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quarta-feira, 13 de maio de 2009

JURID - Revisão da renda mensal inicial da aposentadoria. [13/05/09] - Jurisprudência


Revisão da renda mensal inicial da aposentadoria por tempo de serviço. Índices de correção previstos na Lei Nº 6.423/77 (OTN/ORTN).

Conselho da Justiça Federal - CJF.

TURMA NACIONAL DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS

PROCESSO Nº 200751600033136

CLASSE: PEDIDO DE UNIFORMIZAÇÃO DE INTERPRETAÇÃO DE LEI FEDERAL

ORIGEM: SEÇÃO JUDICIÁRIA DO RIO DE JANEIRO

REQUERENTE: FRANCISCO D'ANELLO

REQUERIDO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

RELATOR: JUIZ FEDERAL RICARLOS ALMAGRO VITORIANO CUNHA

RELATÓRIO

Trata-se de pedido de uniformização de interpretação de lei federal em que se alega divergência entre acórdão da Turma Recursal da Seção Judiciária do Rio de Janeiro e do Superior Tribunal de Justiça (Lei n.º 10.259, art. 14).

Insurge-se o requerente contra decisão da Turma Recursal do Rio de Janeiro que, mantendo a sentença do juízo a quo pronunciou a decadência do direito daquele à revisão do valor da renda mensal inicial, utilizando-se a variação nominal da OTN/ORTN na atualização dos 24 (vinte e quatro) salários de contribuição anteriores aos 12 (doze) últimos recolhidos pelo mesmo.

Sustentou fazer jus à referida revisão uma vez que, tendo sido seu benefício concedido na sistemática precedente à Lei nº 8.213/91, a sua RMI teria sido calculada baseada em índices de correção diversos do previsto na Lei nº 6.423/77 (OTN/ORTN). Já, a sentença e o acórdão ora impugnado estabeleceram que a pretensão autoral estaria submetida ao prazo decadencial previsto no art. 103 da Lei nº 8.213/91, modificado pela MP nº 1.523-9, portanto, como a presente ação foi ajuizada aos 27/08/2007, não subsistiria o direito à revisão pleiteada.

Argumenta o requerente no presente incidente, em síntese, que os benefícios concedidos anteriormente à edição da MP nº 1.523-9, convertida na Lei nº 9.528/97 não estariam sujeitos ao prazo decadencial nela previsto.

O INSS apresentou impugnação ao presente incidente, argumentando que, em verdade, é válida a aplicação da MP nº 1.523/97 aos benefícios concedidos anteriormente à sua edição, posto que a mesma estaria incidindo sobre fatos posteriores.

É o relatório.

TURMA NACIONAL DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS

PROCESSO Nº 200751600033136

CLASSE: PEDIDO DE UNIFORMIZAÇÃO DE INTERPRETAÇÃO DE LEI FEDERAL

ORIGEM: SEÇÃO JUDICIÁRIA DO RIO DE JANEIRO

REQUERENTE: FRANCISCO D'ANELLO

REQUERIDO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

RELATOR: JUIZ FEDERAL RICARLOS ALMAGRO VITORIANO CUNHA

VOTO

O acórdão proferido pela Turma Recursal do Rio de Janeiro e a sentença do juízo a quo, embora divergindo quanto à data de início de seus efeitos, pronunciaram a decadência do direito do requerente à revisão da RMI de seu benefício, em virtude da edição da MP nº 1.523/97, posteriormente convertida na Lei nº 9.528/97, que alterando o art. 103 da Lei de Benefícios da Previdência Social instituiu o prazo decadencial de dez anos para todo e qualquer direito ou ação do segurado ou dependente para a revisão do ato de concessão do benefício.

Destaco aqui que o STJ já tem como consolidado, quanto ao tema, que o prazo decadencial do direito à revisão da renda mensal inicial dos benefícios previdenciários concedidos antes do ano de 1997, não atinge os benefícios concedidos anteriormente à edição da MP nº 1.523-9/97.

Confira-se, a título de ilustração, os arestos a seguir:

PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO ESPECIAL. OMISSÃO CONSTATADA. DECISÃO ULTRA PETITA. REVISÃO DE BENEFÍCIO. DECADÊNCIA. PRAZO. TERMO INICIAL. ART. 103 DA LEI 8.213/91 E SUAS POSTERIORES ALTERAÇÕES. BENEFÍCIO CONCEDIDO ANTES DA SUA VIGÊNCIA. IMPOSSIBILIDADE DE RETROAÇÃO. PRECEDENTES EMBARGOS DE DECLARAÇÃO ACOLHIDOS COM ATRIBUIÇÃO DE EFEITOS INFRINGENTES. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.

(...).

2. O prazo decadencial estabelecido no art. 103 da Lei 8.213/91, e suas posteriores alterações, não pode retroagir para alcançar situações pretéritas, atingindo benefícios regularmente concedidos antes da sua vigência. Precedentes.

3. Embargos de declaração acolhidos, com atribuição de efeitos infringentes, para dar parcial provimento ao recurso especial. (STJ - EDcl no REsp nº 527331/SP - 5ª Turma - Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima - publicado no DJ em 23.06.2008)

AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. PREVIDENCIÁRIO. REVISÃO DA RENDA MENSAL INICIAL. PRAZO DECADENCIAL. ART. 103 DA LEI Nº 8.213/91. MEDIDA PROVISÓRIA Nº 1.523/97. INOCORRÊNCIA. INCIDÊNCIA DO ENUNCIADO Nº 83 DA SÚMULA DESTA CORTE SUPERIOR DE JUSTIÇA.

1. A jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça firmou-se no sentido de que o prazo decadencial do direito à revisão da renda mensal inicial dos benefícios previdenciários concedidos antes de 1997, cujo ato concessivo fora instituído pela Medida Provisória nº 1.523/97, convertida na Lei nº 9.528/98 e alterado pela Lei nº 9.711/98, não alcança os benefícios concedidos antes de 27 de junho de 1997, data da nona edição da referida Medida Provisória.

(...).

4. Agravo Regimental improvido. (STJ - AgRg no REsp nº 863325/SC - 6ª Turma - Rel. Min. Hamilton Carvalhido - publicado no DJ em 07.04.2008)

Acuso ainda, por oportuno, a existência de manifestação dessa Turma Nacional de Uniformização no mesmo sentido adotado pelo STJ, conforme se extrai do julgado a seguir:

REVISÃO DE RENDA MENSAL INICIAL DE APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO, COM BASE NA LEI Nº 6.423/77.

1. Não se aplica o instituto da decadência do art. 103 da Lei n. 8.213/91, com a redação dada pela Lei n. 9.528/97, a fatos anteriores a sua vigência. O instituto só atinge relações jurídicas a partir de sua vigência.

2. Segundo o entendimento do STJ, Súmula 7 do TRF/3ª Região e Súmula 2 do TRF/4ª Região, a correção monetária dos salários-de-contribuição, relativos a benefícios previdenciários concedidos antes da Lei n. 8.213/91, deve ser calculada pela variação da ORTN/OTN, a teor da Lei n. 6.423/77.

3. Honorários advocatícios em 20% sobre o valor da causa, corrigidos desde o ajuizamento da ação (art. 55 da Lei n. 9.099/95).

4. Recurso a que se nega provimento. (TNU - RECURSO CÍVEL nº 200241007002573 - 1ª Turma Recursal - RO - Rel. Selmar Saraiva da Silva Filho - publicado no DJ em 09.09.2002)

No presente caso, a data de início do benefício do requerente remonta a 12/02/1986, portanto, muito anterior à edição da norma que criou o prazo decadencial a que ora se sujeitam os benefícios previdenciários, no que concerne à revisão do ato de concessão, ou qualquer outro direito relativo aos mesmos.

Portanto, na esteira das decisões acima apontadas, às quais me filio, reputo incabível a incidência do efeito previsto no art. 103 da Lei nº 8.213/91, e suas posteriores alterações, em relação ao benefício previdenciário concedido ao requerente, fazendo o mesmo jus à revisão pretendida.

O requerente teve a RMI de seu benefício calculada em desconformidade com a Lei nº 6.423/77, que previa a variação da OTN/ORTN como fatores de correção monetária, razão pela qual impõe-se o acerto pleiteado.

Ante o exposto, tenho por caracterizada a divergência, pelo que voto no sentido de DAR PROVIMENTO AO PEDIDO DE UNIFORMIZAÇÃO, reformando o acórdão e sentença proferidos, reconhecendo o direito do requerente à revisão da RMI nos termos pleiteados através do presente incidente.

Vitória, 16 de fevereiro de 2009.

RICARLOS ALMAGRO VITORIANO CUNHA
Juiz Federal Relator

PROCESSO: 2007.51.60.003313-6

ORIGEM: RJ - SEÇÃO JUDICIÁRIA DO RIO DE JANEIRO

REQUERENTE: FRANCISCO D ANELLO

PROC./ADV.: REINALDO CONÍGLIO RAYOL JÚNIOR

REQUERIDO(A): INSS

PROC./ADV.: MARIA PAULA TEPERINO

RELATOR(A): JUIZ FEDERAL RICARLOS ALMAGRO VITORIANO CUNHA

RELATÓRIO

Conforme já relatado pelo i. Juiz Federal RICARLOS ALMAGRO, trata-se de incidente de uniformização de jurisprudência interposto pelo Autor em face de acórdão de Turma Recursal do Rio de Janeiro que decretou a decadência do direito de postular a revisão da R.M.I. de seu benefício previdenciário instituído em 12 de fevereiro de 1986.

O Recorrente argumenta que o v. acórdão da Turma do Rio de Janeiro diverge da jurisprudência pacificada no C. STJ, no sentido de que a decadência ora prevista no art. 103 da Lei nº 8.213/91 (com a redação que lhe deu a Medida Provisória nº 1.523, de junho de 2007, convertida na Lei nº 9.528/97), não se aplica aos benefícios previdenciários concedidos anteriormente ao seu advento.

Assim decidiu o v. acórdão da Eg. 1ª Turma Recursal do Rio de Janeiro:

"(...) A recorrente alega a imprescritibilidade do referido benefício por ter sido este concedido anteriormente à vigência da MP 1.523/1997, que instituiu prazo decadencial do direito de revisão de ato de concessão de benefício.

Um dos pilares do Direito é a segurança das relações jurídicas, que justifica os institutos da prescrição e da decadência, ao estabelecer prazos para que as pessoas procurem a defesa de seus direitos, considerando que, após o decurso destes, os detentores daqueles direitos preferiram não buscar sua reparação, exatamente por não terem agido no momento correto.

Há tese no sentido de que, como a DIB do benefício é anterior a MP 1523-9/1997, não estaria assim submetido ao prazo decadencial de dez anos trazido por esta. Entretanto, a solução não pode ser estabelecida dessa forma, afinal, fixar dois prazos prescricionais para benefícios previdenciários, ou pior, tornar alguns imprescritíveis, seria extremamente injusto e atentaria contra a segurança das relações jurídicas que é um dos pilares do Direito.

Dessa forma, correta está a sentença que reconheceu a decadência do direito à revisão pleiteada. Todavia, entendo que o termo inicial do prazo de dez anos para a revisão do ato de concessão dos benefícios previdenciários anteriores a sua vigência deve ser a data da entrada em vigor da MP 1.523-9/1997 (posteriormente convertida na Lei 9528/97), ou seja, 28/06/1997.

Ante o exposto, CONHEÇO DO RECURSO E LHE NEGO PROVIMENTO, mantendo a sentença por fundamento diverso. (...)"

Reconhecendo divergência entre o v. acórdão recorrido e paradigmas do C. STJ e desta Eg. TNU, e considerando a função uniformizadora desta Turma Nacional, o eminente relator houve por bem conhecer e dar provimento ao recurso, em voto exposto nas seguintes palavras:

"(...) Sr. Presidente, a tese do INSS, reconheço, é bastante sedutora. Ela basicamente consiste em afirmar a possibilidade de aplicar os prazos para revisão do ato concessório do benefício, mesmo aqueles concedidos antes da norma que o previu, desde que o faça computando-se o termo inicial para esse prazo a partir da sua vigência. Daí, supostamente, não haveria qualquer prejuízo ao beneficiário, além do que se estabeleceria uma isonomia com aqueles que tiveram seus benefícios deferidos posteriormente a esse ato normativo. Do contrário, segundo o INSS, haveria uma situação diferenciada entre beneficiários, alguns que não teriam qualquer prazo para pleitear a revisão e outros porque deferido o benefício posteriormente ao ato, um prazo fixado naquela norma.

Traz também uma interpretação dada pelos tribunais, inclusive pelo Superior Tribunal de Justiça, em relação à revisão dos atos administrativos por parte da administração pública, constante da Lei nº 9.784, que estabelece normas gerais em relação aos processos administrativos no âmbito da União Federal, dizendo que ali também, ao se prever um quinquênio para a revisão dos atos, deveria ser aplicada nova norma aos atos já praticados antes da sua vigência; porém, com o termo inicial desse prazo a partir dela.

Em relação à isonomia, embora não tenha preocupado-me muito na fundamentação com esse detalhe, lembro que também o Supremo Tribunal Federal não considerou, em situação análoga, a situação diferenciada que se estabeleceu com a sua decisão em relação à revisão da base de cálculo das aposentadorias por pensão, porque foi prevista uma majoração posteriormente, e ele asseverou que somente as novas concessões seriam aplicáveis à norma. Então, quanto a essa suposição diferenciada, não me parece o argumento de que o STF em algum caso sustentaria a retroação dessa norma, porque, em casos similares, também não considerou algo do gênero.

De qualquer forma, o argumento principal para sustentar o meu voto é o seguinte: sei que há, em alguns episódios, alguns integrantes da Turma que não concordam comigo, mas parece-me que a denominação desta Corte seja importante para fixar bem o seu papel. Somos não uma Turma Nacional, mas uma Turma Nacional de Uniformização, em que a lei prevê duas hipóteses de atuação: divergência de julgados entre turmas recursais integrantes de regiões distintas, caso em que, constatada a divergência, aí teríamos um requisito de admissibilidade do incidente, que passaria, analisando o mérito, a decidir qual das duas decisões prevaleceria - basicamente isso - ou, tratando-se de divergência com o STJ, parece-me que o próprio mérito a ser analisado seria esgotado na constatação da divergência de forma a afirmar a posição da Corte superior.

O Dr. Sebastião Ogê, de antemão, sei que discorda de mim, pois alegou na última ou penúltima sessão que, se fosse assim, não teria cabimento a previsão de um recurso ou incidente, se poderemos assim dizer, quando a Turma proferisse uma decisão contrária à do STJ. Naquela ocasião, vali-me, e aqui antecipo, desse argumento para reforçar a minha tese de que, exatamente, por não ser permitido à Turma julgar contrariamente ao que vem sendo estabelecido como jurisprudência dominante da Corte Superior é que, constatada essa hipótese, cabe o deslocamento da questão para o STJ.

Foi exatamente com base nessa linha de argumentação que, constatando que o STJ, em reiterados e inúmeros julgados que já disponibilizei a todos que integram o próprio voto, assevera a não-aplicação das novas normas que estabelecem prazos para a revisão da RMI de benefícios, concedidos anteriormente a sua vigência, como, por exemplo, os Embargos de Declaração no Recurso Especial nº 527.331, Relator o Sr. Ministro Arnaldo Esteves Lima, em que se assevera: o prazo decadencial estabelecido no art. 103 da Lei nº 8.213 e suas posteriores alterações não pode retroagir para alcançar situações pretéritas, atingindo benefícios regularmente concedidos antes de sua vigência. Nesse mesmo sentido, há vários outros arestos que trago no voto.

Também nesse sentido, se há posição dominante no STJ, firmada quanto à impossibilidade de retroação dessas novas normas a benefícios concedidos anteriormente a sua vigência, é que constato a impossibilidade de decisões conflitantes com esse posicionamento.

Conheço do pedido de uniformização e dou-lhe provimento."

SEGUNDA SESSÃO ORDINÁRIA DA TURMA DE UNIFORMIZAÇÃO

Presidente da Sessão: Ministro HAMILTON CARVALHIDO

Subprocurador-Geral da República: BRASILINO PEREIRA DOS SANTOS

Secretário(a): VIVIANE DA COSTA LEITE

Relator(a): Juiz(a) Federal RICARLOS ALMAGRO VITORIANO CUNHA

Requerente: FRANCISCO D'ANELLO

Proc./Adv.: REINALDO CONÍGLIO RAYOL JÚNIOR

Requerido: INSS

Proc./Adv.: MARIA PAULA TEPERINO

Remetente.: RJ - SEÇÃO JUDICIÁRIA DO RIO DE JANEIRO

Proc. Nº.: 2007.51.60.003313-6

CERTIDÃO

Certifico que a Egrégia Turma Nacional de Uniformização de Jurisprudência dos Juizados Especiais Federais, ao apreciar o processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão: "Após o voto do Juiz Relator dando provimento ao Incidente, pediu vista, antecipadamente, o Juiz Federal Manoel Rolim. Aguardam os Juízes Federais Derivaldo Filho, Jacqueline Bilhalva, Cláudio Canata, Manoel Rolim, Joana Carolina, Otávio Port, João Carlos Mayer, Élio Wanderley e Sebastião Ogê".

Participaram do julgamento os Excelentíssimos Juízes Federais Élio Wanderley de Siqueira Filho, Sebastião Ogê Muniz, Ricarlos Almagro Vitoriano Cunha, Derivaldo Figueiredo Filho, Jacqueline Michels Bilhalva, Cláudio Roberto Canata, Manoel Rolim Campbell Penna, Joana Carolina Lins Pereira, Otávio Henrique Martins Port e o Juiz Federal João Carlos Costa Mayer Soares, representando a 1ª Região na qualidade de 1º suplente.

Proferiu sustentação oral pelo requerente, o Dr. Cláudio Vale O. Freire - OAB/RJ 106034.

Proferiu sustentação oral pelo requerido, a Dra. Ana Lúcia de Fátima Bastos Estevão - PF

Brasília, 16 de fevereiro de 2009.

VIVIANE DA COSTA LEITE
Secretário(a)

PROCESSO: 2007.51.60.003313-6

ORIGEM: RJ - SEÇÃO JUDICIÁRIA DO RIO DE JANEIRO

REQUERENTE: FRANCISCO D ANELLO

PROC./ADV.: REINALDO CONÍGLIO RAYOL JÚNIOR

REQUERIDO(A): INSS

PROC./ADV.: MARIA PAULA TEPERINO

RELATOR(A): JUIZ FEDERAL RICARLOS ALMAGRO VITORIANO CUNHA

VOTO - VISTA

(Divergente)

Pedi vista dos autos para ter melhor oportunidade de expor minhas divergências do respeitável voto do i. relator, pois este caso enseja discussões de várias matérias de elevado interesse jurídico, tanto para a ordem dos ofícios desta Eg. Turma como para princípios e institutos jurídicos fundamentais em nosso país.

Demais, in casu, para além dos naturais efeitos norteador e multiplicador das decisões desta Turma Nacional de Uniformização, trata-se de situação com potencial de repercussão geral, pois afetante de uma extensa gama de benefícios previdenciários, consultando questões constitucionais com relevância econômica e jurídica que transcendem os interesses subjetivos da causa.

Para esta inglória tarefa de enfrentar não só o percuciente voto do i. relator, mas também o que já seria posição assentada no C. STJ e nesta Eg. TNU, é que peço a gentileza da paciência de V. Exas..

Conhecimento do Recurso

O Recorrente apontou divergência do v. acórdão recorrido em relação ao decidido pelo C. STJ nos julgamentos do AgRg no Ag nº 846.849/RS. Eis o acórdão:

AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. PREVIDENCIÁRIO. REVISÃO. LEI Nº 9.528/1997. BENEFÍCIO ANTERIORMENTE CONCEDIDO. DECADÊNCIA. IMPOSSIBILIDADE. APLICAÇÃO DA PRESCRIÇÃO QÜINQÜENAL.

1. Esta Corte já firmou o entendimento de que o prazo decadencial previsto no caput do artigo 103 da Lei de Benefícios, introduzido pela Medida Provisória nº 1.523-9, de 27.6.1997, convertida na Lei nº 9.528/1997, por se tratar de instituto de direito material, surte efeitos apenas sobre as relações jurídicas constituídas a partir de sua entrada em vigor.

2. Na hipótese dos autos, o benefício foi concedido antes da vigência da inovação mencionada e, portanto, não há falar em decadência do direito de revisão, mas, tão-somente, da prescrição das parcelas anteriores ao qüinqüênio antecedente à propositura da ação.

3. Agravo regimental improvido. (STJ - 5ª Turma - AgRg no Ag n° 846849/RS - rel. Min. JORGE MUSSI - DJe de 03/03/2008)

Assim como o e. relator, conheço do presente incidente, inclusive ratificando a decisão que já tomara quando, no exercício do cargo de Presidente das Turmas Recursais do Rio de Janeiro, admiti-o na origem para subida a esta Eg. Turma. Assim disse na ocasião:

"(...) O suscitante fundamenta o seu pedido juntando julgados do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que o prazo decadencial previsto no artigo 103 da lei 8213/91, introduzido pela Medida Provisória nº 1.523-9/97, convertida na Lei nº 9.528/97, por se tratar de norma de direito material, surte efeitos tão-somente sobre as relações jurídicas constituídas a partir de sua entrada em vigor.

Por outro lado, o voto/Acórdão proferido pela referida 1ª Turma Recursal desta Seção Judiciária possui entendimento diverso do acórdão paradigma, pois profere entendimento no sentido de que seria aplicável o prazo decadencial de dez anos, ainda que o benefício tenha sido concedido em data anterior à vigência da Lei 9.528/97.

Assim, havendo similitude fática e jurídica entre a situação presente e o aresto paradigma e configurada a divergência quanto ao teor dos julgamentos, ADMITO o incidente. (...)"

Peço licença, porém, para uma pequena ressalva quanto ao voto do M. Juiz relator em ponto que considero relacionado com o conhecimento do incidente no que toca a divergência do v. acórdão recorrida da jurisprudência desta Eg. Turma. Isso porque, em seu voto, S. Exa. manifesta:

"(...) Acuso ainda, por oportuno, a existência de manifestação dessa Turma Nacional de Uniformização no mesmo sentido adotado pelo STJ, conforme se extrai do julgado a seguir:

REVISÃO DE RENDA MENSAL INICIAL DE APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO, COM BASE NA LEI Nº 6.423/77.

1. Não se aplica o instituto da decadência do art. 103 da Lei n. 8.213/91, com a redação dada pela Lei n. 9.528/97, a fatos anteriores a sua vigência. O instituto só atinge relações jurídicas a partir de sua vigência.

2. Segundo o entendimento do STJ, Súmula 7 do TRF/3ª Região e Súmula 2 do TRF/4ª Região, a correção monetária dos salários-de-contribuição, relativos a benefícios previdenciários concedidos antes da Lei n. 8.213/91, deve ser calculada pela variação da ORTN/OTN, a teor da Lei n. 6.423/77.

3. Honorários advocatícios em 20% sobre o valor da causa, corrigidos desde o ajuizamento da ação (art. 55 da Lei n. 9.099/95).

4. Recurso a que se nega provimento. (TNU - RECURSO CÍVEL nº 200241007002573 - 1ª Turma Recursal - RO - Rel. Selmar Saraiva da Silva Filho - publicado no DJ em 09.09.2002) (...)"

Entretanto, concessa venia, S. Exa. deve ter sido induzido a erro, assim como também quase fui, pela ferramenta de pesquisa de jurisprudência disponibilizada na internet pelo CJF (http://www.jf.jus.br/juris/?), que anuncia acesso aos bancos de dados do STF, do STJ, dos TRFs e da TNU, mas não informa que também dá acesso a julgados de Turmas Recursais dos Juizados - ou seja, não apenas a acórdãos da TNU - como se deu no caso concreto.

É que, na realidade, o v. acórdão referido pelo relator é do Recurso Cível nº 200241007002573, julgado pela Eg. Turma Recursal das Seções Judiciárias dos Estados de Rondônia e Acre, e não por esta TNU.

Daí poderia surgir dúvida a respeito do cabimento do incidente por o v. acórdão recorrido não conflitar com entendimento assente nesta Eg. TNU. Entretanto, identifiquei o PUILF n° 2002.51.51.022396-0/RJ, relatora a Juíza Federal LILIANE RORIZ, julgado em 26/07/2004 (DJU 05/08/2004), em que esta Eg. TNU efetivamente expressou pensamento dissonante do v. acórdão recorrido, como se colhe da sua ementa:

PREVIDENCIÁRIO. DECADÊNCIA. PRESCRIÇÃO. ATUALIZAÇÃO DO SALÁRIO-DE-CONTRIBUIÇÃO. IRSM. FEVEREIRO DE 1994. 39,67%.

1. A Medida Provisória n. 1.523-9, de 27/06/97, renumerada depois para MP n. 1.596-14, de 10/11/97, e convertida, enfim, na Lei n. 9.528, de 10/12/97, deu nova redação ao art. 103, da Lei n. 8.213/91, passando a regular hipótese de decadência de dez anos - posteriormente reduzida para cinco (MP n. 1.663-15, de 22/10/98, convertida na Lei n. 9.711, de 20/11/98) e, uma vez mais, ampliada para dez anos (MP n.138, de 19/11/1003, convertida na Lei n. 10.839, de 05/02/2004) - para a revisão do ato de concessão de benefício, além de fixar, em seu parágrafo único, o prazo prescricional de cinco anos para as ações que buscam haver prestações vencidas ou diferenças devidas pela Previdência Social.

2. Uma vez que a decadência é questão de direito material, não pode a nova disposição legal alcançar situações constituídas em período anterior à sua edição, que se deu em 27/06/97 (MP n. 1.523-9), somente se aplicando para os benefícios concedidos após essa data.

3. O benefício ora em comento tem a data de início no dia 31/10/96, não se lhe aplicando, pois, a regra da decadência.

4. Quanto à regra da prescrição, por tratar o feito de prestações de trato sucessivo, prescrevem apenas as prestações vencidas há mais de cinco anos da propositura da ação, na forma contida no parágrafo único do art. 103, da Lei n. 8.213/91, e na Súmula n. 85 do STJ.

5. Na atualização dos salários-de-contribuição dos benefícios em manutenção, é aplicável a variação integral do IRSM no mês de fevereiro de 1994, no percentual de 39,67% (artigo 21, § 1º da Lei n. 8.880/94).

6. Incidente conhecido e provido.

Há, pois, razões para se conhecer do presente incidente por conflito do v. acórdão da 1ª Turma Recursal do Rio de Janeiro com os entendimentos já expressados pelo C. STJ e por esta Eg. TNU.

Possibilidade de a TNU divergir do STJ

Questão de ordem para os trabalhos neste caso, a ser deliberada prefacialmente ao mérito do incidente, diz com a possibilidade de esta Turma Nacional de Uniformização dos Juizados divergir de entendimento que se veja assentado no C. Superior Tribunal de Justiça.

O voto do i. relator destaca que tal divergência contrariaria a própria razão de ser, de uniformizar, desta Turma Nacional, que tem dentre as hipóteses de admissibilidade dos recursos que lhe são dirigidos exatamente a contrariedade que já se veja entre acórdão de Turma Recursal, Estadual ou Regional, e a jurisprudência do C. STJ. Assim prevê o art. 14, § 2°, da Lei n° 10.259/01:

Art. 14. Caberá pedido de uniformização de interpretação de lei federal quando houver divergência entre decisões sobre questões de direito material proferidas por Turmas Recursais na interpretação da lei.

(...)

§ 2º O pedido fundado em divergência entre decisões de turmas de diferentes regiões ou da proferida em contrariedade a súmula ou jurisprudência dominante do STJ será julgado por Turma de Uniformização, integrada por juízes de Turmas Recursais, sob a presidência do Coordenador da Justiça Federal.

Vênia devida ao pensamento do i. relator, de tal dispositivo não se pode extrair qualquer vinculação de que o julgamento da TNU deva sempre se dar no sentido de ajustar o acórdão da Turma Recursal recorrido à jurisprudência dominante no Superior Tribunal de Justiça.

De fato, daí somente se pode inferir a imposição legal de que a dissintonia verificada entre a Turma Recursal e o STJ é requisito de admissibilidade, essencial para -- e tão-somente para - o conhecimento do pedido de uniformização que se encaminha para a Turma Nacional dos Juizados.

Conquanto concebida como órgão que visa à uniformização jurisprudencial, a Turma Nacional de Uniformização dos Juizados, para ser Corte de Justiça tem que ter, e saber exercer, a autonomia e a independência em seus julgamentos. Ou seja, ainda que a divergência com a jurisprudência do C. STJ seja uma das razões que ensejam a admissibilidade do pedido de uniformização formulado à TNU, ela não se vê submissa ou vinculada àquele entendimento adotado pelo STJ, preservando sua independência para decidir.

A TNU julga os conflitos que lhe são submetidos, com base no livre convencimento motivado que expõe a respeito dos fatos e das questões jurídicas que examina. Como, aliás, deve ser qualquer órgão jurisdicional em nosso país, ressalvada apenas a prevalência de súmula vinculante do STF.

Se assim não fosse, restaria sem razão de ser o § 4° do mesmo art. 14 da Lei n° 10.259/01, que expressamente sinaliza a possibilidade de o julgamento pela Turma de Uniformização contrariar a jurisprudência dominante no STJ, nos seguintes termos:

Art. 14. Caberá pedido de uniformização de interpretação de lei federal quando houver divergência entre decisões sobre questões de direito material proferidas por Turmas Recursais na interpretação da lei.

(...)

§ 4º Quando a orientação acolhida pela Turma de Uniformização, em questões de direito material, contrariar súmula ou jurisprudência dominante no Superior Tribunal de Justiça - STJ, a parte interessada poderá provocar a manifestação deste, que dirimirá a divergência.

Concessa venia, diversamente do que sustenta o i. relator, não vejo que a existência de tal recurso ratifique a impossibilidade de a TNU divergir do STJ, pois, evidentemente, também não é obrigatório que tal recurso deve ser obrigatoriamente provido, pois então, mais ainda, estar-se-ia coarctando a autonomia e a independência do C. STJ, que muito bem pode deliberar por reconsiderar ou evoluir a interpretação de determinada situação. O que é perfeitamente possível acontecer. Quantas guinadas jurisprudenciais já não vimos de ver?

Sem dúvida, é desejável que os entendimentos da TNU e do STJ sejam convergentes, o que tende a ocorrer porque a solução jurídica surja naturalmente de forma menos controversa. Com isso inclusive se pode avaliar a eficiência e a coerência do sistema judicial.

Não obstante, a possibilidade de a TNU dissentir da jurisprudência do STJ põe-se como salutar hipótese de oxigenação daquela mesma jurisprudência, como, por exemplo, quando traz à baila novos argumentos eventualmente não sopesados nos julgamentos anteriores. Ou, ainda, quando adota razões de ordem eminentemente constitucional que, afinal, caberão ao Supremo Tribunal Federal decidir e que, mesmo por isso, escapam da dicção final do STJ, no que esta se orienta para a uniformização da interpretação da legislação federal, como consta no art. 103, inc. III, da Constituição Federal e no já mencionado § 4° do art. 14 da Lei n° 10.259/01.

Em suma, a divergência entre a Turma Recursal e jurisprudência prevalente no STJ é requisito de admissibilidade do incidente de uniformização de jurisprudência, mas não vincula o resultado do julgamento pela TNU, que é livre para deliberar sobre a quaestio juris que lhe é submetida.

Quaestio juris

Cuida-se de decidir se a decadência do direito de postular a revisão do ato de concessão de benefício previdenciário, prevista no art. 103 da Lei nº 8.213/91 a partir da Medida Provisória nº 1.523-9, de 27.06.1997, tem aplicação aos benefícios previdenciários concedidos antes do seu advento.

O caminho para a resposta a tal questão passa pelo exame dos institutos da prescrição, da decadência, do direito adquirido e do ato jurídico perfeito, à luz dos princípios da segurança e da confiança jurídicas e da irretroatividade das leis.

Só por tal exposição já se desvela o conteúdo eminentemente constitucional da problemática, a ratificar a hipótese de esta TNU dissentir do STJ em matéria constitucional, cuja solução final cabe ao STF.

Pelo quanto já visto, pode-se sintetizar que os pensamentos anteriores do C. STJ e desta Eg. Turma postam-se contrários à possibilidade de o prazo decadencial, de natureza material, retroagir para incidir sobre benefícios previdenciários concedidos quando não havia a previsão de prazo limite para postular a revisão do ato de concessão do benefício. Considera-se a eternidade da possibilidade de contestar o ato de instituição do benefício como direito incorporado ao patrimônio jurídico do segurado, pois assim era quando se aperfeiçoou o ato jurídico previdenciário. Eis algumas expressões desse pensamento:

"(...) O prazo de decadência instituído pelo art. 103, da Lei nº 8.213/91, com redação dada pela Medida Provisória nº 1.523/97, não se aplica aos pedidos de revisão de benefícios ajuizados antes de sua vigência, pois o novo regramento não tem aplicação retroativa. (...)" (STJ - 6ª Turma - REsp n° 254.969/RS - Rel. Min. VICENTE LEAL - DJ 11/9/2000)

"(...) II - O prazo decadencial do direito à revisão de ato de concessão de benefício previdenciário, instituído pela MP 1.523/97, convertida na Lei 9.528/98 e alterado pela Lei 9.711/98, não alcança os benefícios concedidos antes de 27.06.97, data da nona edição da MP 1.523/97.

(...)" (STJ - 5ª Turma - REsp nº 254.186/PR - Rel. Min. GILSON DIPP - DJ 27/8/2001)

"(...) 1. O prazo de decadência para revisão da renda mensal inicial do benefício previdenciário, estabelecido pela Medida Provisória nº 1.523/97, convertida na Lei 9.528/97, que alterou o artigo 103 da Lei nº 8.213/91, somente pode atingir as relações jurídicas constituídas a partir de sua vigência, vez que a norma não é expressamente retroativa e trata de instituto de direito material. (...)" (STJ - 6ª Turma - REsp n° 479.964/RN - Rel. Min. PAULO GALLOTTI - DJ 10/11/2003)

"(...) I - Quando da concessão do benefício, não existia prazo decadencial do direito à revisão dos benefícios previdenciários, restando assim configurada uma condição jurídica definida conforme a legislação vigente à época das aposentadorias. Precedentes.

II - Se a Lei nº 8.213/91, em seu art. 103, com a redação dada pela Medida Provisória nº 1523-9/97, introduziu tal prazo decadencial, essa restrição superveniente não poderá incidir sob situações já constituídas sob o pálio de legislação anterior. (...)" (STJ - 5ª Turma - AgRg no Ag 831.111/PR - Rel. Min. FELIX FISCHER - DJ 11/6/2007)

"(...) A lei que institui o prazo decadencial só pode produzir efeitos após a sua vigência. Assim, decadência deve incidir apenas em relação aos segurados que tiveram seus benefícios concedidos após a publicação da lei. (...)" (STJ - 6ª Turma - REsp nº 240493/SC - rel. Min. MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA - DJ 10/09/2007 p. 314)

Entretanto, concessa maxima venia dos que a sustém, essa linha de pensamento não constitui a solução acertada para a hipótese; ao revés, contradita fundamentos de nosso Estado de Direito e desvirtua conceitos e institutos jurídicos tradicionais. Senão vejamos.

Prescrição e Decadência

Prescrição deriva do latim praescriptio e, "como expressão jurídica, originariamente, (...) significava exceção", assim sendo compreendida, no direito romano, como as alegações "trazidas preliminarmente como medidas ou justificativas dos direitos em demanda", de tal forma que "não podia o julgador ocupar-se do processo, sem que primeiro solucionasse a matéria que nela se argüia"(1).

Conforme ressalta o i. Desembargador HUMBERTO THEODORO JÚNIOR, "a prescrição, tal como vigora nos direitos positivos modernos, deita suas raízes no direito romano posclássico e justinianeu, "quando a exigência de certeza nas relações jurídicas se torna essencial na vida negocial, e então se faz exprimir na legislação imperial". (...) O instituto da decadência nunca chegou a ser trabalhado no direito romano, e só no Século XIX é que o direito moderno elaborou suas bases. (...)"(2).

A acepção jurídica atual de prescrição exprime, lato sensu, o modo de extinção de um direito em vista do seu não exercício por certo lapso de tempo. É, pois, a omissão, a inércia ou a negligência na "defesa desse direito pelo respectivo titular, dentro de um prazo, assinalado em lei, cuja defesa é necessária para que não o perca ou ele não se extinga "(3).

Ainda de HUMBERTO THEODORO JÚNIOR(4) vem a valiosa lição, sintética dos atuais posicionamentos doutrinário e legal sobre os institutos da prescrição e da decadência:

"(...) Em conclusão: a violação de um direito subjetivo gera, para o respectivo titular a pretensão, que se define como o poder ou a faculdade de exigir de alguém uma prestação (ação ou omissão). A pretensão sujeita-se a um prazo legal de exercício, que findo sem que o credor a tenha feito valer em juízo, provocará a prescrição.

(...)

Quando se trata de caducidade ou decadência (ou preclusão) o tempo se conta necessariamente desde o nascimento do direito potestativo (ou facultativo). Quando é de prescrição que se cogita, o prazo extintivo começa não do nascimento do direito, mas do momento em que a inércia do titular se manifestou, depois que ele já existia e veio a ser violado.

Assim delineados os contornos da prescrição e da decadência, pode-se definir a decadência como o fenômeno que faz extinguir os direitos potestativos, cujas faculdades nascem com um prazo de duração limitado. (...)"

Nessa linha, também o Prof. KIYOSHI HARADA ressalta(5) os critérios distintivos atualmente acatados entre prescrição e decadência:

"(...) O critério mais acertado para distinguir a decadência da prescrição é aquele baseado na divisão binária dos direitos subjetivos. Autores modernos têm sustentado essa distinção, baseados na classificação que Chiovenda apresenta em direitos que envolvem uma prestação (passíveis de violação) e direitos potestativos (insuscetíveis de violação).

Agnelo Amorim Filho, baseado nessa teoria, sustenta que:

a) somente os direitos que envolvem prestação conduzem à prescrição, porque somente esses são suscetíveis de violação, ensejando o nascimento da pretensão. E como a satisfação das pretensões só pode ser obtida por meio de ações condenatórias somente estas e todas elas se sujeitam aos efeitos da prescrição;

b) os direitos potestativos, que são por excelência direito sem pretensão, porque insuscetíveis de violação, não podem dar origem ao prazo prescricional. Como a tutela dos direitos potestativos se dá por meio de ação constitutiva, esta sofre os efeitos da decadência sempre que fixado prazo especial para o exercício do direito, para assegurar a tranqüilidade social;

c) são perpétuas as ações declaratórias, as quais visam tão-somente estabelecer uma certeza jurídica, bem como todas as ações constitutivas, sem prazo especial de exercício fixado em lei. (...)"

Em suma, e conforme as lições de CÂMARA LEAL(6), a decadência extingue o direito; a prescrição tem por objeto a ação. O prazo de decadência inicia a fluir com o nascimento do direito. O de prescrição, no momento em que o direito é violado, ameaçado ou desrespeitado, porque então é que nasce a ação, contra a qual a prescrição se dirige. A decadência opera sobre o direito que, embora nascido, não se tornou efetivo pela falta de exercício. Já a prescrição supõe um direito nascido e efetivo, mas que pereceu por falta de proteção de ação contra a violação sofrida.

Pois bem. E do que se trata neste caso? O discutido art. 103 da Lei n° 8.213/91 veio prever que:

"É de dez anos o prazo de decadência de todo e qualquer direito ou ação do segurado ou beneficiário para a revisão do ato de concessão de benefício (...)" (g.n.)

Só da redação do dispositivo já é perceptível a "salada" feita pelo legislador ao falar em decadência do direito de ação. A atecnia legislativa fica mais evidente quando se tenta aplicar a principiologia da decadência à situação de fato. Com efeito, vindo o novel dispositivo legal para obstar a intenção do segurado de haver revisão do ato de concessão de seu benefício previdenciário, de que direito potestativo se estaria a falar? Do direito de ajuizar ação para obter a revisão?

Tampouco se pode dizer que o direito do segurado rever o ato de concessão de seu benefício previdenciário configuraria direito potestativo, pois, pra assim ser, seria necessário que ele pudesse, sponte propria, proceder a tal revisão. O que, bem sabemos, não é assim. É preciso ele deduzir essa sua pretensão em Juízo e postular a condenação da Previdência Social para obter a revisão do ato de concessão de seu benefício previdenciário.

Sendo ainda que, por óbvio, a autarquia previdenciária pode contestar, no todo ou em parte, a pretensão de reavaliação da concessão do benefício previdenciário. Pode, inclusive, obter sucesso nessa resistência. Que direito potestativo é esse, passível de violação e de contestação, a ser defendido por ação condenatória?

Trata-se, indubitavelmente, de um direito (ao benefício previdenciário) que, nascido, foi exercido por seu titular em tempo próprio, tanto que obteve o benefício. Mas sua instituição, dependente de ato de terceiro (o instituto de previdência), pode ter se dado incorretamente; i. é, pode ter havido violação do direito do segurado ao benefício no momento em que ele lhe foi concedido pela Previdência Social.

Disso ressai inequívoco que o que a alteração na lei previdenciária veio prever foi hipótese de prescrição de fundo de direito, e não de decadência.

Mas há explicações para essa aparente falta de técnica legislativa.

A primeira é perceptível já na origem da novidade, oriunda de Medida Provisória, invenção do Executivo que, sempre, está a buscar formas de economizar verbas públicas. Para tanto, muito mais conveniente é falar em decadência do que em prescrição, pois, no primeiro caso, os prazos não se suspendem nem são interrompidos, expirando com certeza mais brevemente.

Outra razão, com mesma inspiração da primeira, percebe-se a partir duma análise histórica da inovação legislativa, vinda a lume em meado de 1997, quando ainda não existia a possibilidade de o juiz pronunciar, de ofício, a prescrição relativamente a direitos patrimoniais, mas somente a decadência(7). Ou seja, quis-se chamar o Judiciário para oficiar em defesa do caixa previdenciário.

As lições de CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA(8) dão boas luzes sobre os maiores benefícios para o Governo pela escolha do mecanismo da decadência, ao invés do da prescrição, para impor limites a direitos dos cidadãos que podem ensejar dispêndios de recursos públicos.

"No modo peculiar de operar, ou pelas conseqüências práticas, diferencia-se ainda a decadência da prescrição. O prazo desta interrompe-se pela propositura da ação conferida ao sujeito, recomeçando a correr de novo; o de caducidade é um requisito de exercício do direito, e, assim, uma vez ajuizada a ação, o tempo deixará de atuar no perecimento dele. A prescrição se interrompe por qualquer das causas legais incompatíveis com a inércia do sujeito, a decadência opera de maneira fatal, atingindo irremediavelmente o direito, se não for oportunamente exercido."

Neste ponto, cabe perquirir quanto aos limites do legislador na manipulação dos institutos jurídicos, in casu, os da prescrição e da decadência. Vale a admonição do i. Prof. HUMBERTO THEODORO JÚNIOR, por ocasião de comentários ao novo Código Civil italiano, in verbis:

"(...) Daí existir obra posterior ao Código Civil que, malgrado a literalidade de sua disposição, ainda defende a tese clássica de que a prescrição, como exceção processual, apenas extingue a ação e não o direito material do credor. O argumento é que a norma legal não pode ter a força de definição cabal da figura jurídica, em face da própria sistemática que adota para discipliná-la. Em casos como este, "a natureza estritamente teórica do problema exclui a validade de uma solução legislativa".

Com efeito, a lei não tem força, no tratar as categorias jurídicas, de contrariar a natureza das coisas. A palavra final não é a do legislador, mas a da ciência do direito.

O novo Código brasileiro, conhecendo a divergência entre o direito alemão e o italiano, preferiu seguir a tradição romanística consagrada pelo B.G.B., para considerar a prescrição como causa de extinção da pretensão (actio, no sentido romano de ação de direito material) e não do direito subjetivo material (...)"

(grifos nossos)

Segurança Jurídica

Trate-se de prescrição ou de decadência, ambos institutos tem inspiração no princípio da segurança jurídica, caro a qualquer sociedade, especialmente às fundadas num Estado Democrático de Direito.

Deveras, como ressalta a inteligência de nosso Supremo Tribunal Federal, "o tema é pedra angular do Estado de Direito sob a forma de proteção à confiança. (...) Como se vê, em verdade, a segurança jurídica, como subprincípio do Estado de Direito, assume valor ímpar no sistema jurídico, cabendo-lhe papel diferenciado na realização da própria idéia de justiça material. (...)" (STF - Pleno - MS n 24.268/MG - Rel. Min. GILMAR MENDES - DJ 17-09-2004 PP-00053).

De tanto decorre que a sanidade do Estado de Direito repugna a possibilidade de eternização dos conflitos; ao revés, milita pela estabilização das relações jurídicas, ao que os institutos da prescrição e da decadência emergem como instrumentos de especial utilidade. Dessarte, a prescritibilidade (lato sensu), como forma de perda da exigibilidade de direito pela inércia de seu titular, põe-se como um princípio geral de direito.

Inclusive nossa Magna Carta confirma a adoção do mecanismo da prescritibilidade como norte institucional de nosso Estado de Direito quando, a contrario sensu, cuida de ressalvar expressamente as hipóteses, estritas, em que, pela relevância das situações que envolvem, não ocorre a morte do direito pela inércia do titular em defendê-lo.

Assim, por exemplo, a Constituição Federal precisou estatuir expressamente a imprescritibilidade dos crimes de racismo e de grupos armados contra a ordem constitucional e o Estado Democrático (art. 5º, incs. XLII e XLIV)(9), das ações de ressarcimento ao erário pelos prejuízos que lhe advenham por ilícitos (art. 37, § 5°)(10) e a dos direitos dos índios sobre suas terras ancestrais (art. 231, § 4º)(11).

Assim, a possibilidade de impugnação da relação jurídica instituída não há de estar eternamente à disposição das partes dessa relação, o que afrontaria o princípio da segurança jurídica.

Histórico da Imprescritibilidade da Revisão do Benefício Previdenciário

No regime previdenciário geral anterior ao da Lei nº 8.213/91, modificada pela Medida Provisória nº 1523-9/1997, não existia previsão de prescritibilidade ou caducidade do direito do segurado da Previdência Social de postular a revisão do ato de concessão e da fixação da R.M.I. de seu benefício previdenciário.

Assim foi que, naquela lacuna, firmou-se sólido entendimento jurisprudencial "de que, cuidando-se de revisão de benefício, a prescrição não atinge o fundo de direito, mas apenas as prestações vencidas no qüinqüênio anterior à propositura da ação, nos termos do enunciado nº 85 da Súmula do STJ" (STJ - 6ª Turma - AGRESP n° 501503/PE - Rel. Min. PAULO GALLOTTI - DJ de 02/10/2006, p. 00318).

Mas, frise-se, no regime geral da Previdência Social. Pois, por outro lado, no tocante ao regime previdenciário estatutário sempre se reconheceu a prescrição do fundo de direito de postular revisão dessa espécie após transcorrido qüinqüênio do ato de instituição do benefício, com base no Decreto n° 20.910/32.

Com efeito, paralelamente, reconhecia-se que "nos casos em que o servidor busca a revisão do ato de aposentadoria, ocorre a prescrição do próprio fundo de direito após o transcurso de mais de cinco anos entre o ato de concessão e o ajuizamento da ação" (STJ - 5ª Turma - REsp n° 759.731/RS - Rel. Min. ARNALDO ESTEVES LIMA - DJ de 11/06/2007); sendo "entendimento consolidado deste Superior Tribunal de Justiça que a pretensão de alterar o ato de aposentadoria se submete à denominada prescrição do fundo de direito, prevista no art. 1.º do Decreto n.º 20.910/32, correndo o prazo da data do ato de aposentadoria" (STJ - 5ª Turma - AGRESP n° 977855/RS - Rel. Min. LAURITA VAZ - DJE de 12/05/2008).

Compreende-se que tal entendimento pretoriano relativo aos benefícios do RGPS tenha tido espaço para nascer e se firmar na ausência de previsão legal específica que limitasse o direito do segurado de buscar a revisão do seu benefício, o que ainda se justificaria pelo princípio in dubio pro misero, pelo caráter alimentar dos benefícios e pelos princípios de sobredireito orientadores de que, na omissão da lei, o juiz deve decidir baseado nos princípios gerais de direito e de que, na aplicação da lei, deve atender aos fins sociais por ela colimados(12).

Entretanto, a novel limitação veio baixada dentro do legitimo exercício da discricionariedade do legislador. Se assim não fosse, dever-se-ia recusar igualmente toda e qualquer outra disposição legal disciplinadora de prescrição afetante de verbas de natureza alimentar, assim por exemplos, as relativas às remunerações estatutárias ou trabalhistas.

Dessarte, agora, legem habemus, explícita, prevendo eficácia do subprincípio constitucional da segurança jurídica às situações dos benefícios previdenciários derivados do regime geral da Previdência Social; de tal sorte que não se pode mais sustentar a compreensão anterior, que se deve adaptar aos novos tempos.

Vejamos então a situação emergente das alterações legislativas vindas sobre a matéria.

Originalmente, o art. 103 da Lei nº 8.213/91 previa que "sem prejuízo do direito ao benefício, prescreve em 5 (cinco) anos o direito às prestações não pagas nem reclamadas na época própria, resguardados os direitos dos menores dependentes, dos incapazes ou dos ausentes". Donde se vê que, realmente, a lei previdenciária geral não contemplava hipótese de "prescrição de fundo de direito" relativamente à revisão do ato de concessão de benefício previdenciário, pelo que prevalecia tão-somente a previsão contida na súmula n° 85 do C. STJ.

Veio a Medida Provisória nº 1523-9/1997, convertida na Lei nº 9.528/1997, para estabelecer o prazo decadencial decenal, nos seguintes termos:

Art. 103. É de dez anos o prazo de decadência de todo e qualquer direito ou ação do segurado ou beneficiário para a revisão do ato de concessão de benefício, a contar do dia primeiro do mês seguinte ao do recebimento da primeira prestação ou, quando for o caso, do dia em que tomar conhecimento da decisão indeferitória definitiva no âmbito administrativo.

Sobreveio a Medida Provisória nº 1663-15, de 23.10.1998, convolada na Lei nº 9.711/1998, para reduzir o referido prazo decenal para 5 (cinco) anos.

Antes, porém, que transcorresse qüinqüênio, contado da primeira previsão de prazo decenal, foi editada a Medida Provisória nº 138, de 19.11.2003, restabelecendo aquele prazo decadencial em dez anos, hoje assentado pela Lei nº 10.839, de 05.02.2004.

Dessarte, o contexto histórico resultante da sucessão legislativa é o seguinte:

* até 27.6.1997 - não havia previsão legal de prazo decadencial, ou de prescrição de fundo de direito, para a revisão dos atos de instituição dos benefícios previdenciários;

* de 28.6.1997 a 20.11.1998 - tais revisões passam a estar sujeitas a prazo decadencial de 10 anos;

* de 21.11.1998 a 19.11.2003 - as revisões sujeitam-se a prazo decadencial de 5 anos;

* a partir de 20.11.2003 - tais revisões voltam a se submeter a prazo decadencial de 10 anos.

Exsurge assim conflito aparente de normas a ser necessariamente solvido pelas regras de direito intertemporal

Irretroatividade da Lei e Direito Intertemporal

Neste tópico, por primeiro, cumpre ressaltar que a partir da inserção da decadência no art. 103 da Lei nº 8.213/91 pela Medida Provisória nº 1523-9/1997, houve quem pretendesse aplicá-la aos benefícios previdenciários concedidos anteriormente contando-se o prazo do passado para a frente, isto é, tomando a D.I.B. como termo a quo e somando-se-lhe mais 10 anos. De tal forma que, logo ao início de vigência do novo prazo ver-se-iam já caducas as possibilidades de revisões de todos os benefícios concedidos até meados de 1987. Para tal hipótese, afiguram-se perfeitas e adequadas as considerações do C. STJ e desta Eg. TNU quanto à impossibilidade de retroação da nova lei em prejuízo de situações jurídicas já consolidadas.

Outra, porém, é a hipótese tratada nestes autos. Deveras, aqui também se decretou a decadência do direito de revisar a concessão de benefício previdenciário concedido anteriormente à previsão da decadência no art. 103 da Lei n° 8.213/91. Mas, neste caso, o v. acórdão recorrido tomou como termo a quo do prazo a época da inovação legal. Ou seja, o decênio decadencial é contado do presente para o futuro, a partir das previsões da Medida Provisória nº 1523-9/1997 em diante. De tal forma que somente a partir de 2007 a decadência passa a afetar os direitos de revisar os benefícios previdenciários concedidos antes de 1997.

Concessa venia dos que pensam em contrário, tal interpretação não significa dar aplicação retroativa à nova lei, mas sim afina-se com tradicionais lições doutrinárias e posições pretorianas a respeito das normas de direito intertemporal quando se trate de criação ou alteração de prazos de prescrição e decadência.

Ao ensejo, vale recordar as lições da doutrina evocadas no voto do e. Ministro CASTRO MEIRA, no julgamento do REsp nº 1053394/MS pela Eg. 2ª Turma do C. STJ, que, apesar de, naquela ocasião tratar-se da nova interpretação para a prescrição tributária vinda com a Lei Complementar n° 118/2005, têm cabimento neste caso, in verbis:

"(...) Invocando preclaros doutrinadores e precedentes provenientes do Supremo Tribunal Federal, a Corte Especial decidiu:

"Tratando-se de norma que reduz prazo de prescrição, cumpre observar, na sua aplicação, a regra clássica de direito intertemporal, afirmada na doutrina e na jurisprudência em situações dessa natureza: o termo inicial do novo prazo será o da data da vigência da lei que o estabelece, salvo se a prescrição (ou, se for o caso, a decadência), iniciada na vigência da lei antiga, vier a se completar, segundo a lei antiga, em menos tempo. São precedentes do STF nesse sentido:

'Prescrição Extintiva. Lei nova que lhe reduz prazo. Aplica-se à prescrição em curso, mas contando-se o novo prazo a partir da nova lei. Só se aplicará a lei antiga, se o seu prazo se consumar antes que se complete o prazo maior da lei nova, contado da vigência desta, pois seria absurdo que, visando a lei nova reduzir o prazo, chegasse a resultado oposto, de ampliá-Io' (RE 37.223, Min. Luiz Gallotti, julgado em 10.07.58).

'Ação Rescisória. Decadência. Direito Intertemporal. Se o restante do prazo de decadência fixado na lei anterior for superior ao novo prazo estabelecido pela lei nova, despreza-se o período já transcorrido, para levar-se em conta, exclusivamente, o prazo da lei nova, a partir do início da sua vigência' (AR 905/DF, Min. Moreira Alves, DI de 28.04.78).

No mesmo sentido: RE 93.11000, Min. Xavier de Albuquerque, julgado em 05.11.80; AR 1.025-6/PR, Min. Xavier de Albuquerque, DI de 13.03.81.

É o que se colhe, também, de abalizada doutrina, como, v.g., a de Pontes de Miranda (Comentários ao Código de Processo Civil, Forense, 1998, Tomo VI, p. 359), Barbosa Moreira (Comentários ao Código de Processo Civil Forense, 1976, volume V, p. 205-207) e Galeno Lacerda, este com a seguinte e didática lição sobre situação análoga (redução do prazo da ação rescisória, operada pelo CPC de 1973):

'A mais notável redução de prazo operada pelo Código vigente incidiu sobre o de propositura da ação rescisória. O velho e mal situado prazo de cinco anos prescrito pelo Código Civil (art. 178, § 10, VIII) foi diminuído drasticamente para dois anos (art. 495). Surge, aqui, interessante problema de direito transitório, quanto à situação dos prazos em curso pelo direito anterior. A regra para os prazos diminuídos é inversa da vigorante para os dilatados. Nestes, como vimos, soma-se o período da lei antiga ao saldo, ampliado, pela lei nova. Quando se trata de redução, porém, não se podem misturar períodos regidos por leis diferentes: ou se conta o prazo, todo ele pela lei antiga, ou todo, pela regra nova, a partir, porém, da vigência desta. Qual o critério para identificar, no caso concreto, a orientação a seguir? A resposta é simples. Basta que se verifique qual o saldo a fluir pela lei antiga. Se for inferior à totalidade do prazo da nova lei, continua-se a contar dito saldo pela regra antiga. Se superior, despreza-se o período já decorrido, para computar-se, exclusivamente, o prazo da lei nova, na sua totalidade, a partir da entrada em vigor desta. Assim, por exemplo, no que concerne à ação rescisória, se já decorreram quatro anos pela lei antiga, só ela é que há de vigorar: o saldo de um ano, porque menor ao prazo do novo preceito construa a fluir, mesmo sob a vigência deste. Se, porém, passou-se, apenas, um ano sob o direito revogado, o saldo de quatro, quando da entrada em vigor da regra nova, é superior ao prazo por esta determinado. Por este motivo, a norma de aplicação imediata exige que o cômputo se proceda, exclusivamente, pela lei nova, a partir, evidentemente, de sua entrada em vigor, isto é, os dois anos deverão contar-se a partir de 1º de janeiro de 1974. O termo inicial não poderia ser, nesta hipótese, o do trânsito em julgado da sentença, operado sob lei antiga, porque haveria, então, condenável retroatividade' (O Novo Direito Processual Civil e os Feitos Pendentes, Forense, 1974, pp. 100-101).

Câmara Leal tem pensamento semelhante:

'Estabelecendo a nova lei um prazo mais curto de prescrição, esse começará a correr da data da nova lei, salvo se a prescrição iniciada na vigência da lei antiga viesse a se completar em menos tempo, segundo essa lei, que, nesse caso, continuaria a regê-la, relativamente ao prazo' (Da Prescrição e da Decadência, Forense, 1978, p.90). (...)" (STJ - 2ª Turma - REsp n° 1053394/MS - Rel. Min. CASTRO MEIRA - DJ de 16.06.2008, p. 1).

Neste ponto, cabe ainda recordar que o próprio C. STJ, por ocasião de decidir sobre a contagem do prazo decadencial para a Administração rever seus atos, inventado pelo art. 54 da Lei n° 9.784/99, reconheceu que a correta aplicação da regra de direito intertemporal impõe que se aplique o novo prazo a partir da vigência da nova lei, com possibilidade de incidir sobre os atos administrativos praticados anteriormente à novel disposição legal. A propósito, verbi gratia, os seguintes acórdãos da Corte Especial e da 1ª Turma:

"ADMINISTRATIVO - ATO ADMINISTRATIVO: REVOGAÇÃO - DECADÊNCIA - LEI 9.784/99 - VANTAGEM FUNCIONAL - DIREITO ADQUIRIDO - DEVOLUÇÃO DE VALORES.

Até o advento da Lei 9.784/99, a Administração podia revogar a qualquer tempo os seus próprios atos, quando eivados de vícios, na dicção das Súmulas 346 e 473/STF.

A Lei 9.784/99, ao disciplinar o processo administrativo, estabeleceu o prazo de cinco anos para que pudesse a Administração revogar os seus atos (art. 54).

A vigência do dispositivo, dentro da lógica interpretativa, tem início a partir da publicação da lei, não sendo possível retroagir a norma para limitar a Administração em relação ao passado.

Ilegalidade do ato administrativo que contemplou a impetrante com vantagem funcional derivada de transformação do cargo efetivo em comissão, após a aposentadoria da servidora.

Dispensada a restituição dos valores em razão da boa-fé da servidora no recebimento das parcelas.

Segurança concedida em parte." (STJ - Corte Especial - MS 9112 / DF - rel. Min. ELIANA CALMON - DJ 14/11/2005 p. 174 - g.n.)

"(...) 3. A prerrogativa de rever seus atos (jurídicos), sem necessidade de tutela judicial, decorre do cognominado princípio da autotutela administrativa da Administração Pública.

4. Consoante cediço, a segurança jurídica é princípio basilar na salvaguarda da pacificidade e estabilidade das relações jurídicas, por isso que não é despiciendo que a segurança jurídica seja a base fundamental do Estado de Direito, elevada ao altiplano axiológico. Sob esse enfoque e na mesma trilha de pensamento, J.J. Gomes Canotilho:

"Na actual sociedade de risco cresce a necessidade de actos provisórios e actos precários a fim de a administração poder reagir à alteração das situações fáticas e reorientar a prossecução do interesse público segundo os novos conhecimentos técnicos e científicos. Isto tem de articular-se com salvaguarda de outros princípios constitucionais, entre os quais se conta a proteção da confiança, a segurança jurídica, a boa-fé dos administrados e os direitos fundamentais". (José Joaquim Gomes Canotilho, Direito constitucional e Teoria da Constituição. Ed. Almedina: Coimbra, 4ª edição)

5. A Corte Especial deste Tribunal, no julgamento dos Mandados de Segurança nºs 9.112/DF, 9.115/DF e 9.157/DF, na sessão realizada em 16/02/2005, decidiu que a aplicação da Lei n.º 9.784, de 29 de janeiro de 1999, deverá ser irretroativa. Logo, o termo a quo do quinquênio decadencial, estabelecido no art. 54 da mencionada lei, contar-se-á da data de sua vigência, e não da data em que foram praticados os atos que se pretende anular.

6. O art. 54, da Lei 9.784/99 dispõe sobre o prazo decadencial para a Administração Pública anular os seus atos, explicitando que: "O direito da Administração de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os destinatários decai em cinco anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé" (...)". (STJ - 1ª Turma - REsp n° 658130/SP - Rel. Min. LUIZ FUX - unânime - DJ de 28/09/2006, p. 00195 - g.n.)

Ou seja, naquela ocasião o C. STJ reconheceu não se verificar indevida retroatividade do novo prazo decadencial, aplicável mesmo aos atos praticados anteriormente à edição da nova lei, desde que o prazo de caducidade tivesse seu termo a quo na nova lei.

Ora, foi exatamente isso o que fez o v. acórdão ora recorrido. E razão não há para que a mesma lógica adotada naquela ocasião não se possa aplicar a esta situação da nova decadência prevista em seara previdenciária.

Abro parênteses para ressaltar que, no caso da Lei n° 9.784/99 trata-se de genuíno prazo decadencial, pois, como os próprios acórdãos reconhecem, e é curial, a Administração pode, por sua própria conta e atos, no exercício de autotutela, rever os atos que pratica. Diversamente do segurado da Previdência Social que, como já se ponderou, não pode, sponte propria, proceder à revisão do ato de concessão de sua aposentadoria, necessitando movimentar ação condenatória para tal fim, daí se sustentar que esta hipótese é de prescrição de fundo de direito, não de decadência.

Ato Jurídico Perfeito

Outro argumento que se alevanta em prol da possibilidade de o segurado poder eternamente vindicar a revisão do seu benefício previdenciário concedido antes da Medida Provisória nº 1523-9/1997 é o de que o benefício concedido sob regime legal que não previa a decadência do direito a tal revisão constitui ato jurídico perfeito, portanto indene a modificações por lei nova.

Por tal linha de raciocínio, quando o segurado da Previdência Social, que já adquiriu o direito à aposentadoria, segundo a lei então vigente, exerce tal direito subjetivo, e se aposenta, a situação jurídica toma-se definitivamente constituída, configurando o ato jurídico perfeito e acabado. Ou seja, a se aplicar a este caso o prazo decadencial estabelecido pelo artigo 103 da Lei nº 8.213/91 estar-se-ia dando à lei nova efeito retroativo, para prejudicar ato jurídico perfeito, ou os efeitos de tal ato. Isso porque, quando houve o ato de aposentadoria, o segurado da Previdência Social teria, segundo a lei então vigente, o direito subjetivo de, a qualquer tempo, pleitear a revisão da renda mensal inicial do beneficio. Tal direito subjetivo integraria o ato jurídico perfeito, razão pela qual não se pode aplicar retroativamente a lei, para se alcançar o ato de aposentadoria, ou os seus efeitos, no caso concreto, o direito de revisão da renda mensal inicial do beneficio.

Todavia, data venia, tal argumento é o que menos se sustenta.

A Lei de Introdução ao Código Civil (art. 6°, § 1°) conceitua ato jurídico perfeito como o "já consumado segundo a lei vigente ao tempo em que se efetuou". Assim, ato jurídico perfeito é aquele que sob o regime da lei antiga se tornou apto para produzir os seus efeitos pela implementação de todos os requisitos a tanto exigidos. É perfeito ainda que possa estar sujeito a termo ou condição.

Neste ponto, cabível ainda recordar a distinção conceitual feita pela doutrina entre direito adquirido e direito consumado ou realizado. Segundo a lição de JOSÉ AFONSO DA SILVA(13), direito consumado é o direito adquirido exercido pelo seu titular. Nessa linha, o ato jurídico perfeito tem mais força do que o direito adquirido, para efeito de proteção constitucional, porque o direito subjetivo, quando exercido, gera situação jurídica consumada, inalterável pela lei nova.

Errônea, porém, data venia, a consideração de que o direito subjetivo à imprescritibilidade incorporar-se-ia ao ato jurídico perfeito de instituição do benefício previdenciário.

Prius, porque a existência ou não de prazo prescricional/decadencial e sua dimensão (tamanho do prazo) é aspecto acidental, circunstancial, extrínseco ao ato de concessão do benefício previdenciário.

Não pode ser confundido com os elementos, objetivos e subjetivos, intrínsecos ao direito ao benefício, estes sim dele componentes para o aperfeiçoamento do ato jurídico e essenciais à aquisição do direito, como a qualidade de segurado, o tempo de serviço, o tempo de contribuição, o período de carência, a idade mínima, a eventual condição incapacitante. Estes sim são os elementos que, previstos conforme a lei vigente no momento em que são atendidos, constituem o direito adquirido e permitem o surgimento dos atos jurídicos perfeitos. É sobre estes que se há de assegurar a eterna aplicação da legislação de regência no momento do seu aperfeiçoamento.

A não ser assim, para guardar coerência e prevalecer o entendimento pacificado no C. STJ, que ora se contesta, então forçoso seria passar a reconhecer, por exemplo, que o benefício previdenciário concedido no interregno de 21.11.1998 a 19.11.2003, sob a égide de prazo prescricional/decadencial de 5 anos incorporaria tal prazo, de tal sorte que não poderia vir a ser afetado por alteração, para mais ou menos, desse prazo. Isto é, para ele não poderia valer a dilatação de tal prazo sobrevinda com a Medida Provisória nº 138, de 19.11.2003, pois então o "ato jurídico perfeito" estaria em benefício da Administração.

Noutro exemplo, ab absurdo, poder-se-ia cogitar de que aqueles que se casaram antes da lei de divórcio não poderiam se divorciar, tendo em vista que o ato jurídico perfeito (casamento) se realizou antes da lei que passou a permitir a sua extinção (divórcio). Tal interpretação conduziria ao peculiar resultado de que as pessoas casadas antes da Lei do Divórcio tivessem o direito, ad eternum, de jamais de divorciarem.

Ora, bem sabemos que não é assim, há muito já se tendo estabelecido sólida doutrina, acolhida por nossos Pretórios, acerca da intertemporalidade do Direito, notadamente no tocante a fluência de prazos prescricionais ou decadenciais, e como se compatibilizam tais situações de forma a não se causar lesão a ato jurídico perfeito ou a direito adquirido. A propósito, além das acima já mencionadas doutrinas e jurisprudências, vale destacar como o novo Código Civil também tem previsões expressas acerca dos critérios de transição dos direitos do regime legal sob o qual constituídos para a nova ordem legal superveniente. Por exemplos:

Art. 2.028. Serão os da lei anterior os prazos, quando reduzidos por este Código, e se, na data de sua entrada em vigor, já houver transcorrido mais da metade do tempo estabelecido na lei revogada.

Art. 2.035. A validade dos negócios e demais atos jurídicos, constituídos antes da entrada em vigor deste Código, obedece ao disposto nas leis anteriores, referidas no art. 2.045, mas os seus efeitos, produzidos após a vigência deste Código, aos preceitos dele se subordinam, salvo se houver sido prevista pelas partes determinada forma de execução.

Alfim deste tópico, cabe relevar que, na dicção de nossa Suprema Corte, "não ofende o princípio constitucional do ato jurídico perfeito a norma legal que estabelece novos prazos prescricionais, porquanto estes são aplicáveis às relações jurídicas em curso, salvo quanto aos processos então pendentes" (STF - Plenário - MC na ADIn n° 1715-3 - Rel. Min. MARCO AURÉLIO - j. em 21.05.1998 - g.n.).

Direito Adquirido

Outrossim, não merece acolhida de que o segurado da Previdência Social que obteve seu benefício previdenciário antes do advento da Medida Provisória nº 1.523-9/1997 teria adquirido o direito eterno de postular a revisão do ato de concessão de seu benefício.

Também conforme a LICC (art. 6°, § 2°), "consideram-se adquiridos assim os direitos que o seu titular, ou alguém por ele, possa exercer, como aqueles cujo começo do exercício tenha termo prefixo, ou condição pré-estabelecida inalterável, a arbítrio de outrem".

Assim, o direito que o segurado da Previdência Social adquire é o direito ao benefício previdenciário, que lhe é concedido a partir do momento em que ele implementa os já referidos requisitos essenciais, intrínsecos, ao benefício (idade, tempo de contribuição, carência etc.), os quais, uma vez atendidos de acordo com a lei de regência na época, configuram seu direito subjetivo à prestação previdenciária, inalterável por lei nova que venha, p.ex., aumentar a idade mínima ou o tempo de serviço ou contribuição necessários a aposentadoria.

Não há falar, porém, em direito adquirido à imprescritibilidade, seja porque então estar-se-ia cogitando de indevida incorporação ao direito subjetivo de elemento que lhe é extrínseco, acidental, como já demonstrado, seja ainda porquanto se estaria consagrando um pretenso direito adquirido a construto jurisprudencial, erigido na ausência de lei, ao qual se haveria de emprestar menos força do que a um direito adquirido a estatuto jurídico, ex vi legis , que, como consabido, não se admite.

No particular, conquanto ainda não se tenha pronunciado especificamente sobre a mesma hipótese ora tratada, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal parece orientar nesse sentido, de que afetação (criação ou modificação) de condição temporal para o exercício de direito, ainda que já adquirido, diz com o regime jurídico, e não com o direito material em si. Mutatis mutandis, cabe evocar o seguinte precedente da Suprema Corte:

"PIS: prazo de recolhimento: alteração pela L. 8.218, de 29.8.91: inaplicabilidade do art. 195, § 6º, e ausência de violação aos arts. 5º, XXXVI, e 150, III, a, da Constituição.

I - A norma legal que simplesmente altera o prazo de recolhimento de tributo não se sujeita ao princípio da anterioridade especial (CF, art. 195, § 6º).

II - Não há falar em "direito adquirido" ao prazo de recolhimento anteriormente previsto, pois, como se sabe, o STF não reconhece a existência de direito adquirido a regime jurídico.

III - A circunstância de o fato disciplinado pela norma - isto é, o pagamento do tributo - haver de ocorrer após a sua edição é suficiente para afastar a alegada violação ao princípio da irretroatividade (CF, art. 150, III, a)". (STF - 1ª Turma - RE n° 219.878/PE - Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE - DJ de 04-08-2000, p. 00034 - g.n.)

De igual forma, a circunstância de o fato disciplinado pela norma - no caso, o pagamento do benefício previdenciário - haver de ocorrer após a sua edição é suficiente para afastar a alegada violação ao princípio da irretroatividade.

Mais eloqüente talvez seja o seguinte acórdão unânime do Tribunal Pleno do Supremo Tribunal Federal, relator o e. Ministro MOREIRA ALVES, do qual ressai explícita a compreensão de que a criação de hipótese de decadência do direito refere-se ao regime jurídico da relação jurídica de direito material, e não à relação em si mesma.

DIREITO ADQUIRIDO. NÃO OFENDE O PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DO RESPEITO AO DIREITO ADQUIRIDO PRECEITO DE LEI QUE ESTABELECE UMA "CONDICIO IURIS" PARA A CONSERVAÇÃO DE DIREITO ABSOLUTO ANTERIORMENTE CONSTITUIDO, E DETERMINA QUE, DENTRO DE CERTO PRAZO, SEJA ELA OBSERVADA PELO TITULAR DESTE DIREITO, SOB PENA DE DECAIR DELE. NÃO HÁ DIREITO ADQUIRIDO AO REGIME JURÍDICO DE UM INSTITUTO DE DIREITO, COMO O E A PROPRIEDADE DE MARCA. E, POIS, CONSTITUCIONAL O ARTIGO 125 DO CÓDIGO DE PROPRIEDADE INDUSTRIAL (LEI 5772, DE 21.12.71). RECURSO EXTRAORDINÁRIO NÃO CONHECIDO. (STF - Tribunal Pleno - RE n° 94020/RJ - Rel. Min. MOREIRA ALVES - unânime - DJ de 18-12-1981, p. 12943)

Assim, também não ofende o princípio constitucional do respeito ao direito adquirido o preceito de lei que veio estabelecer uma condicio para a conservação de direito absoluto à revisão do benefício previdenciário anteriormente constituído, determinando que, dentro de certo prazo, seja ela observada pelo titular deste direito, sob pena de decair dele, pois não há direito adquirido ao regime jurídico de um instituto de direito. Daí que o exercício da "potestade" de pleitear a revisão do ato de concessão do benefício previdenciário é a condicio que deve ser observada para a manutenção do direito à revisão.

A rigor, observa-se que tal linha de compreensão já vem de muito sendo adotada pelo C. STF, como dá nota o acórdão relatado pelo e. Ministro NELSON HUNGRIA, quando aquela Corte examinava os efeitos da superveniência da (então) nova lei de falências, verbis:

A PRESCRIÇÃO EM CURSO NÃO CRIA DIREITO ADQUIRIDO, PODENDO O SEU PRAZO SER REDUZIDO OU DILATADO POR LEI SUPERVENIENTE, OU SER TRANSFORMADA EM PRAZO DE DECADENCIA, QUE E ININTERRUPTIVEL. (STF - 1ª Turma - RE n° 21.341 - rel. Min. NELSON HUNGRIA - DJ de 02-07-1953, p. 07582)

Nesse diapasão também é a lição de HUMBERTO THEODORO JÚNIOR(14):

"(...) A criação de prazos decadenciais para direitos que vigiam sem prazo algum também não ofende direito adquirido, porque se prevalecesse o contrário seriam impossíveis as reformas estruturais da ordem jurídica. Esta não teria força para reagir contra as situações injustas ou imorais, que assim se eternizariam. Como, por exemplo, teria sido possível a abolição da escravatura, sem ofensa ao direito adquirido? (...)" (g.n.)

Isonomia

O postulado da igualdade de todos perante a lei constitui garantia fundamental de nosso Estado Democrático de Direito, nos termos do art. 5°, caput, de nossa Constituição Federal. Sobre a compreensão da isonomia para sempre adequada é a clássica lição de Rui Barbosa, em sua "Oração aos Moços", no sentido de que "a regra da igualdade consiste senão em quinhoar desigualmente os desiguais, na medida em que se desigualam. Nesta desigualdade social, proporcionada à desigualdade natural, é que se acha a verdadeira regra da igualdade."

Ora, em que se desigualam o aposentado no dia 25 de junho de 1997 do aposentado no dia 30 de junho do mesmo ano? Ambos estão filiados ao mesmo regime, verteram iguais contribuições e submetem-se às mesmas regras de concessão dos benefícios previdenciários. Afastadas - como se espera ter demonstrado - as hipóteses de ofensas a ato jurídico perfeito ou a direito adquirido, não há razão ou razoabilidade em que o primeiro possa eternamente postular a revisão do ato de concessão de seu benefício previdenciário e o segundo tenha esse seu direito limitado a 10 anos.

Devo dissentir do i. relator também no ponto em que S. Exa. Compara essa situação de superveniência de prazo decadencial com aquela em que, nas suas palavras:

"(...) o Supremo Tribunal Federal não considerou, em situação análoga, a situação diferenciada que se estabeleceu com a sua decisão em relação à revisão da base de cálculo das aposentadorias por pensão, porque foi prevista uma majoração posteriormente, e ele asseverou que somente as novas concessões seriam aplicáveis à norma. Então, quanto a essa suposição diferenciada, não me parece o argumento de que o STF em algum caso sustentaria a retroação dessa norma, porque, em casos similares, também não considerou algo do gênero".

Ocorre que, naquela hipótese da majoração do percentual de cálculo da pensão a nova lei veio operar modificação exatamente num dos elementos conformadores do ato administrativo de concessão do benefício previdenciário de pensão por morte, qual seja, a alíquota de cálculo da R.M.I. com base na aposentadoria devida ao instituidor falecido. Versava, pois, exatamente sobre um daqueles elementos essenciais, intrínsecos ao benefício previdenciário, sobre os quais, como já visto, inescapavelmente há de se aplicar, e se ter por fixo, o critério vigente no momento da conformação dos requisitos do direito ao benefício, no caso regulado pelo evento morte do segurado.

Isto é, na linha da jurisprudência há muito assente em nossos Tribunais, "o benefício previdenciário da pensão por morte deve ser regido pela lei vigente à época do óbito de seu instituidor" (STF - 1ª Turma - RE-ED n° 428866/PB Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI - DJ de 09-11-2007, p. 00057) No mesmo diapasão pode-se citar, ainda, a súmula n° 359 do STF:

"Ressalvada a revisão prevista em lei, os proventos da inatividade regulam-se pela lei vigente ao tempo em que o militar, ou o servidor civil, reuniu os requisitos necessários, inclusive a apresentação do requerimento, quando a inatividade for voluntária".

Já neste caso, como já posto, a prescritibilidade do direito de revisar o ato de instituição do benefício não é elemento essencial da concessão ou da manutenção do benefício. Diz com o regime legal regente do sistema previdenciário, passível de modificação sem afronta a direito adquirido.

Casuística

Enfim, dois exemplos de ordem prática bem ilustram a, concessa maxima venia, inadequação do entendimento hoje em voga no C. STJ.

O primeiro é por todos nós conhecido, qual seja, a necessidade que houve de se adotar uma tabela de cálculos, elaborada pela Seção Judiciária de Santa Catarina, para possibilitar a liquidação por estimativa -- praticamente um arbitramento -- das ações judiciais que tratam da revisão da R.M.I. dos benefícios previdenciários pela aplicação da ORTN/OTN. Tal tabela precisou ser concebida exatamente porque o distanciamento temporal entre o momento da concessão do benefício e a época em que se veio postular sua revisão fez com que se perdesse o acesso aos elementos de cálculos históricos utilizados na concessão originária.

Cogite-se ainda de outra situação. Um trabalhador que, por infelicidade, tornou-se inválido aos 20 anos de idade, daí obtendo aposentadoria por invalidez com D.I.B. no início de 1997. Se ele alcançar os 80 anos significa que poderá vindicar a revisão do ato de concessão de sua aposentadoria até o ano 2057 ... Haja insegurança jurídica.

Em conclusão, essas as razões pelas quais, com a devida vênia do i. relator e do C. STJ, penso que a solução dada ao caso pelo v. acórdão vergastado é a que melhor coaduna os princípios constitucionais regentes de nosso Estado de Direito, sob o foco da essencial segurança jurídica (CF/88, art. 1°, caput), e da isonomia (CF/88, art. 5°, caput), sem que se dê aplicação retroativa à lei que prejudique ato jurídico perfeito ou direito adquirido (CF/88, art. 5°, XXXVI). Nesse sentido, as Turmas Recursais do Rio de Janeiro, donde provém o v. acórdão recorrido, inclusive já fizeram editar o seguinte Enunciado:

TR-RJ - Enunciado n° 63 - Em 01.08.2007 operou-se a decadência das ações que visem à revisão de ato concessório de benefício previdenciário instituído anteriormente a 28.06.1997, data de edição da MP nº 1.523-9, que deu nova redação ao art. 103 da Lei nº 8.213/91.

Portanto, voto no sentido de conhecer do presente incidente interposto pelo INSS e negar-lhe provimento, fixando-se o entendimento de que, para os benefícios previdenciários concedidos anteriormente à Medida Provisória nº 1523-9/1997, o prazo decadencial inserto no art. 103 da Lei n° 8.213/91 tem seu termo a quo com a vigência da nova lei.

Brasília, 27 de março de 2009.

MANOEL ROLIM CAMPBELL PENNA
Juiz Federal

TERCEIRA SESSÃO ORDINÁRIA DA TURMA DE UNIFORMIZAÇÃO

Presidente da Sessão: Ministro HAMILTON CARVALHIDO

Subprocurador-Geral da República: ANTÔNIO CARLOS PESSOA LINS

Secretário em exercício: MARCUS AURELIUS SOARES DE ARAÚJO

Relator(a): Juiz(a) Federal RICARLOS ALMAGRO VITORIANO CUNHA

Requerente: FRANCISCO D ANELLO

Proc./Adv.: REINALDO CONÍGLIO RAYOL JÚNIOR

Requerido: INSS

Proc./Adv.: MARIA PAULA TEPERINO

Remetente.: RJ - SEÇÃO JUDICIÁRIA DO RIO DE JANEIRO

Proc. Nº.: 2007.51.60.003313-6

CERTIDÃO

Certifico que a Egrégia Turma Nacional de Uniformização de Jurisprudência dos Juizados Especiais Federais, ao apreciar o processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão: "Prosseguindo o Julgamento, após o voto-vista do Juiz Federal Manoel Rolim negando provimento ao Incidente, sendo acompanhado pelos Juízes Federais Derivaldo Filho, Joana Carolina, Otávio Port e Élio Wanderley e os votos dos Juízes Federais Jacqueline Bilhalva, Cláudio Canata, João Mayer e Sebastião Ogê acompanhando o Relator, a Turma, por maioria, deu provimento ao Incidente de Uniformização. Proferiu voto de desempate o Ministro Presidente".

Participaram do julgamento os Excelentíssimos Juízes Federais Élio Wanderley de Siqueira Filho, Sebastião Ogê Muniz, Derivaldo Figueiredo Filho, Jacqueline Michels Bilhalva, Cláudio Roberto Canata, Manoel Rolim Campbell Penna, Joana Carolina Lins Pereira, Otávio Henrique Martins Port e João Carlos Mayer.

Brasília, 27 de março de 2009.

MARCUS AURELIUS SOARES DE ARAÚJO
Secretário em exercício

TURMA NACIONAL DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS.

PROCESSO Nº 200751600033136

CLASSE: PEDIDO DE UNIFORMIZAÇÃO DE INTERPRETAÇÃO DE LEI FEDERAL

ORIGEM: SEÇÃO JUDICIÁRIA DO RIO DE JANEIRO

REQUERENTE: FRANCISCO D'ANELLO

REQUERIDO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

RELATOR: JUIZ FEDERAL RICARLOS ALMAGRO VITORIANO CUNHA

EMENTA

PREVIDENCIÁRIO - REVISÃO DA RENDA MENSAL INICIAL DA APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO - ÍNDICES DE CORREÇÃO PREVISTOS NA LEI Nº 6.423/77 (OTN/ORTN) - BENEFÍCIO ANTERIOR A LEI Nº 8.213/91 - POSSIBILIDADE - PRAZO DECADENCIAL PREVISTO NO ART. 103 DA LEI Nº 8.213/91 - NÃO APLICAÇÃO - RECURSO PROVIDO.

1) Os índices a serem observados para a correção dos salários-de-contribuição dos benefícios previdenciários concedidos anteriormente à edição da lei nº 8.213/91 são aqueles previstos na lei nº 6.423/77, ou seja, OTN/ORTN. Precedentes do STJ.

2) Não se aplica o instituto da decadência do art. 103 da lei nº 8.213/91, com a redação dada pela lei nº 9.528/97 a fatos anteriores a sua vigência.

3) Pedido de Uniformização de Jurisprudência conhecido e provido.

A C Ó R D Ã O

Vistos, relatados e discutidos estes autos, em que são partes as acima indicadas, decide a Turma Nacional de Uniformização de Jurisprudência dos Juizados Especiais Federais, por maioria, conhecer o presente pedido de uniformização, e no mérito, dar provimento, tendo votado o Presidente para desempate, nos termos do voto e ementa constante dos autos, que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Brasília, 16 de fevereiro de 2009.

RICARLOS ALMAGRO VITORIANO CUNHA
Juiz Federal Relator



Notas:

1 - SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico - vols. III e IV. Rio de Janeiro: Forense, 1987, p. 433. [Voltar]

2 - THEODORO JÚNIOR, Humberto. Alguns aspectos relevantes da prescrição e decadência no novo código civil. Disponível na internet: http://www.gontijo-familia.adv.br/2008/artigos_pdf/Humberto/Algunsaspectosrelevantesprescr.pdf. Acesso em 11 de março de 2009. [Voltar]

3 - SILVA, De Plácido e. Op. cit. [Voltar]

4 - Op. cit. [Voltar]

5 - HARADA, Kiyoshi. Decadência e Prescrição. Disponível na internet: http://www.uj.com.br/publicacoes/doutrinas/5096/Decadencia_ e Prescrição. Acesso em 06.03.2009. [Voltar]

6 - LEAL. Antônio Luís da Câmara. Da Prescrição e da Decadência, 2a. ed., Rio, Forense, 1959, p. 115-6 e 114i. [Voltar]

7 - Somente a Lei n° 11.280, de 2006, veio possibilitar o reconhecimento ex officio da prescrição pelo juiz, alterando o § 5° ao art. 219 do CPC, para o seguinte teor: "§ 5º O juiz pronunciará, de ofício, a prescrição". Até então, havia necessidade de a prescrição ser explicitamente excepcionada: "§ 5º Não se tratando de direitos patrimoniais, o juiz poderá, de ofício, conhecer da prescrição e decretá-la de imediato" (Redação dada pela Lei nº 5.925, de 1º.10.1973). [Voltar]

8 - In Instituições de direito civil, v. 1, § 122 apud CAMPOS, Ricardo Ribeiro. Decadência e prescrição no novo Código Civil: breves considerações. Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 453, 3 out. 2004. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5764. Acesso em: 24 mar. 2009. [Voltar]

9 - Art. 5° - (...) XLII - a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei;

(...) XLIV - constitui crime inafiançável e imprescritível a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático; [Voltar]

10 - Art. 37 - (...) § 5º - A lei estabelecerá os prazos de prescrição para ilícitos praticados por qualquer agente, servidor ou não, que causem prejuízos ao erário, ressalvadas as respectivas ações de ressarcimento. [Voltar]

11 - Art. 231. São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens. (...) § 4º - As terras de que trata este artigo são inalienáveis e indisponíveis, e os direitos sobre elas, imprescritíveis. [Voltar]

12 - Lei de Introdução ao Código Civil:

Art. 4° - Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito.

Art. 5° - Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum. [Voltar]

13 - In Curso de Direito Constitucional Positivo, Malheiros Editores, 30ª Edição, 2008, páginas 433 a 436. [Voltar]

14 - Op.cit. [Voltar]




JURID - Revisão da renda mensal inicial da aposentadoria. [13/05/09] - Jurisprudência

 



 

 

 

 

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