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sexta-feira, 8 de maio de 2009

JURID - Ação de cobrança. Defensivo agrícola. Relação de consumo. [08/05/09] - Jurisprudência


Ação de cobrança. Defensivo agrícola. Relação de consumo caracterizada. Inversão do ônus da prova.

Tribunal de Justiça de Mato Grosso - TJMT.

SEGUNDA CÂMARA CÍVEL

AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 115580/2008 - CLASSE CNJ - 202 - COMARCA DE TANGARÁ DA SERRA

GALVANI INDÚSTRIA, COMÉRCIO E SERVIÇOS LTDA.

AGRAVADO: FRANCOLINO BOSS

Número do Protocolo: 115580/2008

Data de Julgamento: 22-4-2009

EMENTA

RECURSO DE AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO DE COBRANÇA - DEFENSIVO AGRÍCOLA - RELAÇÃO DE CONSUMO CARACTERIZADA - INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA - HIPOSSUFICIÊNCIA DO CONSUMIDOR RECONHECIDA - DECISÃO MANTIDA - RECURSO DESPROVIDO.

A compra de uma mercadoria para sua utilização final, sem realização de qualquer beneficiamento ou transformação que a incorporasse ao produto agrícola colhido, constitui relação de consumo, sendo o agricultor o destinatário final da mercadoria.

A inversão do ônus da prova, até para que se preservem o Princípio do Contraditório e da Ampla Defesa, deve ser realizada antes da sentença, e não no momento desta, quando, então, caracterizará, a um só tempo, a imposição de um gravame e a negação da oportunidade para dele se desincumbir.

R E L A T Ó R I O

EXMA. SRA. DESA. MARIA HELENA GARGAGLIONE PÓVOAS

Egrégia Câmara:

Trata-se de Recurso de Agravo de Instrumento interposto por GALVANI INDÚSTRIA, COMÉRCIO E SERVIÇOS, em face da decisão proferida pela MMª Juíza de Direito da 1ª Vara Cível da Comarca de Tangará da Serra/MT, que em sede de Ação de Cobrança, autos nº 90/2008, inverteu o ônus da prova em favor do Agravado.

Sustenta que, fl. 08/TJ, in verbis:

"... a juíza 'a quo', de forma errônea e equivocada, ao sanear o feito, entendeu que o Agravado se trata de consumidor final, se enquadrando nos termos do Código de Defesa do Consumidor e, consequentemente, invertendo o ônus da prova."

Argui o equívoco na interpretação da norma, posto que o Agravado adquiriu insumos agrícolas para melhoria de sua lavoura e, em assim sendo, não se enquadra como consumidor final do bem, nos casos previstos na lei consumeirista, não podendo essa ser aplicada como norma de regência ao caso.

A liminar foi indeferida às fls. 200 a 203/TJ.

O Agravado apresentou contrarrazões requerendo o improvimento do Recurso de Agravo de Instrumento, às fls. 221 a 233/TJ.

É o relatório.

V O T O

EXMA. SRA. DESA. MARIA HELENA GARGAGLIONE PÓVOAS (RELATORA)

Egrégia Câmara:

Como se vê dos autos, tem-se a lume a discussão acerca da caracterização da aquisição por produtor rural de fungicida para utilização em sua produção agrícola como relação de consumo, e em sendo constatada, a inversão do ônus da prova.

O Recurso não merece provimento.

Em que pese o esmero da Agravante, entendo que no caso, ao contrário do que afirma, há uma autêntica relação de consumo, que, portanto, faz jus a todos os benefícios trazidos por este avançado microssistema jurídico, dentre os quais a inversão do ônus da prova.

O artigo 2° do Código de Defesa do Consumidor estabelece o seguinte:

"O consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final."

Consumidor é, portanto, à luz do conceito legal, aquele que se constitui como destinatário final de fato do produto.

No caso, o Agravado adquiriu da Agravante insumos agrícolas (fertilizantes) como o último elo da cadeia econômica que se formou a partir da fabricação do aludido produto, que dele não passou, sendo totalmente consumido.

Logo, é de se reputá-lo, frente ao critério legal, como destinatário final do produto e, por conseguinte, como consumidor nos termos expressos pelo CDC, haja vista que foi ele quem retirou o bem do mercado para utilizá-lo em sua lavoura, encerrando assim a cadeia produtiva.

A Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça não destoa desse entendimento, tal como se vê das ementas de julgado que a seguir destaco:

"CONTRATOS BANCÁRIOS - CONTRATO DE REPASSE DE EMPRÉSTIMO EXTERNO PARA COMPRA DE COLHEITADEIRA - AGRICULTOR - DESTINATÁRIO FINAL - INCIDÊNCIA - CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR - COMPROVAÇÃO - CAPTAÇÃO DE RECURSOS - MATÉRIA DE PROVA - PREQUESTIONAMENTO - AUSÊNCIA. I - O agricultor que adquire bem móvel com a finalidade de utilizá-lo em sua atividade produtiva, deve ser considerado destinatário final, para os fins do artigo 2º do Código de Defesa do Consumidor. (...)." (Resp n° 445854/MS, 3ª T., Rel. Min. Castro Filho, j. 03.12.2003, DJ 19.12.2003 p. 453)

"Código de Defesa do Consumidor. Destinatário final: conceito. Compra de adubo. Prescrição. Lucros cessantes. 1. A expressão "destinatário final", constante da parte final do art. 2º do Código de Defesa do Consumidor, alcança o produtor agrícola que compra adubo para o preparo do plantio, à medida que o bem adquirido foi utilizado pelo profissional, encerrando-se a cadeia produtiva respectiva, não sendo objeto de transformação ou beneficiamento. (...)." (Resp n° 208.793/MT, 3ª T., Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, j. 18-11-1999, DJ 1º-8-2000, p. 264)

É claro que não se pode descurar que situações como essas sempre ensejam discussões, já que, não raro verdadeiros fornecedores buscam se beneficiar das disposições do CDC para aplicá-las em relações genuinamente comerciais, utilizando-se da situação limite que se estabelece no caso do exame de relações firmadas por consumidores profissionais.

Tal situação não passou despercebida pelo eminente Min. Carlos Alberto Menezes Direito que no voto proferido no Resp n° 208.793/MT, cuja ementa foi acima transcrita, bem aclara a situação em passagem que merece transcrição:

"Todavia, frequentemente ocorre que as pessoas físicas e jurídicas que estão na cadeia produtiva adquirem bens ou serviços necessários ao seu trabalho profissional. E nessa situação é que surge a dificuldade maior. De fato, pode uma determinada empresa comprar matéria-prima que será utilizada na sua produção, o que quer dizer que o bem adquirido, no caso, será transformado, integrando novo produto que será destinado ao público; ou ainda, pode a mesma empresa adquirir um bem que seja necessário ao seu fim, mas que seja consumido por ela própria, sem que participe diretamente do produto que será oferecido, após o ciclo de produção, ao mercado. São duas situações bem nítidas que podem facilitar o trabalho do intérprete. Na primeira, a matéria-prima integra o ciclo produtivo, na segunda, não; na primeira, evidentemente, não é a empresa destinatária final; na segunda, claro, é."

No caso em vista, o Agravado adquiriu o insumo agrícola (fertilizantes) fornecido pela Agravante e, como é óbvio, o consumiu, aplicando-o em sua lavoura sem transformá-lo para que ele passasse a integrar diretamente os produtos agrícolas a serem oferecidos ao término do ciclo de produção. Há, portanto, a compra de uma mercadoria - aquisição de fertilizante - para sua utilização final, sendo inegável que a relação negocial em questão, nessa ordem de idéias, se encerrou com o Agravado que consumiu o produto sem realizar qualquer beneficiamento ou transformação que diretamente incorporasse o produto em questão à soja a ser por ele colhida.

Ademais, a própria diferença de forças que se estabelece entre os fornecedores de tais produtos, fertilizantes, e os produtores rurais, tal como o Agravado, está a recomendar, e até impor, mesmo em caso de profissional da agricultura, a caracterização da relação em questão, como sendo autêntica relação de consumo a merecer a tutela do microssistema protetor criado pelo Legislador pátrio em atenção aos próprios mandamentos constitucionais que não descuraram dessa aludida proteção, como forma de consecução da igualdade material que caracteriza o valor máximo das modernas democracias.

É inegável, portanto, o caráter de destinatário final do Agravado, e, por conseqüência, da sua condição de consumidor no caso em questão.

Caracterizada a relação de consumo, resta verificar se o caso concreto reclama a inversão do ônus da prova, já que outra das alegações da Agravante é, justamente, a ausência dos requisitos legais que legitimam a sua imposição na espécie.

A regra contida no artigo 6º, inciso VIII, do CDC, impõe para a decretação da inversão do ônus da prova a constatação alternativa de dois requisitos, a saber, a verossimilhança das alegações ou a hipossuficiência do consumidor no caso concreto.

No caso, em que pese os argumentos da Agravante, me parece evidente a hipossuficiência do Agravado na realização da prova em questão.

Conforme explica Luiz Antonio Rizzato Nunes, o significado de hipossuficiência preconizado no texto legal do CDC, não é apenas o econômico, mas mais ainda, o técnico. A hipossuficiência para fins de possibilidade de inversão do ônus da prova:

"..., tem sentido de desconhecimento técnico e informativo do produto e do serviço, de suas propriedades, de seu funcionamento vital e/ou intrínseco, dos modos especiais de controle, dos aspectos que podem ter gerado o acidente de consumo e o dano, das características do vício etc." (Comentários ao Código de Defesa do Consumidor, Direito Material (artigos. 1º a 54), São Paulo: Saraiva, 2000).

O consumidor não detém o mesmo grau de informação que o fornecedor acerca dos produtos por ele fornecidos, o que em alguns casos, pode implicar em uma desigualdade processual que independerá da condição econômica do consumidor, tendo em vista suas dificuldades para verificação de dados e realização de provas que são muito mais facilmente produzidas pelo fornecedor.

Tal conclusão se reforça quando observamos o disposto no Anteprojeto de Código Modelo de Processos Coletivos para a Ibero-América, elaborado pela Comissão nomeada pelo Instituto Ibero-Americano de Direito Processual, coordenada pela Professora Ada Pellegrini Grinover, que apesar de não ter força de lei, bem elucida a questão aqui posta, precisamente no que pertine ao art. 12, § 1°, in verbis:

"O ônus da prova incumbe à parte que detiver conhecimentos técnicos ou informações específicas sobre os fatos, ou maior facilidade em sua demonstração."

O reconhecimento da hipossuficiência, portanto, não pode ser visto apenas como instrumento a serviço da proteção ao mais "pobre", sendo, inclusive, possível a inversão do ônus da prova em favor de consumidores economicamente poderosos, caso seja feita a constatação de sua hipossuficiencia técnica e de informação, o que é o caso dos autos.

Esta 2ª Câmara em caso semelhante já se manifestou no sentido da procedência da inversão do ônus da prova, tal como se vê da ementa de julgado que a seguir destaco:

"RECURSO DE AGRAVO DE INSTRUMENTO - REPARAÇÃO DE DANOS - DEFENSIVO AGRÍCOLA - RELAÇÃO DE CONSUMO CARACTERIZADA - INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA - RECURSO IMPROVIDO. No caso em tela, a relação existente entre as partes, é de consumo, haja vista que o destinatário final do produto é o agravado, que retirou o bem do mercado para utilizá-lo em sua lavoura, uma vez que o fungicida "stratego" foi utilizado para o combate da doença da soja chamada de "ferrugem asiática", encerrando assim a cadeia produtiva. Dessa forma, caracterizada a relação de consumo, resta saber se o caso concreto reclama a inversão do ônus da prova. Presentes os requisitos dispostos pelo legislador consumerista, apresenta-se correta a decisão que inverteu o ônus da prova." (RAI n° 46082/2006, 2ª Cam. Civ., Rel. Dr. José Juiz Leite Lindote, j. 15-3-2006, DJ 13-4-2006).

Em outra oportunidade este Sodalício assim também se pronunciou:

"(...) REPARAÇÃO DE DANOS - DEFENSIVO AGRÍCOLA - RELAÇÃO DE CONSUMO CARACTERIZADA - INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA - RECURSO IMPROVIDO. Caracteriza-se como relação de consumo, albergada pelo CDC, a aquisição de defensivo utilizado na produção agrícola. Definida a relação consumerista, mostra-se correta a decisão que impõe ao fornecedor do produto a inversão do ônus da prova, desde que configurada a verossimilhança da alegação ou demonstrada a hipossuficiência do consumidor." (RAI n° 44.090/2004, 3ª Cam. Civ., Rel. Des. Leônidas Duarte Monteiro, j. 15-12-2004)

Diante do exposto, NEGO PROVIMENTO ao presente Recurso, para manter de modo integral a decisão recorrida.

Custas legis.

É como voto.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a SEGUNDA CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência do DES. A. BITAR FILHO, por meio da Câmara Julgadora, composta pela DESA. MARIA HELENA GARGAGLIONE PÓVOAS (Relatora), DES. A. BITAR FILHO (1º Vogal) e DES. DONATO FORTUNATO OJEDA (2º Vogal), proferiu a seguinte decisão: RECURSO IMPROVIDO, À UNANIMIDADE.

Cuiabá, 22 de abril de 2009.

DESEMBARGADOR A. BITAR FILHO - PRESIDENTE DA SEGUNDA CÂMARA CÍVEL

DESEMBARGADORA MARIA HELENA GARGAGLIONE PÓVOAS - RELATORA




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