Anúncios


sábado, 7 de novembro de 2009

JURID - Atentado violento ao pudor contra menina com cinco anos. [06/11/09] - Jurisprudência


Atentado violento ao pudor contra menina com cinco anos de idade. Pretensão à absolvição por insuficiência probatória.


Tribunal de Justiça do Distrito Federal e seus Territórios - TJDFT.

Órgão 1ª Turma Criminal

Apelação Criminal 20080810004965APR

Apelante(s) ESTON JOSÉ GOMES

Apelado(s) MINISTÉRIO PÚBLICO DO DISTRITO FEDERAL E TERRITÓRIOS

Relator Desembargador GEORGE LOPES LEITE

Revisor Desembargador SANDRA DE SANTIS

Acórdão Nº 384.773

E M E N T A

PENAL E PROCESSUAL PENAL. ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR CONTRA MENINA COM CINCO ANOS DE IDADE. PRETENSÃO À ABSOLVIÇÃO POR INSUFICIÊNCIA PROBATÓRIA. CONFISSÃO DO RÉU CORROBORADA POR DEPOIMENTOS DE POLICIAIS MILITARES CONDUTORES DO FLAGRANTE. ALEGAÇÃO DE COAÇÃO. ADMISSÃO DE FATO IMPROVÁVEL CONTRARIADO PELA PROVA TÉCNICA. EJACULAÇÃO SOBRE A CAMISA. PROVA PERICIAL QUE NEGOU A PRESENÇA DE ESPERMA NAS VESTES INCRIMINADORAS. ABSOLVIÇÃO.

1 Réu condenado a seis anos de reclusão no regime fechado por infringir o artigo 214, combinado com 224, alínea "a", do Código Penal, acusado de atentado violento ao pudor contra menina com cinco anos de idade. Absolvição pretendida por fragilidade das provas. A menor brincava no pátio da igreja Assembléia de Deus e teria sido induzida a acompanhá-lo mediante promessa de ganhar balinhas. O réu teria levado a criança para sua casa, retirado suas vestes para em seguida abaixar as próprias calças e, depois de excitar-se com bolinagem, masturbou-se até ejacular sobre a camisa que deixara no sofá. Concluído o ato, devolveu a garota ao lugar onde a encontrara, onde a mãe procurava aflita, junto com as amiguinhas dela. Instada a esclarecer onde estivera e como conseguira as balinhas que tinha consigo, a criança contou o ocorrido, mostrando o lugar onde tudo se passara. A autoridade policial foi ao local e verificou que junto ao colchão encontrado no chão da sala havia mais papéis das mesmas balinhas, tendo o réu confessado o fato, sendo preso em flagrante.

2 As provas contra o réu se resumem à confissão inquisitorial e à palavra da mãe da vítima, que não chegou a ser ouvida diretamente por pessoal habilitada de equipe psicossocial, sendo corroboradas pelos depoimentos de um cabo da Polícia Militar, que foi ao local e apreendeu a camisa onde o réu teria ejaculado, e de um policial civil que declarou ter ouvido o suspeito admitir o crime. Ocorre que este confessou demais, e admitiu o que não podia admitir, narrando fato relevante que foi desmentido pela prova técnica: a ejaculação sobre uma camisa, resultante dos atos libidinosos praticados com a criança. Ao confirmar a confissão do réu e o fato de ter apreendido camisas do réu, porque "tinha certeza que em uma delas havia uma substância semelhante a esperma e a outra suspeitava", o policial militar condutor do flagrante derruiu a suspeita da autoria contrastada pela prova técnica. Outra perícia atestou a inexistência de indícios na suposta vítima do atentado violento ao pudor.

3 Ausentes a prova cabal da autoria e materialidade do delito, impõe-se a absolvição do réu com base no artigo 386, inciso VII, do Código de Processo Penal.

4 Apelação desprovida.

A C Ó R D Ã O

Acordam os Senhores Desembargadores da 1ª Turma Criminal do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, GEORGE LOPES LEITE - Relator, SANDRA DE SANTIS - Revisora, EDSON ALFREDO SMANIOTTO - Vogal, sob a Presidência da Senhora Desembargadora SANDRA DE SANTIS, em proferir a seguinte decisão: PROVER. UNÂNIME, de acordo com a ata do julgamento e notas taquigráficas.

Brasília (DF), 15 de outubro de 2009

Certificado nº: 61 52 29 C0 00 02 00 00 0A B8

20/10/2009 - 20:13

Desembargador GEORGE LOPES LEITE
Relator

R E L A T Ó R I O

Eston José Gomes apela da sentença que o condenou em seis anos de reclusão no regime fechado por infringir o artigo 214, combinado com 224, alínea "a", do Código Penal, tendo em vista que no dia 24/01/2008, por volta de 22h00min, na Quadra 21, Conjunto "M", Casa 07, Paranoá, praticou atentado violento ao pudor contra uma menor com cinco anos de idade. Pede absolvição alegando a fragilidade das provas, configurando-se tão somente a contravenção de importunação ofensiva ao pudor. Requer, ainda, o regime semiaberto para início do cumprimento da pena, Os fatos aconteceram quando a menor brincava no pátio de uma igreja da Assembléia de Deus situada na Quadra 27/29 e foi induzida a acompanhar o réu com a promessa de ganhar balinhas, que foram compradas em uma padaria das adjacências. Depois, o réu passou em casa com a menor, onde lhe retirou as vestes, deitando-a em seguida num colchão da sala; em seguida abaixou as próprias calças e passou a roçar o pênis nas nádegas da vítima, masturbando-se até ejacular. Concluído o ato levou-a de volta ao lugar onde a encontrara. Nesse ínterim, a mãe procurava aflita, junto com as amiguinhas da filha. Instada a esclarecer onde estivera e como conseguira as balinhas que trazia nas mãos, a criança contou o ocorrido, mostrando o lugar onde tudo se passara. Ao tomar conhecimento, a autoridade policial foi ao local e verificou que junto ao colchão encontrado no chão da sala havia mais papéis das mesmas balinhas encontradas com a criança. O réu confessou o crime e foi preso em flagrante.

Nas contrarrazões de folhas 172/178, o Promotor Público do primeiro grau defende a sentença e pugna por sua manutenção. No mesmo sentido é o parecer da Procuradoria de Justiça, às folhas 181/183.

É o relatório. À revisão.

V O T O S

O Senhor Desembargador GEORGE LOPES LEITE - Relator

Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.

O réu foi condenado a seis anos de reclusão no regime fechado por infringir o artigo 214, combinado com 224, alínea "a", do Código Penal, eis que teria praticado atentado violento ao pudor contra menina com cinco anos de idade. A absolvição é postulada sob alegação de fragilidade das provas. A menor brincava no pátio da igreja Assembléia de Deus e teria sido induzida a acompanhá-lo mediante promessa de ganhar balinhas. O réu teria levado a criança para sua casa, retirado suas vestes para em seguida abaixar as próprias calças e, depois de excitar-se com bolinagem, masturbou-se até ejacular sobre a camisa que deixara no sofá. Concluído o ato, devolveu a garota ao lugar onde a encontrara, onde a mãe procurava aflita, junto com as amiguinhas dela. Instada a esclarecer onde estivera e como conseguira as balinhas que tinha consigo, a criança contou o ocorrido, mostrando o lugar onde tudo se passara. A autoridade policial foi ao local e verificou que junto ao colchão encontrado no chão da sala havia mais papéis das mesmas balinhas, tendo o réu confessado o fato, sendo preso em flagrante.

O recurso alega a insuficiência das provas, nada obstante tenha o réu confessado o crime perante a autoridade policial, durante a lavratura do flagrante (folhas 06/15), quando declarou o seguinte:

[...] Que na porta da igreja o interrogando foi "abrir" uma bala doce e uma das meninas-crianças ouviu o barulho e pediu ao mesmo uma "balinha"; Que o interrogando disse a menina-criança de 05 anos que somente tinha àquela, caso a menina-criança quisesse teria de ir comprar; Que a menina/criança aceitou o convite para comprar balas e foi pegada na mão do interrogando até uma panificadora... Que o interrogando deu 03 (três) balinhas a menina/criança e por estar perto de sua casa, resolveu levar consigo a menina/criança até sua casa; Que na sua residência o interrogando passou a desenvolver uma intuição, esclarece que sua esposa e seu casal de filhos estão viajando para o Estado do Ceará... Que o interrogando colocou a menina-criança sentada no sofá da sala e COMEÇOU A PASSAR A MÃO NA CINTURA DELA, depois pediu para a menina/criança deitar no colchão da sala com o interrogando para depois irem embora; Que a menina-criança deitou no colchão de barriga para baixo, neste momento o interrogando BAIXOU A CALÇA DA MENINA... o interrogando encostou o corpo da menina, fazendo COM QUE ELA SENTISSE SEU PENIS DENTRO DA ROUPA; Que depois, BAIXOU A CALÇA DA MENINA ATÉ A COCHA; Que, o interrogando passou a observar a menina-criança COM AS NÁDEGAS DE FORA e se afastou desta sem tocar no seu corpo e COMEÇOU A SE MASTURBAR E LOGO DEPOIS EJACULOU NA SUA PRÓPRIA CAMISA; Que não chegou colocar o PENIS NAS PERNAS DA MENINA-CRIANÇA e nem nas nádegas; Que, depois de EJACULAR, saiu e foi até a COZINHA PARA SE LIMPAR com fim de que a menina-criança NÃO PERCEBE(SSE) que o interrogando estava com o pênis de fora... Que, depois de se LIMPAR o interrogando FECHOU O ZIPER e chamou a menina para ir embora; Que, levou a menina-criança até o conjunto próximo da igreja, pediu para ela seguir para sua casa e o interrogando retornou para a sua; Que a menina-criança foi embora, e inclusive encontrou a LUCIENE que é irmã da igreja e com isso o interrogando ficou mais tranquilo...

No interrogatório judicial de folhas 74/75, ele renegou essa confissão. alegando que tinha sido ameaçado e torturado pelo delegado, que dizia a todo tempo que se não assinasse a confissão iria "ferrá-lo". Acrescentou que foi agredido a tapas e socos até quase o amanhecer, quando resolveu assinar o papel que lhe foi apresentado. Há que se perquirir, portanto, sobre a validade da confissão do réu operada na fase inquisitória e renegada na fase judicial. Para tanto, primeiramente há que cotejá-la com as declarações dos demais protagonistas do flagrante.

Nesse sentido, saliento que a mãe da vítima declarou o seguinte:

[...] Que abandonou tudo o que estava fazendo e passou a procurar sua filha; Que por volta das 22h quando já em desespero por não encontrar T., a Declarante-mãe avistou sua filha vindo na própria esquina da igreja; Que a Declarante-mãe foi até sua filha e perguntou onde a mesma estava; Que esta respondeu que um MOÇO tinha chamado-a para ir comprar "balinhas", inclusive chegou com a boca cheia de "balinhas", repartindo algumas com seus coleguinhas... (folhas 11/12).

Segundo ainda o depoimento da mãe, a vítima relatou que tinha ido com o "moço" comprar balas e depois passou na casa dele, onde, depois de recebê-las, o réu mandou-lhe que deitasse num colchão colocado no chão da sala, para depois esfregar seu pênis nas nádegas da infanta, Posteriormente, a garota levou a mãe até a casa do réu, que veio à janela e ouviu merecidos e emocionados impropérios da genitora, ocasião em ele teria pedido perdão por sua conduta.

O depoimento de Ivonete, a mãe, foi devidamente reiterado em Juízo, à folha 84, quando ela acrescentou que sua filha desmentira o réu este negou que a ameaçara se contasse o ocorrido aos pais. Cabe salientar que a criança foi submetida a exame de corpo de delito sem que nada fosse constatado no exame pericial clínico (folhas 16/17). O réu também foi examinado, sem anotação de qualquer lesão que pudesse conferir maior verossimilhança à alegação de tortura (folha 81 e verso).

Há que se acrescentar ao conjunto da prova os importantes esclarecimentos trazidos pelos policiais militares condutores do flagrante, que afirmaram o seguinte:

[...] Ao chegar nesta Delegacia, o investigado ao saber que a criança estava presente acompanhada de sua genitora, durante a entrevista sobre os fatos, o mesmo se disse arrependido e confessou a conduta a si imputada, e ainda, passou a esclarecer de modo informal aos Policiais como os fatos ocorreram... ; o investigando disse que de fato retirou as vestes da criança e a colocou sobre o colchão no chão de sua sala, na residência; ato contínuo, retirou seu órgão genital e passou a "bulinar", esfregando o pênis nas coxas e nas nádegas da referida criança; depois deste gesto com o fim de satisfazer sua lascívia mórbida, o investigado se masturbou ejaculando em sua própria camisa, a qual foi apreendida pela guarnição para o fim de ser submetida à perícia técnica; além disso, durante a segunda ida da guarnição Policial a casa do investigado/capturado, o depoente pôde visualizar que ao lado do referido colchão existiam várias "embalagens" de balas doces ... (Alexandro Ribeiro de Mello, folhas 06/07).

Posteriormente, em Juízo, essa testemunha ratificou o depoimento declarando que o réu tinha dito que ficado "sarrando" a criança e quando percebeu que ia ejacular, virou de lado e ejaculou em uma camisa sobre a mesa. Acrescentou que depois de conduzi-lo preso à delegacia, retornou a casa dele e que "lá foram apreendidas duas camisas, pois tinham certeza que em uma delas havia uma substância semelhante a esperma e a outra suspeitavam".( folha 85).

A apreensão das vestimentas da vítima e do réu está descrita no termo de folhas 29/30, tendo sido as mesmas submetidas a minuciosa perícia técnica, atestando o respectivo laudo de folhas 100/101 resultado negativa a pesquisa de presença de espermatozóides.

Esse aspecto, apesar de sua enorme relevância sequer foi considerado na sentença. Mas, sem dúvida alguma, suscita uma dúvida dificilmente superável, ao conferir plausibilidade às alegações do réu de que confessou sob coação. O quadro probatório que se desenhou contra ele se fundou basicamente no depoimento da pequenina vítima - de fato representada por sua mãe - perante a autoridade policial. Esta, depois de qualificar a criança como se fosse uma testemunha, consignou o seguinte: "a vítima, de 5 anos de idade, será ouvida nestes autos na pessoa de mãe..." Vê-se, portanto, um depoimento absolutamente irregular, não só pela qualidade da testemunha, como também por estar representada fisicamente pela genitora. Na verdade, é esta quem fala pela filha, com ampla liberdade para criar ou fantasiar os fatos relatados pela infanta, com todas as limitações da própria idade na interpretação da realidade.

Relembro, aqui, o Acórdão nº 355264, disponibilizado no DJ-e de 20/05/2009. p. 204, a propósito das fragilidades do depoimento infantil e do seu valor probante:

[...] 2 A prova é falha quando se apresenta estribada exclusivamente no depoimento infantil colhido por uma agente policial sem a demonstração do preparo técnico necessário para proceder a delicada abordagem de um infante que se apresenta como vítima de abuso sexual. Também não há qualquer comprovação empírica, uma vez que a perícia médico-legal não encontrou qualquer vestígio de atos libidinosos ou de violência física. A confissão do réu é divergente nos dois momentos em que foi ouvido pela autoridade policial, sendo posteriormente renegada em juízo.

[...] 5 Os fatores psicológicos que tornam deficientes os testemunhos infantis são os seguintes: a) a imaturidade orgânica do infante traz a imaturidade funcional, com o que o desenvolvimento psíquico será incompleto; b) a imaginação: atua duplamente na criança, ou como meio de defesa (mentira defensiva ou interesseira) ou de satisfação de desejos (brinquedos fantasiosos); c) sugestibilidade: é bem acentuada nas crianças, surgindo mais ou menos aos cinco anos de idade, atinge seu ponto máximo em torno dos oito anos para, a partir de então, entrar em decrescimento. Há também os fatores morais que tornam os testemunhos infantis deficientes. Pode-se, mesmo, falar em uma espécie de imaturidade moral. A moralidade não é um fato inato, porém adquirido pela criança com base em estímulos ambientais e pressões externas. O que se conclui destas considerações é que o testemunho infantil, malgrado as sérias restrições que lhe são feitas - compreensivelmente - hão que ser analisadas dentro do contexto das demais provas colhidas (Revisão Criminal nº 106/2003, TJ-RJ, Relator Eduardo Mayr).

Na verdade, quem prestou esclarecimentos sobre os fatos foi a mãe. E, como se sabe, os meios de comunicação têm proporcionado destaque inusitado à pedofilia, à exploração sexual de adolescentes e outros crimes sexuais contra crianças. Nesse contexto conturbado, não raro um indício se transforma na prova absoluta e irrefutável, colhido de forma inadequada, impregnada de emoção, de presunções e de preconceitos arraigados na consciência coletiva. Foi o que aconteceu no celebre caso da Escola Base de São Paulo, quando mães pressurosas desconfiaram que suas crianças estivessem sendo submetidas a verdadeiras orgias sexuais patrocinadas pelos donos da escola e pelos professores. O mal causado a estas pessoas jamais será reparado.

Neste caso, a prova reunida contra o réu se resume à palavra da mãe da vítima e à confissão do réu no auto de prisão em flagrante, que teria sido corroborada pelos depoimentos de um cabo da Polícia Militar e de um policial civil. Ocorreu que o réu confessou demais, e admitiu o que não podia admitir, ao narrar um fato posteriormente desmentido pela prova técnica: a ejaculação sobre uma camisa, que teria sido proveniente dos atos libidinosos praticados com a criança.

Ao confirmarem a confissão do réu e ao declarar o policial militar haver apreendido duas camisas, "pois tinha certeza que em uma delas havia uma substância semelhante a esperma e a outra suspeitava". Como se viu, a certeza se desfez a suspeita não foi confirmada na prova técnica, que não identificou qualquer resíduo de esperma nas camisas do réu, nem tampouco nas vestes usadas pela criança na ocasião.

Restou apenas a constatação de que a criança tinha nas mãos as balinhas que lhe foram dadas pelo réu, e o achado de embalagens das mesmas guloseimas no chão da casa dele, o que é muito pouco para embasar uma condenação por um fato tão grave. Há que ressaltar que o réu conta trinta e três anos de idade (por coincidência a idade de Cristo), é diácono da Igreja Assembléia de Deus e nunca antes fora envolvido em qualquer ocorrência policial.

Assim sendo, diante do raquitismo dos indícios probatórios, dou provimento à apelação para absolver o réu com base no art. 386, Inciso VII, do Código de Processo Civil. Expeça-se o alvará de soltura, se por outro motivo não estiver preso.

A Senhora Desembargadora SANDRA DE SANTIS - Revisora

Recurso tempestivo, cabível e regularmente processado. Dele conheço.

ESTON JOSÉ GOMES apela contra a sentença que o condenou a 06 (seis) anos de reclusão, em regime fechado, como incurso no art. 214 c/c art. 224, "a", todos do Código Penal. Requer a absolvição por ausência de provas.

De início ressalto que em recente reforma do Código Penal, realizada pela Lei 12.015 de 07/08/2009, o crime de atentado violento ao pudor, antes previsto no artigo 214, foi incorporado ao artigo 213. A nova redação do tipo prevê a conduta de "constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele pratique outro ato libidinoso". O artigo 217-A tipifica o crime de estupro de vulnerável quando a vítima é menor de 14 anos e comina pena de 8 (oito) a 15 (quinze) anos de reclusão. Mas a lei não pode retroagir para prejudicar o réu.

A pretensão absolutória prospera, embora haja alguns indícios que não poderiam ser desprezados e que, ante uma investigação probatória mais ativa por parte do Ministério Público poderiam levar à indispensável certeza que deve basear uma condenação.

É bem verdade que o réu confessou na delegacia (fls. 13/15). Mas, em Juízo, retratou-se e alegou que fora torturado (fls.74/75). Não há provas da tortura, porém, o interrogatório policial deve ser visto com reserva. Narrou que havia ejaculado na própria roupa, fato que não se comprovou mediante perícia. Nenhum material pornográfico foi apreendido na residência. A testemunha ALEXSANDRO relatou: "(...) que retornou à residência dele: que lá foram apreendidas duas camisas, pois tinham certeza que em uma delas havia uma substância semelhante a esperma e a outra suspeitavam; (...) (fl. 85)". Grifos nossos.

Os papéis de balas encontrados ao lado do colchão e apreendidas não se sabe porque em oportunidade diversa, bem como os testemunhos da mãe da vítima, IVONETE DE SOUZA SANTOS BANDEIRA e do policial militar ALEXSANDRO RIBEIRO DE MELO não encontram o necessário apoio na prova.

E o mais importante, a criança em momento algum foi ouvida. O relato da vítima-menor por meio de modernas técnicas de psicologia tem grande relevância, pois ajuda a desvendar o delito de forma imparcial. A criança interage com bonecos, o que é de grande valia. E mesmo em Juízo, além da sensibilidade de experientes julgadores, como o que presidiu a prova, pode ser acionado o Setor Psicossocial do TJDFT, de reconhecida competência. Nem mesmo a vizinha que acompanhara a mãe da criança à casa do apelante foi oi ouvida. Sequer arrolada. Só quem prestou esclarecimentos sobre os fatos foi a genitora, que com certeza e razão estava imbuída de emoção e poderia tirar ilações equivocadas até mesmo do fato de o apelante ter levado a criança à residência só para lhe dar balinhas.

Todos os laudos (atentado violento ao pudor - fl. 16, conjunção carnal - fl. 17, lesões corporais- fl. 18 e constatação de material biológico - fls. 128/129) foram negativos. Ressalto que este último seria de fundamental importância. A prova técnica não constatou presença de espermatozóide nas camisetas nem nas vestes da vítima. A conclusão do laudo desmente a própria confissão do réu, na fase policial, onde narrou que havia ejaculado na própria camisa, que fora apreendida. Enfim, a distribuição de balinhas pela menor às outras crianças, a versão inicial da menor que, segundo a mãe, disse que um moço a tinha chamado para comprar guloseimas e só depois do "castigo" teria narrado os fatos, tudo dependeria de investigação mais profunda do Parquet para levar a decisão condenatória.

Apesar dos indícios, inexiste prova robusta de que o réu tenha praticado o delito de atentado violento ao pudor contra T.S.S.B. Caso em que prevalece o princípio in dubio pro reo. Transcrevo trecho do parecer na APC 2006.02.1.004761-5, que trata caso semelhante, do ilustre Procurador de Justiça, Dr. Carlos Eduardo Magalhães de Almeida, que, com habitual isenção, pontificou:

"Em verdade, o que há nos autos são apenas indícios e deduções. É provável que o apelante seja sim o autor do crime em questão, mas não é menos verossímil que não o seja, que efetivamente ocorreram puras e simples coincidências, difíceis de acreditar, penso, mas não impossíveis. E não se diga que este Procurador de Justiça acredita em conto da carochinha ou em papai Noel, mas o que é real e verdadeiro é que pairam dúvidas sobre a condição de autor de FRANCISCO no delito em comento.

As provas da autoria no caso dos autos são imperfeitas e o apelado nega os fatos, o que conduz, correndo o risco da obviedade, à falta de certeza necessária para a condenação.

In casu, tem aplicação o princípio da prevalência do interesse do réu, o in dubio pro reo, sendo o melhor caminho, data venia, o escolhido pelo Magistrado, a absolvição." (fls. 256/257)

No mesmo sentido a jurisprudência do TJDFT:

"ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR. PALAVRA DA VÍTIMA. INSUFICIÊNCIA DE PROVAS. ABSOLVIÇÃO.

É de extrema importância a palavra da vítima em crimes sexuais, porque quase sempre praticados às ocultas. Se há dúvidas acerca da verdade dos fatos imputados ao réu, em face da ausência de provas inequívocas que permitam aferir a certeza exigida quanto à responsabilização penal, impõe-se sua absolvição em homenagem ao princípio in dubio pro reo." (20010910053387APR, Relator GETULIO PINHEIRO, 2ª Turma Criminal, julgado em 06/06/2008, DJ 30/07/2008 p. 383)

Dou provimento ao recurso para absolver ESTON JOSÉ GOMES por falta de provas. Expeça-se o alvará de soltura, se por outro motivo não estiver preso.

O Senhor Desembargador EDSON ALFREDO SMANIOTTO - Vogal

Com o Relator.

D E C I S Ã O

PROVER. UNÂNIME.

DJ-e: 27/10/2009




JURID - Atentado violento ao pudor contra menina com cinco anos. [06/11/09] - Jurisprudência

 



 

 

 

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário