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sexta-feira, 27 de novembro de 2009

JURID - Remessa necessária e apelação cível. Disparo de arma de fogo [27/11/09] - Jurisprudência


Remessa necessária e apelação cível. Disparo de arma de fogo por policial militar que acarretou a morte do filho da recorrida.
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Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte - TJRN.

Processo: 2009.005695-6

Julgamento: 27/10/2009

Órgao Julgador: 3ª Câmara Cível

Classe: Apelação Cível

Remessa Necessária e Apelação Cível n° 2009.005695-6.

Origem: Vara da Fazenda Pública da Comarca de Mossoró/RN.

Apelante: Estado do Rio Grande do Norte.

Procurador: Dr. Dario Paiva de Macedo.

Apelada: Francisca Alves de Lima.

Advogados: Dr. José Ronildo de Sousa e outro.

Relator: Desembargador Amaury Moura Sobrinho.

EMENTA: CONSTITUCIONAL E CIVIL. REMESSA NECESSÁRIA E APELAÇÃO CÍVEL. DISPARO DE ARMA DE FOGO POR POLICIAL MILITAR QUE ACARRETOU A MORTE DO FILHO DA RECORRIDA. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO. COMPROVAÇÃO DO FATO LESIVO, DOS DANOS SOFRIDOS E DO NEXO DE CAUSALIDADE ENTRE AMBOS. DEVER DE INDENIZAR. TENTATIVA DO ENTE PÚBLICO DE SE EXIMIR DA RESPONSABILIDADE SOB A ALEGAÇÃO DE QUE O POLICIAL ESTAVA PRESTANDO SERVIÇO DE SEGURANÇA PARTICULAR QUANDO ATIROU NA VÍTIMA. NÃO COMPROVAÇÃO. POLICIAL QUE ESTAVA DEVIDAMENTE FARDADO E UTILIZANDO ARMA DA CORPORAÇÃO, GERANDO A PRESUNÇÃO DE QUE ESTAVA A SERVIÇO DESTA. PRECEDENTES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. CULPA EXCLUSIVA DA VÍTIMA NÃO DEMONSTRADA. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS ESTIPULADA DE ACORDO COM OS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS FIXADA NA FORMA DE PENSÃO MENSAL. DANOS QUE SE PRESUMEM PELO FATO DE SER A RECORRENTE PESSOA DE BAIXA RENDA, QUE PODERIA SER AUXILIADA ECONOMICAMENTE PELA VÍTIMA. DESNECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO DE QUE HAVIA DEPENDÊNCIA ECONÔMICA NO MOMENTO DO EVENTO DANOSO. PENSÃO MENSAL QUE DEVE SER REDUZIDA PARA 2/3 (DOIS TERÇOS) DO SALÁRIO MÍNIMO, ATÉ A DATA EM QUE A VÍTIMA COMPLETARIA 25 (VINTE E CINCO) ANOS DE IDADE, E PARA 1/3 (UM TERÇO) DO MÍNIMO SALARIAL A PARTIR DE ENTÃO, ATÉ A DATA EM QUE O FALECIDO COMPLETARIA 65 (SESSENTA E CINCO) ANOS DE IDADE. PRECEDENTES DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. REFORMA PARCIAL DA SENTENÇA. REMESSA NECESSÁRIA E RECURSO DE APELAÇÃO CONHECIDOS E PARCIALMENTE PROVIDOS.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos em que são partes as acima identificadas:

Acordam os Desembargadores que integram a 3ª Câmara Cível deste Egrégio Tribunal de Justiça, em Turma, à unanimidade de votos, em consonância com o parecer do 14º Procurador de Justiça, em conhecer e dar provimento parcial à remessa necessária e ao recurso de apelação interposto, reformando a sentença apenas quanto à pensão mensal fixada a título de danos materiais, reduzindo-a para 2/3 (dois terços) do salário mínimo até a data em que a vítima completaria 25 (vinte e cinco) anos de idade (01/01/2003), a partir da qual o valor devido passa a ser de 1/3 (um terço) do mínimo salarial, até a data em que a vítima completaria 65 anos, mantendo a sentença quanto aos demais aspectos, nos termos do voto do Relator, que passa a fazer parte integrante deste.

RELATÓRIO

Trata-se de remessa necessária e apelação cível interposta pelo Estado do Rio Grande do Norte em face da sentença proferida pelo Juízo da Vara da Fazenda Pública da Comarca de Mossoró, nos autos da Ação de Reparação de Dano por Ato Ilícito ajuizada por Francisca Alves de lima em desfavor do ora apelante.

A postulante ajuizou a referida ação alegando, em síntese, que: no dia 09 de dezembro de 2002, por volta das 01:30 horas, o seu filho Antônio Marcos Alves dos Santos participava de uma festa em uma Churrascaria da cidade de Mossoró, quando foi covardemente assassinado pelo policial militar Francisco Moura de Souza; tal fato ocorreu por imperícia e imprudência deste, que efetivou dois disparos de arma de fogo, dos quais um atingiu a cabeça do seu filho e lhe causou a morte; o referido policial militar foi denunciado pela prática do delito tipificado no art. 121 do CP (processo criminal nº 770/03 - Comarca de Mossoró); não há que se falar em culpa da vítima; o seu filho residia com ela, contribuindo firmemente para seu sustento com o proveito de seu trabalho; a responsabilidade do Estado é objetiva.

Ao final, requereu: a condenação do réu ao pagamento de pensão mensal vitalícia correspondente a cinco salários mínimos, incluindo-se a verba correspondente ao 13º salário, determinando-se para tanto a constituição de capital necessário ao adimplemento das prestações vincendas; a concessão de tutela antecipada relativamente às prestações vencidas; a condenação do réu em danos morais, na base de R$ 800.000,00.

Após o réu ter se manifestado sobre o pedido de antecipação de tutela, o Juízo a quo o indeferiu.

O réu contestou requerendo, de início, a suspensão do processo ante a necessidade de aguardar o trânsito em julgado da ação criminal. No mérito, pugnou pela improcedência dos pedidos ou, caso assim não entenda, pela redução do valor pleiteado, aduzindo que: o autor dos disparos não se encontrava no exercício da função pública quando do cometimento do suposto crime, pois se encontrava exercendo a função de segurança particular do clube onde se realizou a festa; o Estado só responde pelos danos que seus agentes causem na condição de servidores; o evento se deu por culpa exclusiva da vítima; o autor dos disparos agiu em legítima defesa e não foi demonstrado o nexo causal, não havendo que se falar em dever de indenizar; o valor pleiteado a título de danos morais é excessivo; a autora não comprovou os danos materiais sofridos.

Conforme termo de fls 101-103, foi realizada audiência preliminar, na qual não houve acordo. Na oportunidade, o Juízo a quo aplicou a inversão do ônus da prova e fixou os pontos controvertidos.

Foi realizada audiência de instrução e julgamento (termo de fls. 115-121), na qual foram colhidos depoimentos testemunhais.

As partes apresentaram alegações finais.

O Juízo a quo julgou parcialmente procedentes os pedidos da inicial, condenando o réu a pagar à autora R$ 30.000,00 a título de danos morais e, a título de danos materiais, pensão mensal vitalícia no valor de um salário mínimo, a ser paga a partir do fato, até a data em que a vítima, se vivo, completaria 65 anos de idade.

Irresignado com a sentença proferida, o réu dela apelou, reforçando os argumentos da contestação e acrescentando que: a prova testemunhal confirmou que os policiais estavam laborando como seguranças particulares no local dos acontecimentos, bem como que o policial que realizou os disparos agiu no estrito dever legal e em defesa própria, pois ameaçado pela vítima que estava armada; o valor fixado na sentença a título de indenização por danos morais deve ser reduzido; a condenação ao pagamento de indenização por danos materiais deve ser revista, tendo em vista que não foi demonstrada a dependência econômica entre os pais e o filho morto, ou que o este prestasse alimentos ao primeiro, bem como que, se a vítima percebia cerca de um salário mínimo mensal, não se concebe que a condenação da pensão vitalícia seja fixada na totalidade do que percebia pelo exercício de suas atividades laborativas, além do que não seria razoável supor que a mãe dependeria a vida inteira do filho. Ao final, requereu a reforma da sentença, para que sejam julgados improcedentes os pedidos da inicial, ou a redução do valor fixado para a indenização por danos morais e materiais.

A apelada apresentou contrarrazões pugnando pelo desprovimento do apelo.

A 14ª Procuradoria de Justiça opinou pelo conhecimento e provimento parcial do recurso.

É o relatório.

VOTO

Preenchidos os requisitos de admissibilidade, conheço da remessa necessária e do recurso de apelação.

Discute-se, no caso em apreço, se o apelante deve ser condenado ao pagamento de indenização por danos morais e materiais à apelada, em razão da morte do filho desta, acarretada por disparo de arma de fogo por policial militar, e, em caso positivo, se deve ser reduzido o quantum indenizatório fixado na sentença.

Compulsando os autos, verifico que, no dia 09 de dezembro de 2002, Antônio Marcos Alves dos Santos, filho da apelada, estava nas proximidades do "Bar Mamuche", na cidade de Mossoró, e faleceu em decorrência de projétil de arma de fogo na cabeça (fl. 14), disparado pelo policial militar Antônio Francisco de Moura.

De acordo com o apelante, não há que se falar em responsabilidade do Estado no presente caso, sob o fundamento de que: o autor dos disparos não se encontrava no exercício da função pública quando do cometimento do suposto crime, pois se encontrava exercendo a função de segurança particular do "Bar Mamuche", e agiu em legítima defesa e no estrito cumprimento do dever legal; o evento se deu por culpa exclusiva da vítima, que estava armada; não foi demonstrado o nexo causal. Não lhe assiste razão, conforme demonstrar-se-á a seguir.

De início, cumpre explicitar que, de acordo com o art. 37, §6º, da Constituição Federal, as pessoas jurídicas de direito público respondem objetivamente pelos danos causados por seus agentes, senão vejamos:

"Art. 37 - omissis

(...)

§ 6º - As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurando o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo e culpa

(...)".

No mesmo sentido disciplina o art. 43 do Código Civil:

"Art. 43. As pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente responsáveis por atos dos seus agentes que nessa qualidade causem danos a terceiros, ressalvado direito regressivo contra os causadores do dano, se houver, por parte destes, culpa ou dolo."

Assim, para que o ente público seja responsabilizado, o prejudicado deve provar apenas o fato, o dano e o nexo causal existente entre este e a atividade estatal, o que torna desnecessária a prova da culpa do agente ou mesmo da falta ou falha do serviço em geral. Para se eximir da obrigação, o primeiro deve demonstrar que houve culpa exclusiva da vítima, tendo em vista que a teoria adotada pelo nosso ordenamento é a do risco administrativo.

In casu, o fato lesivo restou devidamente comprovado, vez que, dos elementos probatórios constantes dos autos, não resta dúvida de que a vítima foi morta por disparo efetuado por um policial militar, fato inclusive confirmado por este no interrogatório efetuado perante a 2ª Delegacia de Polícia Civil de Mossoró (fl. 30-31), nos seguintes termos:

"Que o interrogado continuou a perseguição, quando em dado momento, a arma que conduzia disparou acidentalmente e atingiu aquele rapaz; que o interrogado se aproximou daquele rapaz, no intuito de conduzi-lo ao Hospital, foi quando percebeu que ele já estava sem vida; que o interrogado diz que não tinha a intenção de atingir aquele rapaz, queria apenas detê-lo (...)"

Quanto à assertiva do apelante de que o policial Antônio Francisco de Moura estava prestando serviços particulares quando atirou na vítima, e que, por isso, o Estado não pode ser responsabilizado pelo evento, não lhe assiste razão.

Da análise dos depoimentos testemunhais constantes dos autos, vislumbro que, no momento do evento danoso, o policial estava devidamente fardado e utilizando arma da corporação, o que, por si só, gera a presunção de que estava a serviço desta. Por oportuno, vejamos o que afirmou a testemunha Carlos Alberto Machado de Lavôr, proprietário da Churrascaria onde se realizava o evento em que ocorreu o fato descrito na inicial:

"(...) disse que o referido policial estava devidamente uniformizado e usando arma da corporação e que havia sido autorizado pelo Comandante do Segundo BPM para realização do serviço de segurança no seu estabelecimento". (fls. 116)

Convém esclarecer, oportunamente, que, de acordo com o entendimento do Supremo Tribunal Federal, ainda que o policial esteja de folga, o Estado responde objetivamente pelos danos causados pelo mesmo, caso esteja fardado ou utilizando arma da corporação. Vejamos:

"EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA DO ESTADO. ARTIGO 37, § 6º, DA CONSTITUIÇÃO. Crime praticado por policial militar durante o período de folga, usando arma da corporação. Responsabilidade civil objetiva do Estado. Precedentes. Agravo regimental a que se nega provimento."

(grifos acrescidos)

(RE 418023 AgR/RJ - RIO DE JANEIRO. AG.REG.NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. Relator(a): Min. EROS GRAU. Julgamento: 09/09/2008. Órgão Julgador: Segunda Turma. Publicação: DJe-197; DIVULG 16-10-2008;PUBLIC 17-10-2008)

"EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. POLICIAL MILITAR EM PERÍODO DE FOLGA. DISPARO DE ARMA DE FOGO PERTENCENTE À CORPORAÇÃO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. INDENIZAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE DO REEXAME DE PROVAS. SÚMULA 279 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. AGRAVO REGIMENTAL AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO."

(grifos acrescidos)

(RE 508114 AgR/SP - SÃO PAULO. AG.REG.NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. Relator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA. Julgamento: 16/09/2008. Órgão Julgador: Primeira Turma. Publicação: DJe-211; DIVULG 06-11-2008; PUBLIC 07-11-2008)

Sobre o assunto, vejamos a lição de Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo(1):

"o que interessa para caracterizar a responsabilidade da Administração é o fato de o agente prevalecer-se da condição de agente público para o cometimento do dano. O que importa é a qualidade de agente público ostentada na atuação do agente, a circunstância de sua condição de agente público ser determinante para a prática do ato. É irrelevante se o agente atuou dentro, fora ou além de sua competência legal: tendo o ato sido praticado na "qualidade" de agente público já é suficiente para a caracterização da responsabilidade objetiva.

(...)

Exemplificando: se um policial fardado, agindo fora de seu horário de expediente, mas em nome do Estado (o que, no caso, presume-se do só fato de estar o agente fardado e ser efetivamente integrante dos quadros da força policial), causar dano ao particular, a obrigação de indenizar compete ao Estado, independentemente da existência de irregularidade na ação do agente".

(grifos acrescidos)

No que tange ao nexo de causalidade, a apelada demonstrou exaustivamente o fato constitutivo do seu direito (CPC, art. 333, I), quando trouxe aos autos a comprovação de que os danos sofridos resultaram da conduta do policial militar, que é agente do Estado.

No que concerne à alegação do apelante de que houve culpa exclusiva da vítima, sob o fundamento de que esta estava armada e havia ameaçado o policial, e que, por isso, estaria afastado o nexo causal, igual sorte não lhe assiste.

Com efeito, inexiste nos autos qualquer prova de que a vítima estava armada ou que tenha ameaçado qualquer pessoa. O único indício de prova nesse sentido seria o depoimento prestado pela Sra. Maria de Fátima Monteiro (fls. 117), que afirmou que a vítima teria entrado armada em seu estabelecimento comercial e "que a pessoa atingida pelo disparo do policial teria sido a mesma que passara em sua lanchonete (...)". No entanto, convém explicitar que a mesma senhora, ao prestar declarações perante a 2ª Delegacia de Polícia Civil de Mossoró (durante o Inquérito penal realizado), afirmou que "depois a declarante soube que um rapaz morreu, não sabendo ela informar se foi o mesmo que foi ao seu comércio"(fls. 22). Diante das contradições apresentadas nos dois depoimentos, não há como considerá-los como prova.

Por outro lado, deve ser considerado o depoimento prestado pelo policial José Herculano da Silva Segundo, que estava na companhia do policial que efetuou os disparos (fls. 118):

"(...) em momento algum viu a vítima tentando sacar qualquer tipo de arma, embora o policial Francisco Moura tivesse lhe dito que houve essa tentativa por parte da vítima; que não houve discussão entre a vítima e o policial Francisco Moura; que também a vítima não chegou a desacatar o policial; que ele depoente e o policial Francisco Moura, que participaram da diligência, em momento algum procuraram revistar a vítima". (...) Que não sabe informar se a vítima no momento em que foi alvejada pelo disparo portava algum tipo de arma; (...) disse que, após ter sido assassinado, ficou sabendo, por ouvir dizer, que a vítima não estava portando arma (...); disse que a dona da lanchonete apenas suspeitou que a vítima poderia estar portando algum tipo de arma por conta do volume feito em sua camisa". (grifos acrescidos)

Vale transcrever, outrossim, trechos dos depoimentos prestados pelas testemunhas Francisco Neto Pereira da Silva (fls. 119) e Lindomar Pereira de Lima, que assim afirmaram, respectivamente:

" (...) que é do seu conhecimento que não foi encontrada nenhuma arma em poder da vítima, após ter sido assassinada". (fl. 119)

"(...) que conhece a vítima do bairro onde reside e disse que a mesma não costumava usar nenhum tipo de arma e naquela noite em que foi assassinado também não estava armado". (fl. 120)

Dessarte, é inegável que o Estado-apelante não logrou êxito em demonstrar a tese de culpa exclusiva da vítima, ou qualquer condição excludente da sua responsabilidade de indenizar.

No que concerne aos prejuízos de ordem moral e material sofridos pela apelada, são estes incontestes.

Em relação aos danos morais, restam caracterizados pelo sofrimento, dor, tristeza, revolta e angústia inevitavelmente passados por uma mãe, ao ter seu filho morto por agente do Estado de forma abrupta, irresponsável e injustificada.

Urge salientar que, em casos como o ora apreciado, não se faz necessária a comprovação efetiva do dano moral sofrido, sendo este presumido através da comprovação do fato lesivo.

Quanto ao montante da indenização por danos morais fixado na sentença, entendo que não há redução a ser feita, por considerar que R$ 30.000,00 (trinta mil reais) é um valor razoável e proporcional ao prejuízo sofrido, e que, caso reduzido, não será suficiente para atender às funções compensatória e inibitória da indenização.

Em casos similares, de morte causada por policiais, vejamos como tem se posicionado o Superior Tribunal de Justiça sobre o valor da indenização por danos morais:

"EMENTA: RESPONSABILIDADE DO ESTADO. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. MORTE. REVISÃO DO QUANTUM. VALOR QUE NÃO SE MOSTRA EXORBITANTE. FIXAÇÃO NOS PARÂMETROS DO ENTENDIMENTO DESTE TRIBUNAL. SÚMULA 7/STJ.

I - Trata-se de ação ajuizada contra o ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE, por meio da qual se busca a indenização por danos morais e materiais decorrentes da morte do marido e pai das autoras, acontecimento envolvendo policiais civis.

II - Acolhido o pedido, pretende-se no apelo extremo a revisão do valor fixado a título de danos morais, o que é admitido nesta eg. Corte de Justiça somente quando o mesmo se apresente irrisório ou exorbitante.

III - No caso, a fixação do valor de R$ 50.000,00 (cinqüenta mil reais) não se mostra exorbitante, estando dentro dos parâmetros de entendimento desta eg. Corte de Justiça.

IV - Assim, a pretendida redução esbarra na vedação contida na Súmula 7/STJ, por demandar o revolvimento de provas.

V - Recurso não conhecido.

(REsp 1021992/RN. RECURSO ESPECIAL 2008/0008140-1. Relator(a): Ministro FRANCISCO FALCÃO. Órgão Julgador: PRIMEIRA TURMA. Data do Julgamento: 02/10/2008. Data da Publicação/Fonte: DJe 13/10/2008)

"EMENTA: ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. INDENIZAÇÃO. REVISÃO.

1. Hipótese em que o Tribunal de origem, ao concluir pela existência de nexo de causalidade entre a ação dos agentes policiais estaduais e a morte de particular, fixou indenização por danos morais aos parentes da vítima em R$ 60.000,00 (sessenta mil reais), montante que o Estado recorrente entende excessivo.

2. A jurisprudência do STJ é pacífica no sentido de que somente em casos excepcionais é possível rever o valor da indenização, quando exorbitante ou insignificante a importância arbitrada, em flagrante violação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, o que, in casu, não se configura.

3. Agravo Regimental não provido.

(AgRg no REsp 1021493/MA. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL 2008/0005122-1. Relator(a): Ministro HERMAN BENJAMIN. Órgão Julgador: SEGUNDA TURMA. Data do Julgamento: 02/10/2008. Data da Publicação/Fonte: DJe 09/03/2009)

No que diz respeito aos danos materiais sofridos pela apelada, são estes presumidos pelo fato de se tratar de pessoa de baixa renda, que poderia ser auxiliada economicamente pela vítima, sendo irrelevante, para a configuração dessa espécie de dano, a comprovação de que havia dependência econômica entre os pais e o filho no momento do evento danoso, ou mesmo que este exercia trabalho remunerado. Neste sentido, colaciono o entendimento do STJ, in verbis:

"EMENTA: ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. ACIDENTE NA VIA FÉRREA. MORTE DE MENOR. PENSIONAMENTO. DANO MORAL.

1. "É devida a indenização por dano material aos pais de família de baixa renda, em decorrência da morte de filho menor proveniente de ato ilícito, independentemente do exercício de trabalho remunerado pela vítima. O termo inicial do pagamento da pensão conta-se dos quatorze anos, data em que o direito laboral admite o contrato de trabalho, e tem como termo final a data em que a vítima atingiria a idade de sessenta e cinco anos" (REsp 653.597/AM, de minha relatoria, DJU de 04.10.04).

(...)"

(grifos acrescidos)

(REsp 861074/RJ. RECURSO ESPECIAL 2006/0125555-3. Relator: Ministro CASTRO MEIRA. Órgão Julgador: SEGUNDA TURMA. Data do Julgamento: 20/09/2007. Data da Publicação/Fonte: DJ 07/02/2008, p. 302)

"RESPONSABILIDADE CIVIL. MORTE DE FILHO MENOR. DANOS MATERIAIS. FAMÍLIA POBRE. PENSIONAMENTO DOS PAIS. POSSIBILIDADE.

- "Em se tratando de família de baixa renda, admite-se o pagamento de indenização por dano material por morte de filho menor que não exercia atividade laborativa à época do evento danoso" (Resp 542.367/NANCY)."

(AgRg no REsp 979557/PE. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL 2007/0194355-8. Relator: Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS. Órgão Julgador: Terceira Turma. Data do Julgamento: 12/02/2008. Data da Publicação/Fonte: DJe 03/03/2008)

Assim, a apelada tem direito ao percebimento de pensão mensal, a título de indenização por danos materiais, a partir da data do fato danoso, até a data em que a vítima completaria 65 (sessenta e cinco) anos de idade, como bem entendeu o Juízo a quo.

No entanto, a sentença merece reforma quanto ao valor da pensão mensal fixada, tendo em vista que o montante de um salário mínimo é excessivo e, de acordo com o entendimento do STJ, deve ser reduzido para 2/3 (dois terços) do salário mínimo até a data em que a vítima completaria 25 (vinte e cinco) anos de idade (01/01/2003), a partir da qual o valor devido passa a ser de 1/3 (um terço) do mínimo salarial, até a data em que a vítima completaria 65 anos, como dito acima. Nesta linha, transcrevo precedentes daquela Corte, in verbis:

"EMENTA: PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. MORTE DE CRIANÇA CAUSADA POR ATROPELAMENTO DE VIATURA DO ESTADO EM SERVIÇO. DANO MATERIAL. CABIMENTO. PENSIONAMENTO MENSAL. VALOR DO DANO MORAL. REVISÃO. POSSIBILIDADE QUANDO IRRISÓRIO OU EXORBITANTE. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE PROVIDO.

1. No que se refere ao dano material, a orientação do STJ está consolidada no sentido de fixar a indenização por morte de filho menor, com pensão de 2/3 do salário percebido (ou o salário mínimo caso não exerça trabalho remunerado) até 25 (vinte e cinco) anos, e a partir daí, reduzida para 1/3 do salário até a idade em que a vítima completaria 65 (sessenta e cinco) anos. (REsp 1.101.213-RJ, Rel. Min. Castro Meira, julgado em 2/4/2009).

(...)

(grifos acrescidos)

(REsp 976059/SP. RECURSO ESPECIAL 2007/0186830-6. Relator: Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES. Órgão Julgador: SEGUNDA TURMA. Data do Julgamento: 04/06/2009. Data da Publicação/Fonte: DJe 23/06/2009)

"EMENTA: ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. QUEDA DA JANELA DO 3ª ANDAR DE ESCOLA INFANTIL. MORTE DA CRIANÇA. DANO MORAL AOS PAIS E AVÓS. PENSIONAMENTO MENSAL. CORREÇÃO.

(...)

5. No que se refere ao dano material, a orientação do STJ está consolidada no sentido de fixar a indenização por morte de filho menor, com pensão de 2/3 do salário percebido (ou o salário mínimo caso não exerça trabalho remunerado) até 25 (vinte e cinco) anos, e a partir daí, reduzida para 1/3 do salário até a idade em que a vítima completaria 65 (sessenta e cinco) anos.

(...)

(REsp 1101213/RJ. RECURSO ESPECIAL 2008/0240545-1. Relator: Ministro CASTRO MEIRA. Órgão Julgador: SEGUNDA TURMA. Data do Julgamento: 02/04/2009. Data da Publicação/Fonte: DJe 27/04/2009)

Ante o exposto, em consonância com o parecer do 14º Procurador de Justiça, voto pelo conhecimento e provimento parcial da apelação e da remessa necessária, reformando a sentença apenas quanto à pensão mensal fixada a título de danos materiais, reduzindo-a para 2/3 (dois terços) do salário mínimo até a data em que a vítima completaria 25 (vinte e cinco) anos de idade (01/01/2003), a partir da qual o valor devido passa a ser de 1/3 (um terço) do mínimo salarial, até a data em que a vítima completaria 65 anos, mantendo a sentença por seus próprios fundamentos quanto aos demais aspectos.

É como voto.

Natal, 27 de outubro de 2009.

DESEMBARGADOR AMAURY MOURA SOBRINHO
Presidente/Relator

Doutora BRANCA MEDEIROS MARIZ
7ª Procuradora de Justiça



Notas:

1 - Direito administrativo. 12º edição. Rio de Janeiro: Impetus, 2006. Pág. 479. [Voltar]




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