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quinta-feira, 26 de novembro de 2009

JURID - Gestante será indenizada. [26/11/09] - Jurisprudência


DF é condenado a indenizar gestante por erro no diagnóstico do HIV.
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Circunscrição: 1 - BRASÍLIA

Processo: 2008.01.1.100338-5

Vara: 116 - SEXTA VARA DA FAZENDA PUBLICA DO DF

Ação: INDENIZAÇÃO

Requerente: MARLI VICENTE DA SILVA

Requerido: DISTRITO FEDERAL

Sentença

Trata-se de ação ordinária de indenização por danos morais ajuizada por MARLI VICENTE DA SILVA em desfavor do Distrito Federal.

Sustenta a requerente ter sido submetida a exame de HIV em clínica do requerido tendo, neste momento, acusado resultado positivo. Submeteu-se, durante a gestação, a pesado tratamento para soropositivos, tendo sido constatado, após o nascimento de seu filho, por outro exame, não ser portadora do vírus mencionado. Alega ter sofrido abalo moral considerável. Requer a condenação do requerido em danos morais no montante de R$ 300.000,00 (trezentos mil reais). Juntou documentos (fls. 05/38).

Citado (fls. 43), o requerido ofereceu contestação (fls. 46/60) sustentando a legalidade do procedimento adotado pela Administração, requerendo, em conseqüência, a total improcedência do pedido ou, de forma subsidiária, o arbitramento de valor moderado de danos morais. Juntou documentos (fls. 61/179).

Em réplica (fls. 182), a requerente reitera os argumentos expendidos na inicial, bem como a condenação nos danos morais aduzidos.

Petições do requerente (fls. 187) e do requerido (fls. 186) requerendo produção de provas em audiência.

Decisão de indeferimento das provas postuladas (fls. 189).

Interposição de agravo retido pelo Distrito Federal (fls. 191/195) sustentando cerceamento de defesa.

É O RELATÓRIO. DECIDO.

Versando a presente ação sobre matéria de direito e de fato e revelando-se a prova como exclusivamente documental, toma assento o julgamento antecipado da lide (art. 330, I, CPC.).

Não foram argüidas pelas partes quaisquer questões preliminares. Da mesma forma, não identifico qualquer vício que obste a transposição para o mérito, estando presentes os pressupostos processuais de existência e validade do presente feito.

Passo, desta forma, à análise do mérito.

Cumpre ressaltar inicialmente, em especial diante do agravo interposto pelo requerido, ser a matéria incontroversa, estando provados os fatos narrados na inicial, bem como os procedimentos adotados. A questão a ser atacada refere-se à existência ou não do dano moral em virtude do fato alegado, matéria que é de direito, não de prova, mostrando o acerto da manutenção da decisão de fls. 190.

O dano moral resta plenamente comprovado diante da situação fática ocorrida. A requerente encontrava-se grávida, situação que já demonstra maior fragilidade emocional. Neste quadro, passou, durante quase dois meses, conforme admitido pelo requerido na contestação, sendo medicada contra doença que não possuía e é letal. Tal sofrimento poderia ter sido abreviado se a contraprova fosse feita com maior brevidade. Neste meio período, passou por fase final de gravidez, inclusive com o nascimento de seu filho que, conforme comprovado pelo próprio requerido, não teve assistência materna em seus primeiros dias de vida.

A caracterização do dano moral consiste num sofrimento intenso, que atinge a esfera subjetiva de sua vítima, sua auto-estima, a visão que tem de si mesma. O mero aborrecimento, decorrente de infortúnios do cotidiano, desta forma, não gera dano moral. Com efeito, o CJF, em sua III Jornada, editou o enunciado 159 que preceitua: "O dano moral, assim compreendido todo o dano extrapatrimonial, não se caracteriza quando há mero aborrecimento inerente a prejuízo material."

Ocorre que no presente processo, o dano afetou completamente a vida da requerente, sua auto-estima, trazendo à tona, inclusive, a lembrança da finitude da vida humana e as conseqüências psicológicas daí advindas. Presume-se, inevitavelmente, a ocorrência de intensa dor e sofrimento resultante do resultado positivo do malfadado exame.

O requerente alega, contudo, que realizou os procedimentos necessários e adequados para remediar a doença, bem como para providenciar a contraprova, que efetivamente foi feita após o nascimento. Sustenta não ter havido erro procedimental qualquer, de maneira que desta forma ficaria excluído o nexo de causalidade e afastado o mandamento do art. 37, § 6º, da Constituição.

A interpretação trazida pelo requerido em sua contestação não deve prevalecer, já que para a responsabilidade civil objetiva são necessários três elementos, conforme o ensinamento da mais autorizada doutrina e jurisprudência: ação imputável ao ente estatal, dano e nexo de causalidade. A verificação quanto à licitude ou não da conduta está diretamente relacionada à responsabilidade subjetiva, já que o ato ilícito é desconforme o direito. A doutrina e a legislação reconhecem, inclusive, a possibilidade de indenização por ato lícito (ex.: art. 188, II c/c art. 929, ambos do Código Civil), desde que ocorrentes a conduta, o dano e o nexo de causalidade.

A licitude da conduta não pode ser confundida com a licitude do dano. Ainda que o ato não tenha sido praticado em desacordo com o ordenamento jurídico, não é possível imputar ao lesado o dano por ele sofrido injustamente ou ilicitamente. O dano indenizável nasce em virtude da teoria do risco. O risco da atividade estatal, e não o dolo ou culpa, é o fato gerador da responsabilização e obrigação do estado de indenizar. A ilicitude do dano faz com que se reconheça a existência de possibilidade de indenizar.

A responsabilidade civil objetiva está calcada exatamente nesta teoria do risco, sendo que a Constituição, no caso da responsabilidade do Estado, adotou a teoria do risco administrativo.

Desta forma, não há que se perquirir se a conduta estatal, ou seja, o ato administrativo foi lícito ou ilícito. O que se deve observar é se ocorreu um ato estatal, um dano e o nexo de causalidade, que comprove que o ato é o dano tem relação de causa e conseqüência.

Transcreva-se, abaixo, lição esclarecedora da Ilustre Professora da PUC-SP, Lúcia Valle Figueiredo (Curso de Direito Administrativo, Ed. Malheiros, 9ª Edição, pgs. 280/281):

Impende verificar, desde logo, que a responsabilidade acolhida pelo texto constitucional atual é objetiva quanto ao Estado. E, também, objetiva no que tange àqueles que exercem funções estatais. É dizer: ocorrendo dano, prescinde-se do dolo ou culpa, bastando ficar provado o nexo de causalidade entre esse dano e a conduta estatal. Entretanto, se é intuitiva a captação de ter optado o texto pela responsabilidade objetiva, estamos a pensar, sem dúvida, nos atos ilícitos ou lícitos, praticados por ação. (grifo nosso)

Desta forma, ainda que desconsiderando a demora entre o resultado do primeiro e do segundo exame, impensável desconsiderar a existência de dano ilícito e da obrigação de indenizar dele decorrente. O ato dos agentes públicos, investidos nesta função, que colheu exame resultando resultado incorreto, a prolongada demora na realização da contraprova, bem como o sofrimento inflingido à paciente, que acreditava ser portadora de moléstia incurável e sexualmente transmissível, justamente na fase final de sua gravidez e no início da vida de seu novo filho, estão plenamente demonstrados.

Por fim, ressalte-se que a praxe é que o recolhimento da contraprova seja imediato, não após demora tão prolongada, de maneira justamente a não submeter ninguém a tratamento ou sofrimento desnecessário. Ou seja, neste ponto é possível reconhecer que houve ilicitude na omissão do requerido em providenciar o quanto antes a confirmação do teste, bem como no ato positivo de submetê-la a tratamento não indicado.

A respeito de situações semelhantes, há jurisprudência deste E.TJDFT neste sentido, como a que colaciono abaixo:

DANOS MORAIS - RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA DO ESTADO - COMUNICAÇÃO DE RESULTADO EQUIVOCADO POSITIVO DE HIV -CONDENAÇÃO EM MONTANTE RAZOÁVEL E PROPORCIONAL. 1. A responsabilidade objetiva do Estado, com guarida no artigo 37, §6º, da atual Constituição Federal, prescinde da prova do dolo ou da culpa, bastando perquirir o nexo de causalidade entre o dano e a conduta comissiva do ente público. 2. Demonstrado o ato ensejador do dano, bem como o nexo de causalidade, surge a obrigação de indenizar, que deve ser fixada levando-se em conta a razoabilidade e a proporcionalidade em face do dano sofrido, bem como o caráter compensatório e inibidor da medida. 3. Apelação e Remessa Oficial improvidas.(20060110506426APC, Relator CRUZ MACEDO, 4ª Turma Cível, julgado em 07/11/2007, DJ 29/11/2007 p. 99)

CIVIL E PROCESSUAL CIVIL - INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS - RESULTADO FALSO-POSITIVO PARA EXAME DE AIDS - RESPONSABILIDADE OBJETIVA - CRITÉRIO DE FIXAÇÃO DO 'QUANTUM' INDENIZATÓRIO - CONDENAÇÃO EM QUANTIA INFERIOR À ADUZIDA NA INICIAL - SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA NÃO CARACTERIZADA - ISENÇÃO DO DISTRITO FEDERAL DE CUSTAS PROCESSUAIS. 1 - Presentes os requisitos ensejadores da responsabilidade objetiva do Estado - a conduta, o nexo de causalidade e a lesão a um bem jurídico extrapatrimonial (art. 37, §6º da Constituição Federal) -, cabível a indenização por dano moral em caso de comunicação de exame de HIV que indica equivocado resultado positivo. 2 - Na fixação do 'quantum' correspondente ao dano moral o julgador deve pautar-se atento ao princípio da razoabilidade, em face da natureza compensatória, satisfativa - não de equivalência - da indenização. 3 - O valor indicado na inicial a título de danos morais tem natureza eminentemente estimativa, eis que o 'quantum' indenizatório será sempre atribuído adotando-se o critério de eqüidade, agindo o juiz segundo seu prudente arbítrio, não configurando, caso a condenação fixada seja inferior ao valor da causa, a hipótese de sucumbência recíproca.(20000110323834APC, Relator DÁCIO VIEIRA, 5ª Turma Cível, julgado em 17/05/2004, DJ 24/02/2005 p. 61)

Para fixação do quantum do dano moral, deve-se proceder por equidade, considerando a condição social da vítima, o grau de responsabilidade do ofensor, bem como o caráter pedagógico da indenização.

Desta forma, considero o fato de tal sofrimento ter sido prolongado, por não ter sido a contraprova colhida de imediato, trazendo o novo resultado.

Curiosamente, situação semelhante foi julgada pelo E. Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, ficando ementado o seguinte:

PROCESSUAL CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE PASSIVA AFASTADA. PACIENTE SUBMETIDA A "TESTE RÁPIDO" ANTI H.I.V. ANTES DE DAR À LUZ E QUE RESULTA, DE FORMA ERRÔNEA, POSITIVO, LEVANDO A EQUIPE MÉDICA A ADOTAR MEDIDAS PROFILÁTICAS A FIM DE AFASTAR O RISCO DE CONTAMINAÇÃO DO BEBÊ, DENTRE ELAS A DE NÃO O AMAMENTAR. AUTORA QUE, MENOR DE IDADE E COMBALIDA, NÃO RETORNA AO HOSPITAL A FIM DE RECEBER O RESULTADO DO TESTE DE CONFIRMAÇÃO. IRRELEVÂNCIA. CONDUTA GERADORA DE DANO MORAL. RECURSO DO MUNICÍPIO PROVIDO MONOCRATICAMENTE COM AMPARO NO ART. 557, § 1º-A, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL PARA REDUZIR O QUANTUM INDENIZATÓRIO, PREJUDICADO O RECURSO ADESIVO. I - Preliminar de ilegitimidade passiva afastada uma vez que o fato de a administração terceirizar parte dos serviços prestados não a isenta de responsabilidade, sendo solidariamente responsável com o terceirizado como determina o § 6º do art. 37 da Constituição da República, ocupando a empresa terceirizada a posição de agente;

II - O resultado equivocado transmitido a uma parturiente relativamente incapaz de que era portadora do vírus HIV o que a impedia, inclusive, de amamentar o filho recém-nascido, ainda que se esclareça a necessidade de um novo exame não afasta o dano moral ante o impacto sofrido com o laudo equivocado;

III - Não se pode imputar à menor, sob o impacto do laudo que lhe Foi apresentado, sem o direito à amamentação do filho recém-nascido, culpa na demora de obter um segundo laudo que nas circunstâncias era para a jovem mãe o reproduzir de dores e sofrimentos;

IV - O valor do dano moral, contudo, deve levar em conta o tempo entre o primeiro laudo e o resultado do segundo exame, impõe-se, destarte, a redução para atender aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade;

V - Ilegitimidade passiva afastada, dando-se parcial provimento ao recurso do Município com amparo no art. 557, § 1º-A, do Código de Processo Civil, declarando-se prejudicado o recurso adesivo. (TJRJ - 13ª Câmara Cível - Apelação 2009.001.14358, Rel. Des. Ademir Paulo Pimentel)

Ressalte-se que, no caso acima, conforme o relatório do acórdão citado: "Extrai se dos documentos juntados aos autos que o primeiro teste foi realizado no dia 17 de agosto e somente no dia 25 do mesmo mês - portanto longos 8 (oito) dias depois - a Autora realizou novo exame que afastou a possibilidade de contaminação - embora em unidade hospitalar do próprio Município Réu. Essa conclusão decorre do documento de fl. 10 juntado aos autos pela própria Autora."

No caso presente, a desídia do Distrito Federal foi de mais de dois meses, conforme a própria contestação da requerida, entre 22 de junho e 29 de agosto de 2007, período durante o qual a requerente foi submetida a tratamento desnecessário, doloroso, fora o intenso sofrimento a que foi submetida ela e todos os seus. Desta forma, imperativo que a indenização tenha caráter punitivo e pedagógico para o requerido e seus agentes.

DISPOSITIVO:

Ante o exposto, julgo PROCEDENTE o pedido para condenar o requerido a indenizar, a título de danos morais, a requerente no valor de R$ 45.000,00 (quarenta e cinco mil reais), com incidência de juros e correção monetária na forma do art. 1º-F da Lei 9.494/97, com a redação dada pela Lei 11.960/2009.

Sem custas, em face da isenção legal de que goza o ente público. Condeno o réu em honorários no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), em conformidade com o art. 20, § 4º, C.P.C..

Sentença sujeita ao duplo grau de jurisdição obrigatório, na forma do art. 475, I, CPC.

Após o trânsito em julgado e efetivo cumprimento, proceda-se baixa na distribuição e remetam-se os autos para o arquivo.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Brasília - DF, quinta-feira, 12/11/2009 às 14h34.

Mário José de Assis Pegado
Juiz de Direito Substituto do DF



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