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quarta-feira, 4 de novembro de 2009

JURID - Habeas corpus. Prisão preventiva. Tráfico internacional. [04/11/09] - Jurisprudência


Habeas corpus. Prisão preventiva. Tráfico internacional.


Tribunal Regional Federal - TRF 4ª Região.

"HABEAS CORPUS" Nº 2009.04.00.036623-0/PR

RELATOR: Des. Federal LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO

IMPETRANTE: DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO

PACIENTE: CRISTIANE DE FREITAS MUNIZ reu preso

: ARIANE FERREIRA BRITO reu preso

IMPETRADO: JUÍZO SUBSTITUTO DA 02A VF DE UMUARAMA

EMENTA

HABEAS CORPUS. PRISÃO PREVENTIVA. TRÁFICO INTERNACIONAL. ARTIGO 44 DA LEI Nº 11.343/06. PRESSUPOSTOS. ELEMENTOS CONCRETOS A JUSTIFICARAM A CUSTÓDIA.

- O artigo 44 da Lei nº 11.434/2006, que deve ser interpretado conforme a Constituição, por si só não obsta validamente que se conceda a liberdade provisória, já que a efetiva necessidade do decreto preventivo deve, em qualquer situação, vir demonstrada por seus elementos autorizadores, na forma dos artigos 310 e 312 do Código Penal. Entender-se o contrário seria desrespeitar o princípio da dignidade, o da proporcionalidade e ainda o da isonomia, que desautorizam o legislador ordinário a proibir, sem especialíssima razão, em relação a certos delitos, a liberdade provisória, cujo regramento deve ser, para a generalidade dos casos, o contido no Código de Processo Penal.

- O fato de as flagradas residirem longe do distrito da culpa não importa concluir que irão se furtar da aplicação da lei penal. Não havendo elementos concretos que denunciem tal propósito, o fundamento perde força.

- Por si só "a gravidade do delito e o desassossego que a atividade delituosa em questão traz à sociedade constituem motivos abstratos e insuficientes à configuração da ameaça à ordem pública, exigindo-se para tanto a existência de fatos a evidenciarem a periculosidade concreta dos agentes e a probabilidade real de reiteração delituosa" (STJ, HC nº 128.609/MS, 6ª Turma, rel. Min. Og Fernandes, DJe, ed. 25-05-2009).

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 8ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por maioria, conceder a ordem de habeas corpus, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte do presente julgado.

Porto Alegre, 21 de outubro de 2009.

Desembargador Federal Luiz Fernando Wowk Penteado
Relator

RELATÓRIO

Cuida-se de habeas corpus, com pedido de provimento liminar, objetivando a concessão de liberdade provisória para Cristiane de Freitas Muniz e Ariane Ferreira Brito, presas em flagrante pela suposta prática do delito do artigo 33, caput, combinado com o artigo 40, inciso I, todos da Lei nº 11.343/06.

Consta dos autos que as pacientes foram flagradas, em 09 de setembro do ano em curso, trazendo junto ao corpo 1,8 kg, uma, e 1,2 kg, a outra, de substância entorpecente conhecida vulgarmente como "maconha". Postulada a concessão da liberdade provisória, foi indeferida pelo juízo impetrado.

A instituição impetrante sustenta que a vedação legal, prevista na Lei nº 11.343/06, imposta à concessão do benefício requerido "não deve prevalecer, tendo em vista os princípios constitucionais da presunção da inocência, da isonomia e da proporcionalidade". Aduz que a gravidade da conduta não basta para a manutenção da custódia das pacientes, sendo que a quantidade de entorpecente transportado, diversamente do contido na decisão hostilizada, não é "razoável". Afirmam, ainda, que o fato de as flagradas residirem distante do distrito da culpa não importa em risco à aplicação da lei penal. Referem, ao final, as péssimas condições da cadeia pública de Guaíra/PR, local onde as pacientes encontram-se presas.

Por meio da decisão das fls. 93-95 foi deferida liminar para conceder liberdade provisória em favor de Cristiane de Freitas Muniz e Ariane Ferreira Brito.

Prestadas informações (fls. 98-100), o Ministério Público Federal opinou pela denegação da ordem (fls. 104-110).

É o relatório. Apresento em mesa.

Desembargador Federal Luiz Fernando Wowk Penteado
Relator

VOTO

A prisão preventiva é medida extrema, que deve ser reservada para casos excepcionais, ou seja, naquelas hipóteses em que a liberdade do indivíduo represente efetiva ameaça à ordem pública e/ou econômica ou quando seja conveniente para garantir a instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal, conforme estampado no artigo 312 do Código de Processo Penal. Constitui, portanto, prisão processual, de natureza cautelar, não se confundindo com a antecipação de sanção decorrente de sentença penal condenatória.

A questão está assentada na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal: "a prisão cautelar - que não se confunde com a prisão penal (carcer ad poenam) - não objetiva inflingir punição à pessoa que sofre a sua decretação. Não traduz, a prisão cautelar, em face da sua estrita finalidade a que se destina, qualquer idéia de sanção. Constitui, ao contrário, instrumento destinado atuar 'em benefício da atividade desenvolvida no processo penal' (Basileu Garcia, 'Comentários ao Código de Processo Penal', vol. III/7, item nº 1, 1945, forense). Isso significa, portanto, que o instituto da prisão cautelar - considerada a função processual que lhe é inerente - não pode ser utilizado com o objetivo de promover a antecipação satisfativa da pretensão punitiva do Estado, pois, se assim fosse lícito entender, subverter-se-ia a finalidade da prisão preventiva, daí resultando grave comprometimento do princípio da liberdade. Essa asserção permite compreender o rigor com que o Supremo Tribunal Federal tem examinado a utilização, por magistrados e Tribunais, do instituto da tutela cautelar penal, em ordem a impedir a subsistência dessa excepcional medida privativa da liberdade, quando inocorrente hipótese que possa justificá-la" (HC nº 80.282/SC, rel. Min. Nelson Jobim).

A sua imposição deve ser conjugada com o princípio constitucional da presunção da inocência, segundo o qual "ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória" (artigo 5º, inciso LVII), confirmando, assim, a sua excepcionalidade. Por isso, esta Turma tem se posicionado no sentido de só manter a custódia cautelar naquelas situações citadas quando concretamente demonstradas.

A matéria contida nos autos foi apreciada na decisão que deferiu a pretensão liminar conforme segue:

Ao indeferir a liberdade provisória, consignou a autoridade impetrada que, "ainda na atualidade, prevalece no Supremo Tribunal Federal a tese de que a prisão em flagrante por crime hediondo basta para se manter alguém segregado, e que a alteração introduzida na lei dos crimes hediondos pela novel lei (11.464/07) não autoriza concessão de liberdade provisória nos crimes de tráfico de entorpecentes". Acrescentou:

7. Ademais, a liberdade provisória do requerente não é possível diante da presença dos pressupostos que autorizam a sua prisão preventiva, notadamente a garantia da ordem pública e conveniência da instrução criminal.

8. Embora não possuam antecedentes criminais, as requerente foram presas quando transportavam considerável quantidade de "haxixe", substância nociva a saúde pública. A gravidade do delito de tráfico de drogas, por si só, é motivo que afeta de forma negativa a ordem pública.

9. Outrossim, deve ser considerado, conforme relata o MPF, que, embora as indiciadas apresentem endereço certo (Guarujá/SP) este se distancia mais de 1000Km do distrito da culpa, e que portanto, colocadas em liberdade estas poderão facilmente se subtrair da aplicação da lei penal.

10. Diante de tal quadro fático, há razões para a manutenção da prisão cautelar das requerentes, em face do impeditivo legal da liberdade e também a fim de se resguardar a ordem pública e por conveniência da instrução criminal.

11. É lamentável que situação que se encontra o sistema carcerário brasileiro, com presos cumprindo pena em cadeias públicas junto com presos provisórios, e a consequente lotação destas.

A Defensoria Pública da União instrui seu pedido com relatório da Vigilância Sanitária que informa o mal estado da Cadeia Pública de Guaíra/PR e informa sua superlotação.

Cumpre consignar que a carceragem da Delegacia de Polícia Federal de Guaíra/PR encontra-se interditada, por decisão deste Juízo, e que todos os presos à disposição da Justiça Federal de Umuarama, encontram-se recolhidos na Cadeia Pública de Guaíra/PR.

A situação esposada pela Defensoria Pública da União tem grande gravidade, porém não há como o judiciário, em razão da situação esposada, deixar de dar cumprimento às suas decisões, principalmente em casos como o presente, em que às requerentes encontram-se presas por delito de tamanha gravidade.

12. Com base em tais fundamentos de fato e de direito, INDEFIRO o pedido de concessão de liberdade provisória.

Cumpre destacar que o artigo 44 da Lei nº 11.434/2006, ao qual empresto interpretação conforme a Constituição, por si só não obsta validamente que se conceda a liberdade provisória, já que a efetiva necessidade do decreto preventivo deve, em qualquer situação, vir demonstrada por seus elementos autorizadores, na forma dos artigos 310 e 312 do Código Penal. Entender-se o contrário seria desrespeitar o princípio da dignidade, o da proporcionalidade e ainda o da isonomia, que desautorizam o legislador ordinário a proibir, sem especialíssima razão, em relação a certos delitos, a liberdade provisória, cujo regramento deve ser, para a generalidade dos casos, o contido no Código de Processo Penal.

Em decisão recente, o Superior Tribunal de Justiça consignou ser "Inidôneo o argumento no sentido de que a concessão da liberdade provisória ao paciente é obstada pelo art. 44 da Lei nº 11.343/06. A 6ª Turma desta Corte tem firmado o entendimento segundo o qual, ainda que se trate de delito de tráfico, a Lei nº 11.464/2007, ao suprimir a vedação à liberdade provisória nos crimes hediondos do artigo 2º, II, da Lei nº 8.072/1990, adequou a lei infraconstitucional ao texto da Carta Política de 1988, sendo inadmissível a manutenção do acusado no cárcere, quando não demonstrados os requisitos autorizadores de sua prisão preventiva" (HC nº 137.201/MG, 6ª Turma, rel. Min. Celso Limongi - Desembargador convocado do TJ/SP, DJe, ed. 14-09-2009).

Também é recente decisão monocrática do Ministro Eros Grau que concedeu liberdade provisória a preso que fora flagrado com substância entorpecente. Na oportunidade referiu que "A vedação da concessão de liberdade provisória ao preso em flagrante por tráfico de entorpecentes, veiculada pelo art. 44 da Lei n. 11.343/06, é expressiva de afronta aos princípios da presunção de inocência, do devido processo legal e da dignidade da pessoa humana (arts. 1º, III, e 5º, LIV e LVII da Constituição do Brasil). Daí resultar inadmissível, em face dessas garantias constitucionais, possa alguém ser compelido a cumprir pena sem decisão transitada em julgado, além do mais impossibilitado de usufruir benefícios da execução penal. A inconstitucionalidade do preceito legal me parece inquestionável" (Medida Cautelar no HC nº 99.278/RS, DJe, ed. 05-06-2009).

Portanto, salvo melhor juízo, o preceito contido no artigo 44 da Lei nº 11.343/06 não obsta, por si só, a concessão da liberdade provisória.

Quanto aos fundamentos da negativa, diversamente do exposto na decisão atacada, "a gravidade do delito e o desassossego que a atividade delituosa em questão traz à sociedade constituem motivos abstratos e insuficientes à configuração da ameaça à ordem pública, exigindo-se para tanto a existência de fatos a evidenciarem a periculosidade concreta dos agentes e a probabilidade real de reiteração delituosa" (STJ, HC nº 128.609/MS, 6ª Turma, rel. Min. Og Fernandes, DJe, ed. 25-05-2009).

De outra parte, o fato de as flagradas residirem longe do distrito da culpa não importa concluir que irão se furtar da aplicação da lei penal. Não havendo elementos concretos que denunciem tal propósito, o fundamento perde força.

Dessa forma, tendo em vista que a prisão cautelar é exceção, não se evidenciando razões suficientes para mantê-la, impõe-se a concessão da medida de urgência postulada.

Isso posto, defiro a liberdade provisória em favor de Cristiane de Freitas Muniz e Ariane Ferreira Brito, que deverão ser postas imediatamente em liberdade se por outro motivo não estiverem presas.

Vale acrescentar que as pacientes não apresentam antecedentes, tratando-se a conduta em questão, aparentemente, fato isolado em suas vidas. Teriam sido contratadas apenas para fazer o transporte da substância entorpecente, agindo, assim, como "mulas", não fazendo parte, em princípio, de grupo organizado tendente à prática do tráfico internacional de drogas.

Em decorrência, não havendo fatos novos que justifiquem a alteração do posicionamento adotado, impõe-se a ratificação da decisão liminar para que seja revogada a prisão preventiva das pacientes.

Ante o exposto, voto por conceder a ordem de habeas corpus.

Desembargador Federal Luiz Fernando Wowk Penteado
Relator

D.E. Publicado em 29/10/2009




JURID - Habeas corpus. Prisão preventiva. Tráfico internacional. [04/11/09] - Jurisprudência

 



 

 

 

 

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