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domingo, 8 de novembro de 2009

JURID - Apelação criminal. Furto simples. Inquéritos e ações penais. [06/11/09] - Jurisprudência


Apelação criminal. Furto simples. Inquéritos e ações penais em curso. Transação penal.
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Tribunal de Justiça do Distrito Federal e seus Territórios - TJDFT.

Órgão: Primeira Turma Criminal

Classe: APR - Apelação Criminal

N. Processo: 2008.05.1.007178-0

Apelante(s): DIOGO MOTA DA SILVA

Apelado(s): Ministério público do distrito federal e territórios

Relator Des.: George Lopes Leite

Revisora Desª.: Sandra De Santis

E M E N T A

APELAÇÃO CRIMINAL - FURTO SIMPLES - INQUÉRITOS E AÇÕES PENAIS EM CURSO - TRANSAÇÃO PENAL - VALOR PEQUENO - PERICULOSIDADE SOCIAL NULA - REPROVABILIDADE REDUZIDA - LESÃO INEXPRESSIVA- PRINCÍPIO DA BAGATELA - INSIGNIFICÂNCIA - ATIPICIDADE.

I - Além das condições econômicas da vítima ou do valor dos objetos, também deve ser verificado o desvalor do resultado no caso concreto.

II - A existência de inquéritos e ações penais em curso ou a ocorrência de transação não impedem a aplicação da insignificância.

III - Apelo provido.

A C Ó R D Ã O

Acordam os Senhores Desembargadores da Primeira Turma Criminal do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, GEORGE LOPES LEITE - Relator, SANDRA DE SANTIS - Revisora e Relatora Designada, EDSON ALFREDO SMANIOTTO - Vogal, sob a Presidência da Senhora Desembargadora SANDRA DE SANTIS, em PROVER POR MAIORIA. REDIGIRÁ O ACÓRDÃO A REVISORA, de acordo com a ata do julgamento e notas taquigráficas.

Brasília (DF), 21 de setembro de 2009.

Desembargadora SANDRA DE SANTIS
Relatora Designada

R E L A T Ó R I O

Diogo Mota da Silva foi condenado em um ano de reclusão no regime aberto mais dez dias multa, à razão de um trigésimo do salário mínimo, sendo substituída a pena restritiva de liberdade por restritiva de direito, por subtrair do estabelecimento comercial Bazar Chique dois casacos infantis, infringindo, assim, o artigo 155, caput, do Código Penal. Inconformado, apela (folhas 88 e 92/94) contra a sentença buscando absolvição com fundamento no princípio da insignificância.

Apela também o órgão ministerial (folhas 81 v e 83/85) pedindo seja desconsiderada a primariedade aplicada na segunda fase da dosimetria.

As contrarrazões estão às folhas 90/91 e 96/104, defendendo as partes sentença no que lhes interessava. A Procuradoria de Justiça ofereceu parecer às folhas 109/114 opinando pelo improvimento de ambos os recursos.

É o relatório. À revisão.

V O T O S

O Senhor Desembargador GEORGE LOPES LEITE - Relator

Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.

O réu foi condenado por subtrair dois casacos de uma loja de roupas infantis, infringindo, assim, o artigo 155, caput, do Código Penal. A materialidade e a autoria do crime estão demonstradas, cingindo-se o recurso ao pedido de absolvição com base no princípio da insignificância. Ocorre que este não incide no caso, nada obstante o módico valor da res furtiva, que é inexpressivo diante do patrimônio da vítima. Ocorre que o réu apresenta personalidade degradada, intensamente comprometida com a criminalidade, pois responde a várias ações penais e inquéritos policiais ainda em andamento, por crimes contra o patrimônio.

A doutrina e a jurisprudência consagram o entendimento de que o valor da res por si só não basta para afastar a tipicidade da conduta. Há que se avaliar igualmente o desvalor da conduta do réu e a sua nocividade ao convívio social. Na espécie, se mostra elevada a culpabilidade, sendo inequívoco o conhecimento do réu da ilicitude do ato praticado e a possibilidade de agir conforme o direito.

Em hipótese assemelhada, o egrégio Superior Tribunal de Justiça já decidiu:

RECURSO ESPECIAL. PENAL. FURTO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. CONDUTA RELEVANTE. REPERCUSSÃO SOCIAL. REITERAÇÃO NA PRÁTICA CRIMINOSA. PRECEDENTES DO STJ. 1. O valor da res furtiva embora pequeno, não pode ser considerado ínfimo, porquanto possui relevo em sede de ilicitude penal. 2. Falta na hipótese, ainda, a reduzida periculosidade social da conduta, porquanto não se trata de fato isolado na vida do acusado, que pratica reiteradamente delitos de pequena gravidade. Assim, certamente a impunidade iria estimular a delinqüência, ainda que não existisse especial relevo na materialidade do tipo penal, isoladamente considerado. 3. Recurso provido.(1)

Desse modo, mesmo que o delito não tenha sido praticado com violência ou grave ameaça à pessoa, o módico valor do objeto da tentativa de subtração não implica a atipicidade da conduta, desde que presente o nexo de causalidade entre ação e resultado e inexista causa exculpante, atraindo a incidência do art. 155, do Código Penal.

A jurisprudência da Casa não discrepa do entendimento da Corte Superior, como se vê neste acórdão:

O valor do bem subtraído não é o único e exclusivo parâmetro para aplicação do princípio da insignificância. Caso contrário, poderia incentivar condutas que atentam contra a ordem social, mas que toleradas pelo Estado, colocariam em risco a segurança da coletividade. Há que se investigar o grau de ofensividade da conduta do agente frente ao bem jurídico tutelado, o desvalor social da ação e a intensidade de sua culpabilidade. Para a consumação do crime de furto é necessária, cessada a clandestinidade, a inversão da posse, ainda que breve, da coisa alheia móvel subtraída. Recursos desprovidos.(2) Recurso acusatório

Recurso do Ministério Público

No que diz respeito ao apelo acusatório, alega o órgão ministerial que não existe no art. 65 do Código Penal a atenuante da primariedade, não se enquadrando a espécie nas regras do art. 66 do mesmo diploma. Há, realmente, equívoco na sentença, pois a primariedade é circunstância judicial que deve ser analisada na primeira fase da dosimetria, como efetivamente ocorreu. Mas na segunda fase, ao mencionar a atenuante da primariedade, a sentença se confundiu, mencionando a confissão espontânea, que também ocorreu (folha 47). Dessa forma, é perceptível que houve apenas erro material, o que não altera a essência da pena, que atende às necessidades de repressão e prevenção do delito. Portanto, não merece reforma a sentença.

Com estas considerações, nego provimento a ambos os recursos. É como voto.

A Senhora Desembargadora SANDRA DE SANTIS - Revisora

Recursos tempestivos, cabíveis e regularmente processados. Deles conheço.

DIOGO MOTA DA SILVA e o Ministério público do distrito federal e territórios apelam da sentença que condenou o primeiro à pena corporal de 01 (um) ano de reclusão, em regime aberto, além de 10 (dez) dias-multa, à razão mínima, por infringir o artigo 155, caput, do Código Penal.

Inicio pelo apelo ministerial. O MP requer a desconsideração da primariedade aplicada na segunda fase da dosimetria. Entende que assim a pena será fixada definitivamente em 01 (um) ano e 03 (três) meses de reclusão, além de 13 (treze) dias-multa.

O recurso não merece acolhida. É certo que a sentença fala na "atenuante da primariedade" (fl. 76), mas em leitura atenta fica claro que se trata de erro material. Queria o julgador, nesse trecho, falar na atenuante da confissão espontânea, já reconhecida no início da fundamentação (fl. 74). Verifico que, com esse esclarecimento, perfeita está a dosimetria.

Nego provimento ao apelo ministerial.

Passo ao recurso de DIOGO, que argumenta que o princípio da insignificância deve ser aplicado mediante análise do fato e não do autor. Requer a conseqüente absolvição.

Com razão.

O valor total dos bens subtraídos - R$59,80 (cinquenta e nove reais e oitenta centavos) -, verificado à fl. 61, mostra-se de pequena monta, em face da jurisprudência que usa como parâmetro o salário-mínimo e as condições da vítima, proprietária de estabelecimento comercial. Assim, a lesão jurídica foi ínfima, especialmente porque o apelante foi capturado em seguida e os casacos infantis restituídos. Não houve resistência à prisão e o acusado confessou nas instâncias policial (fl. 08) e judicial (fl. 47).

É certo que o apelante possui inquéritos e ações penais em curso em crimes de patrimônio. A admoestação sofrida por uso de drogas decorreu de transação penal (fl. 39). Impossível considerar esses fatos em detrimento do autor, especialmente quando o dano ao bem jurídico e à sociedade não possui relevância suficiente para ensejar resposta do Direito Penal, o último recurso do Estado.

A proibição da bagatela pela reincidência busca impedir a criação de um "direito ao pequeno furto", ou seja, entendimento que afastaria a proteção jurídica de todo bem de baixo valor. Porém esse raciocínio não tem o poder de afastar o princípio constitucional da não-culpabilidade e ignora a lesividade real, no caso ínfima. Negar isso seria um retrocesso em direção ao Direito Penal do Autor e ignoraria a conduta concretamente praticada.

A lição do Ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal, explicita os fundamentos do princípio:

"Como se sabe, o princípio da insignificância - que deve ser analisado em conexão com os postulados da fragmentariedade e da intervenção mínima do Estado em matéria penal - tem o sentido de excluir ou de afastar a própria tipicidade penal, examinada na perspectiva de seu caráter material, consoante assinala expressivo magistério doutrinário expendido na análise do tema em referência (FRANCISCO DE ASSIS TOLEDO, 'Princípios Básicos de Direito Penal', p. 133/134, item n. 131, 5ª ed., 2002, Saraiva; CEZAR ROBERTO BITENCOURT, 'Código Penal Comentado', p. 6, item n. 9, 2002, Saraiva; DAMÁSIO E. DE JESUS, "Direito Penal - Parte Geral", vol. 1/10, item n. 11, 'h', 26ª ed., 2003, Saraiva; MAURÍCIO ANTONIO RIBEIRO LOPES, 'Princípio da Insignificância no Direito Penal', p. 113/118, item n. 8.2, 2ª ed., 2000, RT, v.g.).

O princípio da insignificância - que considera necessária, na aferição do relevo material da tipicidade penal, a presença de certos vetores, tais como (a) a mínima ofensividade da conduta do agente, (b) a nenhuma periculosidade social da ação, (c) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e (d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada - apoiou-se, em seu processo de formulação teórica, no reconhecimento de que o caráter subsidiário do sistema penal reclama e impõe, em função dos próprios objetivos por ele visados, a intervenção mínima do Poder Público em matéria penal.

Isso significa, pois, que o sistema jurídico há de considerar a relevantíssima circunstância de que a privação da liberdade e a restrição de direitos do indivíduo somente se justificarão quando estritamente necessárias à própria proteção das pessoas, da sociedade e de outros bens jurídicos que lhes sejam essenciais, notadamente naqueles casos em que os valores penalmente tutelados se exponham a dano, efetivo ou potencial, impregnado de significativa lesividade.

Revela-se expressivo, a propósito do tema, o magistério de EDILSON MOUGENOT BONFIM e de FERNANDO CAPEZ ('Direito Penal - Parte Geral', p. 121/122, item n. 2.1, 2004, Saraiva):

'Na verdade, o princípio da bagatela ou da insignificância (...) não tem previsão legal no direito brasileiro (...), sendo considerado, contudo, princípio auxiliar de determinação da tipicidade, sob a ótica da objetividade jurídica. Funda-se no brocardo civil minimis non curat praetor e na conveniência da política criminal. Se a finalidade do tipo penal é tutelar um bem jurídico, quando a lesão, de tão insignificante, torna-se imperceptível, não será possível proceder a seu enquadramento típico, por absoluta falta de correspondência entre o fato narrado na lei e o comportamento iníquo realizado. É que, no tipo, somente estão descritos os comportamentos capazes de ofender o interesse tutelado pela norma. Por essa razão, os danos de nenhuma monta devem ser considerados atípicos. A tipicidade penal está a reclamar ofensa de certa gravidade exercida sobre os bens jurídicos, pois nem sempre ofensa mínima a um bem ou interesse juridicamente protegido é capaz de se incluir no requerimento reclamado pela tipicidade penal, o qual exige ofensa de alguma magnitude a esse mesmo bem jurídico.'

Na realidade, e considerados, de um lado, o princípio da intervenção penal mínima do Estado (que tem por destinatário o próprio legislador) e, de outro, o postulado da insignificância (que se dirige ao magistrado, enquanto aplicador da lei penal ao caso concreto), na precisa lição do eminente Professor RENÉ ARIEL DOTTI ('Curso de Direito Penal - Parte Geral', p. 68, item n. 51, 2ª ed., 2004, Forense), cumpre reconhecer que o direito penal não se deve ocupar de condutas que produzam resultado, cujo desvalor - por não importar em lesão significativa a bens jurídicos relevantes - não represente, por isso mesmo, prejuízo importante, seja ao titular do bem jurídico tutelado, seja à integridade da própria ordem social." (HC 84.412-0, Rel. Min. Celso de Mello). Grifos nossos.

A conduta do agente demostrou ofensividade mínima (baixo valor da res furtiva), periculosidade social nula (o furto foi realizado de modo atabalhoado e o réu facilmente seguido até a residência), reprovabilidade do comportamento reduzida (elementos nos autos apontam para a embriaguez no momento dos fatos) e inexpressiva lesão ao ordenamento jurídico.

Deve-se, portanto, aplicar a insignificância e conceder a absolvição ao apelante.

Dou provimento ao recurso de DIOGO.

O Senhor Desembargador EDSON ALFREDO SMANIOTTO-VOGAL

Com a Revisora.

D E C I S Ã O

Provido. Maioria. Redigirá o acórdão a Revisora.

DJ-e: 27/10/2009



Notas:

1 - STJ REsp 796.606, Relatora Laurita Vaz - STJ - D. J. de 05.06.06, pág. 314. [Voltar]

2 - TJDFT APR20040710216645, Relator Mario Machado, 1ª Turma, DJ 30.11.2005, p. 182. [Voltar]




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