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sexta-feira, 29 de maio de 2009

JURID - Imunidade de jurisdição. Organismo internacional. [29/05/09] - Jurisprudência


Imunidade de jurisdição. Organismo internacional.

Tribunal Regional do Trabalho - TRT4ªR.

ACÓRDÃO

00658-2007-018-04-00-2 RO

EMENTA:

RECURSO ORDINÁRIO DO RECLAMANTE

IMUNIDADE DE JURISDIÇÃO. ORGANISMO INTERNACIONAL. A Justiça do Trabalho é competente para julgar litígio trabalhista envolvendo organismo internacional quando pratica atos de gestão, na forma do art. 114 da Carta Política de 1988, não prevalecendo normas hierarquicamente inferiores e muito anteriores à Constituição Federal, que concedem imunidade de jurisdição aos entes estrangeiros. Recurso do reclamante ao qual de dá provimento.

VISTOS e relatados estes autos de RECURSO ORDINÁRIO interposto de sentença proferida pelo MM. Juiz da 18ª Vara do Trabalho de Porto Alegre, sendo recorrente MARCELO DA CONCEIÇÃO BUENO e recorridos ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O DESENVOLVIMENTO - PNUD E OUTRO (S) E COMPANHIA DE PROCESSAMENTO DE DADOS DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL - PROCERGS EOUTRO (S).

A sentença proferida pelo Juiz do Trabalho João Batista S. M. Vianna extingue o processo, sem resolução de mérito, após declarar a imunidade de jurisdição da primeira reclamada. O reclamante interpõe recurso ordinário, buscando a reforma da decisão, a fim de que seja afastada a imunidade de jurisdição do PNUD, com reconhecimento do vínculo empregatício com a primeira reclamada e condenação ao pagamento das parcelas arroladas, além da responsabilização subsidiária dos demais reclamados. Há contra-razões. O Ministério Público do Trabalho opina pelo provimento do recurso. É o relatório.

ISTO POSTO:

RECURSO ORDINÁRIO DO RECLAMANTE

IMUNIDADE DE JURISDIÇÃO. ORGANISMO INTERNACIONAL

O Magistrado a quo, não obstante entenda que o art. 114 da Constituição Federal amplia a competência da Justiça do Trabalho para julgar as causas envolvendo entes de direito público externo, considera que o dispositivo constitucional não afasta eventual imunidade assegurada aos organismos internacionais. Frisa que não se trata de afirmar que não existe jurisdição da Justiça brasileira para resolver a controvérsia, mas de analisar a imunidade que determinadas pessoas jurídicas possuem, indicando que o Estado brasileiro não pode exercer sua jurisdição frente a elas. Sinala que a imunidade de jurisdição está assegurada às três primeiras reclamadas no art. 1º, Seção 2, da Convenção sobre Privilégios e Imunidades das Nações Unidas, promulgada pelo Decreto nº 27.784/50 e art. 3º, Seção 4, da Convenção sobre Privilégios e Imunidade das Agências Especializadas das Nações Unidas, promulgada pelo Decreto nº 52.288/63, o que afasta a possibilidade de mitigação da imunidade de jurisdição, que é absoluta. Assim, declara a imunidade da primeira reclamada, Organização das Nações Unidas para o Desenvolvimento - PNUD, ressaltando que o autor, em relação à segunda demandada, Companhia de Processamento de Dados do Estado do Rio Grande do Sul - PROCERGS, à terceira reclamada, União, bem como ao quarto reclamado, Estado do Rio Grande do Sul, não pretende o reconhecimento de relação de emprego, mas, tão-somente, de mera responsabilidade subsidiária.

O reclamante investe contra o julgado, sustentando que foi contratado pela primeira reclamada, uma vez que esse Organismo Internacional estava desenvolvendo um projeto de modernização fazendária, com ênfase na informatização e no aprimoramento dos recursos humanos, para a melhoria dos processos de arrecadação, fiscalização, despesa pública, controle interno e administração financeira. Diz que, quando da contratação, o PNUD estabeleceu que o trabalho seria prestado com exclusividade, em local indicado pela demandada, com jornada de trabalho de oito horas. Assevera que a sentença está calcada em decisão já reformada por este Tribunal, em relação à imunidade de jurisdição. Requer o pronunciamento deste Colegiado acerca da questão referente à irregularidade de representação do PNUD, questão que não foi apreciada pelo Juízo de primeiro grau, sinalando que a Advocacia Geral da União não está legitimada a representar o Organismo Internacional em Juízo, ainda que tenha mencionado em sua contestação que a representação está autorizada pelo Acordo de Assistência Técnica com as Nações Unidas e suas Agências Especializadas, promulgado pelo Decreto nº 59.308/66. Segue, dizendo que a sentença está fundamentada com a transcrição, na íntegra, da sentença proferida nos autos do processo nº 01413-2003-018-04-00-9, que já sofreu reforma por este Tribunal. Salienta que a Súmula nº 207 do TST também relativiza a imunidade de jurisdição e que o PNUD é um organismo internacional que não possui soberania, razão pela qual não pratica atos de império, mas, apenas, atos de gestão. Transcreve arestos para amparar a sua tese. Ingressa, após, no mérito da demanda, discorrendo sobre o vínculo empregatício. À análise.

O art. 114 da Constituição Federal estabelece a competência da Justiça do Trabalho para conciliar e julgar:

I - as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo (...).(grifamos).

A Organização das Nações Unidas para o Desenvolvimento - PNUD diz, em sua contestação, que o Supremo Tribunal Federal vem afastando a imunidade nas reclamações trabalhistas ajuizadas contra Estados estrangeiros, o que não se aplicaria a ela, devido à sua condição de organismo internacional, que estaria ao abrigo da imunidade pela Convenção sobre Privilégios e Imunidade das Nações Unidas, promulgada no Brasil pelo Decreto nº 27.784, de 16 de fevereiro de 1950, estendido à agência especializada PNUD por meio do Acordo de Assistência Técnica com as Nações Unidas e suas Agências Especializadas, promulgado pelo Decreto nº 59.308, de 23 de setembro de 1966 e pelo Decreto nº 52.288/63.

A defesa da primeira reclamada está amparada em decretos, normas essas anteriores e hierarquicamente inferiores à Constituição Federal de 1988 e às emendas constitucionais que ampliaram a competência da Justiça do Trabalho. O acolhimento da tese contestatória estabeleceria uma situação paradoxal, porquanto, embora esta Justiça do Trabalho seja competente para julgar a lide, estaria, ao mesmo tempo, impedida de prestar a jurisdição devido à imunidade assegurada à demandada. Outrossim, a interpretação que se faz do julgado do Supremo Tribunal Federal referido pela demandada, o qual determina o processamento de ação trabalhista oposta contra Estado estrangeiro, é que não exclui o ajuizamento de reclamatória laboral contra organismos internacionais, mormente se considerarmos que não será apreciada nenhuma questão que envolva ato de império, cuja soberania é incontestável, mas, mero ato de gestão, praticado com a contratação por organismo internacional, de trabalhador brasileiro, tutelado pela legislação nacional.

A controvérsia, portanto, se resolve com a declaração da competência da Justiça do Trabalho, estabelecida no art. 114, I, da Constituição Federal, sinalando-se que os atos praticados pelo Organismo Internacional, sendo de gestão, atraem esse dispositivo constitucional, como referido por Valetin Carrion, ao comentar o art. 643 da CLT, citando acórdão proferido nos autos do processo TST, RR 580.087/99.0, o qual, seguindo a trilha de decisões proferidas pelo STF, diz que: (...) Superou-se, portanto, a teoria da imunidade absoluta, relativizando-se a imunidade de jurisdição, quando praticados atos de gestão pelo Estado estrangeiro, como no caso envolvendo pedido de vínculo de emprego e verbas trabalhistas (in Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho, Saraiva, 2008, p. 504). Sobre a matéria aqui tratada, os acórdãos cujas ementas são transcritas a seguir:

IMUNIDADE DE JURISDIÇÃO. Hipótese em que foi ajuizada ação trabalhista contra organismos internacionais. Reforma da sentença, para o fim de declarar a competência da Justiça do Trabalho, com a remessa dos autos à instância originária para julgar os pedidos de reconhecimento da relação de emprego e de pagamento das verbas trabalhistas daí decorrentes. Inteligência do art. 114 da Constituição e aplicação do entendimento jurisprudencial consubstanciado na Súmula 207 do TST. Provimento do recurso da reclamante. (processo nº 01413-2003-018-04-00-9 RO, TRT da 4ª Região, Relatora Desª Tânia Maciel de Souza.Pub. em 06.12.05).

PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O DESENVOLVIMENTO - PNUD/ONU. IMUNIDADE DE JURISDIÇÃO. A contratação de trabalhador nacional por organismos internacionais não constitui ato de "império", senão que, de "gestão", com ingresso na dimensão do direito privado, tendo-se como perfeitamente distinguíveis tais categorias de atos, de modo a não haver imunidade de jurisdição em favor dos mencionados organismos. (processo nº 01531-2003-018-04-00-7 RO, TRT da 4ª Região, Relator Des. Lenir Heinen. Pub. 26.10.05).

IMUNIDADE DE JURISDIÇÃO. ORGANISMO INTERNACIONAL. VIOLAÇÃO DO ARTIGO 114, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988. A imunidade de jurisdição não mais subsiste no panorama internacional, nem mesmo na tradicional jurisprudência de nossas Cortes, pelo menos deforma absoluta, porquanto é de se levar em conta a natureza do ato motivador da instauração do litígio; de modo que, se o Estado Estrangeiro atua em matéria de ordem estritamente privada, está a praticar atos de gestão, igualando-se, nesta condição, ao particular e desnudando-se dos privilégios conferidos ao ente público internacional. Do contrário, estar-se-ia colocando em risco a soberania do cumprimento dos princípios constitucionais, notadamente quando o ato praticado não se reveste de qualquer característica que justifique a inovação do princípio da Imunidade de Jurisdição (TST-E-RR-189280/95, SBDI-I, Min. Rel. José Luiz Vasconcellos, in DJU de 04/08/00) .

MUNIDADE DE JURISDIÇÃO - RECLAMAÇÃO TRABALHISTA - ESTADO ESTRANGEIRO - Com o advento da carta política de mil novecentos e oitenta e oito, ficou reconhecida a submissão do estado estrangeiro à autoridade judiciária trabalhista. O artigo cento e quatorze, da Constituição da República prevê a competência da Justiça do Trabalho para conciliar e julgar as controvérsias decorrentes de dissídios individuais e coletivos entre trabalhadores e empregadores abrangidos os "entes de direito público externo". Revista conhecida e provida. (TST - RR 106450/1994 - 4ª T. - Rel. Min. Almir Pazzianotto Pinto - DJU 31.03.1995 - p. 08026)

Merece destaque, ainda, o judicioso parecer exarado pelo Exmº Procurador do Trabalho, Leandro Araújo, nos seguintes termos:

(...) A questão é conhecida, gerando controvérsia doutrinária e jurisprudencial ao longo do tempo, tendendo a firmar-se contemporaneamente no sentido da ausência dessa imunidade em matéria trabalhista, entendidos os atos de Estado estrangeiro (aqui entendida a expressão em sentido 'lato', apenas para fixação do conceito expresso), no contexto contratual, como atos de mera gestão, ao passo que a imunidade seria própria e exclusiva dos atos de império. (...) a mencionada tendência se expressa, inclusive, na atual Carga Magna que inclui expressamente os entes de direito público externos na competência da Justiça do Trabalho, no art. 114 daquele diploma legal, sendo também palpável no conteúdo do Enunciado nº 207 da Súmula de Jurisprudência do E. TST, embora esta possa ser entendida apenas no contexto do direito material aplicável (...) (fls. 752-753).

Em relação ao questionamento feito pelo recorrente sobre a representação no processo da Organização das Nações Unidas para o Desenvolvimento - PNUD pela Advocacia Geral da União, entende-se estar amparada por acordo nesse sentido. Pelos fundamentos expostos, afasta-se a imunidade de jurisdição pronunciada na sentença, dando-se provimento ao recurso do reclamante para declarar a competência da Justiça do Trabalho para julgar a lide, determinando-se o retorno dos autos à origem para o regular processamento do feito e apreciação dos pedidos deduzidos na petição inicial.

Ante o exposto,

ACORDAM os Magistrados integrantes da 8ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região: por unanimidade, dar provimento ao recurso do reclamante para declarar a competência da Justiça do Trabalho para julgar a lide, determinando-se o retorno dos autos ao Juízo de origem para o regular processamento do feito e apreciação dos pedidos deduzidos na petição inicial.

Intimem-se.

Porto Alegre, 30 de abril de 2009.

DES.ª CLEUSA REGINA HALFEN
RELATORA

MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO




JURID - Imunidade de jurisdição. Organismo internacional. [29/05/09] - Jurisprudência

 



 

 

 

 

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