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segunda-feira, 30 de novembro de 2009

JURID - Direito penal. Crime de corrupção passiva. [30/11/09] - Jurisprudência


Direito penal. Crime de corrupção passiva em concurso material com crime de mediação para servir a lascívia de outrem com o fim de lucro.


Tribunal de Justiça de Minas Gerais - TJMG.

DIREITO PENAL - CRIME DE CORRUPÇÃO PASSIVA EM CONCURSO MATERIAL COM CRIME DE MEDIAÇÃO PARA SERVIR A LASCÍVIA DE OUTREM COM O FIM DE LUCRO - ATOS PRATICADOS NO INTERIOR DE UMA UNIDADE PRISIONAL POR SERVIDORES PÚBLICOS - PRELIMINARES - NULIDADE PROCESSO - INTIMAÇÃO - AUDIÊNCIAS - PRECATÓRIAS - ALEGAÇÕES FINAIS DEFICIENTES - AUSÊNCIA DE DEFESA - REJEIÇÃO - AUTORIA E MATERIALIDADE DELITIVAS - PROVAS PRODUZIDAS EM JUÍZO E NA FASE INQUISITORIAL A ENSEJAREM A CONDENAÇÃO - CRIME COMETIDO EM CONCURSO DE PESSOAS - DOLO INTENSO - DESRESPEITO AOS PRESOS E À ORDEM PÚBLICA - PENAS-BASES QUE DEVEM FICAR BEM ACIMA DO MÍNIMO LEGAL - PENA - DIAS-MULTA APLICAÇÃO EQUIVOCADA - PEQUENO ERRO MATERIAL ARITMÉTICO - SUBSTITUIÇÃO DAS PENAS POR RESTRITIVAS DE DIREITO - TRANSAÇÃO PENAL - IMPOSSIBILIDADE - ART. 44, I DO CP - REGIME INICIAL FECHADO PARA CUMPRIMENTO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDAD - RECURSO PROVIDO EM PARTE. 1 - Suposta irregularidade processual penal relativa não pode ser erigida após ter decorrido o prazo para que o vício fosse alegado, 'in casu', apenas em grau recursal, precluso pois, o direito. 2 - ''A eventual insuficiência da defesa técnica promovida em favor do réu somente caracterizaria hipótese de invalidação formal do processo penal condenatório se se demonstrasse, objetivamente, a ocorrência de prejuízo para o acusado (Súmula nº 523/STF), uma vez que a causa de nulidade absoluta prevista na legislação processual refere-se à falta de defesa e não ao seu eventual exercício'' (STF, in RT 755/533). 3 - È descabido o pleito de absolvição pela prática dos delitos de corrupção passiva em concurso material com o crime de mediação para servir a lascívia de outrem, quando existem nos autos provas suficientes de autoria e materialidade delitivas. Em especial, quando resta comprovado que tais delitos ocorreram no interior de uma unidade prisional, por servidora pública e sua companheira de serviço, em ato de total desrespeito à dignidade dos presos que ali se encontravam, bem comoda própria Administração Pública. 4 - Incabível a incidência ao caso - crime de mediação para servir a lascívia de outrem - das regras da transação penal, já que tal instituto é restrito aos procedimentos que tramitam perante os Juizados Especiais, logo, que dizem respeito a delitos de menor potencial ofensivo, cuja pena máxima seja de até 02 anos. 5 - A definição do regime prisional do acusado baseia-se nos requisitos temporais previstos no art. 33 do CP, e na análise das suas condições pessoais e daquelas envolventes do delito. 6 - Em virtude da proibição contida no inc. I do art. 44 do CP, com a redação determinada pela Lei 9.714/1998, não se afigura viável a substituição de pena reclusiva, requerida pela defesa, quando a pena final aplicada for superior a 04 anos e as circunstâncias judiciais assim não o recomendarem.

APELAÇÃO CRIMINAL N° 1.0024.01.035684-8/002 - COMARCA DE BELO HORIZONTE - APELANTE(S): DEJAINE ADALBERTA MARTINS - APELADO(A)(S): MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADO MINAS GERAIS - RELATOR: EXMO. SR. DES. DELMIVAL DE ALMEIDA CAMPOS

ACÓRDÃO

Vistos etc., acorda, em Turma, a 4ª CÂMARA CRIMINAL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, à unanimidade de votos, EM REJEITAR AS PRELIMINARES E PROVER, EM PARTE, O RECURSO.

Belo Horizonte, 21 de outubro de 2009.

DES. DELMIVAL DE ALMEIDA CAMPOS - Relator

NOTAS TAQUIGRÁFICAS

Proferiu sustentação, pela apelante, o Advogado Fernando da Cunha Menezes.

O SR. DES. DELMIVAL DE ALMEIDA CAMPOS (CONVOCADO):

VOTO

De início, registro ter rcebido memorial subscrito pelos Drs. ALEXANDRE E RENANDO CUNA MENEZES, em prol da apelante, e, também, ter prestado atenção à sustentação produzida da tribuna por este último.

O Promotor de Justiça que atua junto à 8ª Vara Criminal da Comarca de Belo Horizonte ofereceu denúncia contra Sheila Cristian da Silva Carvalho e Dejaine Adalberta Martins, tendo-as por incurso nas sanções dos arts. 317, §1º (corrupção passiva) e 227, §3º (mediação para servir a lascívia de outrem com o fim de lucro) do CP, e art. 4º letras "b" e "h" (abuso de autoridade) da Lei 4.898/65, na forma dos artigos 29 e 69 do CP.

Recebida a denúncia, processou-se regularmente o feito. Ao final, através da sentença de fl. 541/556, foi decretada a prescrição da pretensão punitiva em relação ao delito de abuso de autoridade, tendo as acusadas sido condenadas pelo cometimento dos outros delitos pelos quais foram denunciadas. A acusada SHEILA CRISTIAN DA SILVA CARVALHO foi condenada a pena de 06 (seis) anos e 02 (dois) meses de reclusão e ao pagamento de 25 (vinte e cinco) dias-multa, fixado no mínimo legal. O regime inicial de cumprimento da pena fixado foi o semi-aberto.

No que pertine à corré, Dejaine, o d. Magistrado lhe aplicou a pena de 08 anos e 08 meses de reclusão e ao pagamento de 63 dias-multa, no mínimo legal. O regime inicial de cumprimento da pena fixado foi o fechado.

Registro que após a prolação da sentença, por questões processuais, o feito, em relação a apelante - DEJAINE foi desmembrado, tendo havido pequena dificuldade inicial, no sentido se havia sido ou não conhecido seu recurso de apelação. Sendo que através da decisão de fl.622/623, a questão foi resolvida em definitivo, ou seja, o recurso de apelação interposto foi aceito e determinado seu regular processamento.

Completamente inconformada, recorre a ré DEJAINE ADALBERTA MARTINS e o faz através das razões de fl.639/666, oportunidade em que alega, de pronto, que a denúncia foi recebida através de decisão carente de fundamentação.

Salienta que a acusação desistiu da oitiva das vítimas, em tese quatro, bem como da oitiva de duas testemunhas que seriam de grande valia para obtenção da verdade real, que tal omissão gera violação ao princípio do contraditório e da ampla defesa. E que tais testemunhas e vítimas foram consideradas de grande importância quando a Autoridade Policial elaborou o relatório final do inquérito.

Afirma que em virtude da desistência da oitiva de tais testemunhas e vítimas, sua defesa ficou sobremaneira prejudicada. Mas que de qualquer forma existem provas coerentes em seu favor, a ensejar sua absolvição, isto é, às fl. 106/138, já que alguns presos tinham o costume de fazer denúncias com a única intenção de prejudicar os servidores públicos - policiais civis: detetives e carcereiros.

Sustenta que se as provas não foram repetidas em juízo, não seria possível se dar valor aos demais depoimentos colhidos apenas no inquérito, já que estas se tornaram ilícitas, pois produzidas sem o crivo do contraditório e da ampla defesa. Que deveria ter sido dado maior valor ao teor de seu interrogatório existente nos autos, ocasião em que negou o cometimento dos crimes que lhe são imputados.

Conclui que por todos estes motivos, não existe certeza sobre os fatos, impera a dúvida, o princípio do "in dubio pro reo".

Registra que o Defensor Dativo, que então representava a recorrente, na fase de apresentação das alegações finais, trouxe aos autos uma tese defensiva limitada à questão de uma possível prescrição, nada além disso, o que lhe foi extremamente prejudicial.
E mais, registra que em referidas alegações finais apresentadas em seu favor não se chegou a abordar as imputações que lhe foram feitas, nada foi prequestionado, o que é prova inconteste do prejuízo causado em seu desfavor, devendo ser decretada a nulidade do processo por ausência de defesa.

Colaciona julgados que entende aplicáveis à espécie.

Entende que a ausência de intimação ou da requisição da sua pessoa para comparecer nas audiências de precatórias de oitiva de testemunhas de acusação lhe prejudicou de modo irreparável, devendo ser decretada a nulidade de todo o processo.

Aduz que sequer teve conhecimento da realização do ato processual relativo à expedição das cartas precatórias, ficando tolhida do exercício do contraditório e da ampla defesa. Faz menção aos documentos de fl. 386, 388/394.

Afirma que o depoimento da autoridade policial foi apoiado nos depoimentos de algumas testemunhas e supostas vítimas, o que comprova que não presenciou os fatos, apenas ouviu dizer. Que a mesma situação ocorreu com outras testemunhas, estas apenas ouviram dizer sobre os fatos.

Assevera que o correto, o justo, é que não sejam considerados os depoimentos colhidos apenas na fase inquisitorial, sem o crivo do contraditório e da ampla defesa.

Em relação as provas documentais aduz que nada foi prequestionado, ou seja, se tais provas são lícitas, válidas, que não poderiam os documentos apresentados pela defesa serem simplesmente ignorados. Que mencionados documentos não visam mascarar a verdade, que os fatos ocorridos na carceragem eram repassados para as autoridades para que providências fossem tomadas, mas nada foi feito, que seria uma conseqüência lógica a ocorrência de uma rebelião por parte dos detidos. E que nada disso foi apreciado na sentença.

Alega que à época não tinha maturidade para lidar com tais problemas, para enfrentar as malícias dos reclusos, sequer tinha algum tipo de poder decisório no local dos supostos fatos.

Registra que apenas as testemunhas da acusação é que foram consideradas, colocadas em grau de importância maior do que todas as demais provas. E que, inclusive, as divergências existentes nos depoimentos de tais testemunhas foram ignorados, tudo ao intento de lhe condenar.

Anota que tais testemunhas (detentos) não são pessoas confiáveis, puras, que sequer conseguiram entrar em um consenso quanto aos supostos valores que lhes eram exigidos, isto é, para se beneficiarem de favores, para poderem ter encontros amorosos dentro da carceragem. E que não é só, sequer coincidiram em que local tais encontros ocorriam, se na cela 08, 01 ou 02. Que deveria ter sido aplicado ao caso o princípio da não culpabilidade, já que na dúvida, opta-se pela presunção de inocência, pela negativa do cometimento dos crimes.

Destaca que os policiais civis em seus depoimentos informaram que apenas ouviram dizer os fatos, logo, que não presenciaram nada, nenhum crime. E mais, que o relatório final do inquérito não serve como prova, mas sim, para dar início à persecução penal.

Salienta que no seu entender, as provas testemunhais são precárias e não individualizaram com certeza qualquer conduta criminosa da recorrente e mais, são de licitude duvidosa, já que presos, detentos, não são seres confiáveis.

Tece comentários a respeito de alguns depoimentos existentes nos autos.

Sustenta que devem ser reapreciadas as provas e ao final, ser decretada sua absolvição, que inclusive, o 'quantum' da pena aplicada causa inveja aos áureos tempos ditatoriais em que uma pena era agravada simplesmente pelo fato de ser investigado ou réu.

Assevera que o crime do art. 317 do CP, possuía ao tempo dos fatos, pena que variava entre 01 a 08 anos e, no seu caso, a pena-base foi fixada em excessivos 05 anos, quatro vezes acima do mínimo legal, isso com base em uma justificativa equivocada. Que o mesmo ocorreu em relação a pena aplicada pelo crime do art. 227 do CP.

Faz menção ao disposto no art. 59 do CP, afirma que é ré primária, já que não poderiam ser considerados, na fixação da pena, fatos anteriores já baixados ou cuja punibilidade se extinguiu.

Registra que de acordo com as Leis 10.259/2001 e 9.099/95, teria direito a ser contemplada com a transação penal.

Requer ao final que sejam acolhidas as preliminares erigidas, ou então, que seja absolvida com amparo no art. 386, VI do CPP. Alternativamente, requer também, com fulcro no princípio da eventualidade, que sejam reduzidas as penas que lhe foram impostas e em seqüência, substituam as penas por restritivas de direitos, ou que seja deferida a transação penal referente ao delito do §3º do art. 227 do CP.

Contrarrazões às fl. 671/705 em que se requer seja dado parcial provimento ao apelo no que toca à soma final da pena de multa imposta à apelante, isto é, em relação apenas a questão dos dias-multa.

Parecer da Procuradoria-Geral de Justiça às fl.706/714, opinando pelo desprovimento do recurso.

Esse é o relatório necessário. Decido.

Conheço do recurso por ser o mesmo próprio e tempestivo.

I - DA PRELIMINAR DE NULIDADE DO PROCESSO POR CERCEAMENTO DE DEFESA - AUSÊNCIA DE INTIMAÇAO DA DEFESA DA EXPEDIÇÃO E REALIZAÇÃO DE AUDIÊNCIA DE OITIVA DE TESTEMUNHA ATRAVÉS DE CARTA PRECATÓRIA.

Ao contrário do que se alega, verifico que durante o trâmite processual as partes foram intimadas, cientificadas, das expedições das cartas precatórias para oitiva de testemunhas, tal como determina o art. 222 do CPP.

Nesse sentido, confira-se, fl. 223, verso; fl. 364, verso e 366.

Se pretendia comparecer à audiência em que a testemunha seria ouvida, deveria ter providenciado seu comparecimento ou de seu defensor a referido ato processual, se isso não foi providenciado, tal situação é responsabilidade da defesa.

O fato é que após tais atos processuais já terem sido praticados, a defesa veio ao autos e nada alegou a respeito do suposto vício, é o que se vê às fl. 444, 465, 483 e 495.

Sobre o tema eis o enunciado da Súmula 155 do STF:

"É relativa a nulidade do processo criminal por falta de intimação da expedição de carta precatória para a inquirição de testemunha".

Colaciono:

"Carta precatória - Oitiva de testemunha - Ausência de intimação da defesa sobre sua expedição. Fato que não gera nulidade, pois no processo criminal vigora o princípio de que nenhuma nulidade será reconhecida e declarada sem que provado seja o prejuízo dela advindo (arts. 563 566 do CPP)" (RT 744/601).

"É relativa a nulidade do processo criminal por falta de intimação de expedição de precatória para a inquirição de testemunha. Ausência de comprovação de prejuízo ao réu" (RT 614/364).

Insisto, por fim, que a apelante não argüiu mencionada nulidade em momento algum, durante o trâmite do feito, nem quando da fase do art. 499, nem quando das alegações finais, operando-se a preclusão.

Isso posto, rejeito a preliminar.

II - DA PRELIMINAR DE NULIDADE DO PROCESSO POR AUSÊNCIA DE DEFESA TÉCNICA E DEFICIÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO DA SENTENÇA.

Não prospera a alegação de que o feito deve ser anulado parcialmente, para que seja dada a oportunidade da defesa apresentar novas alegações finais, por ineficácia das razões já apresentadas.

Com a devida vênia, as alegações finais acostadas aos autos em favor da recorrente, ao contrário do que subjetivamente se entende, foram sim, eficazes, tanto que parte da tese externada foi acolhida.

Esquece-se a recorrente que a prescrição decretada em relação ao crime de abuso de autoridade ocorreu porque o tema foi trazido justamente nas referidas alegações finais.

Sobre o tema com muita propriedade assim se manifestou a d. Procuradoria Geral de Justiça às fl. 709:

"Compulsando os autos, nota-se que a defesa apresentou suas alegações finais (fls. 535/536) pleiteando pela prescrição da pretensão punitiva estatal para todos os crimes descritos na denúncia. Esta tese afasta a possível nulidade argüida pela defesa, pois as alegações finais foram apresentadas com argumentos em favor da apelante, por isto a mesma não pode ser considerada deficiente."

Por todos estes motivos, fica claro que não há que se falar em prejuízo.

De mais a mais, o norte jurisprudencial é no sentido de que:

''A eventual insuficiência da defesa técnica promovida em favor do réu somente caracterizaria hipótese de invalidação formal do processo penal condenatório se se demonstrasse, objetivamente, a ocorrência de prejuízo para o acusado (Súm. 523/STF), eis que a causa de nulidade absoluta prevista na legislação processual refere-se à falta de defesa e não ao seu eventual exercício'' (STF, in RT 755/533).

Inclusive, totalmente descabia a alegação de que as provas produzidas nos autos foram mal valoradas pelo d. Sentenciante.

Verifica-se que a sentença encontra-se devidamente fundamentada, existe expressa menção aos fatos e provas existentes nos autos, não foram valoradas apenas provas extrajudiciais ou apenas as da acusação.

A meu sentir, dv, a sentença observada como um todo, uno e indivisível, encontra-se, sim, calcada em bases sólidas lançadas pelo Juiz "a quo", devendo-se destacar que fundamentação sucinta não é o mesmo que ausência de fundamentação, esta sim, ensejadora de nulidade do ato.

Colaciono:

"A Constituição não exige que a decisão seja extensamente fundamentada. O que se exige é que o juiz ou o tribunal dê as suas razões de seu convencimento" (STF, 2ª Turma, AI 162.089-8-DF-AgRG, rel. Min. Carlos Veloso, votação unânime, DJU 15.03.96, p. 7.209)

"EMENTA: APELAÇÃO - USO DE DOCUMENTO FALSO - CARTEIRA NACIONAL DE HABILITAÇÃO - NULIDADE POR AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO DA SENTENÇA - INOCORRÊNCIA - REJEIÇÃO DA PRELIMINAR - (...) 1) Deve-se rejeitar a preliminar de nulidade da sentença por não apreciação de tese defensiva, tendo sido esta objeto de análise pelo magistrado, além de restar improcedente em conseqüência do fundamentado entendimento de que autoria, materialidade e culpabilidade foram comprovadas nos autos. (...)" (APELAÇÃO CRIMINAL Nº: 1.0155.03.005126-4/001, RELATOR: DESEMBARGADOR CÉLIO CÉSAR PADUANI) (ementa parcial).

Lado outro, é sabido que o magistrado não está obrigado a se posicionar, detalhadamente, sobre cada um dos argumentos utilizados pela parte e que esta imagina sejam pertinentes, sendo bastante que fundamente, de forma suficiente, a decisão judicial, tal como se verificou "in casu".

Na verdade, o que pretende a ré é que apenas sua negativa de autoria delitiva é que impere absoluta no processo, o que é completamente descabido. A propósito, tal questão na verdade se refere ao mérito do litígio e como tal será apreciado.

Pelo que, rejeito as preliminares.

DO MÉRITO

Passo, pois, a apreciar as questões meritórias.

Ao contrário do que se alega a materialidade dos delitos descritos na denúncia restaram bem demonstradas nos autos, conforme Portaria de fl. 02 do apenso e Portaria de 09 destes autos. Tais documentos foram produzidos através de procedimento administrativo junto à Polícia Civil do Estado.

Ou seja, nos autos não existe apenas um inquérito policial, como dito, existe procedimento administrativo, o qual é elaborado em respeito ao contraditório e a ampla defesa.

Em absoluto referidos autos serviram para suprir ou interferir em um processo interno da Corregedoria da Polícia Civil do Estado de Minas Gerais, o cometimento de atos ilícitos por parte da apelante está claro nos autos, já que perante o crivo do contraditório e ampla defesa, provas foram produzidas a ensejar a condenação da recorrente, bem como de sua comparsa, nos autos da Ap. Criminal nº: 1.0024.01.035684-8/001.

Se a recorrente, conforme alega em seu recurso não possuía maturidade suficiente, à época dos fatos, não deveria ter assumido tão importante cargo público, ou pelo menos, deveria ter procurado auxílio e orientação de servidores com reputação ilibada e experiência, o que definitivamente não ocorreu.

Também não existem provas de envolvimento nos fatos descritos na peça acusatória, de terceiros estranhos ao processo ou de que outros eram os atos ocorridos no interior do estabelecimento prisional, que o início de rebelião no local não foi culpa da recorrente.

Por certo, os ônus de se comprovar tais alegações eram da defesa, posto que foi ela quem trouxe tal assertiva para os autos. Isso porque, como dito, o ônus da prova incumbe a quem alega, a teor do disposto no art. 156 do CPP, e dele não se desincumbiu a apelante, extraindo-se da jurisprudência:

"Quem afirma um álibi deve comprová-lo, sob pena de, não o fazendo, ser nenhum o valor probatório da negativa de autoria" (JCAT 59/288).

Sobre o tema com muita propriedade assim concluiu o d. Sentenciante, 'verbis':

"A ilustre Defesa da acusada Sheila tentou demonstrar que a mesma não teria denunciado sua colega por temor de represálias de outros envolvidos. Sem razão. Se outras pessoas participavam do esquema, não foram identificadas nesses autos. Caberia à acusada indicar tais pessoas e não o fez, ficando na negativa vazia e que destoa dos elementos de prova. Apenas pelo fato de Sheila ter sido suspensa de suas funções policiais ( e não demitida como a acusada Dejaine.) não significa que deve ser absolvida.(...)As ações perpetradas também tiveram um forte componente de lascívia, provavelmente as acusadas sentiam alguma dose de prazer, mórbido ou não, de ver e colocar pessoas praticando sexo. (...) A carcereira Rosemary confirmou à f. 185 o que disse à f.80, ou seja, que não houve tentativa de fuga alguma e que as acusadas Sheila e Dejaine estavam tirando homens de sua cela para manterem relações sexuais com mulheres em outras celas." (fl. 547/550).

Ora, inúmeros são os depoimentos e documentos em que a autoria dos delitos descritos na denúncia foram imputados à apelante, fl. 18, verso, 21, 23/24, 26/28, 31/32, 33/34, 36/37, 43/45, 47, 49/50, 52, 59, 60, 65, 66, 76, 350/351, 352 e 394.

No mesmo sentido confira-se ainda:

"(...)que é verdadeira a denúncia(...) que ouviu atentamente a denúncia e a confirma totalmente, sem nenhuma restrição; que realmente havia o agendamento de encontros sexuais na carceragem por parte de ambas as acusadas; que cobravam ora R$30,00 ora R$50,00 e o valor era dividido pelo casal; que elas tiravam os homens das celas deles e levavam para as celas das mulheres; que participou também desse fato; (...)" (Depoimento de Zilda M. Coelho, fl. 181/182).

E mais:

"(...) que já tinha conhecimento acerca do agenciamento sexual por parte das acusadas, mas não tinha conhecimento próprio; que assim, no que se refere ao fato, a denúncia se adequa ao que ficou sabendo; que foram algumas presas que lhe contaram;(...)" (Depoimento de fl. 183, de Carlos Tadeu R. de Almeida, inspetor da Polícia Civil).

Do depoimento de fl. 185, fornecido por Rosemary Márcia do Nascimento Santos, tem-se que:

"(...) que confirma que ouviu dizer de policiais que as acusadas estariam tirando homens das celas para manterem encontros sexuais com detentas em outras celas; que depois ficou sabendo que o tumulto que houve não foi uma fuga; (...)" (fl.185).

E ainda:

"Pelo relatório do Dr. Carlos confirmou-se o costume de Sheila e Dejaine em retirarem detentos de suas celas, para manterem relações sexuais com as detentas, mediante pagamento." (fl. 227).

Mais adiante:

"Ao que parece, fuga alguma ocorreu, mas sim um descontrole da situação criada por Sheila e Dejaine, as quais vinham recebendo vantagens pecuniárias para retirarem presos das celas para manterem relações sexuais". (f. 228).

Às fl. 90, restou esclarecido resumidamente, o modo de agir da apelante nos delitos cometidos:

"A participação de Sheila Carvalho nos delitos praticados por Dejane consistia em abrir e fechar celas, retirando e movimentando detentos que participariam dos relacionamentos sexuais combinados, além, obviamente de emprestar sua conivência ao que ocorria naquela carceragem, pois se ela quisesse cumprir com honradez o seu dever funcional, teria comunicado os fatos irregulares às autoridades competentes, mas não o fez, embora nada a impedisse de agir, criando-se assim um vínculo subjetivo doloso com os atos ilícitos protagonizados por sua companheira de serviço." (fl.90 - Relatório do IP 003/01)

O depoimento do Dr. Delegado Carlos Antônio dos Santos, em momento algum inocentou as rés, mesmo porque, não teria ele o condão de desmerecer ou quiçá, prevalecer sobre todas as demais provas colhidas nos autos. A propósito, confira-se o que esclareceu referida testemunha:

"(...) que realmente constatou no inquérito que DEJAINE e SHEILA intermediavam práticas sexuais na carceragem entre presas e presos; que realmente ficou também comprovado que elas ensejavam tal prática através "de come-quietos"; que o valor cobrado das presas ou dos presos era de R$30,00 ou R$50,00 de acordo com interesses ou necessidades deles;(...)" (fl. 350).

A propósito, se o crime envolvia presos, detentos, é óbvio que eles são testemunhas dos fatos e podem e devem ser ouvidos e seus depoimentos considerados e valorados no momento de se decidir o feito.

De mais a mais, qualquer pessoa pode ser testemunha na esfera processual penal, art. 202 do CPP.

Com efeito, fica claro que de todas as declarações colacionadas aos autos, apenas a recorrente, negou as práticas criminosas que lhe foram imputadas, negativa essa que ficou isolada em relação a todas as demais prestadas nos autos, todas elas ricas em detalhes e coerência.

Inclusive, às fl.574 verifico que até mesmo a co-ré Sheila atribuiu todas as condutas delitivas descritas na inicial a aqui recorrente. Fica feito o registro.

Do que se extrai dos depoimentos e declarações supramencionados e demais provas produzidas, tem-se por inequívoco que a condenação da apelante pelo delito de corrupção passiva e mediação para servir a lascívia de outrem.

Isso porque está demonstrado à saciedade que a apelante, de livre e espontânea vontade, exigia dos detentos quantias, em troca de lhes conceder favores, favores estes proibidos em uma carceragem.

Também está claro que a acusada instigava entre os detentos a prática de encontros sexuais, dentro das celas da Delegacia em que exercia suas funções de carcereira, e por tais atos recebia dinheiro e jóias em pagamento. Por certo, os valores cobrados não eram tabelados, imutáveis, de acordo com o preso, com a situação do dia, dentre outros fatores cobrava-se a quantia de R$10,00, R$30,00 ou R$50,00.

O mesmo se diz em relação ao local em que os crimes eram cometidos, só na cela 01, 02 ou 08, nada impedida que os crimes acontecessem em qualquer cela, já que alguns atos eram praticados entre as grades, mas todos, dentro do estabelecimento prisional com a intervenção da acusada.

Com a devida vênia, os atos praticados pela ré são contrários aos bons costumes, a moralidade pública e aos princípios constitucionais que regem a Administração Pública, sendo totalmente descabida a pretensão defensiva em ver a apelante absolvida por insuficiência de provas.

Lado outro, a apelante pugna ainda pela redução das penas-bases.

Tenho que uma vez mais a razão não está com a apelante, já que no meu sentir, nenhum reparo merece a sentença vergastada em relação a fixação da pena-base, na medida em que da análise das circunstâncias judiciais - art.59 do CP, seja para o delito de corrupção passiva seja para o delito do art. 227 do CP.

Tais circunstâncias foram bem analisadas, conforme fundamentação bem detalhada externada às fl. 551/553.

De qualquer forma, não é possível se ignorar o fato de que apesar da acusada ser primária, possui antecedentes maculados, CAC de fl. 538/539, cometeu os delitos com dolo intenso, no interior de uma unidade prisional, ou seja, no interior de um prédio público em pleno exercício de suas funções, seus atos envolveram uma enormidade de detentos, os quais deveriam estar a salvo de crimes, jamais envolvidos em outros. As conseqüências dos crimes foram nefastas, quase dando ensejo a uma rebelião cujas conseqüências são imprevisíveis, além do enorme constrangimento causado a vários e vários detentos e detentas que tinham que conviver com os atos e não podiam sair do local, já que presos.

Por estes e pelos outros motivos já bem colocados na sentença, fica claro que a pena-base dos crimes não poderiam ter sido fixadas no mínimo legal, muito antes pelo contrário.

Na segunda fase de fixação nada existe para modificar as penas-bases, correta a sentença.

Ato seguinte, verifico que existe causa de aumento da pena do crime do art. 317 do CP, inexiste qualquer causa de diminuição. Contudo, ao proceder a tal aumento, a pena privativa ficou corretamente fixada em 06 anos e 08 meses de reclusão, porém a pena de multa foi somada equivocadamente concretizando 45 dias-multa, quando na verdade deveria ter ficado em 40 dias-multa.

Em seqüência, aplicando-se ao caso o disposto no art. 69 do CP, fica a ré condenada a pena de 08 anos e 08 meses de reclusão e ao pagamento de 58 dias-multa, no mínimo legal.

Por óbvias razões não é possível se cogitar em incidência ao caso do instituto da transação penal, já que restrita a procedimentos que têm trâmite perante os Juizados Especiais, cuja pena máxima é de 02 anos, o que não é o caso dos crimes sob apreciação.
A ré, em razão da análise desfavorável das circunstâncias judiciais (sentença apelada, fls. 158, 3º parágrafo), não faz jus às benesses da substituição da pena carcerária, nem ao sursis, inclusive tendo em vista a pena aplicada tal substituição se mostra vedada pela lei, art. 44, I do CP.

Inclusive, por estes mesmos motivos e a teor do art. 33 do CP, o regime inicial de cumprimento das penas é o fechado, tal como determinado na sentença.

Por todo exposto, na esteira da manifestação Ministerial de fl. 706/714, REJEITO AS PRELIMINARES E DOU PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO, apenas por estar re-fixando a pena de multa referente ao crime do art. 317 do CP, ficando ao final após a incidência do art. 69 do CP em 58 dias-multa e não 63. Ficam mantidos tais como lançados os demais termos da bem lançada sentença recorrida.

Custas "ex lege".

O SR. DES. FERNANDO STARLING:

VOTO

De acordo.

O SR. DES. JÚLIO CEZAR GUTTIERREZ:

VOTO

De acordo.

SÚMULA: REJEITADAS AS PRELIMINARES E RECURSO PROVIDO EM PARTE.

Data da Publicação: 26/11/2009




JURID - Direito penal. Crime de corrupção passiva. [30/11/09] - Jurisprudência

 



 

 

 

 

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