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sexta-feira, 22 de maio de 2009

JURID - Moeda falsa (art. 289, § 1º, CP). Não comprovação do dolo. [22/05/09] - Jurisprudência


Moeda falsa (art. 289, § 1º, CP). Não comprovação do dolo do agente. Princípio "in dubio pro reo". Absolvição.

Tribunal Regional Federal - TRF5ªR.

Gabinete do Desembargador Federal Geraldo Apoliano

GA/nge

APELAÇÃO CRIMINAL Nº 5587-CE

(2007.81.00.002033-5)

RELATÓRIO

O DESEMBARGADOR FEDERAL ÉLIO SIQUEIRA (RELATOR CONVOCADO): Apelo interposto pelo Ministério Público Federal em face da r. sentença absolutória proferida pelo eminente Juiz Federal da 11ª Vara da Seção Judiciária do Ceará, em favor de Edson Costa dos Reis Filho e Natália Souza Silveira, que, no dia 03 de janeiro de 2007, teriam, em um posto de combustível localizado em Papicu/CE, tentado pagar a gasolina colocada no veículo do réu, no total de R$ 30,00 (trinta reais), com uma nota falsificada de R$ 50,00 (cinqüenta reais).

Alega o Apelante que a materialidade e a autoria delitivas se encontram sobejamente comprovadas nos autos, assim como o dolo dos agentes, que sabiam da falsidade das cédulas, não levando, ainda, nenhum outro dinheiro consigo quando de sua ida ao posto de gasolina, bem como a mudança de versões sobre o fato apresentada pela ré, de que teria recebido a nota ora do pai, ora da lanchonete onde trabalhava, por rescisão contratual. Afirma que, diante do sistema do livre convencimento, não caberia a absolvição, quando as provas indiciárias são idôneas em feitio a embasar a condenação. Pede a reforma da sentença, condenando-se os réus nas penas do art. 289, § 1º, do CP.

O Apelado apresentou contra-razões, às fls. 146/150, pugnando pelo improvimento do recurso.

O parecer da douta Procuradoria Regional da República, às fls. 155/168, é pelo provimento da Apelação, ao fundamento de que a prova colhida nos autos atesta a materialidade e a autoria do crime, afirmando que o fato de eles terem se evadido do posto de gasolina ao perceberem que o frentista percebera a falsidade das cédulas constitui indício de que eles tinham conhecimento do falsum.

É o relatório. Ao Desembargador revisor.

VOTO

O DESEMBARGADOR FEDERAL GERALDO APOLIANO (RELATOR): A absolvição do Réu derivou da conclusão a que chegou o MM. Julgador de primeiro grau, de que não existiam nos autos, provas suficientes da presença da elementar subjetiva do tipo - o dolo.

Consoante a peça acusatória, no dia 03 de janeiro de 2007, o frentista Alexandre Silva de Oliveira recebeu uma nota no valor de R$ 50,00 (cinqüenta reais), como paga de abastecimento em posto de gasolina, pelos réus. Percebendo a falsidade da cédula, o frentista tentou recusá-la, não o fazendo porque os apelados teriam se evadido do local, deixando a nota em poder do frentista.

Ab initio, visualiza-se o enquadramento da conduta prefalada ao disposto no art. 289, § 1º, do CP, abaixo transcrito:

"Art. 289. Falsificar, fabricando-a ou alterando-a, moeda metálica ou papel moeda de curso legal no país ou no estrangeiro:

Pena - reclusão, de 3 (três) a 12 (doze) anos, e multa.

§ 1º Nas mesmas penas incorre quem, por contra própria ou alheia, importa ou exporta, adquire, vende, troca, cede, empresta, guarda ou introduz na circulação moeda falsa."

No presente caso, embora a cédula falsa não tenha conseguido ludibriar o frentista, era apta ser confundida com a verdadeira, porque era de boa qualidade, ainda que tivesse algumas irregularidades, conforme atestado pelo laudo pericial, de forma que, ausente a falsificação grosseira, não há indícios do crime de estelionato de competência da Justiça Estadual - fls. 20/25 do inquérito policial.

A cédula era passível, de acordo com o Laudo Pericial, de ser "recebida como verdadeira por pessoas desatentas e desconhecedoras das características de segurança da cédula verdadeira, sobretudo dependendo das circunstâncias, condições ambientais e credibilidade de quem tentar passá-la" - fls. 24 do Inquérito Policial.

Ressalte-se que, analisando-se o fato delituoso e suas circunstâncias individualizadoras, o fato de o frentista ter percebido a falsificação não a torna grosseira, tendo em vista se tratar de pessoa afeita ao trato com moeda, e que tem maior prudência no exame das cédulas que recebe de terceiros, porque, em caso de prejuízo ao proprietário do posto de gasolina, irá provavelmente arcar com os valores, não se enquadrando no conceito de homem médio tal como definido na doutrina por utilizar-se de maior cuidado na análise das cédulas que recebe justamente para detectar possíveis falsificações.

Cumpre atentar para as declarações do apelado Edson Costa dos Reis Filho no interrogatório judicial (fls. 58/60), confirmando as declarações prestadas no interrogatório policial (fls 09/10): "que, ao abastecer o veículo num posto na Av. Engenheiro Santana Júnior e colocar trinta reais de gasolina, notou que, ao aguardar o troco, o frentista examinava a nota, tendo o depoente ficado muito nervoso ante a possibilidade de algum problema com a tal nota, tendo decidido deixar o local; que afirma ter voltado à própria casa para aguardar sua mãe e receber trinta reais para voltar ao posto e pagar a gasolina; (...); que segundo Natália, tal nota era proveniente da rescisão do contrato de trabalho da mesma na lanchonete BEBELU; que o depoente estava sem nenhum dinheiro na ocasião; que esclarece que o frentista e outras cinco pessoas estavam examinando a nota quando o depoente deixou o local inicialmente, daí o depoente ter ficado nervoso; que não é verdade que tenha desejado 'dar uma de esperto' e passar nota falsa".

Em consonância com as declarações anteriormente transcritas, a Apelada asseverou no interrogatório policial (fls. 11/12), "que ao término do abastecimento, EDSON entregou ao frentista a cédula de R$ 50,00 que a declarante havia entregue a ele anteriormente; QUE o frentista ao receber a cédula andou um pouco, ficou analisando, e quando saiu para conversar com outros frentistas que estavam próximos, EDSON saiu do local sem receber o troco; QUE a declarante perguntava a EDSON o que estava acontecendo, mas ele nada respondia; QUE a declarante perguntou a EDSON se ele achava que o dinheiro era falso, ele respondeu que sim; QUE ele respondeu que não sabia o que estava acontecendo, mas que estava com medo; QUE pediu a EDSON para parar e voltar ao posto para saber o que estava acontecendo, mas ele não quis; QUE passaram rapidamente na Beira-Mar e depois fora para casa, tendo Edson dito que iria pedir dinheiro a sua mãe para retornarem ao posto".

No interrogatório judicial (fls. 61/62) a Apelada afirmou: "que, trabalhou cerca de seis meses na Lanchonete BEBELU na Av. Beira Mar na função de recepcionista, tendo recebido trezentos e quarenta e oito reais de rescisão contratual em dezembro de 2006, em espécie; que realmente recebeu a cédula que emprestou para Edson da BEBELU e não de seu pai, acreditando que os policiais entendera, mal as primeiras declarações da depoente; (...); que a depoente percebeu que o frentista examinava a nota em companhia de outro frentista, tendo o casal ficado nervoso, tendo Edson decidido deixar o local conduzindo o veículo, retornando a sua residência para aguardar a volta da mãe do mesmo, vez que tinham a intenção de voltar ao posto; (...) que a depoente não tinha nenhum outro numerário na carteira, nem cartão, nem cheque, assim como Edson, (...) que não sabia que a nota era falsa".

Percebe-se que a única prova que aponta para a possibilidade de que os Apelados tivessem mesmo consciência acerca da falsidade da cédula, consiste na singela mudança no depoimento da ré, que, no interrogatório policial, afirma ter recebido a cédula falsa do seu pai e, em seguida, no interrogatório judicial, alegou que recebera a nota da lanchonete, devido à rescisão de seu contrato de trabalho.

Tal mudança, todavia, não deve ser interpretada como vontade consciente de passar a cédula falsa, e sim como decorrência do nervosismo dos Apelados, que, em razão da pouca idade, da experiência de vida e do fato de serem oriundos de classe social mais humilde, ficaram assustados com a perspectiva de estarem com uma cédula falsa, e de serem encaminhados à Delegacia de Polícia.

O fato de eles estarem sem mais dinheiro no bolso além da cédula falsa também não se traduz em dolo. O Apelado, que realizava trabalhos manuais na serigrafia do pai, era auxiliado financeiramente pela mãe, e a Apelada recebera um salário mínimo da época dos fatos (R$ 375,00), como rescisão contratual, entregando parte dele ao seu pai. Acabaram ficando apenas com uma nota de cinqüenta reais, que acabou sendo identificada como falsa, de forma que não se consubstancia o elemento subjetivo do tipo o fato de pessoas de baixa renda estarem sem dinheiro. Entender em sentido contrário seria punir os jovens apenas por serem pobres na forma da lei.

Os Apelados, percebendo que a nota era falsa, evadiram-se do local com o intuito de conseguir, com os familiares, o dinheiro para pagar o débito no posto de gasolina. A testemunha de acusação (fls. 74/75), confirma o fato, esclarecendo que "os réus tentaram entrar em acordo para o pagamento da gasolina", não tendo sido aceiro o acordo pelo dono do posto, que determinou a Polícia "fizesse o que tinha de ser feito".

Para a configuração do crime de moeda falsa, na modalidade "introduzir na circulação", é necessária a efetiva existência do dolo. Não vislumbro, no caso em apreço, prova capaz de demonstrar, cabalmente, que a conduta dos Recorridos configurou mesmo o delito de introdução dolosa de moeda sabidamente contrafeita em circulação, não se perfectibilizando, ao meu sentir, o tipo penal insculpido no supracitado art. 289, § 1º, do CP.

À luz do art. 18, parágrafo único, do CP, in verbis:

"Art. 18.

Parágrafo único. Salvo os casos expressos em lei, ninguém pode ser punido por fato previsto como crime, senão quando o pratica dolosamente."

Deve-se notar, outrossim, que, segundo um dos princípios norteadores do Direito Penal, o julgador, na dúvida, deve decidir em favor do Réu - In dubio pro reo. A colenda Segunda Turma deste Tribunal, em caso símile, manifestou idêntico posicionamento, conforme se verifica no aresto adiante transcrito:

"PENAL E PROCESSUAL PENAL. FALSIDADE IDEOLÓGICA. ART. 299, DO CPB. AUSÊNCIA DE PROVAS. PRINCÍPIO IN DUBIO PRO REO. APLICABILIDADE.

1- Se de um exame dos autos não resta comprovado que os ora Apelados tenham agido com dolo preordenado, em detrimento da Seguridade Social, por inexistir prova inquestionável, é de concluir-se pela não perfeição do crime de estelionato.

2- Manutenção da sentença absolutória, pela aplicação do princípio in dubio pro reo.

3- Apelação improvida.

(TRF - 5ª Região - ACR 1222/PE - 2ª T - Rel. Des. Fed. Petrúcio Ferreira - DJ 04/04/1997)

Pelo exposto, nego provimento à Apelação, mantendo a absolvição dos Réus, forte nos ditames do art. 386, VI, do Código de Processo Penal. É como voto.

APTE: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

APDO: EDSON COSTA DOS REIS FILHO

APDO: NATÁLIA SOUZA SILVEIRA

ADV/PROC: CLAUDIA HELENA CORREIA BARBOSA E OUTRO

RELATOR: DESEMBARGADOR FEDERAL GERALDO APOLIANO

EMENTA

PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. MOEDA FALSA (ART. 289, § 1º, CP). NÃO COMPROVAÇÃO DO DOLO DO AGENTE. PRINCÍPIO "IN DUBIO PRO REO". ABSOLVIÇÃO (ART. 386, V, CPP). APELO IMPROVIDO.

1. Cédula falsa de boa qualidade, com algumas irregularidades, conforme atestado pelo Laudo de Exame de Moeda relatizado pelos expertos da Polícia Federal, sendo ausente a falsificação grosseira.

O fato de o frentista do posto de gasolina que recebeu a cédula falsa dos Apelados ter percebido a falsificação não a torna grosseira, tendo em vista se tratar de pessoa afeita ao trato com moeda, e que tem maior prudência no exame das cédulas que recebe de terceiros para detectar possíveis falsificações.

2. Ausência de prova de que os Apelados teriam consciência da falsidade da cédula que introduziram em circulação. Declarações da apelada que podem ser atribuídas ao nervosismo de jovens de baixa renda ante a perspectiva de serem presos pela Polícia. Não pode ser considerada prova do dolo o de pessoas de baixa renda estarem sem dinheiro, além da cédula que não sabiam ser falsa. Entender em sentido contrário seria punir os jovens apenas por serem pobres.

3. Se neles não há prova idônea para demonstrar, cabalmente, que a conduta dos Apelados configurou introdução (dolosa) de moeda consabidamente contrafeita, em circulação, não se perfectibiliza, à míngua da elementar subjetiva do ilícito (o dolo) o tipo penal a que o supracitado art. 289, § 1º, do Estatuto Punitivo Básico.

4. Salvo os casos expressos em lei, ninguém pode ser punido por fato previsto como crime, senão quando o pratica dolosamente (art. 18, parágrafo único, do CP). Apelo improvido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os presentes autos, em que são partes as acima identificadas.

Decide a Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, por unanimidade, negar provimento à Apelação Criminal, nos termos do relatório, voto do Desembargador Relator e notas taquigráficas constantes nos autos, que passam a integrar o presente julgado.

Custas, como de lei.

Recife (PE), 23 de abril de 2009 (data do julgamento).

Desembargador Federal Geraldo Apoliano
Relator

FONTE: DIÁRIO DA JUSTIÇA - DATA: 15/05/2009 - PÁGINA: 406 - Nº: 91 - ANO: 2009




JURID - Moeda falsa (art. 289, § 1º, CP). Não comprovação do dolo. [22/05/09] - Jurisprudência

 



 

 

 

 

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