Anúncios


quinta-feira, 21 de maio de 2009

JURID - Atleta profissional. Cláusula penal. Alcance subjetivo. [21/05/09] - Jurisprudência


Atleta profissional. Cláusula penal do art. 28, § 3º, da Lei nº 9.615/98. Alcance subjetivo.

Tribunal Superior do Trabalho - TST.

NÚMERO ÚNICO PROC: RR - 446/2002-446-02-00

A C Ó R D Ã O

3.ª Turma

GJCDAR/anc/kp

ATLETA PROFISSIONAL - CLÁUSULA PENAL DO ART. 28, § 3.º, DA LEI Nº 9.615/98 - ALCANCE SUBJETIVO.

A cláusula penal de que trata o § 3.º do art. 28 da Lei n.º 9.615/98, como sucedâneo do extinto instituto do passe, não beneficia o atleta profissional, pois objetiva resguardar o clube de futebol responsável por todos os investimentos em torno do atleta - contra a rescisão prematura do contrato de trabalho. Nesse sentido, o próprio § 4.º do referido art. 28 estabelece a redução gradual e automática do valor da multa, por ano de vigência do contrato de trabalho, até que possa o atleta se desvincular da entidade esportiva sem nenhum ônus (art. 28, § 2.º, I, da Lei n.º 9.615/98), ao término do contrato de trabalho cujo prazo máximo é de cinco anos (art. 30 da Lei n.º 9.615/98).

Recurso de revista conhecido e não provido.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso de Revista n.° TST-RR-446/2002-446-02-00.3 , em que é recorrente DARLÃ COSTA HENRIQUE e recorridos OPERADORA PORTUÁRIA DE SANTOS LTDA e ASSOCIAÇÃO ATLÉTICA PORTUGUESA .

O Tribunal Regional da 2.ª Região deu provimento ao recurso ordinário da Recorrida para excluir da condenação o pagamento da cláusula penal prevista no art. 28 da Lei n.º 9.615/98. (fls. 266/273)

O Reclamante interpõe recurso de revista e pede a revisão da decisão do Tribunal Regional. (fls. 275/288)

Admitido o recurso (fls. 300/302), não recebeu razões de contrariedade (fl. 302v).

Dispensada a remessa dos autos ao Ministério Público do Trabalho, nos termos do art. 83, § 2.º, II, do RITST.

É o relatório.

V O T O

1 CONHECIMENTO

Satisfeitos os pressupostos extrínsecos de admissibilidade, passo ao exame demais requisitos de admissibilidade do recurso de revista.

1.1 ATLETA PROFISSIONAL - CLÁUSULA PENAL DO ART. 28 DA LEI N.º 9.615/98 INAPLICÁVEL À ENTIDADE DESPORTIVA

O Tribunal Regional consignou que:

A Lei 9.615/98 em seu art. 28, caput , estabelece a obrigatoriedade do pagamento da cláusula penal para as hipóteses de descumprimento, rompimento ou rescisão unilateral; não está explicitada a responsabilização pelo pagamento da obrigação contratual.

A incerteza sobre a qualificação do pactuante obrigado ao pagamento é desfeita pela leitura do § 2º e incisos. O vínculo desportivo do atleta, que hoje se resume unicamente ao vínculo de emprego, dissolve-se pelo fim do contrato; não é devida compensação financeira a qualquer um dos contratantes (inciso I). O inciso II estabelece que a extinção do pacto far-se-á pelo pagamento da cláusula penal; a resilição contratual por iniciativa do empregador já prevê o apenamento pela arbitrariedade nos limites da legislação trabalhista. Portanto, é lógico supor que a cláusula penal é devida exclusivamente pelo contratado. Já o inciso III trata da extinção do vínculo em razão da rescisão indireta.

Perfazendo-se a leitura do caput do art. 31 em comento, infere-se que na ocorrência da chamada mora contumaz , dar-se-á o contrato por rescindido, ficando o atleta livre para se transferir para qualquer outra agremiação de mesma modalidade, nacional ou internacional, e exigir a multa rescisória e os haveres devidos.

A cláusula penal é estipulada pelos acordantes a teor do disposto no § 3º do art. 28 da lei 9.615/98 e tem por objetivo indenizar o clube, aqui no caso a recorrente quando o atleta decide rescindir o contrato. Dependendo do potencial do atleta é possível que este seja desobrigado do pagamento, desde que o novel empregador se sub-rogue na condição de devedor.

Em sentido inverso, a obrigação do clube contratante cinge-se ao pagamento da multa rescisória, devida no caso de rescisão indireta do contrato de trabalho. A determinação é legal, haja vista a redação do § 3º do art. 31 da lei que cuida das normas gerais sobre o desporto; atribui-se ao descumprimento das obrigações insertas no contrato os efeitos do art. 479 da CLT, que trata da dispensa do empregado nos contratos a termo.

Cuide-se por fim do que dispõe o inciso II do art. 57 da lei Pelé. Está delineada a obrigação do atleta em pagar 1% do valor referente à cláusula penal com vistas a assistência social e educacional aos atletas profissionais, ex-atletas e aos em formação. Provejo (fls. 270/273)

O Reclamante sustenta que a cláusula penal de que trata o art. 28 da Lei n.º 9.615/98 se aplica tanto ao atleta profissional quanto ao clube de futebol quando dispensa o empregado sem justa causa. Aponta violação dos arts. 28 e 31 da Lei n.º 9.615/98 e traz arestos para demonstrar a ocorrência do dissenso jurisprudencial.

Os arestos trazidos à fl. 278 configuram divergência válida e específica, ao adotarem a tese de que a cláusula penal prevista no art. 28 da Lei n.º 9.615/98 se aplica em benefício também do atleta profissional.

2 MÉRITO

2.1 ATLETA PROFISSIONAL - CLÁUSULA PENAL DO ART. 28 DA LEI N.º 9.615/98 INAPLICÁVEL À ENTIDADE DESPORTIVA

A questão que se põe como objeto de discussão consiste em indagar se a cláusula penal prevista no art. 28 da Lei n.º 9.615/98 pode ser aplicada em benefício do atleta profissional.

Entendo que não.

Oportuno transcrever o disposto no aludido dispositivo legal, in verbis:

Art. 28. A atividade do atleta profissional, de todas as modalidades desportivas, é caracterizada por remuneração pactuada em contrato formal de trabalho firmado com entidade de prática desportiva, pessoa jurídica de direito privado, que deverá conter, obrigatoriamente, cláusula penal para as hipóteses de descumprimento, rompimento ou rescisão unilateral.

§ 1º Aplicam-se ao atleta profissional as normas gerais da legislação trabalhista e da seguridade social, ressalvadas as peculiaridades expressas nesta Lei ou integrantes do respectivo contrato de trabalho.

§ 2º O vínculo desportivo do atleta com a entidade desportiva contratante tem natureza acessória ao respectivo vínculo trabalhista, dissolvendo-se, para todos os efeitos legais:

I - com o término da vigência do contrato de trabalho desportivo; ou

II - com o pagamento da cláusula penal nos termos do caput deste artigo; ou ainda

III - com a rescisão decorrente do inadimplemento salarial de responsabilidade da entidade desportiva empregadora prevista nesta Lei.

§ 3º - O valor da cláusula penal a que se refere o caput deste artigo será livremente estabelecido pelos contratantes até o limite máximo de cem vezes o montante da remuneração anual pactuada.

§ 4º - Far-se-á redução automática do valor da cláusula penal prevista no caput deste artigo, aplicando-se, para cada ano integralizado do vigente contrato de trabalho desportivo, os seguintes percentuais progressivos e não-cumulativo:

(...)

A partir de uma interpretação histórica e finalística, percebe-se que cláusula penal de que trata o art. 28 da Lei n.º 9.615/98, como sucedâneo do extinto instituto do passe, previsto na Lei n.º 6.354/76, não beneficia o atleta profissional.

É que a cláusula penal prevista no caput e no § 3.º do art. 28 da Lei n.º 9.615/98 objetiva resguardar o clube de futebol em caso de rescisão prematura do contrato de trabalho, uma vez que realiza elevados investimentos em torno do atleta.

Não é por outro motivo que o § 4.º do art. 28 estabelece que a cada ano do contrato de trabalho cumprido o valor da cláusula se reduz automática e progressivamente até que, ao término do contrato de trabalho de cinco anos, o atleta poderá se desvincular da entidade esportiva sem nenhum ônus.

Por oportuno, peço vênia para adotar os fundamentos externados pelo Exmo. Ministro desta Corte Luiz Philippe Vieira de Mello Filho no julgamento do RR-739/2003-441-02-00.0:

Prima facie, entendo que mesmo sob a ótica da interpretação literal do aludido preceito legal e sistemática da Lei Pelé não se pode concluir que a cláusula penal alcance tanto o atleta que rompe o contrato de trabalho, quanto o empregador, quando este dá causa ao término antecipado do liame empregatício, na medida em que não silencia a respeito do sujeito passivo da penalidade.

Com efeito, é preciso atentar para o fato de que a cláusula penal, pelo descumprimento, rompimento ou rescisão contratual, está albergada no caput do art. 28 da legislação em comento. E somente lá reside. E em residindo no caput, este se refere exclusivamente à atividade do -atleta profissional-, de qualquer modalidade, e, pois, apenas dele cuida o aludido dispositivo. Tanto assim o é, que, no § 2º, incisos II e III, do referido artigo, quando se faz referência ao caráter acessório do vínculo desportivo em relação ao vínculo trabalhista, é estabelecido que a dissolução se dá com o pagamento do valor estipulado na cláusula penal (inciso II), ou com a rescisão decorrente do inadimplemento salarial de responsabilidade do empregador, na forma prevista na lei (inciso III).

Isso sem prejuízo do término do contrato de trabalho desportivo (inciso I). Como se vê, nítida a distinção das hipóteses resilitivas ou resolutivas do contrato de trabalho desportivo em face de cada um dos partícipes da relação: quanto ao empregado, com o pagamento do valor estabelecido na cláusula penal, vinculada ao caput do art. 28, que define a atividade do atleta profissional; quanto ao empregador, com o pagamento da multa prevista em lei (leia-se art. 31, § 3º, da Lei nº 9.615/98) e pela terminação normal do contrato desportivo que será sempre por prazo determinado. Cabe ressaltar, outrossim, que a redação última dada ao § 3º do art. 31 da referida lei afastou a incidência do art. 480 da CLT naquela hipótese, deixando evidenciar que a legislação já contemplava a existência de normatização acerca da rescisão antecipada do contrato desportivo pelo atleta, além da respectiva cláusula penal, cujo escopo jurídico é estimular o cumprimento espontâneo da obrigação contratualmente assumida. Além disso, a lógica jurídica haveria de permear a interpretação sistemática da questão. Com efeito, na hipótese de um clube desinteressar-se pela atividade de um determinado atleta, ao invés de rescindir o contrato antecipadamente sujeito à cláusula penal, simplesmente deixaria de pagar os salários por mais de três meses sujeitando-se, portanto, à regra do art. 479 da CLT. Nem se diga que nessa hipótese haveria a cumulação da cláusula penal com a indenização estabelecida no art. 479 consolidado, porquanto na hermenêutica jurídica, não pode haver dupla cominação pecuniária para a reparação de uma mesma obrigação contratual, salvo no caso de lucros cessantes.

Sob a perspectiva da mens legis do novo regramento legal, instituído pela Lei Pelé, esta veio, no particular, solucionar os inúmeros problemas jurídicos causados pelo antigo instituto do passe, que, a par de garantir os altos investimentos efetuados pelas agremiações desportivas, acabava por vincular o atleta ao titular do passe, independentemente da existência, ou não, de contrato de trabalho em curso. O direito ao passe conflitava com o livre exercício da profissão, na medida em que estava desvinculado do contrato de trabalho, de modo que o prestador dos serviços, o atleta profissional, somente poderia se transferir para outra agremiação esportiva mediante a negociação do seu passe, independentemente da vigência, ou não, do contrato de trabalho. A própria definição legal do passe, constante do art. 11 da Lei nº 6.354/76, assim determinava:

Art. 11. Entende-se por passe a importância devida por um empregador a outro, pela cessão do atleta durante a vigência do contrato ou depois de seu término, observadas as normas desportivas pertinentes.

Em algumas hipóteses extremas o empregado, mesmo sem contrato de trabalho em curso, ficava impossibilitado de exercer a sua atividade profissional, quando, p.ex., a negociação em torno do passe se alongava, em flagrante desrespeito ao direito ao trabalho.

Assim, a nova lei corrigiu essa distorção, estabelecendo no § 2º do art. 28 que o vínculo desportivo do atleta com a entidade contratante tem natureza acessória ao respectivo vínculo de emprego, dissolvendo-se, dentre outras hipóteses, com o término do contrato de trabalho, que não poderá ter prazo de vigência inferior a três meses, nem superior a cinco anos, nos termos do art. 30 da Lei nº 9.615/98.

Nesse diapasão, não há mais como confundir o passe com a cláusula penal.

Como salienta Zainaghi (Nova Legislação Desportiva - Aspectos Trabalhistas, 2ª ed., LTR, SP, p.19 ) -a cláusula penal não é uma forma disfarçada da manutenção do passe, mas sim um meio de se evitar o aliciamento de jogadores durante uma competição-, porque, como salientado, o vínculo desportivo se dissolve com o término do contrato de trabalho (art. 28, § 2º), do qual é acessório, não gerando nenhuma restrição ao direito ao trabalho, salvo quanto às naturais limitações ao cumprimento de todo e qualquer contrato.

O caput do art. 28, como explicitado acima, ao estabelecer a cláusula penal para os casos de descumprimento, rompimento ou rescisão contratual, dirige-se somente ao atleta profissional, pois sua finalidade é resguardar a entidade desportiva em caso de ruptura antecipada do contrato de trabalho, em decorrência dos elevados investimentos que são efetuados para a prática dos esportes profissionais competitivos. Tal penalidade não se confunde com as hipóteses de rescisão indireta ou voluntária e antecipada do contrato de trabalho por parte do empregador, cuja indenização devida ao empregado, atleta de qualquer modalidade desportiva, é aquela estabelecida no § 3º do art. 31 da Lei nº 9.615/98.

Com efeito, dispõe o art. 31 e seus parágrafos da Lei nº 9.615/98, verbis:

Art. 31. A entidade de prática desportiva empregadora que estiver com pagamento de salário de atleta profissional em atraso, no todo ou em parte, por período igual ou superior a três meses, terá o contrato de trabalho daquele atleta rescindido, ficando o atleta livre para se transferir para qualquer outra agremiação de mesma modalidade, nacional ou internacional, e exigir a multa rescisória e os haveres devidos.

§ 1º São entendidos como salário, para efeitos do previsto no caput, o abono de férias, o décimo terceiro salário, as gratificações, os prêmios e demais verbas inclusas no contrato de trabalho.

§ 2º A mora contumaz será considerada também pelo não recolhimento do FGTS e das contribuições previdenciárias.

§ 3º Sempre que a rescisão se operar pela aplicação do disposto no caput deste artigo, a multa rescisória a favor do atleta será conhecida pela aplicação do disposto no art. 479 da CLT. (Redação dada pela Lei nº 10.672, de 2003)

O caput do art. 31 da Lei nº 9.615/98, ao tratar da hipótese de rescisão indireta do contrato de trabalho, ou seja, dos casos em que o empregador dá causa à rescisão contratual, determina, expressamente, que o atleta ficará livre para se transferir para outra agremiação desportiva e poderá exigir a multa rescisória e os haveres devidos.

A multa rescisória a que se reporta o caput do art. 31 é definida pelo seu § 3º, que na redação original da Lei nº 9.615/98 remetia às indenizações previstas nos arts. 479 e 480 da CLT, nos seguintes termos:

§ 3º Sempre que a rescisão se operar pela aplicação do disposto no caput , a multa rescisória a favor da parte inocente será conhecida pela aplicação do disposto nos arts. 479 e 480 da CLT.

Conforme se verifica, o § 3º do art. 31 da Lei nº 9.615/98, em sua redação original, deixava muito claro que a indenização por rescisão contratual antecipada não se confunde com a cláusula penal em questão, na medida em que estabelecia as indenizações decorrentes da ruptura antecipada do contrato de trabalho tanto pelo atleta profissional, quanto pela entidade desportiva. Também não deixava dúvidas de que a -multa rescisória- a que se referia não se dirigia apenas aos casos de rescisão indireta por falta de pagamento dos salários, uma vez que fazia alusão expressa ao art. 480 da CLT, que trata especificamente da indenização devida pelo empregado que rompe prematuramente o contrato por prazo determinado, hipótese que não se compatibiliza com a rescisão indireta de que trata o caput do art. 31.

A Lei nº 10.672/2003 deu nova redação ao § 3º do art. 31 da Lei nº 9.615/98, nos seguintes termos:

§ 3º Sempre que a rescisão se operar pela aplicação do disposto no caput deste artigo, a multa rescisória a favor do atleta será conhecida pela aplicação do disposto no art. 479 da CLT.

Não obstante essa nova redação tenha suprimido a referência ao art. 480 da CLT, que trata da indenização devida pelo empregado que rompe antes do termo o contrato por prazo determinado, ela não afasta a distinção estabelecida pelo legislador entre a cláusula penal estabelecida no art. 28 e a indenização devida pelo empregador que rescinde antecipadamente o contrato de trabalho, de que trata o § 3º do art. 31. A alteração da norma em questão apenas aprimorou a legislação e corrigiu uma injustiça, na medida em que o empregado que rescindia antecipadamente o contrato de trabalho tinha que pagar duas indenizações ao empregador, a da cláusula penal e, também, a do art. 479 da CLT. A supressão dessa dupla indenização veio em boa hora, desonerando o trabalhador.

Não se há, portanto, de falar que a multa rescisória devida pelo empregador, de que trata o § 3º do art. 31 da Lei nº 9.615/98, está restrita às hipóteses de rescisão indireta do contrato de trabalho por ausência de pagamento de salários, e que as demais causas de rescisão contratual por parte da entidade desportiva estariam reguladas pela cláusula penal do art. 28.

Não se mostra razoável supor que o legislador tenha fixado uma indenização menor, a prevista no art. 479 da CLT, para uma das mais graves faltas justificadoras da rescisão indireta do contrato de trabalho, a cargo do empregador, dado o caráter alimentar da remuneração do trabalhador, e, para os demais casos de simples resilição contratual, tenha estabelecido uma indenização vultosa como a da cláusula penal do art. 28 da Lei nº 9.615/98.

Além disso, se é certo que a lei não contém palavras inúteis, qual é a razão de o legislador ter pretendido a aplicação do art. 28 da Lei nº 9.615/98 ao empregador, que estabelece que a cláusula penal tem lugar nos casos de descumprimento, rompimento ou rescisão contratual, se o caput do art. 31, bem como o seu § 3º, já fixam a penalidade devida pela agremiação desportiva que descumprir ou rescindir o contrato de trabalho?

Teria ele a necessidade de tratar duas vezes sobre a mesma matéria?

Parece-me que não, como já amplamente manifestado.

Por isso, não há dúvida de que o legislador pretendeu dar tratamento diferenciado para os casos em que o rompimento antecipado do contrato de trabalho se dá pelo atleta ou pelo empregador, tomando em conta que o contrato de trabalho e desportivo com o atleta é, quase sempre, intuitu personae.

A interpretação sistemática de outras disposições da Lei Pelé reforça a conclusão no sentido de que a cláusula penal em destaque é dirigida apenas ao atleta profissional que dá causa à extinção do contrato de trabalho.

Com efeito, dispõe a nova redação do art. 33 da Lei nº 9.615/98:

Art. 33. Cabe à entidade nacional de administração do desporto que registrar o contrato de trabalho profissional fornecer a condição de jogo para as entidades de prática desportiva, mediante a prova de notificação do pedido de rescisão unilateral firmado pelo atleta ou documento do empregador no mesmo sentido, desde que acompanhado da prova de pagamento da cláusula penal nos termos do art. 28 desta Lei . (Redação dada pela Lei nº 9.981, de 2000)

A redação original desse preceito legal não restringia a habilitação para a denominada -condição de jogo- do atleta, a cargo da entidade administrativa, à comprovação do pagamento da cláusula penal, limitando-se a exigir -a prova da notificação do pedido de rescisão unilateral firmado pelo atleta ou por documento do empregador no mesmo sentido-.

O acréscimo dessa exigência, alusiva à prova do pagamento da cláusula penal, deixou ainda mais clara a finalidade da mencionada cláusula compensatória, na medida em que faz alusão expressa ao art. 28 da Lei Pelé, que se refere, exclusivamente, à atividade do -atleta profissional-, conforme interpretação acima discorrida.

Outro aspecto do aludido art. 33 da Lei Pelé evidencia de forma indelével que a cláusula penal é ônus exclusivo do atleta, e não da entidade de prática desportiva. Ocorre que essa norma estabelece uma condição para que a entidade de administração do desporto forneça aos entes desportivos a -condição de jogo- do atleta, sem a qual o jogador não poderá atuar para outras agremiações. Trata-se, portanto, de obrigação nitidamente exigida do atleta, único interessado em se habilitar para defender as cores de outro time.

Assim dispondo o legislador, não se pode concluir que o valor estipulado na cláusula penal também é devido pelo clube de futebol, sob pena de impor uma condição ao arbítrio de outrem para o exercício de direito próprio, inviabilizando o exercício da profissão por parte do atleta nas hipotéticas situações em que a entidade desportiva se recusar a efetuar o pagamento dessa importância ou simplesmente deixar de efetuar a comprovação a que alude o dispositivo legal. Não parece crível que o ordenamento jurídico infraconstitucional outorgue ao empregador (clube) a prova necessária para que o empregado (jogador) se habilite para exercer a sua profissão, nos casos em que ele próprio, empregador, tenha dado causa à ruptura contratual. Tal entendimento importaria afronta direta aos princípios constitucionais que velam pela valorização do trabalho (art. 1º, IV) e pelo livre exercício do trabalho (art. 5º, XIII, e 6º, caput ), o que não pode ser tolerado.

Nota-se, claramente, que a obrigação da cláusula penal está a cargo do atleta profissional, pois a -condição de jogo- a que se reporta a disposição legal, somente a ele interessa, estando a seu cargo comprovar perante a entidade de administração do desporto que satisfez a exigência legal, juntando o comprovante do pagamento do valor estipulado na cláusula penal, sob pena de não ter reconhecido o direito de atuar para outra agremiação.

Também a previsão de incidência da cláusula penal nas hipóteses de transferência internacional, de que trata o § 5º do art. 28 da Lei Pelé, é prova de que a referida pena compensatória é devida apenas pelo atleta profissional. Aludida disposição legal disciplina que:

§ 5º Quando se tratar de transferência internacional, a cláusula penal não será objeto de qualquer limitação, desde que esteja expresso no respectivo contrato de trabalho desportivo. (Incluído pela Lei nº 9.981, de 2000) (Redação dada pela Lei nº 10.672, de 2003)

Com efeito, não existe a possibilidade de o rompimento prematuro do contrato de trabalho para a transferência do atleta para o exterior, fato gerador da incidência da cláusula penal, decorrer de ato unilateral do empregador, que não pode obrigar o atleta a prestar serviços para um clube internacional contra a sua vontade. Somente a livre iniciativa do atleta em se transferir para o exterior é que poderá ensejar a ruptura do liame empregatício entre as partes, atraindo a aplicação da cláusula penal compensatória, cuja função é, justamente, ressarcir o clube dos prejuízos causados pelo rompimento antecipado do contrato de trabalho. Por isso, o legislador ordinário estabeleceu essa hipótese legal e não impôs nenhum limite à fixação do valor dessa cláusula penal nessas circunstâncias. É de se notar que, em se tratando de transferência de jogador para o futebol internacional, a realidade nos mostra exatamente essa hipótese, ou seja, a iniciativa parte sempre do jogador, que é seduzido a se transferir para clubes estrangeiros em negociações milionárias, sem desembolsar nenhuma quantia, que fica a cargo do novo contratante. Ao contrário, geralmente os atletas, além de experimentarem um aumento salarial vultoso, percebem valores expressivos pela transferência entre clubes, ficando nítido que a cláusula penal somente tem uma finalidade, compensar a única parte que sofre prejuízos com essa negociação, o clube desportivo cujo contrato de trabalho foi rompido antecipadamente.

Não há como se entrever uma hipótese em que a entidade desportiva empregadora sujeite o atleta a se transferir para o exterior, de modo a causar-lhe prejuízos e atrair a aplicação da cláusula penal a seu favor.

Isso porque, os mesmos princípios constitucionais anteriormente citados, que velam pela valorização do trabalho (art. 1º, IV) e pelo livre exercício do trabalho (art. 5º, XIII, e 6º, caput ), obstam a transferência compulsória do empregado para outro empregador, que não pode ser compelido a prestar serviços a outrem contra a sua vontade.

Como se vê, a investigação acerca da natureza da cláusula penal, assim como a averiguação de sua real finalidade, bem demonstram que o seu destinatário é o atleta profissional, e não a entidade de desportos.

A realidade em que se desenvolvem as atividades esportivas profissionais é muito peculiar, e não se confunde com a relação de emprego típica.

Especialmente no caso dos jogadores de futebol profissional, hipótese dos autos, a rotatividade entre os clubes é muito grande e os investimentos nos atletas, de forma personalizada, são vultosos, sendo preciso resguardar as agremiações dos prejuízos que são causados pela prematura saída desses atletas antes do término contratual. É com essa finalidade que o legislador estabeleceu a referida cláusula penal, visando que o atleta cumpra o contrato de trabalho por prazo determinado firmado com a agremiação e não transforme o ambiente desportivo em uma mercancia desmedida.

Tome-se como exemplo a hipótese de um atleta de futebol que teve marcada atuação durante um determinado torneio, conduzindo seu clube às finais.

Bastaria a oferta de um contrato em condições mais vantajosas para aliciar o atleta do clube de origem e comprometer o desempenho de toda a equipe no torneio, sobretudo pelas equipes rivais. Não haveria equilíbrio ou segurança para o bom desenvolvimento dos campeonatos, mas uma famigerada disputa econômica por bons atletas durante os torneios, levando a uma concentração de ídolos nos clubes economicamente mais fortes. Seria a concentração econômica em seu modelo absoluto no futebol!

O interesse do empregado ao firmar o contrato de trabalho é a sua subsistência. Nesse diapasão, a proteção legal dirige-se no sentido de obrigar o empregador a cumprir fielmente as cláusulas contratuais pactuadas e os direitos assegurados por lei, tais como os alusivos ao direito de arena (art. 42 da Lei nº 9.615/98). Para os casos de descumprimento dessas obrigações por parte do empregador têm pertinência as normas integrantes do contrato de trabalho do atleta (art. 28, § 1º, in fine ) e o comando do art. 31, § 3º, da Lei nº 9.615/98.

Não se nega, assim, a legitimidade dos trabalhadores em buscarem melhores condições de trabalho e de remuneração em outras agremiações, o que é natural em toda a cadeia produtiva. O que a legislação específica buscou foi, considerando as peculiaridades da relação de emprego em questão, fixar determinados parâmetros que, de um lado, protejam os atletas, e, de outro, promovam a atividade desportiva profissional e assegurem os investimentos das agremiações desportivas.

O art. 28 da Lei nº 9.615/98, ao estabelecer cláusula penal para o rompimento do contrato de trabalho pelo atleta, não se confunde com o instituto do passe. Enquanto o instituto do passe restringia o direito ao trabalho, muitas vezes impossibilitando por completo o exercício da atividade profissional, a cláusula penal apenas resguarda eventuais prejuízos causados às entidades desportivas pela ruptura precipitada do contrato de trabalho celebrado intuitu personae por parte do atleta, cujo prazo de vigência também é limitado por lei (cinco anos).

O atleta pode, a qualquer tempo, rescindir o contrato por prazo determinado, estando livre para buscar condições mais favoráveis em outros clubes desportivos, mas deverá ressarcir os prejuízos causados ao empregador, cuja expectativa de retorno do investimento com o atleta, presente no ajuste contratual, restou frustrada. Tanto é verdade que essa indenização regride ano a ano, conforme estabelecido no § 4º do art. 28 da Lei nº 9.615/98, até perfazer o prazo de cinco anos de vigência máxima do contrato , na seguinte proporção:

§ 4º Far-se-á redução automática do valor da cláusula penal prevista no caput deste artigo, aplicando-se, para cada ano integralizado do vigente contrato de trabalho desportivo, os seguintes percentuais progressivos e não-cumulativos: (Redação dada pela Lei nº 10.672, de 2003)

I - dez por cento após o primeiro ano; (Redação dada pela Lei nº 10.672, de 2003)

II - vinte por cento após o segundo ano; (Redação dada pela Lei nº 10.672, de 2003)

III - quarenta por cento após o terceiro ano; (Redação dada pela Lei nº 10.672, de 2003)

IV - oitenta por cento após o quarto ano. (Redação dada pela Lei nº 10.672, de 2003)

A gradação regressiva prevista no aludido dispositivo legal acaba por elucidar, de vez, toda e qualquer dúvida em torno da real finalidade dessa cláusula penal. Isso porque, a cada ano do contrato de trabalho cumprido pelo atleta profissional, vai-se amortizando o investimento efetuado pela entidade desportiva, de modo que ao final do prazo máximo de sua vigência, que é de cinco anos, o vínculo desportivo do atleta, acessório do contrato de trabalho, dissolve-se, nos exatos termos do disposto no inciso I do § 2º do art. 28 da Lei Pelé.

Essa é a teleologia não apenas da cláusula penal, mas da própria Lei Pelé, que procuram equilibrar as obrigações e os direitos das partes envolvidas e estimular os investimentos necessários ao constante desenvolvimento das práticas desportivas, tão caras ao país.

Por outro lado, mister se faz esclarecer que a realidade do meio desportivo também demonstra que essas transferências de atletas são constantes, independentemente das vultosas quantias a serem pagas a título de cláusula penal. Na prática, não é o atleta que efetua o pagamento dessa indenização, mas a entidade desportiva que pretende contratar o profissional. Não há nenhum prejuízo para o trabalhador, atleta profissional, cuja transferência não lhe traz nenhum ônus financeiro. Ao contrário, a imprensa noticia continuamente as milionárias cifras pagas por clubes nacionais e internacionais a título de rescisão contratual de atletas profissionais por eles contratados.

Essa é a realidade do mundo do futebol, onde a legislação especial busca equilibrar as forças entre capital e trabalho, dando tratamento diferenciado para a rescisão unilateral do contrato de trabalho, conforme se depreende da interpretação sistemática dos diversos dispositivos da Lei nº 9.615/98, em especial dos arts. 28 e 31.

Nesse sentido também é o seguinte precedente desta Corte.

RECURSO DE EMBARGOS DO RECLAMADO - CLÁUSULA PENAL - ART. 28 DA LEI Nº 9.615/98 (LEI PELÉ) - OBRIGAÇÃO IMPOSTA APENAS AO ATLETA PROFISSIONAL QUE ROMPE O CONTRATO DE TRABALHO ANTECIPADAMENTE. A mens legis do novo regramento legal, instituído pela Lei Pelé, visou solucionar os inúmeros problemas jurídicos causados pelo antigo instituto do passe que, a par de garantir os altos investimentos efetuados pelas agremiações desportivas, acabava por vincular o atleta ao titular do passe, independentemente da existência, ou não, de contrato de trabalho em curso. O direito ao passe conflitava com o livre exercício da profissão, na medida em que estava desvinculado do contrato de trabalho, de modo que o prestador dos serviços, o atleta profissional, somente poderia transferir-se para outra agremiação esportiva mediante a negociação do seu passe, independentemente da vigência, ou não, do contrato de trabalho. O caput do art. 28 da Lei nº 9.615/98, ao estabelecer a cláusula penal para os casos de descumprimento, rompimento ou rescisão contratual, dirige-se somente ao atleta profissional, pois sua finalidade é resguardar a entidade desportiva em caso de ruptura antecipada do contrato de trabalho, em decorrência dos elevados investimentos que são efetuados para a prática dos esportes profissionais competitivos. Tal penalidade não se confunde com as hipóteses de rescisão indireta ou voluntária e antecipada do contrato de trabalho por parte do empregador, cuja indenização devida ao empregado, atleta de qualquer modalidade desportiva, é aquela estabelecida no § 3º do art. 31 da Lei nº 9.615/98. Tal entendimento é confirmado pela gradação regressiva da cláusula penal, na forma prevista no § 4º do art. 28 desse diploma legal, em que a cada ano do contrato de trabalho cumprido pelo atleta profissional vai se amortizando o investimento efetuado pela entidade desportiva, de modo que, ao final do prazo máximo de sua vigência, que é de cinco anos, o vínculo desportivo do atleta, acessório do contrato de trabalho, dissolve-se, nos exatos termos do inciso I do § 2º do art. 28 da Lei Pelé. Essa é a teleologia não apenas da cláusula penal, mas da própria Lei Pelé, cujas disposições procuram equilibrar as obrigações e os direitos das partes envolvidas e estimular os investimentos necessários ao constante desenvolvimento das práticas desportivas, tão caras ao país. Recurso de embargos conhecido e provido. (E-ED-RR - 552/2002-029-01-00.4; Relator Ministro: Horácio Raymundo de Senna Pires; SBDI-I; DEJT 24/10/2008).

NEGO PROVIMENTO ao recurso de revista.

ISTO POSTO

ACORDAM os Ministros da Terceira Turma do Tribunal Superior do Trabalho, por unanimidade, conhecer do recurso de revista, por divergência jurisprudencial, e, no mérito, negar-lhe provimento.

Brasília, 22 de abril de 2009.

Firmado por assinatura digital (MP 2.200-2/2001)

DOUGLAS ALENCAR RODRIGUES
Juiz Convocado Relator

NIA: 4743612

PUBLICAÇÃO: DJ - 15/05/2009




JURID - Atleta profissional. Cláusula penal. Alcance subjetivo. [21/05/09] - Jurisprudência

 



 

 

 

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário