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sábado, 16 de maio de 2009

JURID - Cobrança. Trabalho voluntário do preso. Possibilidade. [15/05/09] - Jurisprudência


Cobrança. Trabalho voluntário do preso. Possibilidade. Remição. Remuneração.

Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios - TJDF.

Órgão
6ª Turma Cível

Processo N.
Apelação Cível 20070111369107APC

Apelante(s)
MARCONI DE SOUZA PRADO E OUTROS

Apelado(s)
OS MESMOS

Relatora
Desembargadora ANA MARIA DUARTE AMARANTE BRITO

Revisor
Desembargador JAIR SOARES

Acórdão nº 355.536

E M E N T A

CIVIL. COBRANÇA. TRABALHO VOLUNTÁRIO DO PRESO. POSSIBILIDADE. REMIÇÃO. REMUNERAÇÃO.

O art. 28 da Lei de Execuções Penais estabelece que o trabalho do condenado tenha a finalidade educativa e produtiva, refletindo que o espírito da lei não se dirige exclusivamente à contraprestação pecuniária, mas, principalmente, à ressocialização. Assim, é possível o trabalho voluntário apenas com a finalidade da remissão.

A C Ó R D Ã O

Acordam os Senhores Desembargadores da 6ª Turma Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, ANA MARIA DUARTE AMARANTE BRITO - Relatora, JAIR SOARES - Revisor, OTÁVIO AUGUSTO - Vogal, sob a Presidência da Senhora Desembargadora ANA MARIA DUARTE AMARANTE BRITO, em proferir a seguinte decisão: CONHECIDO. JULGOU-SE PREJUDICADO O RECURSO DO AUTOR. DEU-SE PROVIMENTO AO RECURSO DO RÉU. UNÂNIME, de acordo com a ata do julgamento e notas taquigráficas.

Brasília (DF), 29 de abril de 2009

Certificado nº: 4435689F

05/05/2009 - 16:01

Desembargadora ANA MARIA DUARTE AMARANTE BRITO
Relatora

R E L A T Ó R I O

O relatório é, em parte, o da r. sentença, de fls. 56/59, que ora transcrevo:

"MARCONI DE SOUZA PRADO ajuíza ação em desfavor do DISTRITO FEDERAL. Informa estar em cumprimento de pena privativa de liberdade de 15 de outubro de 1998 a 02 de outubro de 2007 no Sistema penitenciário do Distrito Federal, com estada em várias unidades prisionais.

Alega que trabalhou sem remuneração durante os períodos de 27/02/04 a 23/05/05, 23/05/05 a 15/09/06, 04/10/06 a 30/10/06, o que totaliza 2 anos, 7 meses e 14 dias.

Pede, inclusive em sede de antecipação de tutela, o pagamento dos dias trabalhados na proporção de 3/4 (três quartos) do salário mínimo, por mês trabalhado.

Com a inicial vieram os documentos de fls. 14/18.

A decisão de fl. 20 indeferiu a antecipação de tutela requerida e deferiu os benefícios da justiça gratuita.

Em contestação, às fls. 25/29, o réu alega que o trabalho foi executado de forma voluntária. Aduz que o valor eventualmente devido ao autor não daria para cobrir as despesas realizadas com a sua manutenção no sistema carcerário. Pugna pela improcedência. Sucessivamente, requer que os valores eventualmente devidos sejam compensados com as despesas de manutenção do autor no presídio.

Réplica às fls. 35/38.

Instadas a especificarem provas, as partes nada requereram.

O Ministério Público manifesta-se pela procedência do pedido inicial (fls. 52/54)."

Acrescento que a MM. Juiza a quo julgou procedentes os pedidos para condenar o Distrito Federal a pagar os dias trabalhados enquanto o autor permaneceu preso, conforme dispõe a Lei de Execuções Penais. Condenou o réu a pagar os honorários advocatícios, fixados em R$ 400,00 (quatrocentos reais).

Irresignados, apelam autor e réu.

O autor (fls. 65/67) pugna pela reforma parcial da r. sentença apenas para fixar os honorários em 20% (vinte por cento) do valor da causa.

O réu (fls. 70/77) pede a reforma da r. sentença a fim de julgar improcedentes os pedidos. Sustenta que o trabalho foi prestado de forma voluntária não sendo cabível qualquer remuneração.

Contra-razões do réu às fls. 80/86 e do autor às fls. 91/124.

Às fls. 130/132, a Procuradoria de Justiça se manifestou pela ausência de interesse do Ministério do Público no presente feito.

É o relatório.

V O T O S

A Senhora Desembargadora ANA MARIA DUARTE AMARANTE BRITO - Relatora

Conheço do recurso, presentes os pressupostos de admissibilidade.

No mérito, tenho que o recurso do Distrito Federal merece provimento.

O apelante foi condenado como incurso nas sanções do art. 157, § 2º, I, II e §3º segunda parte, c/c art. 14, II, na forma do art. 70 do CP, cumprindo pena total de 15 anos de reclusão (fls. 15/16).

Segundo informações prestadas pela Secretaria de Segurança Pública (fl. 28) os serviços realizados pelo apelante se deram de forma voluntária, com a finalidade exclusiva de remir a pena.

De fato, a Vara de Execuções Penais recebe inúmeros pedidos nesse sentido, visando tão somente a remissão da pena. Insta salientar que tal possibilidade será perdida caso o Estado tenha que remunerar qualquer trabalho prestado pelo apenado, o que contribuiria para aumentar a angústia, a solidão, o nervosismo, a insegurança e os crimes.

Com efeito, o art. 29 da Lei de Execuções Penais (LEP) dispõe que o trabalho desenvolvido pelo preso será remunerado, prevendo que o resultado servirá à indenização dos danos causados pelo crime, à assistência à família, a pequenas despesas e ao ressarcimento ao Estado das despesas realizadas com a manutenção do condenado, além da constituição de pecúlio.

Por outro lado, o art. 28 do mesmo diploma legal estabelece que o trabalho do condenado tenha a finalidade educativa e produtiva. Percebe-se, portanto que o espírito da lei não se dirige exclusivamente à contraprestação pecuniária, mas, principalmente, à ressocialização. A norma não pode ser interpretada apenas de forma literal. Em casos como estes, requer uma interpretação mais extensiva, buscando uma compreensão adequada à expressão "finalidade produtiva" inserida no diploma legal invocado.

O trabalho garante ao indivíduo dignidade dentro de seu meio familiar e social. Como não poderia deixar de ser, o trabalho do preso encontra-se inserido dentro desta ótica que vincula o trabalho à existência digna do ser humano.

É cediço que ao abandonar o comportamento ocioso inerente ao cárcere, o reeducando estará contribuindo para sua saúde física e mental, bem como se preparando para o mercado de trabalho.

E ainda, segundo o que dispõe o art. 126 da LEP, o preso pode remir parte do tempo de execução da pena, reforçando a idéia de que pecúnia não figura como o único benefício alcançado pelo trabalho, como de fato ocorreu no caso, remindo, o apelante, a 76 (setenta e seis) dias de pena (fl. 17).

Nas palavras de Julio Fabbrini Mirabete, "a remição é uma nova proposta inserida na legislação penal pela Lei nº 7.210/84, que tem como finalidade mais expressiva a de abreviar, pelo trabalho, parte do tempo da condenação."(1)

Portanto, seja em decorrência de uma interpretação extensiva dos artigos mencionados, no sentido de melhor favorecer o réu (art. 3º do CPP); seja em razão da finalidade maior do trabalho, que é a ressocialização, tenho que é possível o trabalho, sem remuneração, desde que remidos os dias trabalhados na forma que dispõe a lei.

Por fim, diante do provimento do recurso, a apelação do autor quanto aos honorários resta prejudicada.

ANTE O EXPOSTO, julgo prejudicado o recurso do autor. Dou provimento ao recurso do réu para, reformando a r. sentença, julgar improcedentes os pedidos. Condeno o autor no pagamento dos honorários advocatícios, que fixo em R$ 400,00 (quatrocentos reais), ficando suspensa a execução nos termos da Lei 1.060/50, diante da gratuidade judiciária.

É como voto.

O Senhor Desembargador JAIR SOARES - Revisor

O autor, condenado à pena de reclusão de 15 anos, afirma que, desde que iniciou o cumprimento da pena, trabalhou 2 anos, 8 meses e 2 dias, recebendo pecúlio somente por parte do período trabalhado, restando 2 anos, 7 meses e 14 dias sem receber remuneração. Diz que devido 3/4 do salário mínimo por mês trabalhado enquanto preso.

O trabalho do preso será sempre remunerado, sendo-lhe garantidos os benefícios da previdência social (CP, art. 39). O trabalho, obrigação e direito do preso (LEP, art. 37 e 41, II), não se submete ao regime da CLT (LEP, art. 28, § 2º).

Dispõe o art. 28 da Lei de Execução Penal que o trabalho do condenado, como dever social e condição de dignidade humana, terá finalidade educativa e produtiva.

Certo que o trabalho do preso é remunerado, mas o produto da remuneração do preso deve atender à indenização dos danos causados pelo crime, à assistência à família, às pequenas despesas pessoais, e ao ressarcimento do Estado pelas despesas com a manutenção do condenado (LEP, art. 29, § 1º).

Ainda que não perceba o pecúlio, os dias de trabalho são aproveitados para remir a pena. Ensina Cezar Roberto Bittencourt que "remir significa resgatar, abater, descontar, pelo trabalho realizado dentro do sistema prisional, parte do tempo de pena a cumprir". E acrescenta: "os efeitos da remissão são considerados tanto para fins de livramento condicional como de indulto" (in Tratado de Direito Penal, Editora Saraiva, 9ª edição, pg. 495).

O que se extrai é que o objetivo precípuo da remissão é a de abreviar, pelo trabalho, parte do tempo da pena. Não visou o legislador a contraprestação do trabalho do preso, com o pagamento de salários, até mesmo pela insuficiência de recursos do Estado.

O trabalho realizado pelo apelante, enquanto cumpria a sua pena de reclusão, foi de natureza voluntária, voltado exclusivamente a obter a recompensa da remissão da pena. Não comprovou que o trabalho decorreu de contrato de prestação de serviços firmados entre a Fundação de Amparo ao Preso Trabalhador - FAPT, e entidades públicas ou privadas, hipótese em que a finalidade precípua é a remuneração.

O preso pode trabalhar apenas para remir a pena, sem que haja obrigação do Estado em remunerá-lo.

Nesse sentido, o seguinte precedente do e. STJ e desta Turma:

"HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO PENAL. REMIÇÃO. ATIVIDADE ESTUDANTIL. POSSIBILIDADE. FINALIDADE. REINTEGRAÇÃO DO CONDENADO À SOCIEDADE.

1. A Lei de Execução Penal busca a reinserção do recluso no convívio social e evidencia, nos termos de seu art. 28, a importância do trabalho para o alcance de tal objetivo.

2. O art. 126, caput, da referida lei, integra essa concepção de incentivo ao trabalho, uma vez que, além de sua finalidade educativa e ressocializadora, tem outro aspecto importante que é o da atenuação de parte da pena privativa de liberdade através da redução que é feita à razão de um dia de pena por três dias de trabalho (remição da pena).

3. A interpretação extensiva do vocábulo 'trabalho', para alcançar também a atividade estudantil, não afronta o art. 126 da Lei de Execução Penal. É que a mens legislatoris, com o objetivo de ressocializar o condenado para o fim de remição da pena, abrange o estudo, em face da sua inegável relevância para a recuperação social dos encarcerados.

4. Ordem concedida para assegurar ao paciente o direito à remição da pena em relação aos dias de estudo efetivamente cursados. (HC 58926/SP; 5ª Turma, Ministra Laurita Vaz, DJ 16.10.2006 p. 404 - destacamos).

"CIVIL. COBRANÇA. TRABALHO VOLUNTÁRIO DO PRESO. POSSIBILIDADE. REMIÇÃO. REMUNERAÇÃO.

O art. 28 da Lei de Execuções Penais estabelece que o trabalho do condenado tenha a finalidade educativa e produtiva, refletindo que o espírito da lei não se dirige exclusivamente à contraprestação pecuniária, mas, principalmente, à ressocialização. Assim, é possível o trabalho voluntário apenas com a finalidade da remição." (20070110468629APC, Relator Ana Maria Duarte Amarante Brito, 6ª Turma Cível, julgado em 28/05/2008, DJ 04/06/2008 p. 81)

Dou provimento ao recurso do Distrito Federal e julgo improcedente o pedido. Pagará o autor as custas e honorários de R$ 400,00 (quatrocentos reais), com a ressalva do art. 12, da L. 1.050/60. Recurso do autor prejudicado.

O Senhor Desembargador OTÁVIO AUGUSTO - Vogal

De Acordo

D E C I S Ã O

CONHECIDO. JULGOU-SE PREJUDICADO O RECURSO DO AUTOR. DEU-SE PROVIMENTO AO RECURSO DO RÉU. UNÂNIME.


Publicado 12/05/09.



Notas:

1 - In Manual de Direito Penal, Parte Geral, Editora Atlas, 17ª edição, São Paulo, 2001, p. 261. [Voltar]




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