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quinta-feira, 14 de maio de 2009

JURID - Procedimento administrativo. Magistrada. Sindicância. [14/05/09] - Jurisprudência


Procedimento de controle administrativo. Magistrada. Sindicância. Ausência de participação da investigada ou de procurador.

Conselho Nacional de Justiça - CNJ.

PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO Nº 200910000014549

RELATOR: CONSELHEIRO MINISTRO JOÃO ORESTE DALAZEN

REQUERENTE: MARGARIDA ELISABETH WEILER

REQUERIDO: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL

ASSUNTO: TJMS - PORTARIA 1/2009 CGJ/MS - SINDICÂNCIA - 2009.960073-4 - AFASTAMENTO PREVENTIVO - MAGISTRADA - RESOLUÇÃO 30/CNJ - LEI 8112/90 - PRINCÍPIOS - LEGALIDADE - CONTRADITÓRIO - AMPLA DEFESA

PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO. MAGISTRADA. SINDICÂNCIA. AUSÊNCIA DE PARTICIPAÇÃO DA INVESTIGADA OU DE PROCURADOR. ATOS E PROCEDIMENTOS POSTERIORES. NULIDADE. IMPROCEDÊNCIA.

1. A sindicância instaurada para apuração de fatos supostamente ilícitos envolvendo magistrada ostenta caráter exclusivamente investigativo e, como tal, dispensa a participação da investigada ou do respectivo procurador. Sob esse prisma, não gera qualquer nulidade capaz de macular os atos e procedimentos disciplinares posteriormente instaurados contra a magistrada.

2. Inaplicáveis os arts. 153 e seguintes da Lei nº 8.112/90 à sindicância instaurada contra Juíza de Direito em Tribunal de Justiça estadual, dado que o procedimento administrativo em apreço não se reveste de caráter punitivo.

3. A ausência de participação da investigada ou de seu procurador na sindicância investigativa também não ofende o art. 19, § 2º, da Resolução CNJ nº 30/2007, pois se assegurou o direito de defesa após a conclusão do procedimento, com a concessão de prazo para apresentação de defesa prévia antes da instauração de Processo Administrativo Disciplinar.

4. Pedido que se julga improcedente.

Cuida-se de Procedimento de Controle Administrativo formulado por Margarida Elisabeth Weiler, Exma. Juíza de Direito da Comarca de Anaurilândia/MS, em face do eg. Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso do Sul (TJ/MS).

Aduz, em síntese:

a) "calcada em notícias divulgadas na internet, sem a menor credibilidade, a Corregedoria-Geral de Justiça do E. Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso do Sul, através da Portaria n. 001/2009 [...], entendeu por bem instaurar uma sindicância para apurar, exclusivamente, 'eventual associação [da magistrada] com Luiz Eduardo Aurichio Bottura para obtenção de vantagens ilícitas por meio de ajuizamento de ações judiciais'";

b) o Conselho Superior da Magistratura deferiu o afastamento preventivo da magistrada do cargo pelo prazo de 30 dias, posteriormente prorrogado por igual período;

c) a Requerente teria sido intimada apenas da decisão do afastamento preventivo, "sendo que nenhum outro ato lhe foi noticiado com a instauração da sindicância";

d) a Corregedoria-Geral teria produzido dois relatórios em Pedidos de Providências para a instauração de dois procedimentos disciplinares: um para "investigar" se a magistrada reside na Comarca de Anaurilândia/MS e outro constando inúmeras acusações, dentre elas "preferência entre advogados, farsa em processos [sic], indicação de companheiro para Juiz Leigo".

Argumentou a Requerente que somente foi cientificada do resultado da sindicância quando já afastada há mais de 40 dias do cargo, momento em que "tomou conhecimento do Relatório produzido e foi intimada a apresentar sua defesa prévia nos Pedidos de Providências, nos termos do § 1º do art. 7º da Resolução 30/2007 deste Conselho".

Sustentou a nulidade da sindicância por violação de dispositivos da Resolução CNJ nº 30/2007 e da Lei nº 8.112/90, uma vez que não lhe foi ensejada oportunidade de acompanhamento da sindicância que, "apesar de ser instaurada para apurar um determinado fato, até o momento gerou outros procedimentos, nenhum relacionado à motivação inicial de sua instauração e [de] afastamento da magistrada".

Requereu, em liminar, a suspensão de "todos os Pedidos de Providências ou Procedimentos Administrativos Disciplinares advindos da Sindicância n. 2009.960073-4, instaurada através da portaria 001/2009" da Corregedoria-Geral de Justiça do Estado de Mato Grosso do Sul. Ao final, postulou a declaração de nulidade da "sindicância instaurada na Portaria 001/2009 da Corregedoria-Geral de Justiça" do Estado de Mato Grosso do Sul e "todos os atos advindos desta".

Indeferi a liminar, sob o fundamento de que a matéria não se revestiria de urgência tal que impusesse o exame do mérito sem audiência prévia do Requerido (documento "DEC15").

O ilustre Presidente do eg. Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso do Sul, Desembargador Elpídio Helvécio Chaves Martins, prestou informações (documento INF17), defendendo, em síntese:

a) ausência de desrespeito ao § 2º do art. 19 da Resolução CNJ nº 30/2007, uma vez que, antes da abertura de processo administrativo disciplinar, assegurou-se à Requerente o contraditório e a ampla defesa;

b) inaplicabilidade dos arts. 153 e seguintes da Lei nº 8.112/90 - que tratam do "inquérito administrativo" - à sindicância realizada pela Corregedoria-Geral;

c) ausência de ofensa ao art. 62 do Regimento Interno do CNJ, por constituir norma aplicável somente aos procedimentos investigativos instaurados pelo próprio Conselho;

d) "não é verdade que os fatos indicados na Portaria não foram apurados", pois o parecer final da Sindicância refere-se exatamente a aspectos investigados - envolvimento da Requerente com o Sr. Luiz Eduardo Auricchio Bottura;

e) a instauração de processo administrativo disciplinar nem sequer necessitaria de sindicância prévia, razão por que, ainda que se reconhecesse algum vício nas sindicâncias realizadas, tal fato não afetaria os processos administrativos disciplinares em trâmite;

f) "não é possível dizer que a Requerente não tivesse [teve] ciência da existência da Sindicância [...] desde sua instauração, posto que foi intimada de seu afastamento preventivo em 12.02.2009, decretado no início daquele procedimento".

A Requerente manifestou-se acerca das informações prestadas pelo Requerido (documento REQAVU35), reforçando o argumento de que é direito do magistrado "acompanhar a sindicância, por si ou seus advogados".

É o relatório.

Ressalto, primeiramente, que não se questiona a legalidade do afastamento preventivo da magistrada. O presente procedimento cinge-se a pleitear um controle de legalidade acerca da sindicância realizada para apurar fatos relacionados à conduta da magistrada requerente, sem a participação desta ou de defensor.

De início, importante esclarecer a ordem em que se deram os fatos sob exame.

Em 4/2/2009, o ilustre Corregedor-Geral da Justiça do Estado de Mato Grosso do Sul, mediante a Portaria nº 001/2009, instaurou sindicância - ora impugnada - em face da Requerente "para apuração de seu envolvimento e eventual associação com Luiz Eduardo Auricchio Bottura para obtenção de vantagens ilícitas por meio do ajuizamento de ações judiciais".

Na mesma data, o aludido Corregedor-Geral propôs ao Órgão Especial do TJ/MS o afastamento da Requerente do cargo de magistrada, visando a possibilitar "trabalho investigativo sem pressões ou interferências". Esse pedido foi autuado no TJ/MS como Pedido de Providências nº 066.152.0009/2009.

Em 11/2/2009, o Órgão especial do TJ/MS determinou o afastamento da Requerida das "funções jurisdicionais [...], pelo prazo de 30 dias" (fls. 55-59 do PP 066.152.0009/2009).

Em 16/2/2009, o Corregedor-Geral propôs a instauração de Processo Administrativo Disciplinar (PAD) e novo requerimento de afastamento da magistrada, autuados como Pedido de Providências nº 066.152.0012/2009. Esclareceu que, no decorrer das atividades de investigação - na sindicância -, "apurou-se que a magistrada teria violado deveres atinentes ao cargo, com proceder incompatível com o bom desempenho das atividades do Poder Judiciário, deixando de residir na Comarca de Anaurilândia, da qual é juíza titular, inclusive faltando ao expediente forense e afastando-se do exercício de suas funções sem qualquer autorização do Tribunal de Justiça" (fls. 2-4 do respectivo PP).

Antes de deliberar acerca da instauração de PAD, em 20/2/2009 o ínclito Presidente do TJ/MS determinou a notificação da ora Requerente para apresentar defesa prévia, nos termos do art. 7º, § 1º, da Resolução CNJ nº 30/2007 (fl. 2 do PP 066.152.0012/2009). A Requerente foi cientificada desse despacho em 26/2/2009 (fl. 22), apresentando defesa prévia em 12/3/2009 (fls. 55-73). Em 8/4/2009, o Tribunal Pleno do TJ/MS deliberou, à unanimidade, pela "instauração do processo administrativo disciplinar contra a magistrada e [...] acolheu o pedido do seu afastamento por 90 (noventa) dias, prorrogáveis" por igual período (fls. 169-176).

Em 6/3/2009, o ilustre Corregedor-Geral apresentou novo procedimento ao Presidente do TJ/MS, autuado como Pedido de Providências nº 066.152.0015/2009, propondo a instauração de mais um PAD e o afastamento preventivo da magistrada pelo prazo de 90 (noventa) dias, com possibilidade de renovação do período, agora em face de inúmeros fatos também apurados na sindicância antes mencionada e supostamente praticados pela Requerente, a seguir transcritos:

"1) a Dra. Margarida Elisabeth Weiler, titular da comarca de Anaurilândia indicou à nomeação para o cargo de Juiz Leigo do Juizado Especial o advogado Luiz Carlos Galindo Junior, que mantinha escritório profissional com o Dr. Eduardo Garcia da Silveira Neto, o qual, segundo informações, é o atual companheiro da juíza;

2) para sucedê-lo na função, a magistrada indicou o próprio companheiro, com violação dos princípios da impessoalidade e moralidade administrativas;

3) no bojo desta última indicação a Dra. Margarida afirmou não possuir vínculo com o indicado, capaz de impedir a nomeação, evidenciando aparente falsidade ideológica, a ser objeto de perquirição criminal;

4) ainda que se alegue que a relação more uxório se estabeleceu posteriormente à indicação, é certo que tão logo esta se concretizou, era dever da magistrada comunicar o fato ao Tribunal de Justiça, o que não ocorreu;

5) anota-se que a exoneração do Dr. Eduardo Garcia da Silveira Neto somente resultou da reclamação feita por Adalberto Bueno Netto, ex-sogro de Luiz Eduardo Aurichio Bottura, pessoa que é autora de grande quantidade de ações no Juizado Especial de Anaurilândia, na qual o reclamante postulou a designação de juiz para exercer a jurisdição cumulativa, ante a situação de anormalidade experimentada na comarca;

6) em período diverso do exercício da função de juiz leigo, o Dr. Eduardo praticava atos processuais próprios da juíza, os quais eram chancelados pela Dra. Margarida, desconsiderando a circunstância de o patrono ser o seu convivente;

7) segundo relatos obtidos na comarca, era o próprio causídicio [sic] que promovia a execução material das determinações judiciais, valendo-se de senha usurpada de um escrevente judicial;

8) noutros termos, o patrono da parte, companheiro da juíza, lançava decisões para que esta as assinasse, e em seguida, expedia ofícios e mandados viabilizando a implementação, em caráter de urgência, das ordens dadas, muitas vezes em processos nos quais ele ou seu sócio de escritório funcionavam como advogado;

9) demanda envolvendo usuário e a concessionária de telefonia Brasil Telecom S.A. em trâmite pelo Juizado Especial de Anaurilândia, demonstra que o patrono do(a) autor(a) era o Dr. Napoleão Pereira de Lima e a conciliadora a sua esposa, a Dra. Loide Stabile de Lima;

10) infere-se das declarações coligidas, que boa parte das demandas movidas contra a empresa Brasil Telecom S.A. os autores mantinham relação de proximidade com as pessoas acima citadas (Dr. Napoleão, Dra. Loide, Dr. Galindo e Dr. Eduardo Silveira), a exemplo dos feitos anotados aleatoriamente: autos n. 022.04.55050-0, ação proposta por Iris Pereira de Lima; n. 022.04.55070-0, por Osvaldo José da Silva; n. 022.04.55072-4, por Antonio Carlos dos Santos Silva; n. 022.04.55078-3, por Maria de Fatima da Silva; n. 022.04.55078-0 por Vanda Stabile Cruz; n. 022.04.550082-9, por Manoel Pereira de Lima; n. 022.04.550173-9, por Sergio Lubask e n. 022.04.550181-0, por Durvete Miguel Figueiredo, todos beneficiados com vultosas quantias;

11) É de se ressaltar que o advogado Napoleão Pereira de Lima levantou a quantia de R$ 653.353,29 (seiscentos e cinquenta e três mil trezentos e cinquenta e três reais e vinte e nove centavos) em ação de cobrança movida contra a empresa Brasil Telecom S.A., na qual sua irmã, a Sra. Iris Pereira de Lima era autora, a qual declarou ter recebido apenas a importância de R$ 250.000,00 (duzentos e cinquenta mil reais), não se sabendo o destino do restante do valor levantado;

12) Prosseguindo nas investigações tem-se que o declarante Edvaldo Andrelino da Rocha afirmou que a juíza recebera propina, e que o advogado Napoleão Pereira de Lima orientou sua irmã Iris a sacar o dinheiro e gastar imediatamente;

13) Por outro lado, são indícios de ilegalidades as determinações de bloqueios judiciais pelo sistema BACEN JUD, boa parte nos processos mencionados, realizadas com rapidez e num intervalo de poucos minutos;

14) Isto ocorreu em vários processos patrocinados por advogados tidos na comarca como da preferência da Dra. Margarida, onde as evidências indicam a possibilidade do processo não haver passado de mera farsa, eis que neles oficiavam o Juiz Leigo que era companheiro da Juíza togada ou o sócio deste, sendo que a conciliadora era esposa do advogado da autora, que por sua vez era amigo da Juíza titular;

15) Constatou-se ainda que, utilizando o mesmo 'modus operandi', qual seja, o de se aplicar, através do Juiz Leigo, em ações com trâmite pelo Juizado Especial, a pena de multa diária caso a entidade bancária requerida não entregasse em determinado prazo os extratos bancários, fato este que levado em conta a duração do processo, resultava em vultosa quantia a esse título, que depois seria objeto de pedido de cumprimento de sentença. Como exemplo cita-se o caso dos autos no 022.07.000181-4, onde o Juiz Leigo era o Dr. Eduardo Garcia da Silveira Neto (atual companheiro da Juíza Margarida), o autor o Dr. Luiz Carlos Galindo, e o patrono do requerente, o Dr. Luiz Carlos Galindo Júnior.

16) A par do interesse patrimonial de melhoria do acesso à sua propriedade, deteriorou-se a relação entre a magistrada e o então candidato à Prefeito do Município, quando então a Dra. Margarida teria gravações de eventuais propostas de compra de votos, passando a retaliá-lo com decisões prejudiciais à campanha dele, tal como o impedimento de realizar comício previamente requerido;

17) Neste passo, chama a atenção o fato de que as denúncias foram feitas através de declarações por escrituras públicas, lavradas na comarca de Bataguassu, as quais foram entregues no fórum, em mãos da Dra. Margarida e do advogado Eric Paladino Tumitan, pessoa tida como bem relacionada com a magistrada;

18) Entre os dias 20 e 23 de abril de 2006 a Dra. Margarida esteve ausente da comarca, com autorização do Conselho Superior da Magistratura, que atendeu pedido dela para visitar os filhos na cidade de Dourados. Entretanto, segundo declarações, apurou-se que a magistrada estava em São Paulo, onde, na companhia do advogado Eduardo Garcia da Silveira Neto, seu companheiro, do Delegado de Polícia Juvenal Laurentino Martins e do agente de polícia Cireno Gonzales, empreendiam diligências que culminaram na prisão de seu excompanheiro, o português Carlos Manuel Nunes de Carvalho;

19) Neste sentido, a exposição do magistrado que concorre pessoalmente para o cumprimento de uma ordem destinada à autoridade policial, ainda mais quando se trate de caso envolvendo interesse próprio, a par da desnecessidade, macula o decoro do cargo;

20) Não fosse isto suficiente, efetivada a prisão do denunciado, a magistrada reuniu os servidores para exibir cenas das filmagens do ex-companheiro, em menosprezo à toga e escancarando o intuito intimidatório dos funcionários subordinados;

21) No caso, deixaria de ocorrer transgressão se a presença dos servidores fosse apenas solicitada ou decorresse de liberalidade; entretanto, tudo indica que houve constrangimento e receio de represálias por parte da Dra. Margarida, que segundo consta ela demonstra temperamento imperativo de sua autoridade, não aceitando outra atitude senão a obediência dos subordinados;

22) Chegou ainda ao nosso conhecimento que a Dra. Margarida contratou uma adolescente, sem assinar a carteira de trabalho, mediante remuneração inferior a um salário mínimo;

[...]

24) Magistrados de comarcas vizinhas e policiais de Anaurilândia informaram acerca da soltura, de forma suspeita, de Thiago de Oliveira Siqueira, réu em processo crime doloso contra a vida, apesar de se ter decisão do Tribunal de Justiça em sentido contrário;

25) Não é demais lembrar que a Dra. Margarida já foi removida compulsoriamente da comarca de Caarapó para Anaurilândia, cujo desfecho foi considerado brando pelo Superior Tribunal de Justiça, em recurso relatado pelo Ministro Jorge Scartezzini, onde consta: 'Ressalte-se, também, que a recorrente foi beneficiada com a pena de remoção compulsória, em detrimento da pena de disponibilidade, que poderia lhe ter sido aplicada, já que, como assentado, eram unânimes os julgadores em apená-la'.

26) A propósito disto também não se pode esquecer que a sobredita remoção compulsória referia-se a atos praticados na comarca de Caarapó, que embora julgados improcedentes por esta Corte de Justiça, os autos encontram-se no Superior Tribunal de Justiça, por força de recurso interposto pelo Ministério Público;

[...]".

(Requerimento Inicial do Pedido de Providências nº 066.152.0015/2009, em trâmite no Conselho Superior da Magistratura do eg. TJ/MS, fls. 2-10)

Outros fatos merecem destaque no PP nº 066.152.0015/2009:

a) em 19/3/2009, antes de deliberar acerca da instauração de PAD, o Presidente do TJ/MS determinou (fl. 2) a notificação da ora Requerente para apresentar defesa prévia, nos termos do art. 7º, § 1º, da Resolução CNJ nº 30/2007;

b) conforme relatório de inteligência da Polícia Militar do Estado de Mato Grosso do Sul (fls. 1050-1051), a Requerente esquivou-se de receber a notificação em Dourados-MS no dia 20/3/2009, embora estivesse presente no endereço constante na carta de ordem (fl. 1052);

c) em 24/3/2009, a própria Requerente apresentou petição (fl. 1054) requerendo a juntada de procuração e substabelecimento;

d) em 7/4/2009, a Requerente apresentou defesa prévia (fls. 1070-1093).

Foi nesse cenário de fortes indícios de inúmeros ilícitos administrativos, penais e cíveis que o Corregedor-Geral da Justiça do Estado de Mato Grosso do Sul instruiu a sindicância, ora atacada, sem a participação da Requerente durante a colheita de informações e documentos.

A solução da matéria sob exame passa, necessariamente, pela análise da expressão "sindicância investigativa".

No princípio, entendia-se por sindicância (gênero) exclusivamente o procedimento utilizado para apuração de fatos na esfera da Administração Pública.

Posteriormente, com o advento da Lei nº 8.112/90, desvirtuou-se a essência do termo, dado que o legislador possibilitou à Autoridade Sindicante a aplicação de penalidade a agente do Estado no próprio procedimento de sindicância. A partir de então, é possível classificar o vocábulo sindicância em duas espécies: a investigativa e a punitiva.

A sindicância investigativa ou inquisitorial - também denominada, na origem, simplesmente "sindicância administrativa" - constitui procedimento destinado à apuração de quaisquer fatos ou atos ocorridos no âmbito da Administração. Pode ser direcionada à elucidação de determinado ato que porventura tenha sido praticado por agente do Estado - servidores, magistrados e outros - ou a simples fatos que envolvam a Administração. Representa a sindicância "originalmente" concebida.

Em consequência, a sindicância investigativa não se presta a aplicar punição a agentes do Estado, embora possa servir para colheita de documentos e indícios de autoria e materialidade de infrações administrativas, penais e/ou cíveis eventualmente perpetradas.

Precisamente por não visar à eventual punição de agentes do Estado é que não se exige, na sindicância investigativa, respeito aos princípios do contraditório e da ampla defesa.

Sob tal perspectiva, entendo que a sindicância investigativa está para o processo administrativo disciplinar como o inquérito policial está para o processo penal.

Diferentemente, a sindicância punitiva, prevista nos arts. 145 e 153 a 166 da Lei nº 8.112/90, revela caráter híbrido: na primeira fase, cuida-se de procedimento que almeja apurar fatos ou atos supostamente ilícitos relacionados a servidores públicos civis da União, autarquias e fundações públicas federais; na segunda fase, mira a aplicação de sanção ao servidor-sindicado, caso a penalidade aplicável à hipótese investigada seja, no máximo, de advertência ou de suspensão de até 30 (trinta) dias.

Vê-se, pois, que a sindicância prevista na Lei nº 8.112/90 (punitiva) constitui nítida espécie do gênero processo administrativo disciplinar.

Por outro lado, a sindicância investigativa não ostenta natureza de processo administrativo disciplinar, nem mesmo de etapa necessária à instauração deste, razão por que a participação dos agentes de Estado supostamente envolvidos nos fatos que se pretende apurar é prescindível durante as investigações.

Palmilha nesse sentido a doutrina de ADRIANE DE ALMEIDA LINS e DÉBORA VASTI S. BOMFIM DENYS:

"A doutrina passou a chamar de sindicância investigatória ou sindicância inquisitorial aquela instaurada com o objetivo de identificar a autoria e a materialidade dos fatos denunciados e de sindicância punitiva ou sindicância autônoma aquela instaurada com o objetivo de garantir ao acusado o atendimento aos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa, uma vez que já se encontram presentes autoria e materialidade.

[...]

A sindicância investigatória tem por finalidade identificar a autoria e a materialidade dos fatos, quando não estiverem presentes na denúncia, ou quando constarem na denúncia de forma inconsistente, sem os elementos necessários a sustentar uma acusação.

[...]

A sindicância investigatória não tem por objetivo atender aos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa, sendo um procedimento exclusivamente investigatório, pelo que não havendo formalidades a serem atendidas, nem acusado, nem indiciado, não gera qualquer nulidade.

[...]

A sindicância punitiva é uma espécie de processo administrativo disciplinar e tem por finalidade garantir ao acusado o atendimento aos princípios constitucionais do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa, uma vez que a autoria e a materialidade já se encontram identificadas."

(LINS, Adriane de Almeida; & DENYS, Débora Vasti S. Bomfim. Processo administrativo disciplinar: manual. Belo Horizonte: Fórum, 2007, pp. 78-79 e 91)

Em consonância com o entendimento anteriormente expendido, HELY LOPES MEIRELLES ensina:

"Sindicância administrativa [ou investigativa] é o meio sumário de apuração ou elucidação de irregularidades no serviço para subseqüente instauração de processo e punição ao infrator. Pode ser iniciada com ou sem sindicado, bastando que haja indicação da falta a apurar. Não tem procedimento formal, nem a exigência de comissão sindicante, podendo realizar-se por um ou mais funcionários designados pela autoridade competente. Dispensa defesa do sindicado e publicidade no seu procedimento, por se tratar de simples expediente de apuração ou verificação de irregularidade, e não de base para punição, equiparável ao inquérito policial em relação à ação penal. É o verdadeiro inquérito administrativo que precede o processo administrativo disciplinar." (MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo brasileiro. 35ª ed., São Paulo: Malheiros, 2009, p. 705)

Na espécie, constato que a Sindicância instaurada mediante a Portaria nº 001/2009, da Corregedoria-Geral da Justiça do Estado de Mato Grosso do Sul, amolda-se, obviamente, a procedimento meramente investigativo.

A Corregedoria-Geral, a propósito, mencionou expressamente a natureza do procedimento instaurado pela Portaria nº 001/2009 ao postular o afastamento preventivo da Requerente do cargo de Juíza de Direito:

"Impressionado com diversas veiculações contidas na rede Internet, de notícias envolvendo a Dra. Margarida Elizabeth Weiler, Juíza da comarca de Anaurilândia (MS), entendi necessário abrir procedimento investigatório (sindicância), para apurar eventuais desvios de conduta da magistrada." (Requerimento Inicial do Pedido de Providências nº 066.152.0009/2009, em trâmite no Conselho Superior da Magistratura do eg. TJ/MS, fl. 2)

Ora, impossível reconhecer em sindicância instaurada para a apuração de fatos relacionados a magistrado a necessidade de garantir-lhe o contraditório e a ampla defesa.

Com efeito, eventual sanção funcional a magistrado somente pode ser aplicada após prévia instauração de Processo Administrativo Disciplinar, momento em que se assegurarão, na plenitude, os princípios aplicáveis a um processo acusatório, tais como ampla defesa, contraditório, devido processo legal, dentre outros.

A participação da Requerente em todas as fases da sindicância investigativa, ora questionada, certamente inviabilizaria a obtenção de inúmeros documentos, tais como (1) declarações de servidores subordinados à magistrada, (2) declarações de advogados e partes que dependem de decisões da juíza, (3) documentos constantes em processos e procedimentos em trâmite na Comarca de Anaurilândia-MS, dentre outros.

O que importa na sindicância investigativa é apurar se há consistência e razoabilidade para sustentar um juízo acusatório subseqüente. Na sindicância investigativa não se cuida de punir qualquer agente do Estado, mas sim identificar elementos de convicção que dêem plausibilidade a uma virtual acusação, mormente para que o agente não seja vítima da instauração leviana de um Processo Administrativo Disciplinar (PAD).

Se outros atos ilícitos, não previstos na portaria inaugural da sindicância, são apurados, nada impede a instauração de Processo Administrativo Disciplinar (PAD) contra o respectivo autor. Isso porque a instauração de procedimento disciplinar não está condicionada à prévia elucidação de fatos mediante sindicância especificamente realizada para esse fim; basta o conhecimento e fortes indícios de materialidade e de autoria de fatos que configurem, em tese, falta funcional para que a Administração instaure o PAD.

Destaque-se, a respeito, que a Administração deve instaurar Processo Administrativo Disciplinar contra seus agentes sempre que tomar conhecimento de qualquer fato que configure, em tese, falta funcional.

Por outro lado, nem se alegue, como fez a Requerente, desrespeito ao § 2º do art. 19 da Resolução CNJ nº 30/2007. O dispositivo estabelece:

"Art. 19. O Corregedor, no caso de magistrados de primeiro grau, ou o Presidente do Tribunal, nos demais casos, que tiver ciência de irregularidade é obrigado a promover a apuração imediata dos fatos.

[...]

§ 2º Apurados os fatos, o magistrado será notificado para, no prazo de cinco dias, prestar informações." (grifo nosso)

A simples leitura do § 2º demonstra que apenas depois da apuração dos fatos - isto é, após a conclusão da sindicância investigativa - é que o magistrado deve ser notificado para prestar informações.

Nesse sentido, constata-se que, imediatamente após a conclusão da sindicância, o Corregedor-Geral apresentou ao Presidente do TJ/MS pedido de instauração de Processo Administrativo Disciplinar e, antes de qualquer providência, concedeu-se à Requerente o prazo de 15 (quinze) dias para a apresentação de defesa prévia.

Não se cuida, pois, de preterir formalidades essenciais ao resguardo do direito de defesa da Requerente, uma vez que o aludido direito surgiu apenas com a representação para instauração de Processo Administrativo Disciplinar, quando então se concedeu prazo para apresentação de defesa prévia (art. 7º, § 1º, da Resolução CNJ nº 30/2007).

Assim, honrou-se o princípio da ampla defesa na fase acusatória.

A Requerente aduz, ainda, ofensa aos arts. 153 e seguintes da Lei nº 8.112/90. Entretanto, como visto, a sindicância prevista na aludida lei ostenta evidente caráter punitivo, pois possibilita à Administração, na própria sindicância, aplicar penalidade ao servidor investigado. Daí a necessidade de se garantir o contraditório e a ampla defesa ao Sindicado.

Já na sindicância instaurada para apurar fatos relacionados a magistrado não se aplica a Lei nº 8.112/90, porque incompatíveis os procedimentos, uma vez que ilegal e inadmissível a aplicação de penalidade a magistrado em sede de sindicância. Incidem as normas específicas do art. 27 e §§ da LC nº 35/79 (LOMAN) e a Resolução CNJ nº 30/2007.

Igualmente, não convence, data venia, o argumento de que se lançou mão aqui, segundo o qual o art. 24 da Resolução CNJ nº 30/2007 obriga o TJ/MS a aplicar o procedimento de sindicância previsto na Lei nº 8.112/90 à espécie:

"Art. 24. Aplicam-se aos procedimentos disciplinares contra magistrados, subsidiariamente, as normas e os princípios das Leis n.ºs 8.112/90 e 9.784/99."

A sindicância investigativa não constitui procedimento disciplinar, mas unicamente fase prévia - e, diga-se de passagem, nem sempre necessária - à instauração do PAD.

De outro lado, inaplicável o procedimento de sindicância previsto no Regimento Interno do Conselho Nacional de Justiça (arts. 60 a 66) ao caso em tela. O procedimento constante no RICNJ é dirigido genericamente a magistrados, servidores e serventuários do Poder Judiciário (art. 60), razão pela qual o CNJ precisou disciplinar a matéria atento aos requisitos formais mais rígidos sobre sindicância instaurada contra esses agentes do Estado: a dos servidores públicos civis da União, autarquias e fundações públicas federais (Lei nº 8.112/90), que ostenta caráter híbrido (investigativa e punitiva).

Em consequência, constaram nos arts. 60 a 66 regras de aplicação do contraditório e ampla defesa, inclusive a possibilidade de o sindicado ou procurador acompanhar a inquirição de testemunhas (art. 62), bem assim a necessidade de depoimento do investigado e apresentação de "defesa de seus direitos" (art. 63), dentre outras.

Sucede, todavia, que o procedimento previsto no RICNJ, porque também se aplica a servidores e serventuários do Poder Judiciário, é restrito às sindicâncias instauradas no próprio Conselho Nacional de Justiça. Não se aplica obviamente à sindicância ora questionada, visto que instaurada no âmbito exclusivo do eg. TJ/MS e para apuração de fatos relacionados a magistrado, não a servidor.

Não é demais lembrar, também, que o excelso Supremo Tribunal Federal já se posicionou até mesmo no sentido de dispensar a participação de servidor sindicado na primeira fase da sindicância prevista na Lei nº 8.112/90 (fase investigatória da sindicância punitiva):

"SERVIDOR PÚBLICO. Pena. Demissão. Penalidade aplicada ao cabo de processo administrativo regular. Suposto cerceamento da ampla defesa e do contraditório na sindicância. Irrelevância teórica. Procedimento preparatório inquisitivo e unilateral. Não ocorrência, ademais. Servidor ouvido em condição diversa da testemunhal. Nulidade processual inexistente. Mandado de segurança denegado. Interpretação dos arts. 143, 145, II, 146, 148, 151, II, 154, 156 e 159, caput e § 2º, todos da Lei federal nº 8.112/90. A estrita reverência aos princípios do contraditório e da ampla defesa só é exigida, como requisito essencial de validez, assim no processo administrativo disciplinar, como na sindicância especial que lhe faz as vezes como procedimento ordenado à aplicação daquelas duas penas mais brandas, que são a advertência e a suspensão por prazo não superior a trinta dias. Nunca, na sindicância que funcione apenas como investigação preliminar tendente a coligir, de maneira inquisitorial, elementos bastantes à imputação de falta ao servidor, em processo disciplinar subseqüente." (STF, Tribunal Pleno, MS 22.791/MS, Rel. Ministro Cezar Peluso, j. 13/11/2003, DJ 19/12/2003, decisão unânime; grifo nosso)

"Mandado de Segurança. 2. Pretendida anulação de ato de demissão [de servidor público vinculado ao Ministério da Agricultura e Abastecimento] com retorno ao cargo antes ocupado. Alegada violação aos princípios do contraditório e da ampla defesa. 3. A pena de demissão não resultou da sindicância, mas, sim, de posterior processo administrativo disciplinar, no qual foi assegurado o exercício de ampla defesa. 4. Hipótese em que a sindicância é mero procedimento preparatório do processo administrativo disciplinar. 5. Mandado de Segurança indeferido." (STF, Tribunal Pleno, MS 23410/DF, Rel. Ministro Gilmar Mendes, j. 2/8/2004, DJ 10/9/2004; decisão unânime; grifo nosso)

Ora, se até em caso de servidor o Supremo Tribunal Federal dispensou a participação do sindicado na fase investigativa, prescindível, com maior razão, nas hipóteses de a apuração dar-se em face de magistrado.

Em caso similar ao que ora se examina, o colendo Superior Tribunal de Justiça, de igual modo, manifestou-se sobre a ausência de nulidade de sindicância que visa a apurar infrações administrativas de magistrado:

"RECURSO ORDINÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. MAGISTRADO. APLICAÇÃO DE PENA DE DISPONIBILIDADE COM VENCIMENTOS PROPORCIONAIS AO TEMPO DE SERVIÇO. NULIDADES AFASTADAS. SINDICÂNCIA. DESNECESSIDADE DE CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA. VOTAÇÃO SECRETA. DESCABIMENTO.

[...]

6. 'A sindicância, que visa apurar a ocorrência de infrações administrativas, sem estar dirigida, desde logo, à aplicação de sanção, prescinde da observância dos princípios do contraditório e da ampla defesa, por se tratar de procedimento inquisitorial, prévio à acusação e anterior ao processo administrativo disciplinar, ainda sem a presença obrigatória de acusados' (MS 10.828/DF, Rel. Min. Paulo Gallotti, DJ 2/10/2006).

[...]

8. Recurso ordinário improvido."

(STJ, 6ª Turma, RMS 11.708/PR, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, j. 13/12/2007, DJ 11/2/2008, decisão unânime; grifo nosso)

Em conclusão: a sindicância instaurada para apuração de fatos supostamente ilícitos que envolvam magistrado ostenta caráter exclusivamente investigativo e, como tal, dispensa a participação do investigado ou do respectivo procurador. Sob esse prisma, não gera qualquer nulidade capaz de macular os atos e procedimentos disciplinares posteriormente instaurados contra o magistrado.

Ante o exposto, julgo improcedente o pedido da Requerente.

É como voto.

Brasília-DF, 12 de maio de 2009.

Ministro JOÃO ORESTE DALAZEN
Conselheiro Relator




JURID - Procedimento administrativo. Magistrada. Sindicância. [14/05/09] - Jurisprudência

 



 

 

 

 

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