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terça-feira, 24 de novembro de 2009

JURID - Réu inimputável. Medida de segurança. Prescrição. [24/11/09] - Jurisprudência


Execução penal. Habeas corpus. Réu inimputável. Medida de segurança. Prescrição.


Supremo Tribunal Federal - STF.

DJe nº 200 Divulgação 22/10/2009 Publicação 23/10/2009 Ementário nº 2379 - 6

PRIMEIRA TURMA

HABEAS CORPUS 98.360 RIO GRANDE DO SUL

RELATOR: MIN. RICARDO LEWANDOWSKI

PACTE.(S): LUIZ ADOLFO WORM

IMPTE.(S): DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO

COATOR(A/S)(ES): SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

PENAL. EXECUÇÃO PENAL. HABEAS CORPUS. RÉU INIMPUTÁVEL. MEDIDA DE SEGURANÇA. PRESCRIÇÃO. INOCORRÊNCIA. EXTINÇÃO DA MEDIDA, TODAVIA, NOS TERMOS DO ARTIGO 75 DO CP. PERICULOSIDADE DO PACIENTE SUBSISTENTE. TRANSFERÊNCIA PARA HOSPITAL PSIQUIÁTRICO, NOS TERMOS DA LEI 10.261/01. WRIT CONCEDIDO EM PARTE.

I - Não há falar em extinção da punibilidade pela prescrição da medida de segurança uma vez que a internação do paciente interrompeu o curso do prazo prescricional (artigo 117, V, do Código Penal).

II - Esta Corte, todavia, já firmou entendimento no sentido de que o prazo máximo de duração da medida de segurança é o previsto no artigo 75 do CP, ou seja, trinta anos. Precedente.

III - Laudo psicológico que, no entanto, reconheceu a permanência da periculosidade do paciente, embora atenuada, o que torna cabível, no caso, a imposição de medida terapêutica em hospital psiquiátrico próprio.

IV - Ordem concedida em parte para extinguir a medida de segurança, determinando-se a transferência do paciente para hospital psiquiátrico que disponha de estrutura adequada ao seu tratamento, nos termos da Lei 10.261/01, sob a supervisão do Ministério Público e do órgão judicial competente.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os ministros da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, sob a Presidência do Senhor Ministro Carlos Ayres Britto, na conformidade da ata de julgamentos e das notas taquigráficas, por decisão unânime, deferir, em parte, o pedido de habeas corpus, nos termos do voto do Relator. Ausente, justificadamente, o Senhor Ministro Menezes Direito.

Brasília, 4 de agosto de 2009.

RICARDO LEWANDOWSKI - RELATOR

RELATÓRIO

O Sr. Ministro RICARDO LEWANDOWSKI: Trata-se de habeas corpus impetrado pela Defensoria Pública da União em favor de LUIZ ADOLFO WORM, contra acórdão da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, que denegou a ordem pleiteada naquela Corte.

Esta a ementa do ato atacado:

"HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO PENAL. RÉU CONSIDERADO INIMPUTÁVEL. APLICAÇÃO DE MEDIDA DE SEGURANÇA CONSISTENTE EM INTERNAÇÃO. ALEGAÇÃO DE PRESCRIÇÃO IMPROCEDENTE. PRAZO PRESCRICIONAL INTERROMPIDO PELO INÍCIO DO CUMPRIMENTO DA MEDIDA DE SEGURANÇA. INTERNAÇÃO QUE DEVE DURAR ENQUANTO NÃO CESSADA A PERICULOSIDADE DO INIMPUTÁVEL. PARECER DO MPF PELA CONCESSÃO DO WRIT. ORDEM DENEGADA, PORÉM.

1.O início do cumprimento da medida de segurança interrompe a contagem do prazo prescricional (HC 113.459/RS, Rel. Min. JANE SILVA, DJe 10.11.2008).

2.Nos termos da orientação firmada nesta Corte, a internação do inimputável deve durar enquanto não cessada a sua periculosidade.

3.O MPF manifestou-se pela concessão do writ.

4.Ordem denegada" (fl. 19).

Narra a inicial que o paciente, portador de esquizofrenia paranóide, cumpre medida de segurança, desde 1977, por ter praticado, mais de uma vez, a conduta descrita no artigo 132 do Código Penal (perigo para a vida ou saúde de outrem), contra sua mãe e irmão.

Relata, ainda, que, em 1991, o paciente foi posto em liberdade, porém, por haver ameaçado a integridade física de seus pais, foi novamente internado em 1992.

Afirma, mais, que o magistrado de primeiro grau, tendo em conta o transcurso de mais de quatorze anos de sua última internação, decretou a prescrição da medida de segurança, aplicando, por analogia, o artigo 109 do Código Penal.

O Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul insurgiu-se contra essa decisão por meio de agravo em execução, o qual foi provido pelo Tribunal de Justiça daquele Estado, ao entendimento de que a medida de segurança só cessa quando cessada estiver a periculosidade do agente.

Contra essa decisão impetrou-se habeas corpus no Superior Tribunal de Justiça, que, por sua vez, denegou a ordem, o que deu ensejo a esta impetração.

A impetrante assim resume a questão a ser examinada:

"A solução da controvérsia depende do entendimento que se faça da medida de segurança: se, ao lado da sanção penal, espécie do gênero relação de especial sujeição ou se, ao lado da pena privativa de liberdade, espécie do gênero sanção penal" (fl. 3).

Assevera que, na espécie, o paciente encontra-se internado há mais de quinze anos por um crime cuja pena máxima é de apenas seis meses e que, considerando que seu tratamento iniciou-se em 1977, foi interrompido em 1991 e retomado em 1992, sua internação já ultrapassa os trinta anos.

Acrescenta que, caso se compreenda a medida de segurança constitui espécie de sanção penal, forçoso é reconhecer o limite imposto pela Constituição, que dispõe não haver, em nosso ordenamento, penas de natureza perpétua (artigo 5º, XLVII, b).

Na sequência, sustenta que o prazo para o término da medida de segurança deve ser calculado pelo máximo da pena cominada ao crime pelo qual respondia o agente e em virtude do qual foi imposta a medida de segurança.

Diz, ainda, que condicionar a extinção da medida de segurança única e exclusivamente ao fim da periculosidade, com vistas à prevenção de novas infrações, "é tratar o sentenciado, como instrumento para o cumprimento de metas prevencionistas " (fl. 9).

Conclui, assim, ao postular pela extinção da medida de segurança, seja pela prescrição do direito do Estado de manter o paciente submetido ao seu imperium, seja pelo seu cumprimento do lapso temporal da medida.

Ante a ausência de pedido de medida liminar, determinei a remessa dos autos à Procuradoria-Geral da República.

O Parquet, em parecer da lavra do Subprocurador-Geral da República Mário José Gisi, opinou pela concessão da ordem ex officio para que o paciente dê continuidade ao tratamento no regime de desinternação progressiva, em hospital psiquiátrico que disponha de estrutura compatível com o referido sistema (fls. 58-65).

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro RICARDO LEWANDOWSKI (Relator): Bem examinados os autos, tenho que é caso de concessão parcial do writ.

Os autos dão conta de que ao paciente, portador de esquizofrenia paranóide, foi imposta medida de segurança por haver atentado, em diversas ocasiões, contra a integridade física de sua mãe e irmão, tendo sido internado em 1977.

Em 1991, o paciente foi posto em liberdade, e, decorrido mais de um ano da desinternação condicional, sem revogação, o juízo deu por extinta a medida de segurança (fl. 33).

Ocorre que, por ter ameaçado a integridade física de seus pais foi novamente recolhido ao Instituto Psiquiátrico Forense, em 29/9/1992, onde se encontra até então.

Registro que, na decisão atacada pelo agravo em execução, o Juiz de Direito Clademir Missaggia consignou o seguinte:

(...) o pai do acusado envidou todas precauções no sentido de lhe dispensar o tratamento adequado restando as mesmas infrutíferas. Nos delírios que o acometem, investe contra terceiros apedrejando-os.

Posteriormente foi ajuizado novo processo pelo fato de ter ameaçado de morte seus pais, dizendo que iria degolá-los, por terem misturado em sua comida os remédios prescritos pelos médicos do Hospital São Pedro" (fl. 32).

Pois bem. A impetrante busca, primeiramente, o reconhecimento da extinção da medida pela prescrição ou pelo seu cumprimento temporal.

Entendo que a primeira dos dois pleitos não merece acolhimento.

Isso porque dispõe o artigo 96 do Estatuto Repressivo que, "extinta a punibilidade, não se impõe medida de segurança nem subsiste a que tenha sido imposta", donde se conclui que à medida de segurança aplicam-se as causas extintivas da punibilidade, dentre elas a prescrição.

Na espécie, contudo, não há falar em prescrição da pretensão executória, uma vez que, nos termos do artigo 117, V, do Código Penal, esta foi interrompida pela internação do paciente, em 1992.

Já o pedido de extinção da medida em face de sua prolongada duração, pode ser admitida, mas por outros fundamentos, não com base na tese de que ela deve limitar-se à pena máxima cominada ao injusto praticado.

Com efeito, é de se ter em conta o que prescreve o artigo 97, parágrafo primeiro, do Código Penal, no sentido de que a internação será por tempo indeterminado, perdurando enquanto não cessar a periculosidade do agente.

Ora, no último laudo psiquiátrico, datado de 18/1/2007 e transcrito na decisão proferida em agravo em execução, os peritos assentaram que os

"(...) prejuízos das capacidades mentais do periciando decorrentes da doença mental crônica, determinam no presente caso a manutenção da periculosidade social que mostrou-se atenuada neste último ano" (fl. 38 - grifos meus).

Desta forma, resulta claro que a periculosidade do agente não cessou completamente, mas apenas restou atenuada, segundo atestaram os experts, descabendo, assim, falar em extinção da medida.

Essa conclusão, contudo, deve ser conjugada com o entendimento jurisprudencial firmado por esta Corte no sentido de que a duração da medida de segurança encontra seu limite no artigo 75 do Código Penal, ou seja, trinta anos, conforme se verifica na ementa que se segue:

"MEDIDA DE SEGURANÇA - PROJEÇÃO NO TEMPO -LIMITE. A interpretação sistemática e teleológica dos artigos 75, 97 e 183, os dois primeiros do Código Penal e o último da Lei de Execuções Penais, deve fazer-se considerada a garantia constitucional abolidora das prisões perpétuas. A medida de segurança fica jungida ao período máximo de trinta anos" (HC 84.219/SP, Rel. Min. Marco Aurélio).

Assim, entendo que deve não mais pode subsistir a medida de segurança. o paciente, todavia, deve continuar sob a custódia do Estado, tendo em conta o último laudo psiquiátrico informa que a sua periculosidade ainda persiste, embora de forma atenuada, o que indica ser cabível, na espécie, a adoção da desinternação progressiva, prevista na Lei 10.261/01.

Acresce, ainda, que a duração prolongada da medida sem que se obtivesse melhora significativa do quadro clínico está a revelar a necessidade de se optar por outra modalidade de tratamento, que não o internamento puro e simples.

Nesse sentido, manifestou-se o ilustre membro do Ministério Público Federal:

"(...) não se pode ignorar que, na maioria dos casos; a internação prolongada resulta em confinamento e abandono familiar, o que geralmente inviabiliza o retorno do internado ao convívio social.

A fim de evitar a privação indeterminada do internado de sua liberdade e do convívio familiar e social, necessária a flexibilização do regime de internação através da adoção do método terapêutico da desinternação progressiva, por constituir-se num modelo transitório entre a situação de hospitalização em regime fechado e o retorno ao meio social mais amplo.

O programa de desinternação progressiva está previsto na Lei 10.216101, que dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais, sendo regulamentado pela Resolução 05/2004 do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária - CNPCP.

Preconiza o artigo 5º da Lei 10.261/01:

'O paciente há longo tempo hospitalizado ou para o qual se caracterize situação de grave dependência institucional, decorrente de seu quadro clínico ou de ausência de suporte social, será objeto de política específica de alta planejada e reabilitação psicossocial assistida, sob responsabilidade da autoridade sanitária competente e supervisão de instância a ser definida pelo Poder Executivo, assegurada a continuidade do tratamento quando necessário'

A Resolução 05/2004 do CNPCP, dispõe em seu item 12 que

'a medida de segurança deve ser aplicada de forma progressiva, por meio de saídas terapêuticas, evoluindo para regime de hospital-dia ou hospital-noite e outros serviços de atenção diária tão logo o quadro clínico do paciente assim o indique. A regressão para o regime anterior só se justificará com base em avaliação clinica'.

(...)

In casu, a progressão do quadro clínico do paciente foi atestada pelos médicos do Instituto Psiquiátrico Forense (vide transcrições constantes de fls. 34/38), demonstrando que houve moderada recuperação capaz de amparar o pedido da impetração de transferência para estabelecimento psiquiátrico apropriado" (fls. 62-65).

Recorde-se, ainda, que, em recente decisão, a Segunda Turma, no julgamento do HC 97.621/RS, Rel. Min. Cezar Peluso, apreciando situação semelhante a dos autos - tratava-se de paciente que, acometido por acesso de insanidade, desferiu socos e pontapés em sua mãe e atirou pedras em pessoas que transitavam defronte sua casa, atingindo uma delas, causando lesões leves, ao qual foi imposta medida de segurança que perdura há 27 anos -, entendeu pelo cabimento da medida de desinternação progressiva, nos termos do voto que proferiu, do qual extraio o trecho abaixo:

"Parece-me razoável, pois, a conclusão de que já pode receber alta planejada, com reabilitação psicossocial assistida fora do âmbito do Instituto Psiquiátrico Forense.

O histórico criminal do paciente é pouco relevante, e, conquanto os laudos firmem que a periculosidade ainda não cessou por completo, a despeito de inequívoca melhora, a decisão de primeiro grau pesou tal circunstância, ao determinar o encaminhamento do paciente a hospital psiquiátrico, mantido o,fornecimento dos medicamentos que vêm sendo ministrados pelo Instituto Psiquiátrico Forense.

Por tudo isso, tenho que o processo de desinternação progressiva, na forma determinada pelo Juízo da vara de Execuções Criminais da comarca de Porto Alegre, é á medida mais adequada ao caso".

Desta forma, pelo meu voto, concedo em parte a ordem, para extinguir a medida de segurança, determinando-se a transferência do paciente para hospital psiquiátrico que disponha de estrutura adequada ao seu tratamento, nos termos da Lei 10.261/01, sob a supervisão do Ministério Público e do órgão judicial competente.

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI (RELATOR) - Senhor Presidente, este caso mostra a importância da Defensoria Pública, que defende aqueles que não têm ninguém por si.

Este é um caso paradigmático. É um doente mental que está preso, ou está submetido à medida de segurança, há quase três décadas, que não tem ninguém por ele, a não ser a Defensoria Pública. A importância dessa instituição criada pela Constituição Cidadã de 1988 está demonstrada exatamente neste HC.

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO - Vossa Excelência me permite?

Apenas para reforçar a sua óptica, afirmo que ainda espero vivenciar os dias em que a Defensoria Pública terá por parte do Estado a mesma consideração que tem o Ministério Público, o Estado-acusador.

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI (RELATOR) - Acompanho Vossa Excelência nesse pensamento.

A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA - Ministro Ricardo Lewandowski, o indeferimento significa dizer que não se aceita aqui, ou que Vossa Excelência não está preconizando o que postulado pela nobre Defensoria no sentido da despenalização do caso.

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI (RELATOR) - Eu não estou determinando a desinternação pura e simples.

O SENHOR MINISTRO CARLOS BRITTO (PRESIDENTE) - O objeto do habeas corpus é mais ambicioso, é maior.

A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA - Porque o Advogado, inclusive, enfatizou que o pedido inicial era exatamente no sentido de que não se cuidasse dessa internação como matéria penal, ou seja, como cumprimento de uma medida de segurança, mas de uma medida administrativa para salvaguardar - acho que estou traduzindo o que seria o pensamento - a comunidade familiar, basicamente o núcleo, porque era o mais próximo a quem ele atingiu, porém como decorrência de uma medida de segurança que ele está internado. O que pretenderia inicialmente a Defensoria, se bem entendi, era exatamente que houvesse a despenalização e se cuidasse disso como matéria administrativa meramente.

Quando Vossa Excelência denega a ordem, neste caso, Vossa Excelência não está aceitando e não está assentando este entendimento. Está apenas dizendo que para este efeito não vale.

Considerando, entretanto, os argumentos apresentados e os fundamentos do Ministério Público, Vossa Excelência se encaminha no sentido de que a concessão de ofício seja para possibilitar que ele venha a ser transferido e, com essa transferência, a partir dos estudos feitos, dos exames, se possa dar sequência e se viabilize, se for o caso, a aplicação ou não, pelo juízo competente, da norma específica sobre indulto.

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO - A concessão não seria em menor extensão do que a pleiteada?

A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA - Por isso que eu estou querendo fechar qual é o núcleo dele.

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI (RELATOR) - É uma questão de técnica. É que a Defensoria Pública levanta uma série de teses que não estão ainda amadurecidas aqui: a despenalização, por exemplo. Por isso ê que eu estou indeferindo o writ. Isso demandaria um estudo de maior fôlego.

A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA - Por isso mesmo é que eu estou parafraseando talvez. Nós estamos afastando isso, pelo menos na leitura do voto de Vossa Excelência, mas mantendo que este paciente, na verdade, teria o direito de ver a sua situação reconfigurada, se for o caso, e a partir da análise feita pelo juiz competente. Certo? Eu digo isso porque chamo a atenção para o direito dele e até para a possibilidade de a própria família, ou quem for o responsável, também atuar.

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI (RELATOR) - Desde logo, já estou determinando a transferência dele para o Hospital Psiquiátrico.

O SENHOR MINISTRO CARLOS BRITTO (PRESIDENTE) - E assim vossa Excelência resgata o caráter de desinternação progressiva da medida de segurança, porque subjaz à medida de segurança a possibilidade da desinternação progressiva.

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI (RELATOR) - Exatamente. Eu considerei um pouco temerário ante os laudos psiquiátricos policiais.

A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA - É isso que eu estou dizendo. Estou enfatizando que, na verdade, se mantém a medida de segurança, porém, agora com a nova ordem de se cumprir num hospital psiquiátrico e se determinar os estudos necessários.

O SENHOR MINISTRO CARLOS BRITTO (PRESIDENTE) - Uma nova formatação.

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI (RELATOR) - É um tratamento ambulatorial porque, inclusive pelos sucessivos laudos que constam aqui do processo, há referência de que a situação, a patologia mental do paciente já se cronificou. Essa esquizofrenia paranoide está atenuada, mas se tornou crônica.

Entendi que é um pouco temerário.

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO - A patologia continua. Agora, ele já está submetido à medida de segurança por trinta anos?

A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA - Há mais de trinta anos, pelo que foi dito.

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI (RELATOR) - Está. Há mais de trinta anos, desde 1977.

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO - Por que não adotamos a solução que prevaleceu no julgamento, por esta Turma, do Habeas Corpus nº 84.219?

Consta do acórdão, da parte dispositiva do pronunciamento:

"(...) por unanimidade, em deferir, em parte, o pedido" - por isso que eu disse que a concessão seria parcial, porque a matéria está umbilicalmente ligada, nós não estamos decidindo fora das balizas da impetração, quando poderíamos cogitar de concessão de ofício - "de habeas corpos para que, cessada a aplicação da medida de segurança, proceda-se, na forma do artigo 682, parágrafo segundo, do Código de Processo Penal, ao processo de interdição civil do paciente no juízo competente, na conformidade dos artigos 1.769 e seguintes do Código Civil, nos termos do voto do ministro Sepúlveda Pertence, Presidente."

Isso decorreu de aditamento. Fui relator desse caso, continuei como redator do acórdão, mas foi um aditamento feito pelo Ministro Sepúlveda Pertence e aderi à sugestão de Sua Excelência.

Veja, Presidente, a situação mostra-se ímpar. Se realmente não se tratasse de um inimputável, haveria, quanto ao primeiro crime, a pena máxima de um ano; quanto ao segundo, a pena máxima de seis meses, mas, porque ele é inimputável, está sob medida de segurança, com a liberdade de ir e vir cerceada, há trinta anos. Foi quando sustentei, no precedente, que alusão a prazo indeterminado - já que o artigo 97 só cogita de piso, tempo mínimo, e remete a medida de segurança à indeterminação - não deveria ser tomada com o abandono da regra, que atende a direitos humanos, do artigo 75 do Código Penal, segundo o qual ninguém pode permanecer enclausurado por mais de trinta anos, e ele assim está por tempo maior, segundo informação do relator.

Por isso, caminho no sentido de reafirmar o precedente da Turma, formalizado quando do julgamento do Habeas Corpus nº 84.219. E por que digo que a concessão é parcial e não de ofício? Porque o tema é único. Não se está decidindo quanto a matéria estranha ao que versado na inicial da impetração.

A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA - E o Advogado, da tribuna, disse que acatava o parecer do Ministério Público e a proposta.

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO - Que chegou a um meio-termo e preserva, de qualquer forma, a segurança dos cidadãos em geral.

A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA - Inclusive da família, que terá de ser responsável.

O SENHOR JOÃO ALBERTO SIMÕES PIRES FRANCO (ADVOGADO) - Eu peço vênia para fazer uma observação, Senhor Ministro Ricardo Lewandowski. O Ministro Marco Aurélio se referiu à questão da interdição - perdoe-me a intromissão -, mas esse é um dos requerimentos da Ordem. O único que não consta da Ordem é a questão relativa ao indulto, que eu pude colher justamente do habeas a que o Ministro Ricardo Lewandowski se referiu, o 97.621, da Segunda Turma, relatado pelo Ministro Cezar Peluso. Aí eu fiz o requerimento aqui na hora, mas a intenção também está requerida no writ.

Obrigado, Senhor Presidente.

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO - Aí sim, porque o indulto é matéria estranha à impetração.

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI (RELATOR) - Essa é a matéria estranha, relativamente à qual estou concedendo de ofício: o indulto. Eu tenho quase certeza que o indulto será concedido porque o paciente claramente preenche os requisitos. Mas eu faço apenas uma ponderação, eminente Ministro Marco Aurélio: eu tenho a impressão, embora não tenha dados concretos aqui, que isso consta dos sucessivos laudos psiquiátricos de 97, 98, 2000. Num laudo psiquiátrico, criminológico ou pericial, de 1988, se faz alusão que a irmã do paciente é a sua curadores; portanto, já deve ter havido uma medida de caráter civil mediante a qual ele foi interditado. Então me parece que ele já está interditado.

De outro lado, eu estou pronto evidentemente para adequar o meu voto ao pensamento majoritário da egrégia Turma, mas eu fiz alusão aqui à Lei 10.216/2001, uma lei recentíssima que dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas com transtornos mentais. O que estamos fazendo aqui, penso eu? Nós estamos tirando o paciente da medida de segurança e o transferindo à tutela do Estado. Nós estamos impondo a ele uma medida de caráter administrativo - digamos assim - com fundamento na Lei 10.216, que prevê exatamente a hospitalização dos doentes mentais.

A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA - Mas, neste caso, nós estaríamos concedendo o que foi pedido, porque este é o núcleo do pedido.

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI (RELATOR) - Eu estou concedendo mais. Agora, isso é uma questão de técnica. Eu posso conceder em parte e depois conceder de ofício também na parte remanescente, sobejante ao que não foi pedido.

O SENHOR MINISTRO CARLOS BRITTO (PRESIDENTE) - Como o indulto, por exemplo.

A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA - Parece que o Presidente havia dito que a concessão seria de ofício porque seria em menor extensão. E Vossa Excelência está dizendo que, na verdade, nós estaríamos concedendo em maior extensão, estendendo até o caso do indulto.

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI (RELATOR) - Eu entendi da inicial que a Defensoria Pública quer que se decrete ou a prescrição, ou seja, dizendo que, passados trinta anos, o paciente, independentemente do seu estado mental, deve ser colocado na rua. Aí eu creio que isso é temerário.

O SENHOR MINISTRO CARLOS BRITTO (PRESIDENTE) - É uma tese interessante essa.

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO - Essa medida de segurança tem natureza penal. Não existe a menor dúvida a respeito, tanto assim que a disciplina está no artigo 97 do Código Penal, mas podem incidir, no caso, normas civilistas e, então, já há a interdição mencionada por Vossa Excelência. É curadora do paciente a irmã e, evidentemente, ela saberá o que fazer quanto à internação.

O SENHOR MINISTRO CARLOS BRITTO (PRESIDENTE) - Hoje em dia a internação é uma exceção. Há tratamentos outros ambulatoriais. O que se tem dito hoje é que os transtornos mentais, ainda que incuráveis, são tratáveis. E não é pelo fato da incurabilidade que se vai justificar um confinamento perpétuo - não estou falando pena.

Eu estava até com vontade de pedir vista deste processo para fazer um estudo à luz de algumas teses agitadas pela Defensoria, mas penso que o voto do eminente Relator satisfaz.

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI (RELATOR) - Senhor Presidente, eu queria ponderar o seguinte: realmente essas teses são extremamente complexas e isso exigiria um posicionamento do Supremo Tribunal, desde logo, num caso que talvez não apresente todos elementos necessários e suficientes para nós decidirmos qual é a natureza exata da medida de segurança. Tenho receio que avancemos demais.

Eu, data venia, estou entendendo que se nós concedêssemos a ordem de ofício neste momento e dessa forma, como eu preconizei - evidentemente me curvarei ao entendimento majoritário da Turma tenho a impressão que nós teríamos á vantagem de, desde logo, livrarmos o paciente desse regime.

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO - Afastamos a medida de segurança peremptoriamente.

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI (RELATOR) - Afastamos. Podemos afastar, mas nós o colocamos sob a custódia do Estado num hospital psiquiátrico.

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO - Como fizemos no caso anterior.

A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA - Sem definir a natureza.

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO - Veja, Ministro, no caso anterior, a conclusão de meu voto.

O SENHOR MINISTRO RICARDO ~LEWANDOWSKI (RELATOR) - Sem definir a natureza.

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO - E depois aderi ao que sugerido pelo Ministro Sepúlveda Pertence quanto à interdição:

concedo a segurança para, em definitivo, deferir a ordem - porque tinha deferido a liminar -, viabilizando, assim, a internação da paciente - era uma mulher, mas o gênero não altera a conclusão -, tal como pleiteado na inicial - foi pleiteado em hospital psiquiátrico comum da rede pública.

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI (RELATOR) - Tudo bem, mas é, no fundo,- o que estou preconizando, além de estabelecer que o juiz examine se o paciente está preenchendo os requisitos do indulto.

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO - Dai a concessão de ofício para apreciar essa matéria no que não está compreendida na inicial da impetração.

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI (RELATOR) - É, mas aí há dois pedidos.

O SENHOR JOÃO ALBERTO SIMÕES PIRES FRANCO (ADVOGADO) - Aqui, na verdade, Ministro Marco Aurélio, está contida na inicial da impetração essa questão.

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO - Concedemos em parte para que a matéria seja apreciada pelo Juízo.

O SENHOR JOÃO ALBERTO SIMÕES PIRES FRANCO (ADVOGADO) - Na questão relativa ao indulto?

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO - Ao indulto, mas, se afastarmos a medida de segurança, o indulto perderá o objeto.

O SENHOR JOÃO ALBERTO SIMÕES PIRES FRANCO (ADVOGADO) - Sim, sem dúvida. O que se está pedindo é: reconhecer cumprida a medida de internação ordenando-se a transferência para estabelecimento psiquiátrico adequado. Ou seja, extinta a medida de segurança, passa a ser uma medida puramente administrativa, extinguindo-se a medida de caráter penal. Esse é um dos pedidos da impetração.

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO - É o precedente da Turma.

O SENHOR MINISTRO CARLOS BRITTO (PRESIDENTE) Coerente com o precedente da Turma. Para mim está de bom tamanho.

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI (RELATOR) - Quer dizer que nós então estamos assentando, aqui, salvo melhor Juízo, que uma medida de segurança superior a trinta anos não pode subsistir.

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO - Seria inconstitucional.

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI (RELATOR) - Segundo a jurisprudência da Casa.

A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA - Não, aí nós estaríamos mudando a jurisprudência da Casa.

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO - Não, não, ao contrário, inclusive Delmanto honrou o Tribunal, transcrevendo o voto do Ministro Sepúlveda Pertence em que cita Zaffaroni. Apontou Sua Excelência que, no caso, a perpetuação da medida de segurança seria inconstitucional uma vez possível extravasar o tempo máximo de trinta anos previsto no artigo 75 do Código Penal.

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI (RELATOR) - Eu citei o HC 84.219, do Ministro Marco Aurélio, em que Sua Excelência conjuga os artigos 75, 97, 183, os dois primeiros do CP e o último da Lei de Execuções Penais.

A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA - Neste caso, então, como superados os trinta anos, estaríamos afastando na esteira da jurisprudência do Supremo.

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO - Afastamos a medida de segurança.

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI (RELATOR) - Desta Turma; do Supremo, não sei.

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO - A Turma é o Tribunal dividido. Esta, ainda por cima, é a Primeira!

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI (RELATOR) - Agora, resta saber o seguinte - e temos de agir com muita responsabilidade, como sempre fazemos, evidentemente: na medida em que nós determinamos que essa medida de segurança - que nós estamos chamando de administrativa, com base nessa lei - não pode subsistir, será que o Estado teria garantia de mantê-lo num hospital psiquiátrico?

A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA - Mas será que nós precisaríamos chegar a isso, de assentar isso? Acho que não.

O SENHOR MINISTRO CARLOS BRITTO (PRESIDENTE) - Eu não avançaria. Não precisamos avançar nesse tema.

A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA - Não precisamos avançar nisso. Por isso inicialmente eu formulei a indagação a Vossa Excelência.

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO - No caso anterior, não havia interdição, mas Vossa Excelência esclareceu que ele está interditado e é curadores a própria irmã.

O SENHOR MINISTRO CARLOS BRITTO (PRESIDENTE) - Significa que já houve uma interdição.

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI (RELATOR) - Estou presumindo isso a partir do laudo.

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO - Porque remete à curatela.

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI (RELATOR) - Então, eu estaria disposto, dizendo exatamente isto: nós concedemos parcialmente a ordem para firmar que a medida de segurança não subsiste, porque supera os trinta anos, mas determinamos que o paciente se submeta regime de desinternação progressiva previsto na Lei 10.216.

O SENHOR. MINISTRO MARCO AURÉLIO - Não estou com a lei aqui.

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI (RELATOR) - Aplico a Lei no artigo 5º, porque também não podemos deixar um paciente dessa natureza, esquizofrênico-paranóico, cuja situação mental já se cronificou.

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO - Existem muitos acometidos de esquizofrenia soltos, integrados à vida gregária.

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI (RELATOR) - Alguns até em posição de destaque, lamentavelmente.

A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA - Eu como sou mineira, evidentemente estou muda, todo mundo está vendo.

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI (RELATOR) - Preconiza o artigo 5º da Lei 10.216 - está no parecer do Ministério Público:

"Art. 5º O paciente há longo tempo hospitalizado ou para o qual se caracterize situação de grave dependência institucional, decorrente de seu quadro clínico ou de ausência de suporte social, será objeto de política específica de alta planejada e reabilitação psicossocial assistida, sob responsabilidade da autoridade sanitária competente e supervisão de instância a ser definida pelo Poder Executivo, assegurada a continuidade do tratamento, quando necessário."

Quer dizer, nós teríamos uma garantia de que o Poder Público guarda, ainda, um certo controle sobre a situação.

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO - Eu sei, Ministro, mas cessa tudo quando assentamos haver prazo limite para essa atuação estatal direta, que é de trinta anos.

O SENHOR MINISTRO CARLOS BRITTO (PRESIDENTE) - Eu preferiria não assentar esse prazo limite. Eu não me comprometeria com essa tese.

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO - Não me faça ter saudade do Ministro Sepúlveda Pertence!

O SENHOR MINISTRO CARDOS BRITTO (PRESIDENTE) - Porque sempre resta o contra-argumento de que a Constituição proíbe pena perpétua, mas medida de segurança não é pena. Eu não entraria nesse mérito, pelo menos por enquanto.

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI (RELATOR) - Pois é, esse é o problema, eminente Ministro, porque teríamos que entrar na natureza jurídica de saber se é pena ou não, ou se é um tratamento que o Estado impõe compulsoriamente.

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO - Ministro, a meu ver, quanto às consequências, é pior do que uma pena, ante a indeterminação limitada, sujeita ao teto de trinta anos, prevista em lei. Reporto-me às penas máximas dos crimes perpetrados um ano para o primeiro e seis meses para o segundo.

O SENHOR MINISTRO CARLOS BRITTO (PRESIDENTE) - Quanto às consequências, sim.

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI (RELATOR) -

Não há dúvida.

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO - Quase toda pena conta com um piso e um teto.

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI (RELATOR) - Sobretudo tendo em conta os nossos estabelecimentos.

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO - O cidadão fica sem o benefício do teto?

O SENHOR MINISTRO CARLOS BRITTO (PRESIDENTE) - É uma sanção penal.

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO - Já há tantos sem-teto!

O SENHOR MINISTRO CARLOS BRITTO (PRESIDENTE) - Eu não enfrentaria essa tese agora. Eu concederia parcialmente a ordem, conforme Vossa Excelência está encaminhando o seu voto.

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI (RELATOR) - Eu estou reajustando o meu voto nesse sentido, porque o resultado seria o mesmo.

O SENHOR MINISTRO CARLOS BRITTO (PRESIDENTE) - No sentido de assegurar ao paciente a transferência para hospital psiquiátrico, nos termos da Lei que Vossa Excelência citou. Acho que a Defensoria Pública também.

O SENHOR JOÃO ALBERTO SIMÕES PIRES FRANCO (ADVOGADO) - Sim, Excelência, inclusive esse é um dos pedidos: a concessão da ordem para reconhecer como cumprida a medida de segurança, ordenando a transferência dele para hospital psiquiátrico adequado. Esta é a política pública: antimanicomial.

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI (RELATOR) - Não, nos termos da Lei nº 10.216, porque amanhã deixamos, aí, um paciente dessa natureza solto e ele comete um desatino, o Supremo Tribunal Federal será responsabilizado. Eu não quero assumir essa responsabilidade.

O SENHOR MINISTRO CARLOS BRITTO (PRESIDENTE) - É melhor submeter ao regime da Lei. Inclusive ela é bem clara quanto ao seu propósito de proteger pessoas portadoras de transtornos mentais.

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI (RELATOR) - Exatamente, ele está protegido pelo Estado. E aí se atende, talvez, a preocupação do ministro marco Aurélio. Como Sua Excelência entende que a medida de segurança é uma pena, o paciente passa a ser agora não mais um sancionado, um apenado, mas um protegido pelo Estado, nos termos dessa Lei.

O SENHOR MINISTRO CARLOS BRITTO (PRESIDENTE) - Prefiro essa.

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO - Senhor Presidente, adiro à colocação do relator. Não estou em descompasso com Sua Excelência.

Consigno, na concessão da ordem, a necessidade de observar a Lei nº 10.216/2001, tal como nela previsto. Para mim, ela não revela algo que diz respeito à medida de segurança, mas sinaliza direitos daquele acometido de doença mental.

RETIFICAÇÃO DE VOTO

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI (RELATOR) - Senhor Presidente, reajustarei o meu voto no sentido de conceder parcialmente.

Mas é importante consignar que ele fica sob a égide, a proteção e a guarda do Estado, nos termos da Lei 10.216/2001.

O SENHOR MINISTRO CARLOS BRITTO (PRESIDENTE)- O Ministro Marco Aurélio, logo no início, exaltou a importância da participação da Defensoria Pública.

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO - Presidente, é triste saber que ainda há uma unidade da Federação sem essa instituição que foi criada, em termos constitucionais, pela Carta que Ulysses Guimarães chamou de cidadã. E, para mim, é um grande Estado, politicamente desenvolvido.

O SENHOR MINISTRO CARLOS BRITTO (PRESIDENTE) - E a Defensoria Pública desempenha um papel de assistência jurídica aos economicamente débeis a partir de um dispositivo constitucional que, embora no âmbito dos direitos individuais, e, portanto, exprimindo o constitucionalismo tipicamente liberal, cumpre uma função social. São os economicamente débeis que ficam sob a assistência jurídica integral e gratuita da Defensoria Pública. E isso é um postulado do constitucionalismo social, ou seja, o ponto de convergência do constitucionalismo liberal e social é exatamente a Defensoria Pública.

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO - Presidente, vejo a Defensoria como manifestação dos direitos humanos.

O SENHOR MINISTRO CARLOS BRITTO (PRESIDENTE) - Perfeito. Lato sensu: compreendendo os individuais e os sociais.

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO - Sim, abrangente.

O SENHOR MINISTRO CARLOS BRITTO (PRESIDENTE) - Chego a pensar que a paridade - processualmente falando - de armas entre a Defensoria Pública e o Ministério Público compõe o conceito de devido processo legal substantivo, ou seja, não há devido processo legal substantivo onde não se assegure, processualmente, a paridade de armas entre o Ministério Público e a Defensoria.

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO - O Estado não adentra aquele campo de dar com uma das mãos e tirar com a outra.

O SENHOR MINISTRO CARLOS BRITTO (PRESIDENTE) - O Estado tem o dever de aparelhar a Defensoria Pública para habilitá-la a atuar em igualdade de condições com o Ministério Público. Creio que é a essência do pensamento de Vossa Excelência.

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO - Ambos advogados do Estado. Um acusando e o outro, geralmente, defendendo.

O SENHOR MINISTRO CARLOS BRITTO (PRESIDENTE) - São dois órgãos do Estado e ambos categorizados pela Constituição como essenciais à função jurisdicional do Estado.

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO - Só que, na quadra atual, dá mais voto homenagear, atender a acusação.

O SENHOR MINISTRO CARLOS BRITTO (PRESIDENTE) - Sem dúvida.

EXTRATO DE ATA

HABEAS CORPUS 98.360-0

PROCED.: RIO GRANDE DO SUL

RELATOR: MIN. RICARDO LEWANDOWSKI

PACTE.(S): LUIZ ADOLFO WORM

IMPTE.(S): DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO

COATOR(A/S)(ES): SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Decisão: A Turma deferiu, em parte, o pedido de habeas corpus, nos termos do voto do Relator. Unânime. Ausente, justificadamente, o Ministro Menezes Direito. Falou o Dr. João Alberto Simões Pires Franco, Defensor Público da União, pelo paciente. 1ª Turma, 04.08.2009.

Presidência do Ministro Carlos Ayres Britto. Presentes à Sessão os Ministros Marco Aurélio, Ricardo Lewandowski e a Ministra Cármen Lúcia. Ausente, justificadamente, o Ministro Menezes Direito.

Subprocurador-Geral da República, Dr. Edson Oliveira de Almeida.

Ricardo Dias Duarte - Coordenador




JURID - Réu inimputável. Medida de segurança. Prescrição. [24/11/09] - Jurisprudência

 



 

 

 

 

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