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quarta-feira, 11 de novembro de 2009

JURID - Habeas corpus. Execução penal. Ingestão de bebida alcoólica. [11/11/09] - Jurisprudência


Habeas corpus. Execução penal. Ingestão de bebida alcoólica. Classificação como falta grave.


Superior Tribunal de Justiça - STJ.

HABEAS CORPUS Nº 119.732 - GO (2008/0243187-8)

RELATOR: MINISTRO JORGE MUSSI

IMPETRANTE: GENTIL MEIRELES NETO

IMPETRADO: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE GOIÁS

PACIENTE: GERSON NUNES DOS SANTOS (PRESO)

EMENTA

HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO PENAL. INGESTÃO DE BEBIDA ALCOÓLICA. CLASSIFICAÇÃO COMO FALTA GRAVE. REGRESSÃO AO REGIME FECHADO. INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA DO ART. 50 DA LEI DE EXECUÇÃO PENAL. IMPOSSIBILIDADE. ROL TAXATIVO. ILEGALIDADE CONFIGURADA. ORDEM CONCEDIDA.
1. O art. 50 da Lei de Execução Penal dispõe, de modo exaustivo, acerca das condutas consideradas como falta de natureza grave, as quais poderão, dentre outras consequências, ocasionar a regressão de regime do sentenciado, nos termos do art. 118, I, do aludido diploma legal.

2. A ingestão de bebida alcoólica no cumprimento da sanção em regime semiaberto, ainda que possa caracterizar ato de indisciplina, não poderá ser tratada como falta grave, por faltar-lhe a tipicidade formal da conduta, sendo indevida a interpretação extensiva em prejuízo do paciente.

3. Ordem concedida para reformar o decisum impugnado, cancelando a anotação da falta grave dos assentos do paciente e determinando-se a sua imediata recondução ao regime semiaberto se por outro motivo não se encontrar no modo prisional mais gravoso.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, conceder a ordem, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Laurita Vaz, Arnaldo Esteves Lima e Napoleão Nunes Maia Filho votaram com o Sr. Ministro Relator.

Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Felix Fischer.

Brasília (DF), 15 de setembro de 2009. (Data do Julgamento).

MINISTRO JORGE MUSSI
Relator

RELATÓRIO

O SR MINISTRO JORGE MUSSI (Relator): Trata-se de habeas corpus com pedido de liminar impetrado em favor de GERSON NUNES DOS SANTOS contra acórdão da Primeira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, que denegou a ordem ao Writ nº 32503-8/217, mantendo a decisão que determinou a regressão do paciente ao regime fechado, em razão do cometimento de falta grave.

Consta dos autos que o sentenciado cumpre pena de 9 (nove) anos e 4 (quatro) meses de reclusão, no regime fechado, pela prática do crime de furto qualificado (art. 155, § 4º, IV, c.c art. 29, § 2º e arts. 61, II, 'e' e 'h', 62, I, todos do Código Penal) (fls. 336).

Noticia o impetrante que o paciente é vítima de constrangimento ilegal, pois o art. 51, I, da Lei de Execução não prevê que a ingestão de bebida alcoólica configura falta grave e tem o condão de regredir o regime prisional, além do fato de que a embriaguez não restou comprovada, evidenciando a carência de fundamentação do decisum proferido pelo Juízo das Execuções Criminais, referendado pela Corte a quo.

Acrescenta que: "no presente caso, existiu decisão transitada em julgado, pelo JECrim, reconhecendo a inexistência de elementos para configuração da contravenção, e portanto, determinando o arquivamento dos autos (fls. 441), o que torna contraditória a aplicação de sanção por ato do qual sequer existiu processo legal." (fls. 4).

Requer a concessão da tutela jurisdicional para que seja reconhecida a nulidade da decisão que decretou a regressão de regime, determinando-se a recondução do apenado para o sistema semiaberto de execução.

Documentação juntada a fls. 7 a 501.

A liminar foi indeferida (fls. 504).

A douta Subprocuradoria-Geral da República manifestou-se pela concessão da ordem (fls. 507 a 509).

É o relatório.

VOTO

O SR MINISTRO JORGE MUSSI (Relator): Busca-se no writ a reforma da decisão de primeiro grau e do aresto impugnado que reconheceram como falta de natureza grave a ingestão de bebida alcoólica, no curso do cumprimento da sanção no modo semiaberto, enquadrando a conduta combatida no art. 51, I, da LEP e, segundo alega o impetrante, equivocadamente, determinando, nos termos do art. 118, I, do mesmo diploma legal, a regressão do sentenciado ao regime fechado.

In casu, o Juízo de Direito da 1ª Vara da comarca de Uruaçu, em audiência de justificação, reconheceu a prática de falta de natureza grave pelo sentenciado, que cumprindo pena em regime semiaberto, teria comparecido embriagado para resgatar o restante da reprimenda, ocasião em que promoveu a sua regressão ao modo fechado de execução, nos seguintes termos:

"[...] se não bastasse isto, segundo documento de fls. 429, voltou a cometer novo delito e ouvido a respeito admitiu ter tomado três cervejas no dia da ocorrência; observando o conteúdo da audiência de advertência, uma das condições impostas ao Reeducando é de se abster de frequentar bares, boates e evitar os vícios de forma geral, confira as fls. 350/351 e, tendo violado ou descumprido esta determinação o Egresso cometeu falta grave, conforme art. 51, I, da LEP, já que não conseguiu justificar estas faltas; seja por um ou outro motivo acima delineado a regressão do Reeducando deve acontecer; isto posto e baseado nas provas analisadas e acolhendo parecer ministerial, rejeito a justificativa apresentada e na forma do art. 118, I, c/c 51, I, da LEP, promovo a regressão do Reeducando." (fls. 466 e 467).

Instada a se manifestar, a egrégia Corte de origem denegou a ordem ao Writ, ao fundamento de que o descumprimento das condições impostas ao implemento da pena no sistema intermediário de execução acarreta a regressão ao modo mais severo, não se descortinando a alegação de suposta ilegalidade a ser sanada na via eleita, a saber:

"Desta maneira, por descumprimento às condições impostas ao regime semi-aberto, consoante se vê do documento de fls. 436/441, foi designada audiência de justificação (fls. 453/455), em que presentes o reeducando (Gérson), o representante ministerial e o defensor, quando, então, o magistrado, após ouvir as partes, alicerçado no art. 118, inciso I, e art. 51, inciso I, ambos da Lei de Execuções Penais, concluiu pela regressão do regime prisional do paciente, para o imediatamente mais severo.

[...]

Como visto, a decisão judicial não configurou qualquer abuso ou ilegalidade, porque editada segundo as normas de regência da espécie, tanto no pertinente a legalidade do procedimento, como à situação fática autorizadora da regressão." (fls. 498 e 499).

Verifica-se, da análise dos excertos colacionados, que a ingestão de bebida alcoólica pelo segregado, que se encontrava no regime semiaberto, foi considerada falta de natureza grave, acarretando a regressão carcerária do paciente ao modo fechado de execução. Todavia, o entendimento externado nas instâncias ordinárias não deve prevalecer. Isso porque a Lei de Execução Penal, em seu art. 50, prevê taxativamente as hipóteses em que se considera a conduta como grave, atraindo a incidência dos consectários obstativos previstos aos benefícios adstritos à execução da pena, leia-se:

"Art. 50. Comete falta grave o condenado à pena privativa de liberdade que:

I - incitar ou participar de movimento para subverter a ordem ou a disciplina;

II - fugir;

III - possuir, indevidamente, instrumento capaz de ofender a integridade física de outrem;

IV - provocar acidente de trabalho;

V - descumprir, no regime aberto, as condições impostas;

VI - inobservar os deveres previstos nos incisos II e V, do artigo 39, desta Lei.

VII - tiver em sua posse, utilizar ou fornecer aparelho telefônico, de rádio ou similar, que permita a comunicação com outros presos ou com o ambiente externo. (Incluído pela Lei nº 11.466, de 2007)"

Vislumbra-se, desse modo, que merece reparo o decisum objurgado, porquanto dentre as indisciplinas tipificadas não se encontra a perpetrada pelo paciente e segundo a jurisprudência assentada neste Tribunal o comportamento implementado - ingestão de 'três cervejas' - não pode ser interpretado extensivamente, a fim de enquadrá-lo no dispositivo legal supramencionado e, com fulcro no art. 118, I, da LEP, decretar a sua regressão prisional.

Nesse sentido:

"HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO PENAL. INGRESSO NO ESTABELECIMENTO PRISIONAL PORTANDO BEBIDA ALCOÓLICA. REGRESSÃO AO REGIME FECHADO. CONDUTA CONSIDERADA FALTA GRAVE. IMPOSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE PREVISÃO NA LEI 7.210/84. CONSTRANGIMENTO ILEGAL CARACTERIZADO. ORDEM CONCEDIDA.

1. A definição de falta grave, por implicar a restrição de diversos benefícios na execução da pena, como a perda de dias remidos (art. 127 da LEP) e a regressão de regime de cumprimento de pena (art. 118, I, da LEP), deve ser interpretada restritivamente nos termos do art. 50 do referido diploma legal.

2. Não constando do citado dispositivo, como falta disciplinar grave, a conduta de tentar ingressar no estabelecimento prisional portando bebida alcoólica, mostra-se ilegal a decisão que regrediu o paciente ao regime fechado.

3. Ordem concedida para determinar a manutenção do paciente no regime semi-aberto."

(HC 112.314/MS, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, QUINTA TURMA, julgado em 28/10/2008, DJe 24/11/2008)

"EXECUÇÃO PENAL - HABEAS CORPUS - APENADO QUE SE RECUSOU A COMPARECER PERANTE OFICIAL DE JUSTIÇA PARA RECEBER CITAÇÃO - FALTA GRAVE NÃO PREVISTA NO ARTIGO 50 DA LEI 7210 - ROL TAXATIVO - IMPOSSIBILIDADE DE INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA - PRINCÍPIO DA LEGALIDADE - ORDEM CONCEDIDA PARA DETERMINAR O CANCELAMENTO DA FALTA GRAVE E RESTITUIR OS DIAS REMIDOS.

As faltas graves são aquelas expressamente relacionadas no artigo 50 da LEP, não permitindo interpretação extensiva para encaixar outros atos de indisciplina no seu rol, sob pena de se ferir o princípio da legalidade.

Conquanto a recusa do preso em comparecer perante o Oficial de Justiça, para ato de citação, tenha sido um ato pouco recomendável, ele não constitui falta grave, além do paciente já ter sido punido com trinta dias de isolamento celular.

Ordem concedida para cancelar a anotação de falta grave e restituir ao paciente os dias remidos."

(HC 108.616/SP, Rel. Ministra JANE SILVA (DESEMBARGADORA CONVOCADA DO TJ/MG), SEXTA TURMA, julgado em 06/02/2009, DJe 02/03/2009)

No mesmo compasso, cumpre destacar a doutrina a respeito da matéria, consoante se extrai da ensinança do saudoso JULIO FABBRINI MIRABETE, na sua obra Execução Penal, in verbis:

"Como a Lei de Execução Penal prevê em numerus clausus as condutas que poderão identificar faltas graves por parte dos condenados e presos provisórios, não pode a lei local ou mero regulamento administrativo tipificar como tais outras condutas. Estas somente poderão ser consideradas como faltas médias ou leves quando previstas nessas normas complementares." (p. 144, 11ª edição, Editora Atlas, 2007)

Ante o exposto, concede-se a ordem para reformar o decisum impugnado, cancelando a anotação da falta grave dos assentos do paciente, determinando-se a sua imediata recondução ao regime semiaberto se por outro motivo não se encontrar no modo prisional mais gravoso.

É o voto.

CERTIDÃO DE JULGAMENTO

QUINTA TURMA

Número Registro: 2008/0243187-8 HC 119732 / GO

MATÉRIA CRIMINAL

Números Origem: 200600623348 200600940971 200601601216 200803065811 262940 295055 325038

EM MESA JULGADO: 15/09/2009

Relator
Exmo. Sr. Ministro JORGE MUSSI

Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO

Subprocuradora-Geral da República
Exma. Sra. Dra. MARIA ELIANE MENEZES DE FARIA

Secretário
Bel. LAURO ROCHA REIS

AUTUAÇÃO

IMPETRANTE: GENTIL MEIRELES NETO

IMPETRADO: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE GOIÁS

PACIENTE: GERSON NUNES DOS SANTOS (PRESO)

ASSUNTO: DIREITO PENAL - Crimes contra o Patrimônio - Latrocínio

CERTIDÃO

Certifico que a egrégia QUINTA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

"A Turma, por unanimidade, concedeu a ordem, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator."

Os Srs. Ministros Laurita Vaz, Arnaldo Esteves Lima e Napoleão Nunes Maia Filho votaram com o Sr. Ministro Relator.

Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Felix Fischer.

Brasília, 15 de setembro de 2009

LAURO ROCHA REIS
Secretário

Documento: 912729

Inteiro Teor do Acórdão - DJ: 09/11/2009




JURID - Habeas corpus. Execução penal. Ingestão de bebida alcoólica. [11/11/09] - Jurisprudência

 



 

 

 

 

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