causou ou que eventualmente irá causar.

Leciona Ulderico Pires dos Santos que:

"A prescrição se perfectibiliza com estas particularidades: a) existência de um direito exigível que pode ser tutelado durante o tempo previsto na lei para o exercício da ação; b) vontade de seu titular de tutelá-lo, durante o curso do prazo legal; c) inexistência de obstáculo capaz de impedir o titular do direito de exercê-lo, se quiser.

A ação nasce com a vontade do credor de proteger o seu direito ou melhor: preexiste à sua faculdade de querer, uma vez que surge, concomitantemente, com o direito que precisa ser protegido.

Ao nosso ver, a prescrição não significa a morte do direito como afirmou Câmara Leal. É, isto sim, o germe que a mantém fecundada até perfectibilizar-se ou definhar com o transcurso do tempo, dentro do qual a ação pode ser proposta. É a extinção do prazo para o seu exercício que culmina com a extinção do direito que ela podia proteger. (...)

Como dissemos, há causas que impedem a prescrição e as que, apenas, a suspendem; a primeira ocorre antes do nascimento da ação.

Quer dizer: embora o titular do direito disponha de ação para fazê-lo valer, não a exercita porque o curso do prazo da prescrição ainda não começou a correr, não obstante o princípio da actio nata est, segundo o qual a prescrição começa o seu curso no momento em que a ação nasce; a segunda, ou seja, a que suspende o prazo, existe quando a ação já tem vida exterior ou melhor: quando esse prazo já está correndo porque a causa que podia impedir o seu curso nasceu somente depois de surgida a ação.

No fundo, as causas ou acontecimentos que estorvam, tolhem ou embargam a marcha ou a evolução do prazo são as mesmas que não permitem que a prescrição se consume ou que continue. A diferença entre ambas está no instante em que nasce a ação e o direito.

Numa hipótese, a causa preexiste à ação e, portanto, impede que o prazo da prescrição se inicie; no outro, ele já se iniciou e tem o seu curso impedido.

Se o seu prazo for suspenso, os dias decorridos serão computados no total estabelecido pela lei, tão logo ele volte a correr. Se foi interrompido, o tempo já decorrido fica sem efeito, começando ex novo, tão depressa desapareça o motivo da interrupção; daí ser contado por inteiro.

Vamos insistir nesse assunto que a muitos ainda parece confuso: impede-se a prescrição, evitando-se que ela se consume; suspende-se quando já está correndo.

No primeiro caso, ela não atinge seu ápice porque a causa que a impede impossibilita o exercício da ação; no segundo, como já estava com seu ciclo iniciado, a ação fica estancada em conseqüência da causa superveniente que suspende o seu curso."(in "Prescrição - Doutrina, jurisprudência e prática".2ª ed., Forense:Rio de Janeiro, 1990, p. 04 e 22/23).

No caso in specie, a ciência inequívoca da violação do direito se deu com a concessão da liminar Mandado de Segurança no. 2002.38.00.002845-2, perante o TRF da 1ª Região ocorrido aos 08/02/2002 conforme pesquisa realizada no site do TRF01(1), vez que, neste momento, a autora constatou que a decisão exarada no Processo Administrativo Disciplinar, instaurado pela Portaria no. 01/2001 não surtiria qualquer efeito legal, mesmo já tendo lhe causado prejuízos.

Assim, se a presente ação foi proposta aos 21/07/2006 (f. 59), não houve transcurso do prazo quinquenal e, por consequência, não há se falar em prescrição.

Rejeito a prejudicial e prescrição.

MÉRITO

O mérito da demanda cinge-se à averiguação de danos morais e materiais causados pela UNIVERSIDADE DE ITAÚNA à autora em decorrência da expulsão do corpo discente do curso de Química da Faculdade de Ciências, Filosofia e Letras, no Processo Administrativo Disciplinar, que foi anulado no Mandado de Segurança no. 2002.38.00.002845-2, perante o TRF da 1ª Região, por violação aos princípios do contraditório e ampla defesa.

No caso de relação de consumo, a responsabilidade civil deve ser analisada sob a ótica objetiva, como determina o art. 14 do CDC, litteris:

"O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.

§ 1° O serviço é defeituoso quando não fornece a segurança que o consumidor dele pode esperar, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais:

I - o modo de seu fornecimento;

II - o resultado e os riscos que razoavelmente dele se esperam;

III - a época em que foi fornecido.

§ 2º O serviço não é considerado defeituoso pela adoção de novas técnicas.

§ 3° O fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar:

I - que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste;

II - a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.

§ 4° (...)"

A responsabilidade objetiva se configura independentemente da culpa, como leciona Carlos Roberto Gonçalves, in Responsabilidade Civil, 8ª ed., São Paulo:Saraiva, 2003, p. 21/22:

"Nos casos de responsabilidade objetiva, não se exige prova de culpa do agente para que seja obrigado a reparar o dano. Em alguns, ela é presumida pela lei. Em outros, é de todo prescindível, porque a responsabilidade se funda no risco (objetiva propriamente dita ou pura).

Quando a culpa é presumida, inverte-se o ônus da prova. O autor da ação só precisa provar a ação ou omissão e o dano resultante da conduta do réu, porque sua culpa já é presumida. Trata-se, portanto, de classificação baseada no ônus da prova. É objetiva porque dispensa a vítima do referido ônus. Mas, como se baseia em culpa presumida, denomina-se objetiva imprópria ou impura. É o caso, por exemplo, previsto no art. 936 do CC, que presume a culpa do dono do animal que venha a causar dano a outrem. Mas faculta-lhe a prova das excludentes ali mencionadas, com inversão do onus probandi. Se o réu não provar a existência de alguma excludente, será considerado culpados, pois sua culpa é presumida.

Há casos em que se prescinde totalmente da prova da culpa. São as hipóteses de responsabilidade independentemente de culpa. Basta que haja relação de causalidade entre a ação e o dano."

Nesse esteio, ao contrário do que pretende a primeira apelante, o caso em tela deve ser analisado à luz do microssistema consumerista, que prestigiou a teoria da responsabilidade objetiva, segundo a qual é desnecessária, para a caracterização do dever reparatório, a comprovação da culpa do agente, ficando o consumidor responsável, apenas, em demonstrar a efetiva ocorrência do dano à consumidora e do nexo causal.

Como corretamente demonstrado na r. sentença recorrida a prova apresentada pela autora evidenciou a ocorrência de violação de direitos da personalidade da segunda apelante, eis que depois das manifestações ocorridas na UNIVERSIDADE em 20/03/2001, a autora foi expulsa aos 25/06/2001 e, após 08/02/2002, data da decisão liminar exarada no Mandado de Segurança, conforme pesquisa realizada no site do TRF, reintegrada nos quadros da instituição de ensino. Mesmo depois de reintegrada, o tratamento dado à autora foi diferenciado ao de seus colegas, eis que sempre foi constrangida até o término do seu curso.

Observe que na decisão exarada pela juíza Federal Substituta da 19ª. Vara da Seção Judiciária de Minas Gerais, que concedeu a segurança, restou consignado: "A pena de expulsão, que pode prejudicar toda a vida que a estudante tem pela frente, afigura-me desproporcional relativamente à conduta praticada pela aluna" (f. 42-TJ), notadamente porque violada a "garantia do contraditório e da ampla defesa, eis que sem a individualização da conduta de cada participante" (f. 43-TJ).

A violação aos direitos da personalidade da autora restou evidenciada nos autos, pelo que a responsabilidade da UNIVERSIDADE DE ITAÚNA é inquestionável.

No depoimento prestado neste feito, as testemunhas afirmaram:

VALDIR GONÇALVES:

"... que participou de grupo de jovens na Paróquia Nossa Senhora de Fátima junto com a requerente; que acompanhou o período em que a requerente foi expulsa da universidade, pois as reuniões do grupo de jovens são nos finais de semana; que pode dizer que a requerente nas reuniões do grupo de jovens ficou bem mais triste, mais introspectiva, depois que vieram a saber os motivos da tristeza da requerente;" (f. 192)

EDEVAN JOSÉ ALVES:

"...Testemunha advertida na forma da lei, assim se manifestou: que conhece a requerente há algum tempo; que conhecia da igreja na época dos fatos; que hoje a requerente é noiva do seu irmão; que na época era segurança do estacionamento do prédio de química do campus ... que trabalhava no campus no período da construção do prédio de química; no dia da manifestação estava presente no campus; que não viu a requerente na manifestação; que viu alguns participantes da manifestação e que todos eram homens; que viu a requerente no dia seguinte, inclusive, sendo fotografada e filmada pelo chefe e de segurança; que não foi repassado para o depoente porque a requerente estava sendo filmada; que depois da expulsão a requerente não freqüentava mais a igreja, não a via mais na rua; que a requerente não podia entrar no Campus; que no dia da expulsão a requerente já estava na sala de aula e foi repassado no rádio da segurança que a mesma não poderia entrar ou permanecer no Campus; que o chefe da segurança foi até a sala requerente e falou que se ela não saísse iria chamar a polícia para retirá-la, que então a requerente saiu da sala de aula e do campus; que todos os seguranças do prédio, inclusive quem não viu , foram obrigados a assinar um termo constando o nome de vários alunos que estariam na manifestação; que recorda que viu o nome de Geane; ... que acompanhou as manifestações por causa das ordens que recebeu;" (f. 193/194) (g.n.)

FERNANDA CARLA MARINHO BATISTA:

"... que trabalhou com a requerente no supermercado Rena, na época em que a requerente foi expulsa da universidade; que a requerente ficou muito deprimida, que chorava atoa; que clientes do Rena perguntavam se foi ela que foi expulsa, pois havia saído no jornal; ... que foi noticiado que a requerente teria sido líder da manifestação; que na mesma reportagem falava da expulsão; que a depoente ouviu uma cliente perguntar..." (f. 195)

Assim, caberia à fornecedora dos serviços de educação, para se eximir do dever de indenizar, comprovar a ocorrência de uma das excludentes da responsabilidade civil, que, segundo as lições de Zelmo Denari são: a) que tendo prestado o serviço, o defeito inexiste, b) que a culpa é exclusiva da consumidora ou de terceiro e, por fim, c) a ocorrência de caso fortuito ou força maior.

Como a primeira apelante não se desincumbiu do ônus de provar a ocorrência de uma das causas excludentes da responsabilidade e o dano e o nexo causal restaram demonstrados, é incontroverso o dano moral.

Sustentam os apelantes, a seu turno, que o valor fixado a título de indenização por danos morais não foi justo, pretendendo a autora sua majoração e a ré sua redução.

No que diz respeito, especificamente, ao quantum indenizatório, este Tribunal, a exemplo de várias outras Cortes brasileiras, tem primado pela razoabilidade na fixação dos valores das indenizações. É preciso ter sempre em mente que a indenização por danos morais deve alcançar valor tal, que sirva de exemplo para a ré, sendo ineficaz, para tal fim, o arbitramento de quantia excessivamente baixa, mas, por outro lado, nunca deve ser fonte de enriquecimento para o autor, servindo-lhe apenas como compensação pela dor sofrida.

No caso em tela, em que a autora foi expulsa da UNIVERSIDADE por ato que não praticou e exposta como situação vexatória, tenho que a verba indenizatória fixada em primeiro grau mostrou-se insuficiente. Baseando-me em decisões proferidas nesta Câmara, entendo que, in casu, geralmente o quantum varia entre o equivalente a dez e vinte salários mínimos, de acordo com certos pressupostos, como a gravidade do dano.

Assim, entendo que o valor da indenização deve ser fixado em R$ 9.300,00 (nove mil e trezentos reais), obedecendo à orientação do STF, no sentido de ser proibida a vinculação do salário mínimo para qualquer fim, em cumprimento do disposto no art. 7º, IV, parte final, da CF/88.

Ressalte-se que o afastamento da vinculação da indenização ao salário de referência acaba com o bis in idem rechaçado pelo Juízo na sentença, devendo aquele montante ser atualizado, segundo os índices fornecidos pela Corregedoria Geral de Justiça, a contar da publicação deste acórdão.

Por outro lado, quanto aos danos materiais alegados, reputo sem razão a autora.

Sustentou a autora que em razão da expulsão atrasou em 1 (um) ano a conclusão do curso de universitário e, em consequência, a entrada no mercado de trabalho.

Ocorre que, ao contrário do que alega a segunda apelante, os documentos colacionados aos autos não comprovam os fatos alegados, notadamente a demora da conclusão do curso de graduação de Química em razão da expulsão. Observe-se que muito embora a expulsão tenha se concretizado aos 25/06/2001, como alegado, em pesquisa realizada no site do TRF, o Mandado de Segurança no. 2002.38.00.002845-2 somente foi proposto em 25/01/2002, e a liminar deferida 14 dias depois, ou seja, 08/02/2002.

Assim, se a autora deixou de cursar o segundo semestre de 2001, não foi por culpa exclusiva da ré, mas por desídia ou omissão sua, que só propôs a ação mandamental no semestre subsequente.

Ademias, o documento de f. 27 não tem o condão de comprovar a data de entrada da autora no mercado de trabalho e muito menos que o foi só após a sua conclusão do curso em decorrência da expulsão ocorrida.

O não atendimento do ônus de provar coloca a parte em desvantajosa posição para o acolhimento do pedido, não podendo ser utilizada interpretação dissociada da realidade, para prover a tese desenvolvida na apelação.

Os danos materiais, como cediço, devem ser cabalmente demonstrados para que se possa quantificá-los de forma precisa e criteriosa.

Portanto, acredito que a segunda apelante não se desincumbiu de seu ônus probatório, não tendo comprovado o fato constitutivo de seu direito aos lucros cessantes.

A respeito da matéria acima explanada, importante consignar as lições de Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery:

"Ônus de provar - A palavra vem do latim onus, que significa carga, fardo, peso, gravame. Não existe obrigação que corresponda ao descumprimento do ônus. O não atendimento do ônus de provar coloca a parte em desvantajosa posição para a obtenção do ganho de causa. A produção probatória, no tempo e na forma prescrita em lei, é ônus da condição de parte" (Código de Processo Civil Comentado e legislação processual civil extravagante em vigor, RT, 6ª ed., p. 695/696).

No mesmo sentido, é a lição do emérito professor Humberto Theodoro Júnior, em sua obra "Curso de Direito Processual Civil", (19ª edição, Ed. Forense - p. 422), onde se lê:

"Por outro lado, de quem quer que seja o 'onus probandi', a prova, para ser eficaz, há que apresentar-se como completa e convincente a respeito do fato de que deriva o direito discutido no processo. Falta de prova e prova incompleta equivalem-se, na sistemática processual do ônus da prova."

Ainda que assim não fosse o pedido relativo a tal indenização foi formulado de forma totalmente genérica, em desatenção às regras insertas nos artigos 282, IV, e 286, caput, do Estatuto Processual Civil.

Rogata venia, é inadmissível a formulação de pedido genérico, exceto nas hipóteses elencadas nos incisos I a III do citado artigo 286, sendo certo que o caso dos autos não se subsume a nenhuma dessas exceções, portanto, inviável a prolação de sentença ilíquida.

CONCLUSÃO

Com tais razões de decidir, acolho a preliminar de ilegitimidade passiva da FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE ITAÚNA, corrigindo o erro material no dispositivo da sentença, rejeito a prejudicial de prescrição e, no mérito, nego provimento à primeira apelação e dou parcial provimento segunda à apelação para reformar a r. sentença de primeiro grau e majorar a cifra indenizatória para R$ 9.300,00 (nove mil e trezentos reais), devendo o montante ser atualizado, segundo os índices fornecidos pela Corregedoria Geral de Justiça, a contar da publicação deste acórdão, restando mantida a r. sentença pelos fundamentos lançados neste julgado.

Custas do primeiro recurso, pela apelante, do segundo recurso, à razão de 70% (setenta por cento) para a apelante, suspensa a exigibilidade por força do disposto no artigo 12, da Lei n. 1.060/50, e 30% (trinta por cento) para a apelada.

Votaram de acordo com o(a) Relator(a) os Desembargador(es): EDUARDO MARINÉ DA CUNHA e IRMAR FERREIRA CAMPOS.

SÚMULA: ACOLHERAM A PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE PASSIVA DA FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE DE ITAUNA, CORRIGINDO O ERRO MATERIAL NO DISPOSITIVO DA SENTENÇA. REJEITARAM A PREJUDICIAL DE PRESCRIÇÃO. NO MÉRITO, NEGARAM PROVIMENTO À PRIMEIRA APELAÇÃO E DERAM PROVIMENTO PARCIAL À SEGUNDA.

Data da Publicação: 05/11/2009



Notas:

1 - http://processual-mg.trf1.gov.br/Processos/ProcessosSecaoOra/ConsProcSecaopro.php?SECAO=MG&proc=200238000028452 [Voltar]




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