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quinta-feira, 21 de maio de 2009

JURID - Estupro e ameaça em continuidade delitiva. Costumes. [21/05/09] - Jurisprudência


Estupro e ameaça em continuidade delitiva. Crime contra os costumes. Autoria e materialidade comprovadas.

Tribunal de Justiça de Mato Grosso - TJMT.

PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL

APELAÇÃO Nº 134298/2008 - CLASSE CNJ - 417 - COMARCA DE NOVA UBIRATÃ

APELANTE: VILSON VIEIRA OSSUNA

APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO

Número do Protocolo: 134298/2008

Data de Julgamento: 07-4-2009

EMENTA

APELAÇÃO CRIMINAL - ESTUPRO E AMEAÇA EM CONTINUIDADE DELITIVA - CRIME CONTRA OS COSTUMES - AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS - PALAVRA DA VÍTIMA EM CONSONÂNCIA COM OUTRAS PROVAS TESTEMUNHAIS - CONDENAÇÃO MANTIDA - CAUSA DE AUMENTO PELA CONTINUIDADE DELITIVA - DECOTE - IMPOSSIBILIDADE - RÉU QUE PERMANECEU PRESO DURANTE A INSTRUÇÃO CRIMINAL - DIREITO DE APELAR EM LIBERDADE - NÃO- RECONHECIMENTO - RECURSO IMPROVIDO.

1. Nos crimes de natureza sexual, rotineiramente praticados às escondidas, a palavra da vítima tem relevância especial, mormente quando coerente e em harmonia com os demais elementos de prova.

2. Impõe-se a manutenção da causa de aumento pela continuidade delitiva quando suficientemente comprovado que o Apelante praticou as condutas criminosas por mais de uma vez, num mesmo contexto espacial, com idêntica forma de execução e outras semelhanças, encontrando-se, pois, presentes todas as condições para sua aplicação, sendo de rigor que se mantenha, igualmente, o seu aumento em 2/3 (dois terços), conforme fixado na sentença, tendo em vista terem sido os crimes praticados por inúmeras vezes.

3. Permanecendo preso durante a formação de culpa e sendo condenado ao final, não tem o Apelante o direito de apelar em liberdade.

APELANTE: VILSON VIEIRA OSSUNA

APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO

R E L A T Ó R I O

EXMO. SR. DES. JUVENAL PEREIRA DA SILVA

Egrégia Câmara:

VILSON VIEIRA OSSUNA interpôs recurso de apelação em face da respeitável sentença de fls. 324/367, que julgou parcialmente procedentes os pedidos constantes da exordial acusatória, condenando-o nas sanções previstas no art. 213 c/c art. 225, § 1º, II, art. 226, II, na forma do art. 71, caput (por sete vezes) e art. 147, caput, na forma do art. 71, caput (por sete vezes), na forma do art. 69, caput, todos do Código Penal, impondo-lhe a pena de 15 (quinze) anos de reclusão e 01 (um) mês e 28 (vinte e oito) dias de detenção, em regime inicial fechado.

Acoimando de deficiente o arcabouço probatório e de frágeis e contraditórios os depoimentos das vítimas, busca o Apelante a absolvição, defendendo a não comprovação da materialidade e autoria do crime de ameaça, bem como a não configuração do estupro, ao argumento de que as relações sexuais mantidas com sua enteada, ALINE DE SOUZA PEREIRA, ocorreram de forma livre e espontânea, inexistindo qualquer tipo de constrangimento contra a ofendida.

Alternativamente, pugna seja afastada a causa de aumento de pena pela continuidade delitiva, ou sua aplicação em seu patamar mínimo e, ainda, seja-lhe conferido o direito de apelar em liberdade.

Em sede de contrarrazões (fls. 416/434), o ilustre Promotor de Justiça rebateu os argumentos recursais e pugnou pela confirmação do decisum.

A Procuradoria Geral de Justiça, em parecer da lavra do ilustrado Procurador Dr. João Batista de Almeida, opina pelo improvimento do recurso, e conseqüente manutenção do decreto condenatório, ao argumento de que o conjunto probatório coligido revela-se firme e harmônico no sentindo de impingir ao Apelante as reiteradas condutas criminosas a ele imputadas. Manifesta-se, ainda, pela manutenção da causa de aumento do art. 71 do Código Penal, cujos requisitos encontram-se devidamente preenchidos, bem como seja conservado o patamar máximo de 2/3 (dois terços) fixado na sentença, porquanto evidenciada a prática de diversas condutas, em número até maior do que aquele reconhecido pelo juízo a quo.

É o relatório.

P A R E C E R (ORAL)

O SR. DR. JOÃO BATISTA DE ALMEIDA

Ratifico o parecer escrito.

V O T O

EXMO. SR. DES. JUVENAL PEREIRA DA SILVA (RELATOR)

Egrégia Câmara:

Inconformado com a r. sentença condenatória, busca VILSON VIEIRA OSSUNA sua absolvição por insuficiência do conjunto probatório e, subsidiariamente, o decote da causa de aumento referente à continuidade delitiva ou sua aplicação em seu patamar mínimo, bem como seja-lhe reconhecido o direito de apelar em liberdade.

Segundo narra a denúncia, em dias e horários não precisos, na qualidade de padrasto e prevalecendo-se das relações domésticas de coabitação, o Apelante, por diversas vezes, aproveitando-se da ausência de sua amásia em sua residência, constrangeu a vítima ALINE DE SOUZA PEREIRA à conjunção carnal, mediante violência e grave ameaças, consistente na introdução de seu pênis na vagina da ofendida, acarretando-lhe a ruptura himenal.

Extrai-se ainda que o Recorrente vinha ameaçando sua amásia CLEUZA MARIA DE SOUZA PEREIRA, prometendo causar-lhe mal injusto e grave, eis que prometeu ceifar-lhe a vida, caso ela o abandonasse.

Não prospera a insurgência recursal.

A materialidade delitiva do CRIME DE ESTUPRO vem consubstanciada pelo relatório de exame de corpo de delito (fls. 40/41) e pela robusta e uníssona prova oral coligida aos autos. De igual modo, a autoria sobressai incontroversa, encontrando-se demonstrada principalmente pelos depoimentos do próprio Apelante (fls. 46/48 e 147/148) e da vítima (fls. 32 e 195/196).

O Recorrente, tanto na fase policial quanto em juízo (fls. 46/48 e 147/148), confirma que mantinha relações sexuais com sua enteada, sustenta, no entanto, que existia consentimento da vítima. Sua escusa, entretanto, sucumbe diante da palavra segura da ofendida, amparada por outros testemunhos coligidos aos autos. Senão vejamos.

A vítima descreveu como se deram os fatos, narrando-os de modo coerente e verossímil, em ambas as fases processuais.

Assim se pronunciou quando ouvida em juízo, verbis:

"Nas oportunidades em que foi ouvida, a vítima descreveu como se deram os fatos, relatando o lamentável acontecimento sempre de modo coerente e verossímil:

'Que o réu começou a abusar sexualmente de si quando tinha quatorze anos e moravam em uma fazenda localizada no município de Santa Carmem. Que o acusado continuou se relacionando sexualmente consigo ate agosto/2007, quando foi retirada da casa em que vivia com ele por policiais de Sorriso. Que duas semanas antes de completar dezessete anos o acusado relatou a sua mãe a situação mencionada acima. Que a denúncia dos fatos citados só foi feita o ano passado pois o réu sempre dizia para si e depois para sua mãe que se a fizessem mataria a ela, a si e a seu irmão. Que sua mãe conseguiu denunciar o acusado, quando ele permitiu que no ano passado ela viesse ate Nova Ubiratã para tratar a saúde dela, visto que era portadora de hanseníase. Que nunca realizou o ato sexual com o réu sem ser convencida para tanto com ameaças e agressões físicas. Que quando o réu a forçou pela primeira vez a manter relações sexuais com ele era virgem. Que desde 2002 quando passaram a morar em um sítio localizado, no Assentamento Entre Rios, neste município, em uma casa com um único cômodo, o réu saia da cama dele e ia até a sua para a pratica sexual.

(...) Que em 2005 quando moravam em Feliz Natal sua mãe flagrou o réu em seu quarto consigo e com a porta trancada, ocasião em que discutiram e o acusado disse a sua mãe que se ela quisesse poderia ir embora pela roupa do corpo. (...) Que só podia sair de casa acompanhada do acusado ou de sua mãe ou para ir a escola. Que quando moravam em Feliz Natal passou até uma semana sozinha com sua mãe na casa em que residiam, enquanto o réu estava no sitio, porém sua mãe não o denunciou naquela época pois tinha medo dele. Que no dia em que prestou depoimento na delegacia de policia estava muito nervosa e por tal razão disse que o réu começou a abusar de si com dezessete anos de idade, quando na verdade isto começou a ocorrer quando tinha quatorze. Que depois que foi embora do sitio do processado conheceu seu atual companheiro. Que em razão da situação citada tem dificuldade para se relacionar sexualmente. Que chorou algumas vezes enquanto o réu abusava de si (...).'" (fls. 195/196).

As declarações de CLEUZA MARIA DE SOUZA PEREIRA, mãe da vítima e amásia do Acusado, mostram-se em total sintonia com os relatos da ofendida, conforme se extrai de seus depoimentos prestados em ambas as fases processuais. Em juízo, declarou que:

"'(...) no aniversario de 17 anos de sua filha Aline, o réu, pessoa com quem conviveu de junho/1999 a junho/2007, lhe disse que ha bastante tempo se relacionava sexualmente com sua filha e consigo. Que sua filha nunca lhe contou nada com medo das ameaças que recebia do denunciado. Que quando disse que ia denunciar o fato citado o acusado disse que se o fizesse lhe mataria. Que o denunciado nunca machucou sua filha. Que certa vez no ano de 2007, o réu chegou a manter relações sexuais com sua filha na sua presença. Que resolveu denunciar os fatos citados, quando flagrou o réu na cama de sua filha Aline e ele reagiu violentamente, tentando lhe enforcar. Que além de si, naquela ocasião, moravam na mesma casa sua filha Aline, seu filho Uanderson e o acusado'.

'(...) Que começou a desconfiar que o réu estava molestando sua filha Aline, quando ela tinha treze anos e ele começou a insistir e a levá-la consigo para trabalhar no mato. Que depois que o réu lhe disse que mantinha relações sexuais com sua filha Aline, passou a desconfiar que ele o fazia diariamente. Que o acusado lhe disse várias vezes que era apaixonado por si e por sua filha. (...). Que nas ocasiões em que o acusado ia trabalhar no mato, com sua filha, que contava com treze anos na época e seu filho, que contava com doze anos na ocasião, fazia de tudo para ficar sozinho com a primeira. Que o denunciado tentava impedir que sua filha Aline saisse de casa. (...) Que enquanto a vitima Aline morou consigo e com o réu não teve namorados, pois ele não permitia'.

(...)

"Que percebeu que o réu se relacionava sexualmente com a outra vitima pois ela começava a chorar e bater na parede durante noite (...)" (fls. 172).

A prova oral colhida sustenta as declarações firmes e coerentes prestadas pela vítima e por sua mãe. Vejamos:

MARTA TRINDADE CORREA, assistente social responsável pela elaboração do relatório psicossocial (fls. 20/21), esclareceu:

"Que realizou uma entrevista com a vitima Cleuza atendendo a solicitação do MP, oportunidade em que ela relatou que era vitima, junto com sua filha Aline, de violência domestica e ainda que o réu molestava sexualmente sua filha Aline ha vários anos.

(...)

Que Cleuza relatou que o réu era pessoa violenta e acostumada a fazer uso de bebida alcoólica. Que Cleuza disse na mesma ocasião que Aline não veio consigo porque o acusado não permitiu. Que não foi até a casa do acusado em virtude do relato de ser ele pessoa violenta e pela distância a que se localiza tal moradia da sede deste município

(...)

Que Cleuza lhe disse que nunca tinha visto o acusado mantendo relações sexuais com sua filha Aline, porém afirmou que percebia que durante a noite ele costumava sair da cama dele e se acomodar na cama dela. Que o acusado nunca permitiu que a vitima Aline dormisse em um quarto diferente do dele e da vitima Cleuza. Que Cleuza chegou a lhe dizer também que percebia movimentos entre o réu e sua filha semelhantes ao de um ato sexual (...)" (fls. 173).

JORGE DOVAR DAPPER, quando ouvido na delegacia de policia, declarou:

"(...) Que só teve certeza de que Vilson estava mantendo relação sexual com a Aline, quando a própria mãe de Vilson Vieira Ossuna, confirmou ao declarante que era verdadeiro os boatos que Vilson estava mantendo relação sexual com a enteada; Que antes da mãe de Vilson confirmar o boato, a senhora Cleuza já havia comentado o declarante os fatos (...)" (fls. 45).

Ao ser ouvido em juízo, acrescentou:

"(...) Afirma que havia comentários de que o acusado tinha relações sexuais com a Aline, mas não sabe informar se eram ou não forçadas. Afirma que os outros assentados do Entre Rios e que noticiavam tais fatos. Afirma que não havia comentários de que a Sra. Cleuza soubesse do que ocorria. (...)" (fls.256).

A pretensão da defesa de desqualificar as provas produzidas nos autos pela solteira versão apresentada pelo Recorrente, não merece prosperar, encontrando a condenação de VILSON VIEIRA OSSUNA sólido fundamento nas provas erigidas ao longo da instrução, valendo ressaltar que, tratando-se de delitos contra liberdade sexual, normalmente cometidos às escondidas, longe dos olhos de possíveis testemunhas, a palavra da vítima assume extraordinário valor, mormente quando em harmonia com os demais elementos de prova, como no caso dos autos.

Nesse sentido, extrai-se da jurisprudência do colendo Superior Tribunal de Justiça:

"PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. ART. 213, CAPUT, DO CÓDIGO PENAL. PEDIDO DE ABSOLVIÇÃO. (...).

II - Ademais, a palavra da vítima, em sede de crime de estupro, ou atentado violento ao pudor, em regra, é elemento de convicção de alta importância, levando-se em conta que estes crimes, geralmente, não tem testemunhas ou deixam vestígios (Precedentes)(...)" (STJ, Quinta Turma, HC 106890 / SP, Relator Ministro FELIX FISCHER, DJe 02-02-2009).

"HABEAS CORPUS - CRIMINAL - ESTUPRO E ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR. - EXAME APROFUNDADO DO MÉRITO E DA PROVA NO WRIT. IMPOSSIBILIDADE - RELEVÂNCIA DA PALAVRA DA VÍTIMA - PRECEDENTES ORDEM DENEGADA.

1- O habeas corpus não comporta exame aprofundado da prova e do mérito da imputação.

2- A palavra da vítima é de alta relevância nos crimes de estupro e atentado violento ao pudor, cometidos na clandestinidade. (Precedentes).

3- Ordem denegada." (STJ, Quinta Turma, HC 66651 / SP, Relatora Ministra JANE SILVA - Desembargadora Convocada do TJ/MG), DJ 10-12-2007 p. 403).

"CRIMINAL. HC. ESTUPRO. ALEGAÇÃO DE INSUFICIÊNCIA DE PROVAS PARA A CONDENAÇÃO. PALAVRA DA VÍTIMA. VALOR PROBANTE. CONVICÇÃO DO JUIZ CORROBORADA POR OUTROS ELEMENTOS DE PROVA. ACÓRDÃO COMBATIDO PROLATADO NO SENTIDO DA JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE E DO STF (...).

(...)

II. O Juiz monocrático consolidou o seu convencimento não apenas no depoimento pessoal da vítima, tendo igualmente embasado a sentença nas demais provas produzidas nos autos que demonstram a materialidade e apontam a autoria do delito.

III. Nos crimes sexuais, a palavra da vítima, especialmente quando corroboradas por outros elementos de convicção, tem grande validade como prova, porque, na maior parte dos casos, esses delitos, por sua própria natureza, não contam com testemunhas e sequer deixam vestígios.

IV. Decisão combatida que foi proferida em consonância com a jurisprudência firmada no âmbito deste Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal, inexistindo divergência jurisprudencial que permita o conhecimento de recurso especial ou extraordinário, nos termos da Súmula nº 83 desta Corte e 286 do STF. (...)" (STJ, Quinta Turma, HC 59.746 - RJ, Relator Ministro GILSON DIPP, julgado em 17-10-2006).

Outra não tem sido a orientação seguida por esta egrégia Corte de Justiça, consoante extrai-se dos arestos abaixo colacionados:

"APELAÇÃO - ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR E ESTUPRO (TRÊS (03) VEZES - CONDENAÇÃO - MENOR DE 14 (QUATORZE) ANOS - PRETENDIDA A EXCLUSÃO DO AUMENTO RELATIVO À CONTINUIDADE DELETIVA - IMPOSSIBILIDADE - DEVIDAMENTE DEMONSTRADA NOS AUTOS - A PALAVRA DA VÍTIMA - DECLARAÇÕES SEGURAS E COERENTES - (...) RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.

A palavra da vítima constitui prova de grande importância, em crimes contra os costumes, e a acusação da vítima, firme e segura, em consonância com as demais provas, autoriza a condenação no delito de estupro em continuidade delitiva e no delito de atentado violento ao pudor (...)." (TJ/MT, Segunda Câmara Criminal, RAC nº 57470/2008, Relator DES. PAULO DA CUNHA, julgado em 21-01-2009).

"RECURSO DE APELAÇÃO - CRIME DE ESTUPRO - SENTENÇA PENAL CONDENATÓRIA - IRRESIGNAÇÃO DA DEFESA - PRELIMINAR DE NULIDADE DO PROCESSO - DECLARAÇÃO PRESTADA PELA VÍTIMA QUE NÃO MATERIALIZA RETRATAÇÃO DA REPRESENTAÇÃO - REJEIÇÃO - MÉRITO - ALEGAÇÃO DE AUSÊNCIA DE PROVAS DA AUTORIA E DA REITERAÇÃO CRIMINOSA - IMPROCEDÊNCIA - MATERIALIDADE E AUTORIA DEVIDAMENTE COMPROVADAS - PRETENSÃO ABSOLUTÓRIA AFASTADA - PALAVRA DA VÍTIMA FIRME E COERENTE, APONTANDO O APELANTE COMO AUTOR DO ILÍCITO, CORROBORADA COM PROVAS TESTEMUNHAIS - APELO IMPROVIDO POR MAIORIA.

Nos crimes contra os costumes, geralmente praticados na clandestinidade, prevalece e domina o entendimento, segundo o qual, as declarações da vítima quando firmes, coerentes e ajustadas a outros elementos do processo constitui prova fundamental para a condenação do agente." (TJ/MT, Terceira Câmara Criminal, RAC nº 2845/2008, Relator DES. JOSÉ LUIZ CARVALHO, julgado em 28-4-2008).

Quanto ao CRIME DE AMEAÇA perpetrado contra CLEUZA MARIA DE SOUZA PEREIRA, sua materialidade e autoria também encontra-se plenamente demonstrada dos autos, mormente pela ficha de atendimento (fls. 13), pelo relatório psicossocial (fls. 20/21), pelo termo de representação (fls. 25), pedido de providências protetivas (fls. 27/30) e depoimentos prestados pela vítima (fls. 24 e 172) e por sua filha, ALINE DE SOUZA PEREIRA (fls. 32 e 195/196), acima transcritos.

Dessarte, pelo exame de todo o contexto probatório, não obstante a negativa do Apelante, constata-se que as condutas delituosas a ele imputadas encontram-se suficientemente demonstradas nos autos, revelando-se, portanto, escorreita a condenação imposta.

Relativamente ao pleito de decote do aumento referente à CONTINUIDADE DELITIVA, melhor sorte não socorre ao Recorrente, pois ficou suficientemente comprovado que o mesmo praticou as condutas criminosas por mais de uma vez, dentro de um mesmo contexto espacial, com idêntica forma de execução e outras semelhanças, encontrando-se, pois, presentes todas as condições para sua aplicação, devendo ser mantido o aumento da forma como já fixado na r. sentença, qual seja, em 2/3 (dois terços), tendo em vista terem sido os crimes perpetrados por inúmeras vezes.

A alegação defensiva de que o Apelante tem o DIREITO DE APELAR EM LIBERDADE também não procede, uma vez que permaneceu preso durante toda a instrução criminal, revelando-se sua conservação na prisão um dos efeitos da sentença condenatória. Além do mais, o douto Magistrado sentenciante, ao manter o Réu segregado, consignou em sua decisão persistirem os motivos que autorizaram sua prisão preventiva (necessidade de se assegurar a garantia da ordem pública e a aplicação da lei penal), e se este permaneceu custodiado durante toda a instrução criminal, com maior razão, deve ser mantido preso preventivamente após a prolação da sentença condenatória.

Nesse sentido, é a orientação dos Tribunais Superiores:

"PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE ENTORPECENTES (...). RÉU PRIMÁRIO E DE BONS ANTECEDENTES QUE PERMANECEU PRESO DURANTE TODA A INSTRUÇÃO CRIMINAL. VEDAÇÃO LEGAL. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO-CONFIGURADO. ORDEM DENEGADA.

(...)

4. Ao paciente que permaneceu preso preventivamente durante toda a instrução criminal não assiste o direito de apelar em liberdade, por se tratar de um dos efeitos da sentença condenatória a conservação do réu na prisão. Precedentes do STJ e do STF (...)" (STJ, Quinta Turma, HC 119149 / SP, Relator Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, DJe 02-02-2009).

"HABEAS CORPUS LIBERATÓRIO. PROCESSUAL PENAL. ROUBO COM EMPREGO DE ARMA E EM CONCURSO DE AGENTES. PACIENTE CONDENADO À PENA DE 5 ANOS, 8 MESES E 23 DIAS DE RECLUSÃO. NEGATIVA DO DIREITO DE APELAR EM LIBERDADE. INEXISTÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. RÉU QUE PERMANECEU PRESO DURANTE TODA A INSTRUÇÃO CRIMINAL (...).

1. O réu que permaneceu preso durante toda a instrução criminal, não sofre constrangimento ilegal ante a negativa do direito de apelar em liberdade, haja vista a permanência dos pressupostos para a segregação cautelar previstos no art. 312 do CPP, especialmente a necessidade de se assegurar a garantia da ordem pública e a aplicação da lei penal.

2. Ademais, a conservação do réu na prisão é um dos efeitos da sentença condenatória. Precedentes do STF e STJ (...)" (STJ, Quinta Turma, HC 103501 / SP, Relator Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, DJe 16-02- 2009).

Diante do exposto, em consonância com o parecer ministerial, NEGO PROVIMENTO ao recurso defensivo, mantendo incólume a v. decisão vituperada.

É como voto.

V O T O

EXMA. SRA. DRA. GRACIEMA R. DE CARAVELLAS (REVISORA)

Egrégia Câmara:

I - A percuciente análise do contexto probatório me permite comungar do entendimento a que chegou o eminente Desembargador Relator, que, anuindo ao parecer, reconheceu a improcedência do argumento defensivo sobre a ausência de prova da materialidade e da autoria do estupro.

Ao contrário do que possa parecer, o apelante não nega a prática das relações sexuais com a enteada A.S.P., que na época da primeira incursão, contava com apenas 15 anos de idade. O que ele negou, foi a violência empregada na prática dos atos sexuais e, exatamente nesse contexto, corroborando a sua fala inquisitorial (fls. 46/48), assinala em Juízo que

"... desde a primeira relação sexual com Aline foi sempre consensual, nunca tendo-a força a conjunção carnal (...)" (Vilson Vieira Ossuna, fl. 147), inclusive mencionando que a própria menor era quem o procurava para as relações, de forma que manteve seguidos congressos sexuais com a menor, não subsistindo, portanto, as argüições da defesa no sentido de refutar tais fatos.

De outro lado, contudo, a vítima sempre manteve o firme relato que era obrigada a manter relações sexuais com o apelante, sob sérias ameaças, mencionando que:

"... ele fazia o que queria (...) a declarante afirma que não gritava, porque Vilson sempre ameaçava a declarante, dizendo que se a mesma contasse para a mãe ou seu irmão, ele poderia fazer alguma coisa com os mesmos (...) Vilson manteve relação sexual com a declarante a força, sendo que a mãe da declarante estava dormindo em uma cama próximo, mas Vilson disse para a declarante não gritar e que ficasse quietinha (...) nunca contou o que estava acontecendo com medo das ameaças de seu padrasto ..." (A. S. P. - fls. 32/33)

Em juízo, a ofendida corroborou suas afirmações, mencionando que em razão dos seguidos estupros experimentados, tem séria dificuldade de se relacionar sexualmente com outros homens (idem, fls. 195/196).

Comungo do entendimento esposado pelo douto Magistrado de piso, aqui acompanhado pelo eminente Relator, no sentido de que não é de se exigir da vítima a conduta de mártir para a efetiva demonstração do dissenso em relação à prática das relações sexuais, arriscando a própria vida, ou a de terceiros, principalmente neste caso em que a violência relativa partira do padrasto, pessoa que lhe impunha intenso terror, em função de sua autoridade que exercia sobre ela.

As aduções defensivas se limitam a apontar contradições supostamente existentes nos depoimentos colhidos durante a persecução penal, porém não chegam a permitir a elisão das acusações versadas pela vítima e por sua genitora.

Nota-se a densidade e firmeza das declarações da vítima em Juízo, de onde se extrai que foi compelida pelo apelante a se despir, sob ameaça, e a com ele manter congresso carnal por diversas vezes.

Tratam-se de declarações que não se dissociam do depoimento de Cleuza Maria de Souza Pereira, genitora da ofendida, a esse respeito (fl. 172 - Juízo).

A palavra da vítima, por si só, é relevante condutor da veracidade sobre a materialidade delitiva e sua autoria, especialmente quando não demonstra qualquer interesse pessoal de falsamente incriminar o acusado, pois, em delitos sexuais perpetrados vis et clam, não consigo entender como pudesse propor, a vítima, uma inescrupulosa acusação ao seu padrasto, sem que fossem apontadas mínimas razões para tanto, ainda mais quando essa incriminação tenha por escopo relatar, a terceiros estranhos, situações de humilhação e vergonha enfrentadas.

Já decidiu o Superior Tribunal de Justiça, a respeito:

"A palavra da vítima, em sede de crime de estupro, ou atentado violento ao pudor, em regra, é elemento de convicção de alta importância, levando-se em conta que estes crimes, geralmente, não tem testemunhas, ou deixam vestígios. (Precedentes)." (HC 76922/SP - Rel. Min. Félix Fischer - T5 - DJU de 12-11-2007, p. 253)

"1. A palavra da vítima, nos crimes sexuais, especialmente quando corroborada por outros elementos de convicção, tem grande validade como prova, porque, na maior parte dos casos, esses delitos, por sua própria natureza, não contam com testemunhas e sequer deixam vestígios.

2. Hipótese na qual o Julgador monocrático consolidou o seu convencimento não apenas no depoimento pessoal da vítima, tendo igualmente embasado a sentença nas demais provas produzidas nos autos que demonstram a materialidade e apontam a autoria do delito." (HC 76599/RS - Rel. Min. Jane Silva (convocada) - T5 - DJU de 22-10-2007, p. 327)

Por tais razões, acompanhando o douto Relator, desprovendo o pedido absolutório.

II - Também não vejo como excluir, da reprimenda, a especial aumentativa a que se refere o art. 71, caput, do Código Penal, nem de reduzir o quantum de aumento ao mínimo legal de um sexto, pois conforme bem identificou o douto Magistrado sentenciante, Vilson realmente confessou, em sede inquisitorial, a prática de pelo menos quatro relações sexuais com a vítima, além de outras destacadas pela própria ofendida e por sua genitora, em Juízo, totalizando pelo menos 07 congressos carnais devidamente individualizados e que se situaram em semelhante plano executório.

Impera, assim, o reconhecimento e a aplicação da continuidade delitiva prevista, inclusive com a imposição do acréscimo em seu grau máximo, pois não concebo como se pudesse enfeixar o grau de aumento em seu patamar mínimo em incursões delituosas contra a mesma vítima que se realizaram ao longo de cinco anos.

À toda evidência, não cabe à Justiça tolerar esse tipo de liberalidade em sede de continuidade delitiva, a ponto de tornar a maioria dos crimes impunes, o que, em uma ultima ratio, resultaria em verdadeiro incentivo ao crime.

Se de um lado, essa ficção jurídica está intimamente relacionada com medidas de caráter político-criminal, evitando-se um excessivo cúmulo penal material, de outro, deve pautar-se, na delimitação do quantum de acréscimo, no número de incursões delitivas e em outras circunstâncias a elas atinentes.

Não posso me esquecer da lição de Alberto Silva Franco, nesse concernente, verbis:

"O número de infrações constitui, sem dúvida, o critério fundamental para efeito de determinação do aumento punitivo. Assim, em princípio, a existência de duas infrações, em continuidade delitiva, significa o menor aumento, ou seja, o de um sexto; a de três, de um quinto; a de quatro, o de um quarto; a de cinco, o de um terço; a de seis, o de metade; a de sete ou mais, o de dois terços, que corresponde ao máximo cominável para a causa de aumento de pena em questão.

Embora este critério de caráter eminentemente objetivo sirva, em regra, como parâmetro judicial, nada impede que se leve também em consideração circunstâncias outras que estejam vinculadas com a própria realização de fatos criminosos em série continuada." (in Código Penal e sua interpretação jurisprudencial, RT, 1995, p. 886)

O argumento secundário da insurgência defensiva é ainda menos plausível, pois está pautado na ausência de configuração da continuidade delitiva, "(...) por ultrapassar e muito os 30 dias" (fl. 407) assentados na orientação pretoriana e doutrinária a respeito da temática temporal relativa ao trato dos crimes praticados sucessivamente, fato esse infinitamente mais gravoso aos interesses do próprio apelante.

É que, estando devidamente comprovada nos autos, inclusive pela própria admissão do apelante, a pluralidade de incursões carnais violentas efetivadas contra A.S.P. no período aproximado de cinco anos, uma vez excogitada a continuidade delitiva, ter-se-ia que considerar a aplicação do sistema de cúmulo material (art. 69 do CP), com a somatória das penas de cada um dos estupros, em número mínimo de sete, caso em que a pena mínima para estaria situada em torno de 63 anos de reclusão, o que seria ilógico em sede de recurso de apelação manejado pela defesa, na hipótese de condenação à pena de 15 anos de reclusão.

Com efeito, impende salientar a improcedência do pleito alternativo do apelo.

III - Finalmente, estando o apelante preso desde a fase inquisitorial (05- 10-2007 - fl. 85) por força de decreto temporário (11-8-2007 - fls. 51/54) convolado em preventivo (11-10-2007 - fls. 78/80), tenho como paradoxal a possibilidade de que, depois de condenado, pudesse recorrer em liberdade.

Além disso, sendo padrasto da ofendida, ainda representa um sério fator de risco a esta última e seus familiares, não sendo demais lembrar que, depois de prestada a queixa pela genitora da ofendida, o apelante telefonou para ela no intuito de ameaçá-la, reforçando a convicção de que a ordem pública está a reclamar a sua mantença no cárcere, sob esse duplo enfoque.

Por tais razões, acompanho o douto Relator e desprovejo, por completo, o recurso de apelação aviado pela defesa de Vilson Vieira Ossuna, mantendo intacta a r. sentença vergastada.

É como voto.

V O T O

EXMO. SR. DES. RUI RAMOS RIBEIRO (VOGAL)

De acordo com os votos precedentes.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência do DES. RUI RAMOS RIBEIRO, por meio da Câmara Julgadora, composta pelo DES. JUVENAL PEREIRA DA SILVA (Relator), DRA. GRACIEMA R. DE CARAVELLAS (Revisora) e DES. RUI RAMOS RIBEIRO (Vogal), proferiu a seguinte decisão: APELO DESPROVIDO. DECISÃO UNÂNIME. O PARECER É PELO IMPROVIMENTO DO RECURSO INTERPOSTO.

Cuiabá, 07 de abril de 2009.

DESEMBARGADOR RUI RAMOS RIBEIRO - PRESIDENTE DA PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL EM SUBSTITUIÇÃO LEGAL

DESEMBARGADOR JUVENAL PEREIRA DA SILVA - RELATOR

PROCURADOR DE JUSTIÇA

Publicado 23/04/09




JURID - Estupro e ameaça em continuidade delitiva. Costumes. [21/05/09] - Jurisprudência

 



 

 

 

 

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