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terça-feira, 10 de novembro de 2009

JURID - Execução de pena privativa de liberdade. Remição. [10/11/09] - Jurisprudência


Habeas corpus. Execução de pena privativa de liberdade. Remição.


Supremo Tribunal Federal - STF.

DJe nº 191 Divulgação 08/10/2009 Publicação 09/10/2009 Ementário nº 2377 - 2

SEGUNDA TURMA

HABEAS CORPUS 85.680-2 SÃO PAULO

RELATOR: MIN. CELSO DE MELLO

PACIENTE(S): BENEDITO ALEIRO DOS SANTOS

IMPETRANTE(S): PGE-SP - PATRÍCIA HELENA MASSA ARZABE (ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA)

COATOR(A/S)(ES): SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

"HABEAS CORPUS" - EXECUÇÃO DE PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE - REMIÇÃO - COMETIMENTO DE FALTA GRAVE - PERDA DOS DIAS REMIDOS - AUSÊNCIA DE. CONSTRANGIMENTO ILEGAL - NATUREZA JURÍDICA DA SENTENÇA QUE CONCEDE A REMIÇÃO PENAL - ATO DECISÓRIO INSTÁVEL OU CONDICIONAL - RECEPÇÃO DO ARTIGO 127 DA LEI DE EXECUÇÃO PENAL PELA VIGENTE ORDEM CONSTITUCIONAL - PEDIDO INDEFERIDO.

- O estatuto de regência da remição penal não ofende a coisa julgada, não atinge o direito adquirido nem afeta o ato jurídico perfeito, pois a exigência de satisfatório comportamento prisional do interno - a revelar a participação ativa do próprio condenado na obra de sua reeducação - constitui pressuposto essencial e ineliminável da manutenção desse benefício legal.

- A perda do tempo remido, em decorrência de punição por falta grave (artigo 127 da Lei de Execução Penal), não vulnera o postulado inscrito no artigo 5º, XXXVI, da Constituição da República. É que a punição do condenado por faltas graves - assim entendidas as infrações disciplinares tipificadas no artigo 50 da Lei de Execução Penal - traz consigo consideráveis impactos de natureza jurídico-penal, pois afeta, nos termos em que foi delineado pelo ordenamento positivo, o próprio instituto da remição penal, que supõe, para efeito de sua aplicabilidade e preservação, a inexistência de qualquer ato punitivo por ilícitos disciplinares revestidos da nota qualificadora da gravidade objetiva. Doutrina. Precedentes.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os ministros do Supremo Tribunal Federal, em Segunda Turma, na conformidade da ata de julgamentos e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos, em indeferir o pedido de "habeas corpus", nos termos do voto do Relator. Ausentes, justificadamente, neste julgamento, os Senhores Ministros Carlos Velloso e Ellen Gracie.

Brasília, 13 de setembro de 2005.

CELSO DE MELLO - PRESIDENTE E RELATOR

RELATÓRIO

O SENHOR MINISTRO CELSO DE MELLO - (Relator): A douta Procuradoria-Geral da República, em parecer da lavra da ilustre Subprocuradora-Geral, Dra. DELIA CURVELLO ROCHA, assim resumiu e apreciou a presente impetração (fls. 45/48):

"PENAL. PROCESSUAL PENAL. PERDA DOS DIAS REMIDOS NA EXECUÇÃO DA PENA EM RAZÃO DE FALTA GRAVE.

1. O cometimento de falta grave pelo condenado durante a execução da pena possui como conseqüência obrigatória a perda dos dias remidos, não havendo que se falar em ofensa aos princípios da proporcionalidade e da individualização da pena ou às garantias do direito adquirido ou da coisa julgada.

2. Parecer pela denegação da ordem.

EXCELENTÍSSIMO SENHOR MINISTRO RELATOR.

Trata-se de 'habeas corpus' impetrado em favor de BENEDITO ALEIRO DOS SANTOS, em face de acórdão proferido pela Sexta Turma do Colendo Superior Tribunal de Justiça, que, em sede de agravo regimental, confirmou decisão monocrática do Excelentíssimo Senhor Ministro Paulo Medina, dando provimento ao Recurso Especial nº 562.366/SP, interposto pelo Ministério Público do Estado de São Paulo, para determinar a perda dos dias remidos da pena imposta ao paciente, em razão da prática de falta grave na execução penal (fls. 27/30).

O impetrante argumenta, em síntese, que a prática de falta grave somente inviabiliza a declaração de remição em relação aos dias trabalhados durante o mês em que se deu a ocorrência da falta, não podendo atingir o período declarado remido por decisão definitiva, sob pena de ofensa aos princípios da proporcionalidade, da individualização da pena e ainda às garantias constitucionais do direito adquirido e da coisa julgada.

Requer medida liminar para determinar a suspensão da execução do acórdão impugnado, e, no mérito, que seja concedida a ordem para, 'interpretando o artigo 127 da Lei de Execução Penal em conformidade com o princípio da proporcionalidade, restabelecer o acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado'.

A liminar pleiteada foi denegada por Vossa Excelência de acordo com o entendimento pacificado nessa Excelsa Corte (fls. 42/43).

É o relatório.

Com efeito, não há que se falar em ofensa aos princípios da proporcionalidade e da individualização da pena, nem às garantias do direito adquirido e da coisa julgada.

Em primeiro lugar, a Lei de Execução Penal, nos seus artigos 57, parágrafo único, 58, 53, incisos III, IV e V, e 52, prevê a razoabilidade na aplicação das sanções, mas a perda dos dias remidos não possui natureza de sanção propriamente dita, mas uma conseqüência obrigatória do não cumprimento de uma condição imposta ao condenado, ou seja a 'boa conduta' durante sua permanência no estabelecimento prisional, o que não se coaduna com a prática de falta grave.

Assim, enquanto estiver sendo cumprida a pena, a anotação dos dias remidos serve, em especial, para a verificação da possibilidade de concessão de outros benefícios ao condenado, e, ao final, para diminuir o lapso temporal para a sua soltura, mas tudo isso condicionado ao seu bom comportamento, razão pela qual não há que se falar em violação a direito adquirido ou coisa julgada.

Ademais, a decisão ora impugnada, efetivamente, encontra-se de acordo com o entendimento dessa Excelsa Corte, como pode se exemplificar com o precedente abaixo:

EMENTA: 'HABEAS CORPUS'. PENA. REMIÇÃO. BENEFÍCIO CANCELADO COM BASE NO ARTIGO 127 DA LEI DE EXECUÇÃO PENAL POR HAVER COMETIDO FALTA GRAVE. ALEGAÇÃO DE AFRONTA AO DIREITO ADQUIRIDO E À COISA JULGADA. O artigo 127 da Lei de Execução Penal prevê a cassação do benefício da remição, caso o apenado venha a ser punido por falta grave, iniciado o novo período a partir da infração disciplinar. Descabimento de alegação de direito adquirido ao restabelecimento dos dias remidos ou de afronta à coisa julgada em face de tratar-se de benefício objeto de decisão judicial transitada em julgado. 'Habeas corpus' indeferido. (HC 77592/SP - Rel. Ministro Ilmar Galvão - Primeira Turma - DJ: 12-03-1999 - PP-00003).

Ante o exposto, o Ministério Público Federal opina pela denegação da ordem." (grifei)

É o relatório.

VOTO

O SENHOR MINISTRO CELSO DE MELLO - (Relator): Trata-se de "habeas corpus", que, impetrado contra o E. Superior Tribunal de Justiça, impugna decisão dessa Alta Corte judiciária que reconheceu, em recurso especial interposto pelo Ministério Público local, que "O cometimento de falta grave, pelo preso, propicia ao juízo da execução decretar a perda dos dias remidos" (fls. 31 - grifei).

Sustenta-se que a decisão em referência teria ofendido os princípios constitucionais da proporcionalidade e da individualização da pena, bem assim as garantias constitucionais da proteção à coisa julgada e ao direito adquirido.

Entendo assistir razão à douta Procuradoria-Geral da República, cujo parecer, nestes autos, acentua, corretamente, que a decisão que concede a remição da pena qualifica-se como ato estatal essencialmente revogável, pois o direito do condenado à obtenção e à preservação do benefício concedido pela lei supõe a inocorrência, ao longo de certo período de tempo, de qualquer falta grave imputável ao sentenciado.

A Lei de Execução Penal, ao prescrever em seu artigo 127 que "O condenado que for punido por falta grave perderá o direito ao tempo remido, começando o novo período a partir da data da infração disciplinar", não ofende o princípio constitucional da intangibilidade das situações jurídicas definitivamente consolidadas.

Na realidade, ao contrário do que sustenta a parte ora impetrante, a norma legal em questão também não vulnera os postulados da proporcionalidade e da razoabilidade, cabendo referir, no ponto, na linha do que se vem de afirmar, o magistério de JULIO FABBRINI MIRABETE ("Execução Penal", p. 326, 2ª ed., 1988, Atlas):

"(...) Nos termos em que é regulada a remição, a inexistência de punição por falta grave é um dos requisitos exigidos para que o condenado mantenha o benefício da redução da pena. Praticando falta grave, o condenado deixa de ter o direito à remição (...). Praticada a falta grave antes de decretada a remição, esta é indeferida quanto ao tempo anterior à prática da infração; estando o tempo remido, decreta-se a sua perda." (grifei)

Não se pode perder de perspectiva que a sentença declaratória da remição penal constitui, nesse contexto, provimento jurisdicional qualificável como ato decisório instável. Trata-se - e a expressão designativa é de JOSÉ FREDERICO MARQUES ("Manual de Direito Processual Civil", vol. 3/249, item n. 695, 9ª ed., 1987, Saraiva) - de sentença "rebus sic stantibus", cuja prolação não impede que a relação de direito que lhe é subjacente venha a sofrer modificações supervenientes a que o julgado deverá necessariamente ajustar-se, em função de alterações fáticas ulteriores ou em decorrência da transformação de situações jurídicas ativas e passivas que lhe dão causa e origem.

É por essa razão que SÉRGIO NEVES COELHO e DANIEL PRADO DA SILVEIRA, escrevendo sobre a remição da pena ("Justitia", vol. 130/136, 1985, SP; Revista de Processo, vol. 43/137, RT), advertem:

"A qualquer tempo, desde que cometida falta grave (artigo 127 da Lei de Execução-Penal), o condenado poderá perder o tempo remido, ainda que se encontre em regime aberto ou livramento condicional. A remição, portanto, está sujeita à cláusula 'rebus sic stantibus', não podendo, somente, ter seus efeitos revogados quando já extinta a punibilidade pelo cumprimento da pena." (grifei)

Impõe-se ressaltar que o benefício legal da remição é sempre concedido "pendente conditione", pois a exequibilidade do ato decisório que o concede está rigidamente subordinada a uma condição resolutiva cujo implemento - a prática de falta grave pelo condenado, como ocorreu na espécie ora em exame - gera a perda do direito ao tempo remido.

Ainda que se possa considerar, com PAULO LÚCIO NOGUEIRA ("Comentários à Lei de Execução Penal", p. 150, 1990, Saraiva), que a perda do tempo remido, em decorrência de falta grave, "implique um regime regressivo para o condenado (...), o que constitui verdadeiro desestímulo (... ) e injustiça ao seu esforço laborativo", o fato é que o estatuto de regência da remição penal, analisado na perspectiva do artigo 127 da Lei de Execução Penal, não ofende a coisa julgada, não atinge o direito adquirido nem afeta o ato jurídico perfeito, pois a exigência de satisfatório comportamento prisional do interno - a revelar a participação ativa do próprio condenado na obra de sua reeducação (JASON ALBERGARIA, "Das Penas e da Execução Penal", p. 117, 1992, Del Rey) - constitui pressuposto essencial e ineliminável da manutenção do benefício legal em questão.

A punição do condenado por faltas graves - assim entendidas as infrações disciplinares tipificadas no artigo 50 da Lei de Execução Penal - traz consigo consideráveis impactos de natureza jurídico-penal, pois afeta, nos termos em que foi delineado pelo ordenamento positivo, o próprio instituto da remição penal, que supõe, para efeito de sua aplicabilidade e preservação, a inexistência de qualquer ato punitivo por ilícitos disciplinares revestidos da nota qualificadora da gravidade objetiva.

Vale referir, neste ponto, por relevante, que essa orientação foi reafirmada, nesta Suprema Corte, no julgamento do HC 78.037/SP, Rel. Min. NELSON JOBIM, e, em igual manifestação, no HC 77.592/SP, Rel. Min. ILMAR GALVÃO, cujo acórdão restou assim ementado:

"'HABEAS CORPUS'. PENA. REMIÇÃO. BENEFÍCIO CANCELADO COM BASE NO ARTIGO 127 DA LEI DE EXECUÇÃO PENAL POR HAVER COMETIDO FALTA GRAVE. ALEGAÇÃO DE AFRONTA AO DIREITO ADQUIRIDO E À COISA JULGADA.

O artigo 127 da Lei de Execução Penal prevê a cassação do benefício da remição, caso o apenado venha a ser punido por falta grave, iniciado o novo período a partir da infração disciplinar. Descabimento de alegação de direito adquirido ao restabelecimento dos dias remidos ou de afronta à coisa julgada em face de tratar-se de benefício objeto de decisão judicial transitada em julgado.

'Habeas corpus' indeferido." (grifei)

Em suma: a perda do tempo remido, em decorrência de punição por falta grave (artigo 127 da Lei de Execução Penal), não vulnera os postulados constitucionais referidos pela parte ora impetrante.

Desse modo, por considerar que a perda do direito ao tempo remido, em decorrência de punição por falta grave, não vulnera o texto constitucional, tenho por incensurável a decisão emanada do E. Superior Tribunal de Justiça, que, ao dar provimento ao recurso especial interposto pelo ministério Público, restabeleceu a decisão proferida pelo magistrado de primeira instância, reconhecendo, de modo legítimo, a perda, pelo condenado, do tempo remido anteriormente à punição por falta grave.

Sendo assim, e pelas razões expostas, indefiro o pedido de "habeas corpus".

É o meu voto.

EXTRATO DE ATA

HABEAS CORPUS 85.680-2

PROCED.: SÃO PAULO

RELATOR: MIN. CELSO DE MELLO

PACTE.(S): BENEDITO ALEIRO DOS SANTOS

IMPTE.(S): PGE-SP - PATRÍCIA HELENA MASSA ARZABE (ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA)

COATOR(A/S)(ES): SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Decisão: A Turma, por votação unânime, indeferiu o pedido de habeas corpus, nos termos do voto do Relator. Ausentes, justificadamente, neste julgamento, os Senhores Ministros Carlos Velloso e Ellen Gracie. 2ª Turma, 13.09.2005.

Presidência do Senhor Ministro Celso de Mello. Presentes à sessão os Senhores Ministros Gilmar Mendes e Joaquim Barbosa. Ausentes, justificadamente, os Senhores Ministros Carlos Velloso e Ellen Gracie.

Subprocuradora-Geral da República, Dra. Maria Caetana Cintra Santos.

Carlos Alberto Cantanhede - Coodernador




JURID - Execução de pena privativa de liberdade. Remição. [10/11/09] - Jurisprudência

 



 

 

 

 

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