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quarta-feira, 13 de maio de 2009

JURID - Mandado de segurança. Garantia de emprego. Cláusula. [13/05/09] - Jurisprudência


Mandado de segurança. Garantia de emprego. Cláusula normativa e de conteúdo pessoal. Ultratividade

Tribunal Regional do Trabalho - TRT4ªR.

ACÓRDÃO

03538-2008-000-04-00-0 MS

EMENTA:

MANDADO DE SEGURANÇA. GARANTIA DE EMPREGO. CLÁUSULA NORMATIVA E DE CONTEÚDO PESSOAL. ULTRATIVIDADE. ILEGALIDADE DO ATO DITO COATOR. CONFIGURAÇÃO. A proteção contra a despedida arbitrária prevista em cláusula de dissídio coletivo relativamente ao empregado acometido de doença grave se incorpora ao contrato de trabalho pela força ultrativa da cláusula de natureza induvidosamente normativa e de caráter e conteúdo pessoal. Presentes a plausibilidade do direito e a prova inequívoca exigidos pelo art. 273 do CPC, somadas ao fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação, é efetivo o direito do trabalhador de se ver reintegrado ao emprego em decisão antecipatória dos efeitos da tutela.

VISTOS e relatados estes autos de MANDADO DE SEGURANÇA, em que é impetrante HELIDA LIANE FIGUEIREDO CATELAN e impetrado ATO DA JUÍZA TITULAR DA 23ª VARA DO TRABALHO DE PORTO ALEGRE.

Helida Liane Figueiredo Catelan, demandante nos autos do processo 00766-2008-023-04-00-1, que move contra Sindicato dos Professores do Estado do Rio Grande do Sul, ora litisconsorte, impetra mandado de segurança contra ato da Exma. Juíza Lucia Ehrenbrink, titular da 23ª Vara do Trabalho de Porto Alegre, que indeferiu o pedido de antecipação dos efeitos da tutela a fim de ser reintegrada ao emprego em virtude de alegada estabilidade prevista em norma coletiva - em decorrência de doença grave (câncer) -, bem como em face da suspensão do contrato de trabalho em virtude de doença - conforme atestado médico dando conta de sua incapacidade laborativa no momento da despedida.

Sustenta, em suma, que o litisconsorte tinha ciência de sua moléstia quando da despedida, requerendo reintegração ao emprego porque necessita receber o benefício previdenciário de "auxílio-saúde". Pondera que o pedido de antecipação de tutela feito no processo de origem foi deferido em um primeiro momento, sendo determinado que até a realização da audiência, aprazada para 06.08.2008, não ocorresse a despedida. Alega que, apesar do comando judicial, recebeu aviso-prévio indenizado em 07.08.2008, o que ensejou o ajuizamento de nova ação (00914-2008-023-04-00-8) na qual reitera o pedido de reintegração imediata - tanto em decorrência da estabilidade provisória prevista em norma coletiva, como em virtude do fato de estar doente no ato da despedida, o que defende acarretar a suspensão do contrato de trabalho - por meio de antecipação dos efeitos da tutela, o qual foi indeferido pela autoridade dita coatora, sendo esta a decisão aqui impetrada.

A liminar foi deferida, nos termos da decisão exarada às fls. 189/191.

O litisconsorte manifestou-se em petição juntada às fls. 199/203.

A autoridade dita coatora prestou informações (fls. 211/212).

O Ministério Público do Trabalho, em parecer lançado às fls. 216/218, da lavra do procurador Viktor Byruchko Junior, opina pela denegação da segurança e consequente cassação da liminar deferida.

Em virtude de petição da impetrante, juntada às fls. 220/222, o processo foi retirado de pauta, tendo havido manifestações do litisconsorte, juntada às fls. 239/240 e 247/250, e da impetrante, juntada às fls. 251/252, vindo, após conclusos os autos a este Relator em virtude do término da convocação do Exmo. Juiz Fernando Luiz de Moura Cassal, que o substituía, nos termos da certidão lançada à fl. 253.

É o relatório.

ISTO POSTO:

Trata-se de mandado de segurança em que a impetrante pretende a "concessão de liminar de imediato, determinando a reintegração da Impetrante no emprego, quer sob o fundamento de que a supressão da cláusula de estabilidade para quem acometido de moléstia grave, trata-se de alteração contratual lesiva, e portanto nula a teor do previsto no art. 468 da CLT; quer pelo fundamento de seu grave estado de saúde, portadora de moléstia gravíssima no momento da despedida (câncer), ao abrigo de atestado médico no momento da despedida, havendo portanto a suspensão do contrato de trabalho, e sofrendo a Impetrante riscos irreparáveis à sua saúde, que se encontra agora, impedida de usufruir dos benefícios do auxílio-saúde." (fl. 18), requerendo, a final, que seja tornada definitiva a liminar deferida.

Tal como já referido na decisão em que deferida a liminar, o MM. Juízo a quo, em enfrentamento da questão litigiosa, considerando polêmica a matéria acerca de se agregar ao contrato cláusula de acordo coletivo, prevista por longo período, ou a comunicação da condição de saúde ao empregador no período da garantia, concluiu inexistente o direito à reintegração imediata, em sede de antecipação dos efeitos da tutela.

Segundo se infere da petição inicial, a impetrante pretende a concessão da segurança sob dois fundamentos, tendo a liminar sido deferida apenas levando em conta o segundo - reintegração no emprego em face da suspensão do contrato de trabalho devido à doença de que acometida a impetrante por ocasião da despedida.

Em uma primeira leitura do processo e em uma primeira formação de convicção, entendi, no caso presente, que não havia fundamento legal para a reintegração pedida pela impetrante por qualquer dos dois fundamentos deduzidos na petição inicial: estabilidade prevista em norma coletiva extinta; causa impeditiva da despedida consubstanciada na presença de enfermidade incapacitante para o trabalho, e que, então, se erigia como causa de nulidade da despedida perpetrada pelo litisconsorte. Assim concluindo, entendi em denegar a segurança, com cassação da liminar concedida por Sua Excelência o Juiz Fernando Luiz de Moura Cassal que me substituía na oportunidade.

Este caso, contudo, perturbou-me desde o primeiro exame do processo, como também a situação nele litigiosa me perturbou, no passado, lá pelos idos de 1998, quando, convocado ao Tribunal na cadeira vaga em decorrência da aposentadoria do MM. Juiz Antônio Salgado Martins, apreciei recurso de sentença proferida pela Exma. Juíza - hoje Desembargadora integrante deste Tribunal, e desta SDI - Carmen Gonzalez, em que Sua Excelência, em posição de vanguarda que a caracteriza, deferiu à trabalhadora então demandante a reintegração fundada na impossibilidade de despedida imotivada de trabalhador acometido de doença grave - se a memória não me trai (não logrei localizar o acórdão; naquele tempo não dispúnhamos dos recursos informatizados e tecnológicos de que dispomos atualmente), tratava-se de trabalhadora também acometida de câncer, tendo Sua Excelência entendido que a circunstância lhe era asseguradora do emprego, fundada, principalmente, no princípio fundamental que norteia o direito pátrio, o da dignidade da pessoa humana.

Naquela oportunidade, em que pese - tenho nítida lembrança - tenha registrado efetivo louvor à decisão e à coragem e sensibilidade social da nobre Julgadora, acolhi o recurso da demandada, entendendo, comodamente, escorado no direito positivo vigente, inexistente causa que desse sustentáculo à estabilidade reconhecida na sentença.

Não tomei conta, ou, quiçá, não quis tomar conta da singularidade do litígio e do direito litigado que ali pulsava e, ancorado na lei vigente, julguei o recurso desfavoravelmente à trabalhadora.

Hoje, contudo, não mais me permito aquela "covardia" ou - até para não ser tão severo comigo mesmo -, aquela "falta de ousadia" para a construção do direito, cuja jurisprudência é a fonte primeira da solidificação do direito que brota da produção social e que por ela - jurisprudência - tem seu caminho pavimentado à positivação em lei.

No presente caso, é incontroversa a doença de que acometida a impetrante (neoplasia maligna - câncer de mama), por conta de cuja doença sofreu cirurgia (mastectomia - extração radical das duas mamas), de conhecimento inequívoco do litisconsorte, e vem se submetendo a tratamento desde longa data - 2003 -, seja pelo câncer mesmo, ainda presente, seja por outras implicações patológicas, inclusive de feição psicológica.

Dissentem as partes quanto à validade da despedida praticada em 07.08.2008. A impetrante, como já dito, invoca sua estabilidade fundamentada, primeiro, em estabilidade que de 2000 a 2006 foi prevista em norma coletiva nos seguintes termos - disposição normativa que vigeu até 30.04.2007 ("17 - ESTABILIDADE NO EMPREGO. Será garantida estabilidade no emprego nas seguintes situações: (...) c) EMPREGADO PORTADOR DE DOENÇA - a entidade empregadora garantirá estabilidade no emprego aos empregados portadores de câncer e AIDS." - fl. 162), em face da qual defende a sua vigência pelo princípio da ultratividade interna da norma coletiva. Ao depois, na presença de enfermidade impeditiva da despedida sem justa causa.

O litisconsorte, defendendo inexistente a estabilidade, que sustenta extinta, não renovada a contar da convenção coletiva de 2007, tendo a impetrante sido despedida em 07.08.2008. Sustenta a não-incorporação nos contratos de trabalho dos direitos gerados em sede coletiva para além da sua vigência restrita. Também resiste à pretensão fundado na inexistência de doença da impetrante incapacitante para o trabalho no dia da despedida, defendendo que a impetrante inclusive trabalhou naquele dia até o final do expediente.

Ou seja, o que define o litígio, ao menos nesta etapa da antecipação de tutela - negada à impetrante em primeiro grau -, é definir se tem ou não a norma coletiva força integrativa dos contratos de trabalho independentemente da continuidade de sua vigência, ante o princípio - invocado pela impetrante - da ultratividade interna da norma coletiva, também denominado na doutrina como princípio da "vantagem individual adquirida".

A doutrina, ao que aqui interessa, dicotomiza a natureza das cláusulas integrantes da norma coletiva - independente de se tratar de acordo ou convenção coletivos ou de sentença normativa - classificando-as em "cláusulas obrigacionais" e "cláusulas normativas". Define como "obrigacionais" aquelas que geram direitos e obrigações aos sindicatos convenentes ou ao sindicato profissional e a empresa acordante (acordo coletivo), ou seja, às partes respectivas; e como "normativas" aquelas que têm aplicação geral a todos os trabalhadores e empregadores integrantes das respectivas categorias profissional e econômica, e que se erigem a esses em caráter e conteúdo personalíssimo.

Arnaldo Süssekind, no seu Curso de Direito do Trabalho (São Paulo, Ltr, 2004, p. 602) ensina que "as convenções e os acordos coletivos de trabalho contêm, sem dúvida, cláusulas que configuram sua normatividade abstrata, ao lado de outras de índole contratual, que estipulam obrigações concretas para as partes. As cláusulas normativas constituem o principal objetivo da negociação coletiva e o núcleo essencial do diploma que a formaliza: corresponde a fontes formais do direito. As cláusulas obrigacionais, melhor denominadas "cláusulas contratuais", concernem a obrigações assumidas diretamente pelas partes convenentes ou acordantes (...)".

É pacífico na jurisprudência que as cláusulas obrigacionais não se incorporam ao patrimônio jurídico dos trabalhadores, as quais se extinguem com o termo final da sua vigência preestabelecida.

Divide-se a doutrina, contudo, em duas correntes, quanto às cláusulas ditas normativas (na sua interpretação restrita às vantagens de caráter personalíssimo), uma entendendo que, concedidas as vantagens repetidamente aos empregados, estas integram o contrato de trabalho não mais podendo ser extirpadas sem atropelo à norma protetiva do art. 468 da CLT, enquanto a outra, refutando a ultratividade da norma coletiva, entende que ditas cláusulas são válidas e exigíveis somente enquanto vigente a convenção ou o acordo em que assentadas, fundada, principalmente, na súmula 277 do TST: "as condições de trabalho alcançadas por força de sentença normativa vigoram no prazo assinado, não integrando, de forma definitiva, os contratos". A analogia é cabível e defendida na doutrina e na jurisprudência em face de convenção ou acordo coletivos.

Eu me filio à primeira corrente, valendo-me, também analogicamente, da orientação jurisprudencial 41 da SDI2 do TST, segundo a qual "preenchidos todos os pressupostos para aquisição de estabilidade decorrente de acidente ou doença profissional, ainda durante a vigência do instrumento normativo, goza o empregado de estabilidade mesmo após o término da vigência deste". E o faço ancorado no inciso III do art. 1º da Constituição da República, que estabelece como princípio fundamental da República Brasileira "a dignidade da pessoa humana". Se para o acidentado no trabalho ou portador de doença adquirida no trabalho se assegura a ultratividade da norma coletiva que o protege e beneficia, é imperativo de justiça que também para aqueles portadores de doenças crônicas, graves, terminais, etc., esta mesma ultratividade seja efetiva.

Tratando da ultratividade da norma coletiva de trabalho, em artigo redigido sob este exato título, os advogados paulistas Thiago Chohfi, Ugo Lourenço Moreira Santos e Romeu Gonçalves Bicalho, publicado no site www.conpedi.org (Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito) fazem uma leitura perspicaz do § 2º do art. 114 da Constituição da República após a emenda 45, afirmando que "(...) A norma constitucional autoriza, agora mais do que nunca, a ultratividade da norma coletiva sempre que inexistente nova norma ou quando essa não preservar o mínimo já conquistado (...)". Comparando os textos do referido § 2º, assim redigido até a indigitada Emenda Constitucional: "recusando-se qualquer das partes à negociação ou à arbitragem, é facultado aos respectivos sindicatos ajuizar dissídio coletivo, podendo a Justiça do Trabalho estabelecer normas e condições convencionais e legais mínimas de proteção ao trabalho", destacam, dentre outros aspectos da alteração imprimida, a parte final do dispositivo, no qual inscrito, ao invés de "respeitadas as disposições convencionais e legais mínimas de proteção ao trabalho", "respeitadas as disposições mínimas legais de proteção ao trabalho, bem como as convencionadas anteriormente", com maior destaque a este último comando, "bem como as convencionadas anteriormente" . Interpretando a alteração fundamental, afirmam: "como é possível identificar acima, o texto constitucional determina que sejam respeitadas as disposições "convencionadas anteriormente". Observe-se que a redação anterior não determinava que as disposições convencionais anteriores fossem respeitadas, mas tão somente que as disposições convencionais mínimas de proteção ao trabalho fossem respeitadas. Porém, agora, o texto constitucional expressamente dispõe que devem ser respeitadas, além das disposições mínimas legais de proteção ao trabalho, as disposições "convencionadas anteriormente", e desfecham dizendo; "para que não fiquemos apenas numa aparente interpretação gramatical, cabe destacar que a finalidade da norma constitucional não é outra senão a de proteger o trabalhador. Afinal, tanto a limitação da vigência da norma coletiva, estabelecida na CLT, quanto a preservação do mínimo já convencionado anteriormente, têm como objetivo a proteção do trabalhador", e acrescentam que o TRT da Bahia editou a súmula 02 agasalhando expressamente a tese da ultratividade da norma coletiva, in verbis: "ULTRATIVIDADE DE NORMAS COLETIVAS. As cláusulas normativas, ou seja, aquelas relativas às condições de trabalho, constantes dos instrumentos decorrentes de autocomposição (acordo coletivo de trabalho e convenção coletiva de trabalho) gozam de efeito ultra-ativo, em face do quanto dispõe o art. 114, § 2º, da Constituição Federal de 1988, incorporando-se aos contratos individuais de trabalho, até que venham a ser modificadas ou excluídas por outro instrumento da mesma natureza."

Por este prisma, sabido que a impetrante - como referido, é incontroverso - está acometida de doença grave, concluindo que a estabilidade prevista na cláusula 17ª da convenção coletiva até 2006 incorporou-se ao seu contrato de trabalho pela força ultrativa da cláusula de natureza induvidosamente normativa e de caráter e conteúdo pessoal, já se pode concluir presentes a plausibilidade do direito e a prova inequívoca exigidos pelo art. 273 do CPC, e, portanto, efetivo o direito da impetrante de se ver reintegrada ao emprego.

Ainda que tanto não bastasse, impõe-se considerar a singularidade do caso presente, agora vista sob o enfoque da discriminação e da dignidade da pessoa humana. É assente nos autos a turbulência do relacionamento das partes, que reinava e se fazia presente desde muito tempo. Prova disso é a própria alegada anotação da CTPS somente em 2004, quando afirmado ter havido trabalho subordinado continuado desde 1999, quando da efetiva admissão. Tenho, entretanto, que esta turbulência não justifica o ato patronal e não afasta a faceta discriminatória que se desenha no ato de despedida, notadamente pela absoluta ausência de alegação de insuficiência ou falta de qualidade no trabalho profissional prestado (a impetrante era advogada empregada que prestava serviço aos professores representados pelo litisconsorte).

A despedida, praticada sem justa causa, apanhou a impetrante enferma, incontroversamente portadora de neoplasia maligna que a própria lei previdenciária trata com prioridade e importância diferenciadas, dispensando, por exemplo, carência de filiação, e, por isso, sem dúvida, para mim, foi discriminatória e relegou a impetrante ao completo desabrigo - há controvérsia sobre a impossibilidade causada pelo litisconsorte de obtenção de auxílio-doença previdenciário - em momento da vida em que o emprego (sentir-se ativo, útil socialmente) e o salário são por assim dizer mais vitais do que já o é a sua própria natureza.

Este ato, como o interpreto e avalio, fere a mais comezinha noção do conceito de "dignidade da pessoa humana", princípio fundamental insculpido na Constituição da República tendo o homem, como ser social, o seu único foco, e cresce de gravidade quando se tenha presente que praticado por um sindicato de trabalhadores, o qual, pelos mais elementares princípios filosóficos, sociológicos e jurídicos, deve dispensar aos seus próprios empregados, no mínimo, igual tratamento e direitos que busca em Juízo e fora dele aos seus representados.

Assim, sem esgotamento do tema (até porque não fiz sequer referência às Leis de proteção contra a discriminação, principalmente a Lei 9.029/95 e a Convenção 111 da OIT, dentre outros diplomas que merecem consideração), invocando a orientação jurisprudencial 41 da SDI2 do TST, aplicada analogicamente e atrelada ao princípio fundamental de proteção à dignidade da pessoa humana, vejo por demais evidentes a plausibilidade do direito defendido pela impetrante na ação de origem, bem assim presentes cada um dos requisitos arrolados, e já referidos, do art. 273 do CPC.

São inúmeras as decisões dos Tribunais pátrios neste sentido, e a petição inicial traz à colação respeitável decisão do E. TST, na qual o Eminente Ministro João Oreste Dalazen, em acórdão da sua ilustre lavra, transcreve excerto de decisão proferida pelo Eg. TRT17 no processo 00318-2000-008-17-00-7, o qual, por seu conteúdo e pela similaridade dos casos, merece ser lido e transcrito:

"É certo que o empregador tem o direito de rescindir o contrato de trabalho de seus empregados. E a base desse direito potestativo é o direito de propriedade, já que os meios de produção a ele pertencem. Só que o direito não é absoluto. A Carta Magna, ao mesmo tempo em que garante o direito à propriedade (artigo 5º, XXII, da CF), também deixa claro que ela deverá atender à sua função social (artigo 5º, XXIII, da CF).

E não há como vislumbrar essa observância dos fins sociais, se o direito é utilizado de forma discriminatória, em detrimento da dignidade da pessoa humana.

E foi exatamente isso que ocorreu, no caso em tela: discriminação. E esse ato repugnante é bastante comum, nas relações empregatícias, tanto em se tratando de dispensa quanto de admissão, não obstante os preceitos constitucionais alusivos à igualdade de todos (artigo 5º, caput), à proibição de tratamento diferenciado em função de sexo, da cor, do estado civil (artigo 7º, XXXI), e os dispositivos da lei infraconstitucional ordinária nº 9.029/95, referentes à proibição de exigência de atestados de gravidez e de esterilização de mulheres, para efeitos de admissão ou de permanência no emprego.

Além das discriminações citadas, expressamente vedadas, são bem freqüentes também as exercidas contra pessoas doentes, inclusive as que sofrem por doenças adquiridas em função da atividade profissional que desempenham. E a discriminação a empregados doentes mais se acentua quando o obreiro é portador de um mal incurável, tal como câncer (caso da reclamante) ou a AIDS.

(...)

E é por isso que entendo que o reclamado, ao dispensar a reclamante devido à diminuição da capacidade laborativa ocasionada pelo câncer, não deu ao seu direito potestativo a finalidade social que deveria ser respeitada, cometendo verdadeiro abuso de direito.

(...)

E no caso em tela, não há dúvida de que o abuso do direito de resilir causou dano moral à empregada. Qualquer pessoa é capaz de perceber o medo, a ansiedade e, muitas vezes, a depressão que atinge os doentes de câncer. E é fácil compreender o motivo desses sentimentos. É comum haver o comprometimento da imagem que esses doentes têm de si mesmos, em decorrência de perda dos cabelos, em função dos tratamentos necessários ao combate da doença, e de cirurgias deformantes, como no caso dos autos, em que a reclamante perdeu um dos seios, em função da mastectomia realizada. Os doentes também precisam se adaptar à perda física e de habilidades, e percebem o declínio de sua mobilidade ocupacional, vendo-se como trabalhadores menos desejáveis, o que também é fonte de preocupação.

Além disso, há, mesmo dentre os que já se submeteram a um tratamento, o constante medo de recidiva da doença, o que muitas vezes se concretiza, como aliás ocorreu com a reclamante, cujas dores que sentia, à época em que foi dispensada, já retratava o quadro de reincidência do câncer na mesma região operada, como posteriormente ficou provado. (fl. 12).

E não bastassem esses temores e preocupações, muitas vezes, vêem-se os doentes de câncer discriminados em seus locais de trabalho, como aconteceu com a autora, conforme já relatado acima. (fls. 87/89)."

Como registrado, entendo que estão, efetivamente, presentes as condicionantes próprias a autorizar a antecipação dos efeitos da tutela pedida, estando presente a prova inequívoca dos fatos arrolados, que produz ao juiz um convencimento em torno da verossimilhança das alegações da parte.

O fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação, neste caso, por todo o fundamentado, dispensa mais discurso, sendo certo, de resto, que a antecipação dos efeitos da tutela para reintegração de empregado detentor de estabilidade provisória decorrente de lei ou norma coletiva não fere, a priori, direito líquido e certo do empregador, já assentado o entendimento na orientação jurisprudencial 142 da SDI2 do TST (aqui aplicada analogicamente e a contrario senso): "MANDADO DE SEGURANÇA. REINTEGRAÇÃO LIMINARMENTE CONCEDIDA. Inexiste direito líquido e certo a ser oposto contra ato de Juiz que, antecipando a tutela jurisdicional, determina a reintegração do empregado até a decisão final do processo, quando demonstrada a razoabilidade do direito subjetivo material, como nos casos de anistiado pela Lei nº 8.878/94, aposentado, integrante de comissão de fábrica, dirigente sindical, portador de doença profissional, portador de vírus HIV ou detentor de estabilidade provisória prevista em norma coletiva."

Por fim, e com relação à alegada segunda despedida que consta noticiada nos autos, entendo ser o fato irrelevante para o deslinde da controvérsia que se está a examinar. Além disso, é mera notícia afirmativa da parte em petição nos autos, não havendo nenhum documento que comprove ou caracterize o alegado ato patronal de despedida por causa outra que não tenha sido aquela que legitimou e que deu azo ao presente mandado de segurança. Portanto, não a reconheço e ainda que ela exista ou tenha existido, nada mais é do que ato continuativo daquele e portanto a presente decisão não perde e não muda a essência do julgado.

Concedo a segurança, mantendo a liminar deferida para que se mantenha reintegrada no emprego, como se encontra, a impetrante, até final julgamento da ação originária.

Ante o exposto,

ACORDAM os Magistrados integrantes da 1ª SDI do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região: por unanimidade, CONCEDER A SEGURANÇA, mantendo a liminar deferida.

Intimem-se.

Porto Alegre, 20 de março de 2009 (sexta-feira).

Des. MILTON VARELA DUTRA
Relator

MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO




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