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sexta-feira, 29 de maio de 2009

JURID - Conflito negativo de competência. Execução de créditos. [29/05/09] - Jurisprudência


Conflito negativo de competência. Execução de créditos trabalhistas em processos de recuperação judicial.

Supremo Tribunal Federal - STF.

RECURSO EXTRAORDINÁRIO 583.955-9 RIO DE JANEIRO

RELATOR: MIN. RICARDO LEWANDOWSKI

RECORRENTE(S): MARIA TEREZA RICHA FELGA

ADVOGADO(A/S): SEBASTIÃO JOSÉ DA MOTTA E OUTRO(A/S)

RECORRIDO(A/S): VRG LINHAS AÉREAS S/A E OUTRO(A/S)

ADVOGADO(A/S): ROBERTO TEIXEIRA E OUTRO(A/S)

ADVOGADO(A/S): SERGIO BERMUDES

R E L A T Ó R I O

O Sr. Ministro RICARDO LEWANDOWSKI: - Trata-se de recurso extraordinário (fls. 1.364-1.389 - vol. 6), interposto por Maria Tereza Richa Felga, com base no art. 102, III, a, da Constituição Federal, contra acórdão, unânime, proferido pela Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça, em agravo regimental, interposto contra decisão proferida em conflito de competência entre a Justiça do Trabalho e a Justiça Estadual Comum (1ª Vara Empresarial da Comarca do Rio de Janeiro).

No voto condutor do aresto recorrido, ficou consignado o seguinte:

"Conheço do conflito para declarar competente o Juízo de Direito da 1ª Vara Empresarial do Rio de Janeiro nos termos do que a Segunda Seção decidiu no CC nº 61.272, RJ, de que fui relator, in verbis:

'CONFLITO DE COMPETÊNCIA. 1. CONFLITO E RECURSO. A regra mais elementar em matéria de competência recursal é a de que as decisões de um juiz de 1º grau só podem ser reformadas pelo tribunal a que está vinculado; o conflito de competência não pode ser provocado com a finalidade de produzir, per saltum, o efeito que só o recurso próprio alcançaria, porque a jurisdição sobre o mérito é prestada por instâncias (ordinárias: juiz e tribunal; extraordinárias: Superior Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal Federal). 2. LEI DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL (Lei nº 11.101, de 2005). A Lei nº 11.101, de 2005, não teria operacionalidade alguma se sua aplicação pudesse ser partilhada por juízes de direito e juízes do trabalho; competência constitucional (CF, art. 114, incs. I a VIII) e competência legal (CF, art. 114, inc. IX) da Justiça do Trabalho. Conflito conhecido e provido para declarar competente o MM. Juiz de Direito da 1ª Vara Empresarial do Rio de Janeiro'" (1.351 - vol. 6).

Originalmente, o conflito de competência foi suscitado pelo Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, após tanto a Justiça Estadual como a Justiça do Trabalho terem se declarado incompetentes para julgar ação proposta pelo Sindicato Nacional dos Aeronautas (SNA) e associações de comissários, mecânicos de voo e pilotos das empresas Varig e Nordeste Linhas Aéreas.

Neste recurso extraordinário, alega-se ofensa aos incisos I a IX do art. 114 da Constituição Federal.

A recorrente, em suma, sustenta que:

"De acordo com o entendimento contido na decisão ora impugnada, o legislador constituinte teria previsto, na referida norma, duas formas de competência da Justiça especializada do Trabalho. Uma que seria Constitucional (incisos I a VIII) e outra, que apesar de constar da Carta da República, seria apenas legal (inciso IX).

(...)

(...) forçoso concluir que essa norma constitucional só autoriza o legislador infraconstitucional, através da edição de lei - como o faz a Lei 11.101/05 - a aumentar a competência da justiça especializada do trabalho, mas nunca a reduzir"(fls. 1.376-1.381 - vol. 6).

Aduz, ainda, que

"a interpretação que se deu ao inciso IX do artigo 114 da CF-88 e, ainda, a supressão da competência absoluta da Justiça do Trabalho para atuar no julgamento de causa trabalhista quando trata de direito de empregados de empresa em recuperação judicial devem ser afastadas, até mesmo porque não há nem no texto da Constituição Federal (art. 114, incisos I a IX) e, muito menos na própria Lei de Recuperação Judicial (Lei 11.101/2005), qualquer previsão legal que confira a Juiz Estadual jurisdição sobre matéria eminentemente trabalhista, mesmo que dela se extraiam reflexos no patrimônio ou obrigações de empresas em recuperação judicial" (fl. 1.385 - vol. 6).

Ademais, incidentalmente, a recorrente discute a interpretação que o acórdão recorrido conferiu ao art. 60 da Lei 11.101/2005, nos termos abaixo:

"Segundo a tese que estão esposando, as empresas compradas sob a regra do art. 60 da Lei 11.101/2005 estariam imunes à sucessão trabalhista, vez que, segundo sustentam, o parágrafo único do art. 60 da Lei 11.101/2005 teria previsto essa circunstância.

(...)

(...) o fato é que não se pode nem mesmo querer acolher o argumento central da ausência de sucessão, de que a Lei de Recuperação Judicial protegeria os ativos alienados em leilão judicial de sucessão trabalhista" (fl. 1.387).

Nesses termos, requer a

"reforma da decisão recorrida para assegurar a correta interpretação da norma contida no artigo 114, incisos I a IX, da Constituição Federal, a qual, no entender da recorrente, foi diretamente ofendida pela decisão recorrida, isso justificando o provimento do presente recurso extraordinário" (fl. 1.388).

E, mais, para que seja reconhecida

"a competência absoluta da justiça do trabalho para julgar causas de natureza trabalhista, inclusive daquelas ajuizadas em face de empresas que estejam em Recuperação Judicial ou Falência (nos termos da Lei 11.101/05) e as incluídas nos conflitos como sucessoras, declarando-se que nesse exame de competência não há espaço para a limitação da atuação da Justiça Especializada do Trabalho, que há de julgar as causas segundo as regras legais e constitucionais, aplicando, inclusive e em especial, a própria Lei 11.101/05" (fl. 1.339).

A recorrida, por sua vez, alega, em contrarrazões, que o recurso extraordinário não deve ser conhecido, pois se verifica

"no caso concreto:

(i) a ausência de prequestionamento dos dispositivos arregimentados nas razões recursais (Súmulas 282 e 356); (ii) a ausência dos fundamentos aos quais se reportou a r. decisão impugnada; (iii) a ausência da repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso e, ainda; e a intenção de discutir, nos autos, hipotética afronta indireta ao Texto Constitucional" (fl. 1.427).

Acrescenta que, caso conhecido, o recurso não deve ser provido, porque

"(i) a dívida trabalhista está expressamente contemplada no processo de recuperação judicial e, após reconhecida pela Justiça especializada do Trabalho, deve ser habilitada perante o Juízo Universal da Recuperação Judicial, na forma do art. 6º, § 2º, da Lei Federal nº 11.101/05 - não podendo a Justiça Especializada do Trabalho, por conseguinte, praticar atos de execução relativos a esse crédito conforme entendimento consolidado à luz da Legislação anterior; (ii) referida disposição legal não colide com o art. 114 da Constituição Federal, uma vez que resguarda a competência da E. Justiça Especializada do Trabalho para conhecer e decidir a respeito das ações versando relação de trabalho; e, por derradeiro, (iii) a r. decisão recorrida, ao declarar a competência do E. Juízo da 1ª Vara Empresarial do Rio de Janeiro para dispor sobre o pagamento do crédito trabalhista da ora Recorrente em relação à empresa em recuperação judicial aplicou, de forma indelével e incensurável, referidas disposições legais e constitucionais" (fl. 1.428 - vol. 6).

À fl. 1.436, manifestei-me pela existência da repercussão geral da questão sob exame.

Esta Corte, às fls. 1.437-1.439, reconheceu a repercussão geral do tema constitucional, em decisão que ostenta ementa abaixo:

"COMPETÊNCIA. PLANO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL. SATISFAÇÃO DE CRÉDITOS. JUSTIÇA DO TRABALHO VERSUS JUSTIÇA COMUM".

Às fls. 1.445-1.449, o Ministério Público Federal manifestou-se pelo desprovimento do recurso, em parecer que recebeu a seguinte ementa:

"Recurso extraordinário. Créditos trabalhistas. Recuperação Judicial. Lei nº 11.101/05. Preservação da continuidade do negócio. Função social da empresa. Competência da Justiça comum. Correção do acórdão. Pelo desprovimento do recurso".

Às fls. 1.495-1.502, foram opostos embargos de declaração pela recorrente, os quais não foram conhecidos por serem manifestamente incabíveis.

É o relatório.

RECURSO EXTRAORDINÁRIO 583.955-9 RIO DE JANEIRO

V O T O

O Sr. Ministro RICARDO LEWANDOWSKI (Relator): Bem examinados os argumentos expendidos neste RE, entendo que não assiste razão à recorrente.

Primeiramente, assento que o debate relativo às condições de admissibilidade do recurso encontra-se superado, bem assim o tema da repercussão geral, em face do pronunciamento afirmativo desta Corte no sentido da relevância constitucional do tema em debate.

Depois, anoto que não cabe ao STF, em recurso extraordinário interposto contra decisão prolatada em conflito de competência, em que se discute a exegese do art. 114, na redação que lhe deu a EC 45/2004, examinar se o art. 60 da Lei 11.101/2005 estabelece ou não a sucessão de créditos trabalhistas, por tratar-se de matéria totalmente estranha aos autos.

Mas, ainda que assim não seja, observo que esta Corte, na ADI 3.934/DF, de minha relatoria, afirmou a constitucionalidade do referido dispositivo.

À ocasião, assentei o quanto segue:

"(...) o exame da alegada inconstitucionalidade material dos dispositivos legais que estabeleceram a inocorrência de sucessão das dívidas trabalhistas, na hipótese da alienação judicial de empresas, passa necessariamente pelo exame da adequação da escolha feita pelo legislador ordinário relativamente aos valores e princípios constitucionais aos quais pretendeu emprestar eficácia.

Ora, analisando a gênese do diploma normativo cujos dispositivos se encontram sob ataque, verifico que ele resultou de um projeto de lei, o PL 4.376/1993, o qual tramitou por cerca de onze anos no Congresso Nacional. Após longas e aprofundadas discussões, os parlamentares aprovaram a Lei 11.101/2005, revogando concomitantemente o Decreto-Lei 7.661/1945, que antes regia a matéria.

Em parecer ofertado à Comissão de Assuntos Econômicos do Senado Federal, o Senador Ramez Tebet, relator do projeto em questão, deixou anotado o seguinte:

'A fim de conhecer as opiniões dos diversos segmentos da sociedade sobre o assunto e democratizar o debate, esta Comissão promoveu, nos meses de janeiro e fevereiro de 2004, audiências públicas acerca do PLC nº 71, de 2003, em que foram ouvidas centrais sindicais, representantes das associações e confederações comerciais e industriais, das micro e pequenas empresas, dos bancos e do Banco Central, das empresas de construção civil, dos produtores rurais, do Poder Judiciário, do Ministério Público, do Governo Federal, e outros especialistas em direito falimentar. Além disso, recebemos numerosas sugestões por escrito, que também contribuíram para o aprofundamento do debate'.(1)

Embora houvesse um consenso generalizado, na doutrina, acerca da excelência técnica do texto normativo editado em 1945, registrava-se também uma crescente concordância na comunidade jurídica quanto ao seu anacronismo diante das profundas transformações socioeconômicas pelas quais passou o mundo a partir da segunda metade do Século XX, e que afetaram profundamente a vida das empresas.

Rubens Approbato Machado, por exemplo, ao comentar a nova Lei, afirma que

'a falência (...) e a concordata, ainda que timidamente permitissem a busca da recuperação da empresa, no decorrer da longa vigência do Decreto-lei 7.661/45 e ante as mutações havidas na economia mundial, inclusive com a sua globalização, bem assim nas periódicas e inconstantes variações da economia brasileira, se mostram não só defasadas, como também se converteram em verdadeiros instrumentos da própria extinção da atividade empresarial. Raramente, uma empresa em concordata conseguia sobreviver e, mais raramente ainda, uma empresa falida era capaz de desenvolver a continuidade de seus negócios. Foram institutos que deixavam as empresas sem qualquer perspectiva de sobrevida'.(2)

Essa foi também a visão do relator do projeto na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado Federal:

'A realidade sobre a qual se debruçou Trajano de Miranda Valverde para erigir esse verdadeiro monumento do direito pátrio, que é a Lei de Falências de 1945, não mais existe. Como toda obra humana, a Lei de Falências é histórica, tem lugar em um tempo específico e deve ter sua funcionalidade constantemente avaliada à luz da realidade presente. Tomar outra posição é enveredar pelo caminho do dogmatismo. A modernização das práticas empresariais e as alterações institucionais que moldaram essa nova concepção de economia fizeram necessário adequar o regime falimentar brasileiro à nova realidade'.(3)

Assim, é possível constatar que a Lei 11.101/2005 não apenas resultou de amplo debate com os setores sociais diretamente afetados por ela, como também surgiu da necessidade de preservar-se o sistema produtivo nacional inserido em uma ordem econômica mundial caracterizada, de um lado, pela concorrência predatória entre seus principais agentes e, de outro, pela eclosão de crises globais cíclicas altamente desagregadoras.

Nesse contexto, os legisladores optaram por estabelecer que os adquirentes de empresas alienadas judicialmente não assumiriam os débitos trabalhistas, por sucessão, pois, segundo consta do citado parecer senatorial:

'O fato de o adquirente da empresa em processo de falência não suceder o falido nas obrigações trabalhistas não implica prejuízo aos trabalhadores. Muito ao contrário, a exclusão da sucessão torna mais interessante a compra da empresa e tende a estimular maiores ofertas pelos interessados na aquisição, o que aumenta a garantia dos trabalhadores, já que o valor pago ficará à disposição do juízo da falência e será utilizado para pagar prioritariamente os créditos trabalhistas. Além do mais, a venda em bloco da empresa possibilita a continuação da atividade empresarial e preserva empregos. Nada pode ser pior para os trabalhadores que o fracasso na tentativa de vender a empresa, pois, se esta não é vendida, os trabalhadores não recebem seus créditos e ainda perdem seus empregos.(4)

Comentando o dispositivo da Lei 11.101/2005, que isenta os arrematantes dos encargos decorrentes da sucessão trabalhista, Alexandre Husni assenta o quanto segue:

'A realidade é que visto o fato de forma econômica, a entidade produtiva mais valor terá na medida em que se desligue dos ônus que recaiam sobre si, independentemente da sua natureza. Via de conseqüência, a procura será maior tanto quanto garanta o Poder Judiciário a inexistência de sucessão. Pago o preço justo de mercado, quem efetivamente sai ganhando com o fato será o credor de natureza trabalhista e acidentário que são os primeiros na ordem de preferências estabelecida pelo legislador.'(5)

Do ponto de vista teleológico, salta à vista que o referido diploma legal buscou, antes de tudo, garantir a sobrevivência das empresas em dificuldades, não raras vezes derivadas das vicissitudes por que passa a economia globalizada, autorizando a alienação de seus ativos, tendo em conta, sobretudo, a função social que tais complexos patrimoniais exercem, a teor do disposto no art. 170, III, da Lei Maior.

Nesse sentido, é a lição de Manoel Pereira Calças:

'Na medida em que a empresa tem relevante função social, já que gera
riqueza econômica, cria empregos e rendas e, desta forma, contribui para o crescimento e desenvolvimento socioeconômico do País, deve ser preservada sempre que for possível. O princípio da preservação da empresa que, há muito tempo é aplicado pela jurisprudência de nossos tribunais, tem fundamento constitucional, haja vista que nossa Constituição Federal, ao regular a ordem econômica, impõe a observância dos postulados da função social da propriedade (art. 170, III), vale dizer, dos meios de produção ou em outras palavras: função social da empresa. O mesmo dispositivo constitucional estabelece o princípio da busca pelo pleno emprego (inciso VIII), o que só poderá ser atingido se as empresas forem preservadas.

(...).

Na senda da velha lição de Alberto Asquini, em seu clássico trabalho sobre os perfis da empresa como um fenômeno poliédrico, não se pode confundir o empresário ou a sociedade empresária (perfil subjetivo) com a atividade empresarial ou organização produtiva (perfil funcional), nem com o estabelecimento empresarial (perfil objetivo ou patrimonial). Nesta linha, busca-se preservar a empresa como atividade, mesmo que haja a falência do empresário ou da sociedade empresária, alienando-a a outro empresário, ou promovendo o trespasse ou o arrendamento do estabelecimento, inclusive à sociedade constituída pelos próprios empregados, conforme previsão do art. 50, VIII e X, da Lei de Recuperação de Empresas e Falências'.(6)

Sérgio Campinho, na mesma linha, assenta que a

'alienação judicial (...) tem por escopo justamente a obtenção de recursos para cumprimento de obrigações contidas no plano [de recuperação da empresa], frustrando-se o intento caso o arrematante herde os débitos trabalhistas do devedor, porquanto perderá atrativo e cairá de preço o bem a ser alienado'.(7)

Isso porque o processo falimentar, nele compreendido a recuperação das empresas em dificuldades, objetiva, em última análise, saldar o seu passivo mediante a realização do respectivo patrimônio. Para tanto, todos os credores são reunidos segundo uma ordem pré-determinada, em consonância com a natureza do crédito de que são detentores.

O referido processo tem em mira não somente contribuir para que a empresa vergastada por uma crise econômica ou financeira possa superá-la eventualmente, mas também busca preservar, o mais possível, os vínculos trabalhistas e a cadeia de fornecedores com os quais ela guarda verdadeira relação simbiótica.

É exatamente o que consta do art. 47 da Lei 11.101/2005, verbis:

'Art. 47. A recuperação judicial tem por objetivo a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica.'

Cumpre ressaltar, por oportuno, que a ausência de sucessão das obrigações trabalhistas pelo adquirente de ativos das empresas em recuperação judicial não constitui uma inovação do legislador pátrio. De fato, em muitos países, dentre os quais destaco a França (Code de Commerce, arts. L631-1, L631-13 e L642-1) e aEspanha (Ley 22/2003, art. 148), existem normas que enfrentam a problemática de modo bastante semelhante ao nosso.

Na lei falimentar italiana, verbi gratia, existe inclusive um dispositivo bastante similar à regra aqui vergastada. Trata-se do art. 105 do Decreto 267/1942, com a redação que lhe emprestou o Decreto Legislativo 5/2006, que tem a seguinte redação:

'Salvo disposição em contrário, não há responsabilidade do adquirente pelo débito relativo ao exercício do estabelecimento empresarial adquirido'.(8)

Por essas razões, entendo que os arts. 60, parágrafo único, e 141, II, do texto legal em comento mostram-se constitucionalmente hígidos no ponto em que estabelecem a inocorrência de sucessão dos créditos trabalhistas, particularmente porque o legislador ordinário, ao concebê-los, optou por dar concreção a determinados valores constitucionais, a saber, a livre iniciativa e a função social da propriedade - de cujas manifestações a empresa é uma das mais conspícuas - em detrimento de outros, com igual densidade axiológica, eis que os reputou mais adequados ao tratamento da matéria.

Passo, então, ao exame da questão central debatida neste recurso, qual seja, saber se a competência para julgar a execução dos débitos trabalhistas de empresa em processo falimentar ou em recuperação judicial é da Justiça do Trabalho ou da Justiça Estadual Comum.

Para tanto, faz-se necessário discutir se o acórdão recorrido, prolatado pelo STJ, ao estabelecer que a Justiça Ordinária é o juízo competente para julgar a matéria afrontou ou não o disposto no art. 114 da Constituição Federal, em especial o que consta de seu inc. IX.

Cumpre recordar, de início, que o assunto, no âmbito infraconstitucional, é atualmente disciplinado pelo §§ 1º e 2º do art. 6º da Lei 11.101/2005, nos termos abaixo:

"Art. 6º A decretação da falência ou o deferimento do processamento da recuperação judicial suspende o curso da prescrição e de todas as ações e execuções em face do devedor, inclusive aquelas dos credores particulares do sócio solidário.

§ 1º Terá prosseguimento no juízo no qual estiver se processando a ação que demandar quantia ilíquida.

§ 2º É permitido pleitear, perante o administrador judicial, habilitação, exclusão ou modificação de créditos derivados da relação de trabalho, mas as ações de natureza trabalhista, inclusive as impugnações a que se refere o art. 8º desta lei, serão processadas perante a justiça especializada até a apuração do respectivo crédito, que será inscrito no quadro-geral de credores pelo valor determinado em sentença".

Tais disposições são complementadas pelo que se contém o art. 76 e seu respectivo parágrafo único, verbis:

"Art. 76 O juízo da falência é indivisível e competente para conhecer todas as ações sobre bens, interesses e negócios do falido, ressalvadas as causas trabalhistas, fiscais e aquelas não reguladas nesta Lei em que o falido figurar como autor ou litisconsorte ativo.

Parágrafo único. Todas as ações, inclusive as excetuadas no caput deste artigo, terão prosseguimento com o administrador judicial, que deverá ser intimado para representar a massa falida, sob pena de nulidade do processo."

Vale lembrar, ainda, que a questão era regulada, anteriormente, pelos arts. 7º, §§ 2º e 3º, e 23 do Decreto-lei 7.661/1945, que ostentavam a redação a seguir transcrita:

"Art. 7º. (...)

§ 2º. O juízo da falência é indivisível e competente para todas as ações e reclamações sobre bens, interesses e negócios da massa falida, as quais serão processadas na forma determinada nesta Lei.

§ 3º. Não prevalecerá o disposto no parágrafo anterior para as ações, não reguladas nesta Lei, em que a massa falida seja autora ou litisconsorte."

"Art. 23. Ao juízo da falência devem concorrer todos os credores do devedor comum, comerciais ou civis, alegando e provando os seus direitos".

Como se vê, tanto na disciplina anterior como na atual, o legislador ordinário adotou o entendimento, consolidado na doutrina e na jurisprudência, segundo o qual, uma vez decretada a falência - e agora na recuperação judicial -, a execução de todos os créditos, inclusive os de natureza trabalhista, deve ser processada no juízo falimentar.

Nessa linha tem-se a lição de Pontes de Miranda, que assim comentava o texto legal revogado:

"A falência compreende todos os bens do devedor comum (Decreto-Lei nº 7.661, art. 39). Todos os credores têm de apresentar-se ao juízo da falência (art. 23)".

Essa era também a posição de Nelson Nery Junior sobre o assunto:

"Diz-se indivisível o juízo da falência porque ele atrai todas as ações e questões atinentes aos bens, interesses e negócios da falida. Todas juntas formam o procedimento falimentar".(9)

Igualmente Rubens Requião sustentava a unidade do juízo falimentar, nos termos abaixo:

"A unidade do juízo falimentar é ditada (...) pela natureza coletiva do processo de falência e pelo princípio da par condicio creditorum. Todos os credores que ocorrem ao processo de falência devem ser tratados com igualdade em relação aos demais credores da mesma categoria. Somente a unidade e a universalidade do juízo poderiam assegurar a realização dessas regras".(10)

Como se verifica, na vigência do regime anterior sedimentou-se o entendimento de que a competência para executar os créditos reclamados perante a massa falida, inclusive os trabalhistas, era da Justiça Estadual Comum, a qual administrava o pagamento de todos eles, observada a respectiva ordem de preferência.

Essa orientação foi integralmente mantida pela Lei 11.101/2005. Comentando a sistemática atual, Maria Cristina Vidotte Blanco Tarrega, Maria Cristina Vidotte Blanco Tarrega, esclarece que

"no juízo falimentar se processam concurso creditório, arrecadação dos bens do falido, habilitação de créditos, pedidos de restituição e demais ações, reclamações e negócios de interesse da massa."(11)

As regras hoje vigentes, assim como as passadas, consagram o princípio da universalidade do juízo falimentar, que exerce uma vis attractiva sobre todas as ações de interesse da massa falida, caracterizando a sua indivisibilidade.

É que num processo falimentar o patrimônio da empresa nem sempre equivale ao montante de suas dívidas, razão pela qual a regra da individualidade na execução dos créditos, que prevalece em situações de normalidade, poderia levar a que determinados credores obtivessem vantagem indevida relativamente a outros, em detrimento da isonomia que deve imperar entre eles, no tocante à liquidação de seus haveres. Em outras palavras, os credores que primeiro ingressassem com a execução seriam impropriamente privilegiados em prejuízo dos demais.

Por essa razão, na falência, e em algumas outras situações, como na insolvência civil e no processo de inventário (arts. 96 e 762 do CPC), desloca-se e altera-se a competência jurisdicional para um determinado foro de atração, "em que se discutem", segundo ensina José Frederico Marques, "todas as causas e ações pertinentes a um patrimônio com universalidade jurídica".(12)

Fica, assim, afastada a regra da execução individual dos créditos, instaurando-se, em substituição, aquilo que se chamava antigamente de execução coletiva e, hoje, se denomina de concurso de credores. Ou seja, a execução deixa de ser feita individualmente, passando a ser realizada de forma comum. Essa sistemática permite que se materialize, na prática, o vetusto princípio da par condicio creditorum, o qual assegura tratamento paritário a todos os credores de uma mesma categoria na percepção daquilo que lhes é devido.

Destarte, instala-se, no processo de falência, o denominado juízo universal, que atrai todas as ações que possam afetar o patrimônio da empresa em processo de quebra ou recuperação judicial. Cuida-se, em suma, do juízo competente para conhecer e julgar as todas as demandas que exijam uma decisão uniforme e vinculação erga omnes.

Convém sublinhar, desde logo, que o juízo universal da falência atrai apenas os créditos consolidados, quer dizer, dele estão excluídos, a teor do art. 6º, §§ 1º, 2º e 7º, da Lei 11.101/2005,(13) as ações que demandarem quantia ilíquida, as trabalhistas e as de natureza fiscal, as quais terão prosseguimento nos juízos especializados.

E aqui, registro, por oportuno, que, em conformidade com o disposto no art. 83, I e VI, c, da Lei 11.101/2005, os créditos de até 150 (cento e cinquenta) salários mínimos terão tratamento preferencial, e os que superarem esse valor serão transformados em quirografários.(14)

Tais dispositivos foram havidos como constitucionalmente hígidos por esta Suprema Corte, no julgamento da ADI 3.934/DF, ocasião em que me pronunciei nos seguintes termos:

"(...) passo agora ao exame do último argumento da presente ação direta, isto é, o da inconstitucionalidade da conversão de créditos trabalhistas em quirografários.

Também nesse tópico não vejo qualquer ofensa à Constituição no tocante ao estabelecimento de um limite máximo de 150 (cento e cinquenta) salários mínimos, para além do qual os créditos decorrentes da relação de trabalho deixam de ser preferenciais.

É que - diga-se desde logo - não há aqui qualquer perda de direitos por parte dos trabalhadores, porquanto, independentemente da categoria em que tais créditos estejam classificados, eles não deixam de existir nem se tornam inexigíveis. Quer dizer, os créditos trabalhistas não desaparecem pelo simples fato de serem convertidos em quirografários, mas apenas perdem o seu caráter preferencial, não ocorrendo, pois, nesse aspecto, qualquer afronta ao texto constitucional.

Observo, a propósito, que o estabelecimento de um limite quantitativo para a inserção dos créditos trabalhistas na categoria de preferenciais, do ponto de vista histórico, significou um rompimento com a concepção doutrinária que dava suporte ao modelo abrigado no Decreto-lei 7.661/1945, cujo principal enfoque girava em torno da proteção do credor e não da preservação da empresa como fonte geradora de bens econômicos e sociais.

É importante destacar, ademais, que a própria legislação internacional de proteção ao trabalhador contempla a possibilidade do estabelecimento de limites legais aos créditos de natureza trabalhista, desde que preservado o mínimo essencial à sobrevivência do empregado.

Esse entendimento encontra expressão no art. 7.1 da Convenção 173 da Organização Internacional do Trabalho - OIT (Convenção sobre a Proteção dos Créditos Trabalhistas em Caso de Insolvência do Empregador), segundo o qual a

'legislação nacional poderá limitar o alcance do privilégio dos créditos trabalhistas a um montante estabelecido, que não deverá ser inferior a um mínimo socialmente aceitável'.

Embora essa Convenção não tenha sido ainda ratificada pelo Brasil, é possível afirmar que os limites adotados para a garantia dos créditos trabalhistas no caso de falência ou recuperação judicial de empresas encontram respaldo nas normas adotadas no âmbito da OIT, entidade integrante da Organização das Nações Unidas que tem por escopo fazer com que os países que a integram adotem padrões mínimos de proteção aos trabalhadores.

Nesse aspecto, as disposições da Lei 11.101/2005 abrigam uma preocupação de caráter distributivo, estabelecendo um critério o mais possível equitativo no que concerne ao concurso de credores. Em outras palavras, ao fixar um limite máximo - bastante razoável, diga-se - para que os créditos trabalhistas tenham um tratamento preferencial, a Lei 11.101/2005 busca assegurar que essa proteção alcance o maior número de trabalhadores, ou seja, justamente aqueles que auferem os menores salários.

Procurou-se, assim, preservar, em uma situação de adversidade econômica por que passa a empresa, o caráter isonômico do princípio da par condicio creditorum, segundo o qual todos os credores que concorrem no processo de falência devem ser tratados com igualdade, respeitada a categoria que integram.

Esse é o entendimento de Fábio Ulhoa Coelho, para quem o limite à preferência do crédito trabalhista tem como objetivo

'impedir que (...) os recursos da massa [sejam consumidos] com o atendimento a altos salários dos administradores da sociedade falida. A preferência da classe dos empregados e equiparados é estabelecida com vistas a atender os mais necessitados, e os credores por elevados salários não se consideram nessa situação.(15)

Insta sublinhar, ainda, que o valor estabelecido na Lei não se mostra arbitrário e muito menos injusto, afigurando-se, ao revés, razoável e proporcional, visto que, segundo dados do Tribunal Superior do Trabalho, constantes do já citado parecer da Comissão de Assuntos Econômicos do Senado Federal, 'o limite superior de 150 salários mínimos (...) afetará número reduzidíssimo de assalariados, entre os quais estão, exclusiva ou primordialmente, os ocupantes de cargos elevados da hierarquia administrativa das sociedades'.(16) Isso porque as indenizações trabalhistas, levando-se em conta os valores vigentes à época da edição do diploma legal, foram, em média, de 12 salários mínimos.

Foi precisamente o dever estatal de proteger os direitos dos trabalhadores que determinou a fixação de regras que tornem viável a percepção dos créditos trabalhistas pelo maior número possível de credores, ao mesmo tempo em que se buscou preservar, no limite do possível, os empregos ameaçados de extinção pela eventual quebra da empresa sob recuperação ou em processo de falência.

Em abono dessa tese, afirma o já citado Manoel Pereira Calças que:

'O Estado deve proteger os trabalhadores que têm como 'único e principal bem sua força de trabalho'. Por isso, tanto na falência, como na recuperação judicial, os trabalhadores devem ter preferência no recebimento de seus créditos, harmonizando-se, no entanto, tal prioridade, com a tentativa da manutenção dos postos de trabalho.

(...).

(...) o credor trabalhista, cujo crédito somar até cento e cinquenta salários-mínimos, será classificado pela totalidade do respectivo valor na classe superpreferencial; já o trabalhador que for titular de crédito que supere o teto legal participará do concurso em duas classes distintas, ou seja, pelo valor subsumido no teto integrará a classe dos créditos trabalhistas e pelo valor excedente será incluído na classe dos quirografários'.(17)

Essa restrição, contudo, de forma acertada, como asseveram Vera de Mello Franco e Rachel Sztajn 'não atinge as indenizações devidas por acidente do trabalho, que devem ser pagas integralmente'.(18)

Ademais, assentam que:

'Caso o apurado com a venda dos ativos seja insuficiente para a satisfação do total, procede-se ao rateio, em igualdade de condições, dentre os credores trabalhistas e preferenciais, classificados nesta classe'.(19)

Assim, forçoso é convir que o limite de conversão dos créditos trabalhistas em quirografários fixado pelo art. 83 da Lei 11.101/2005 não viola a Constituição, porquanto, longe de inviabilizar a sua liquidação, tem em mira, justamente, a proteção do patrimônio dos trabalhadores, em especial dos mais débeis do ponto de vista econômico".

E mais, segundo ao art. 54 da Lei 11.101/2005, o plano de recuperação judicial, que é aprovado pelo juízo da falência, não poderá prever prazo superior a um ano para pagamento dos créditos derivados da legislação do trabalho ou decorrentes de acidentes do trabalho, anteriormente vencidos, e nem prazo superior a trinta dias para o pagamento, até o limite de cinco salários mínimos por trabalhador, dos créditos de natureza estritamente salarial, vencidos nos três meses anteriores ao pedido.

A meu ver, portanto, a Lei 11.101/2005 manteve-se rigorosamente fiel ao princípio da par condicio creditorum no tocante aos créditos trabalhistas, os quais, de resto, foram contemplados com a devida precedência sobre os demais, de forma consentânea com a sua natureza alimentar.

Na verdade, tal como no regime anterior, a Justiça do Trabalho conservou a jurisdição cognitiva sobre tais créditos, ficando, todavia, a execução destes, quando líquidos, a cargo da Justiça Comum, uma vez instaurado o processo falimentar.

O novo diploma legal, longe de restringir a percepção dos créditos trabalhistas, na verdade ampliou a possibilidade de os empregados receberem aquilo que lhes é devido, ao introduzir no ordenamento jurídico o instituto da recuperação judicial, cujo objetivo é manter em atividade as empresas que estejam passando por dificuldades de caráter conjuntural, tendo em conta a função social que exercem.

Diante disso, penso que as disposições da Lei 11.101/2005, no concernente à regra de competência para a execução dos créditos trabalhistas, em nada conflitam com o que contêm os incs. I e IX do art. 114, em especial quanto a esse último.

Com efeito, o inc. IX do art. 114 apenas outorgou ao legislador ordinário a faculdade de submeter à competência da Justiça Laboral outras controvérsias, além daquelas taxativamente estabelecidas nos incisos anteriores, desde que decorrentes da relação de trabalho. Em outras palavras, o texto constitucional não o obrigou a fazê-lo, deixando ao seu alvedrio a avaliação das hipóteses em que tal se afigure conveniente, à luz dos valores e princípios constitucionais em jogo.

No caso da competência para processar e julgar a execução dos créditos trabalhistas em recuperação judicial, a opção política do legislador ordinário foi conservar intacta a sistemática anterior de conhecimento das controvérsias trabalhistas pela Justiça Laboral, mantendo, contudo, a execução dos créditos delas resultantes a cargo do juízo universal da falência, a bem do tratamento uniforme de todos os credores, respeitada, evidentemente, a categoria a que pertencem.

Nessa linha é a argumentação de Alexandre Alves Lazzarini:

"O processo de recuperação judicial (como no de falência) instaura um juízo coletivo para onde devem confluir todos os credores sujeitos à recuperação judicial, inclusive aqueles credores que postulam seu direito perante o juízo individual, seja ele na Justiça Comum ou na Justiça do Trabalho (...).

(...)

Na recuperação judicial busca-se dar tratamento igualitário, obedecidas as regras legais e o que foi disposto pelos credores (e não pelo devedor), como forma de pagamento, onde todos os credores de uma mesma classe (trabalhadores, quirografários etc.) recebam 'cada um, um pouco'; acrescente-se a isso que os credores apostam que a devedora (empresa em crise) irá se restabelecer, manter empregos e pagar o que deve.

(...)

(...) a empresa deixa de ter uma natureza meramente privada, para ter uma forte tendência institucional, dadas as imposições públicas que lhe são feitas.

(...).

Assim, a manutenção das execuções individuais em detrimento da recuperação da empresa implica autorizar que alguns trabalhadores prejudiquem milhares de outros reclamantes e aqueles outros que ainda trabalham na empresa e dela retiram seu sustento, ferindo o direito individual de cada um, sem considerar uma coletividade maior, composta por pessoas prestadoras de serviços e fornecedoras de produtos, por exemplo.

(...).

Em outras palavras, tanto para o interessado capitalista como para o interessado trabalhador, a convergência de interesses da coletividade é melhor em face do interesse individual".(20)

Verifico, pois, que o acórdão recorrido encontra-se em harmonia com o texto constitucional, bem assim com a jurisprudência desta Corte acerca da competência do juízo universal da falência para a execução dos créditos trabalhistas, consolidada - note-se - no período em que estavam vigentes, simultaneamente, o Decreto-lei 7.661/45 e a EC 45/2004, que conferiu nova redação ao art. 114 da Constituição Federal.

Dentre os muitos precedentes nesse sentido, destaco o AI 584.049/RJ-AgR, Rel. Min. Eros Grau (DJ 8/8/2006) e o AI 585.407/RJ-AgR, Rel. Min. Gilmar Mendes (DJ 1º/12/2006. Transcrevo abaixo a ementa do primeiro julgamento citado:

"AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. MATÉRIA INFRACONSTITUCIONAL. OFENSA INDIRETA À CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. EXECUÇÃO TRABALHISTA E SUPERVENIENTE DECLARAÇÃO DE FALÊNCIA DA EMPRESA EXECUTADA. COMPETÊNCIA. JUÍZO FALIMENTAR. (...). O Supremo Tribunal Federal firmou entendimento no sentido de que, decretada a falência, a execução do crédito trabalhista deve ser processada perante o juízo falimentar, sendo necessária a sua habilitação no juízo universal [CC 7.116, Plenário, Relatora a Ministra Ellen Gracie, DJ de 23.8.2002]. Agravo regimental a que se nega provimento".

Não há, portanto, a meu juízo, qualquer afronta ao art. 114 da Carta Magna, em especial ao seu inc. IX, que simplesmente outorgou ao legislador ordinário a faculdade de ampliar a competência da Justiça Laboral para julgar demandas decorrentes da relação de trabalho, autorizando-o a sopesar, ao seu exclusivo alvitre, os variados interesses que se contrapõem na multifacetada realidade social, os quais está incumbido de regrar.

A rigor, a controvérsia examinada neste RE, segundo consta dos autos, nem mesmo decorre - ao menos diretamente - da relação de trabalho que a recorrente mantinha com certa empresa, a justificar a sua submissão à Justiça Laboral. Na verdade, ela tem origem na venda de uma ativo da referida empresa, submetida a processo de recupera;'ao judicial, em hasta pública, nos termos do art. 60, parágrafo único, da Lei 11.101/2005.

Isso posto, conheço deste recurso extraordinário, negando-lhe, todavia, provimento.

RECURSO EXTRAORDINÁRIO 583.955-9 RIO DE JANEIRO

RELATOR: MIN. RICARDO LEWANDOWSKI

RECORRENTE(S): MARIA TEREZA RICHA FELGA

ADVOGADO(A/S): SEBASTIÃO JOSÉ DA MOTTA E OUTRO(A/S)

RECORRIDO(A/S): VRG LINHAS AÉREAS S/A E OUTRO(A/S)

ADVOGADO(A/S): ROBERTO TEIXEIRA E OUTRO(A/S)

ADVOGADO(A/S): SERGIO BERMUDES

EMENTA: CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. EXECUÇÃO DE CRÉDITOS TRABALHISTAS EM PROCESSOS DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL COMUM, COM EXCLUSÃO DA JUSTIÇA DO TRABALHO. INTERPRETAÇÃO DO DISPOSTO NA LEI 11.101/05, EM FACE DO ART. 114 DA CF. RECURSO EXTRAORDINÁRIO CONHECIDO E IMPROVIDO.

I - A questão central debatida no presente recurso consiste em saber qual o juízo competente para processar e julgar a execução dos créditos trabalhistas no caso de empresa em fase de recuperação judicial.

II - Na vigência do Decreto-lei 7.661/1945 consolidou-se o entendimento de que a competência para executar os créditos ora discutidos é da Justiça Estadual Comum, sendo essa também a regra adotada pela Lei 11.101/05.

III - O inc. IX do art. 114 da Constituição Federal apenas outorgou ao legislador ordinário a faculdade de submeter à competência da Justiça Laboral outras controvérsias, além daquelas taxativamente estabelecidas nos incisos anteriores, desde que decorrentes da relação de trabalho.

IV - O texto constitucional não o obrigou a fazê-lo, deixando ao seu alvedrio a avaliação das hipóteses em que se afigure conveniente o julgamento pela Justiça do Trabalho, à luz das peculiaridades das situações que pretende regrar.

IV - A opção do legislador infraconstitucional foi manter o regime anterior de execução dos créditos trabalhistas pelo juízo universal da falência, sem prejuízo da competência da Justiça Laboral quanto ao julgamento do processo de conhecimento.

V - Recurso extraordinário conhecido e improvido.



Notas:

1 - Parecer do Senador Ramez Tebet para a Comissão de Assuntos Econômicos - CAE, 2003, p. 11-13. [Voltar]

2 - MACHADO, Rubens Approbato. Comentários à Nova Lei de Falências e Recuperação de Empresas. São Paulo: Quartier Latin, 2005, p. 22. [Voltar]

3 - Parecer, loc.cit. [Voltar]

4 - Parecer, loc. cit. [Voltar]

5 - HUSNI, Alexandre. Comentários aos artigos 139 ao 153. In: DE LUCCA, Newton e SIMÃO FILHO, Adalberto (Coords.). Comentários à Nova Lei de Recuperação de Empresas e de Falências. São Paulo: Quartier Latin, 2005. p.537-538. [Voltar]

6 - CALÇAS, Manoel de Queiroz Pereira. "A Nova Lei de Recuperação de Empresas e Falências: Repercussão no Direito do Trabalho (Lei nº 11.101, de fevereiro de 2005)". Revista do Tribunal Superior do Trabalho. Ano 73. N. 4. out/dez 2007, p. 40. [Voltar]

7 - CAMPINHO, Sérgio. Falência e recuperação de empresa: o novo regime de insolvência empresarial. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 173. [Voltar]

8 - "Salva diversa convenzione, è esclusa la responsabilità dell'acquirente per i debiti relativi all'esercizio delle aziende cedute". [Voltar]

9 - NERY, Nelson Junior. "Nota ao art. 7º da Lei de Falência (DL 7.661/45)". Novo Código Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 975. [Voltar]

10 - REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Falimentar. São Paulo: Saraiva, 1989, vol. 1. p. 87. [Voltar]

11 - TARREGA, Maria Cristina Vidotte Blanco.Comentários aos artigos 70 ao 82. DE LUCCA, Newton e SIMÃO FILHO, Adalberto (Coords.). Comentários à Nova Lei de Recuperação de Empresas e de Falências, cit. p.342. [Voltar]

12 - MARQUES, José Frederico. Manual de Direito Processual Civil: Teoria Geral do Processo Civil. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 1977. p. 229. v. 1. [Voltar]

13 - § 1º e 2º, encontram-se transcritos acima no texto do voto. Já § 7º apresenta a seguinte redação: "As execuções de natureza fiscal não são suspensas pelo deferimento da recuperação judicial, ressalvada a concessão de parcelamento nos termos do Código Tributário Nacional e da legislação ordinária específica". [Voltar]

14 - "Art. 83. A classificação dos créditos na falência obedece à seguinte ordem:

I - os créditos derivados da legislação do trabalho, limitados a 150 (cento e cinquenta) salários-mínimos por credor, e os decorrentes de acidente de trabalho;

(...);

VI - créditos quirografários, a saber:

(...);

c) os saldos dos créditos derivados da legislação do trabalho que excederem o limite estabelecido no inciso I do caput deste artigo". [Voltar]

15 - COELHO, Fábio Ulhoa. Comentários à Nova Lei de Falências. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 14. [Voltar]

16 - Parecer, loc.cit. [Voltar]

17 - CALÇAS, Manoel de Queiroz Pereira. "A Nova Lei de Recuperação de Empresas e Falências: Repercussão no Direito do Trabalho (Lei N. 11.101, de fevereiro de 2005)". Revista do Tribunal Superior do Trabalho. Ano 73. nº 4. out/dez 2007, p. 41. [Voltar]

18 - FRANCO, Vera Helena de Mello e SZTAJN, Rachel. Falência e Recuperação de Empresa em Crise. São Paulo: Elsevier, 2009, p. 42-43. [Voltar]

19 - Idem, loc.cit. [Voltar]

20 - LAZZARINI, Alexandre Alves. "A recuperação judicial de empresas: alguns problemas na sua execução". Revista de Direito Bancário e do Mercado de Capitais. São Paulo: RT. Ano 10. n. 38. p. 93-106. Out./Dez. de 2007, p. 97. [Voltar]




JURID - Conflito negativo de competência. Execução de créditos. [29/05/09] - Jurisprudência

 



 

 

 

 

JURID - Clonagem de número de linha de telefone. Bloqueio. [29/05/09] - Jurisprudência


Responsabilidade civil. Ação de indenização. Clonagem de número de linha de telefone. Bloqueio.

Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul - TJRS.

APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. CLONAGEM DE NÚMERO DE LINHA DE TELEFONE. BLOQUEIO. PECULIARIDADES DO CASO CONCRETO. DANOS MORAIS OCORRENTES. QUANTUM.

Bloqueio de linha de telefone em razão de clonagem. Impossibilidade de efetuar e receber ligações. Situação que, em regra, trata-se de mero dissabor. Peculiaridades do caso concreto que evidenciam a má prestação do serviço pela ré e a configuração de dano moral ao autor.

Trata-se de dano moral in re ipsa, que dispensa a comprovação da extensão dos danos, sendo estes evidenciados pelas circunstâncias do fato.

Reduzida a indenização para R$ 7.000,00 (sete mil reais), pois quantia que se mostra adequada ao caso concreto e aos parâmetros adotados por este Colegiado.

Juros de mora de 1% ao mês e correção monetária pela variação mensal do IGP-M, ambos desde a data deste acórdão. Precedentes desta Câmara.

APELO PARCIALMENTE PROVIDO. UNÂNIME.

Apelação Cível

Nona Câmara Cível

Nº 70029445863

Comarca de Soledade

BRASIL TELECOM S/A
APELANTE

GABRIEL ARCANJO RIGO
APELADO

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.

Acordam os Magistrados integrantes da Nona Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em dar parcial provimento ao apelo.

Custas na forma da lei.

Participaram do julgamento, além da signatária (Presidente), os eminentes Senhores Des. Odone Sanguiné e Dr. Léo Romi Pilau Júnior.

Porto Alegre, 13 de maio de 2009.

DES.ª IRIS HELENA MEDEIROS NOGUEIRA,
Relatora.

RELATÓRIO

Des.ª Iris Helena Medeiros Nogueira (RELATORA)

Trata-se de apelo interposto por BRASIL TELECOM S/A contra a sentença (fls. 175/182) que, nos autos da ação que lhe é movida por GABRIEL ARCANJO RIGO, julgou parcialmente procedente a demanda, conforme o seguinte dispositivo:

"Em face o exposto, julgo parcialmente procedente a ação formulada por GABRIEL ARCANJO RIGO contra BRASIL TELECOM S.A., para os fins de:

a) RESTABELECER o serviço de telefonia RURALCEL, referente ao prefixo 5435043199, no prazo de 15 dias ;

b) CONDENAR a requerida ao pagamento da importância de R$ 10.000,00 (dez mil reais), valor a ser corrigido monetariamente pelo IGPM, a contar do ajuizamento da presente ação, e acrescida de juros moratórios de 1% (um por cento) ao mês, desde a citação, a título de danos morais.

Condeno, outrossim, a demandada, ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios ao patrono da requerente, os quais estabeleço 20% do valor da condenação, nos termos do disposto no artigo 20, parágrafo 3º, do Código de Processo Civil.".

A ré, em suas razões recursais (fls. 185/200), afirmou que o terminal telefônico do autor encontra-se em pleno funcionamento. Referiu ter cumprido a determinação do artigo 29 da Resolução nº 426/2005 da Anatel. Salientou que a interrupção do serviço visou à proteção do cliente, haja vista a possibilidade de fraude perpetrada por terceiros. Enfatizou não ter inscrito o nome do requerente em órgãos de proteção de crédito. Frisou ter colocado à disposição do demandante uma nova tecnologia, sendo possível acessar os serviços essenciais de telefonia digital.

Disse que jamais exigiu do autor o pagamento das faturas telefônicas emitidas. Referiu não ter havido violação ao decoro ou à honra do requerente. Destacou que o mero dissabor ou aborrecimento não constituem dano passível de ser indenizado. Ponderou que o quantum indenizatório não pode gerar enriquecimento por parte do postulante, citando, para tanto, o artigo 944 do Código Civil. Ressaltou que o termo inicial dos juros de mora deveria ser fixado a partir da data da sentença. Objetivou a reforma da sentença, no sentido de que seja julgada improcedente a ação ou, alternativamente, reduzido o quantum indenizatório.

Contra-razões às fls. 211/216.

Vieram-me conclusos os autos, para julgamento, em 08/04/2009 (fl. 218).

É o relatório.

VOTOS

Des.ª Iris Helena Medeiros Nogueira (RELATORA)

Eminentes Desembargadores.

Consta, na peça inicial, que o autor teve sua linha telefônica bloqueada em 22/09/2006. Disse ter contatado a ré diversas vezes para que fosse solucionado tal problema, no entanto, nada foi feito. Afirmou também que a ré, mesmo não restabelecendo o serviço de telefonia, continuou emitindo faturas de pagamento. Frisou que tal situação lhe causou transtornos de ordem moral. Ao final, requereu (a) o restabelecimento do serviço de telefonia e (b) indenização por danos morais.

Em primeiro grau a demanda foi julgada parcialmente procedente, no sentido de restabelecer o serviço de telefonia, bem como condenar a requerida a pagar indenização por danos morais no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais), valor corrigido monetariamente pelo IGP-M, a contar do ajuizamento da presente ação, e acrescida de juros moratórios de 1% (um por cento) ao mês, desde a citação.

Contra tal decisão, apenas a ré apelou. Restabelecida a linha telefônica em janeiro de 2007 (fl. 132), a demandada pugnou pela improcedência do pedido de indenização por danos morais ou, alternativamente, pela redução do quantum indenizatório.

Dito isso, passo à análise do mérito.

Consoante relatado em apelo (fl. 189), o número de telefone do demandante foi clonado, razão pela qual a ré o bloqueou. Ocorre que, conforme sustentado pelo demandante, mesmo com o bloqueio, as faturas continuaram a ser emitidas, tendo, além disso, ficado incomunicável, situações que teriam lhe causado dano moral.

Em regra, entendo que o simples fato de a pessoa ficar impossibilitada, por algum tempo, de usar o telefone, não é fato gerador de dano moral, configurando mero transtorno do cotidiano.

Ocorre que, neste caso concreto, as circunstâncias narradas e comprovadas pelo demandante demonstram que a atuação da demandada, na condição de prestadora de serviço público de telefonia, foi absolutamente insatisfatória e lesiva aos direitos do consumidor.

É claro que a clonagem de linhas é realizada por terceiros de má-fé, não tendo a demandada, ainda, com os meios tecnológicos à disposição atualmente, como evitar a fraude.

A imputação de responsabilidade, contudo, não decorre do fato de a linha do autor ter sido clonada, mas sim da interrupção do fornecimento do serviço, por bloqueio, motivo que impedia o autor de fazer ou receber ligações.

Tal circunstância é agravada pelo fato de o demandante trabalhar como agricultor, necessitando do telefone para realizar negócios.

Outro elemento importante para aferir a conduta ilícita da requerida é o longo período em que o autor restou privado do serviço telefônico, fato comprovado por prova testemunhal.

A testemunha João Sebben relatou os fatos da seguinte forma (fl. 133):

"Também tem um plano de telefonia denominado RURALVAN residencial. Teve um problema no telefone do autor e não dava para completar a ligação. Não sabe dizer se o telefone havia sido clonado. Por diversas vezes o autor esteve em sua casa para usar o telefone. O autor reside a 14Km do centro da cidade de Ibirapuitã. O autor ficou durante os meses de setembro de 2006 à janeiro de 2007 sem poder usar telefone. Foi colocado um sistema novo de telefonia e o telefone do autor voltou a funcionar. O autor lida com lavoura e precisava do telefone para fazer negócios;. (...) na época em que o autor ficou sem telefone, o do depoente funcionava. Por diversas vezes o autor ligou para a central da Brasil Telecom e não foi dada solução.".

O aludido relato confirma a tese esposada na inicial de que o autor restou impossibilitado de utilizar o telefone entre setembro de 2006 e janeiro de 2007. Disse também que o requerente necessita de telefone por causa do trabalho. Referiu ainda que o demandante tentou entrar em contato com a ré por diversas vezes, sem obter êxito.

O depoimento de Evandro de Oliveira Anhaia se deu no mesmo sentido do anterior (fl. 134):

"Tem conhecimento que por uns 03 meses o autor ficou sem poder usar o telefone. Ligava para a casa do autor e o telefone ficava mudo. Gabriel trabalha na agricultura e precisava do telefone. Tem uma terra arrendada com o autor. (...) o autor ficou sem telefone na época do plantio da soja e milho.".

O depoente supramencionado frisou que o requerente ficou privado do uso da linha telefônica por cerca de três meses. Também destacou a necessidade do uso de telefone por parte do autor em face do plantio de soja e milho.

Ricardo Armelindo dos Santos, técnico contratado pelo autor para o conserto da linha telefônica, assim deu a sua versão dos fatos (fls. 148):

"O depoente é técnico em telecomunicações e foi contratado pelo autor para fazer a manutenção do telefone Rural (ruralcel) do demandante. Constatou que não havia qualquer defeito no equipamento mas a linha estava bloqueada. O depoente entrou em contato com a operadora Brasil Telecom através do SAC "0800" e lhe informaram que o telefone do autor estaria bloqueado e um funcionário da operadora, em 24 horas, compareceria até a casa do autor para solucionar o problema. A operadora não atendeu no prazo que ela mesmo estabeleceu o depoente voltou a entrar em contato com a ré por mais duas vezes mas não foi solucionado o problema do autor. Recorda que recebeu três números de protocolo o telefone não completava ligações. (...) O depoente prestou o serviço acima narrado para o autor a mais ou menos 06 meses. O telefone não efetuava e também não recebia ligações.".

O depoente, especialista em telecomunicações, afirmou que não havia defeito no equipamento, mas sim na linha telefônica. Referiu que a operadora não resolveu o problema no prazo estipulado, ocorrendo diversas ligações do autor para o SAC da ré. Confirmou a informação de que o telefone não realizava nem recebia ligações.

Ainda, mesmo não estando em funcionamento o serviço de telefonia, a ré remeteu faturas de pagamento ao autor (fls. 17/21).

Nesse passo, diante das peculiaridades deste caso concreto, convenci-me de que a ré prestou o serviço público que lhe foi concedido de modo insatisfatório e, em muitas ocasiões, irregular, trazendo danos ao consumidor. Daí o fundamento do dever de reparar.

Trago à baila arestos de jurisprudência desta Corte, que se prestaram a examinar casos semelhantes, verbis:

CONSUMIDOR. CLONAGEM DE TELEFONE (RURALCEL). FALHA DO SERVIÇO. BLOQUEIO DA LINHA. DANO MORAL PELO TEMPO EM QUE O SERVIÇO FICOU INDISPONÍVEL. LIMITADOR TEMPORAL PARA A MULTA. Linha telefônica do sistema RuralCel que é objeto de clonagem, gerando faturamento exorbitante de ligações. Posterior bloqueio do serviço, privando a autora de importante meio de comunicação por quase um ano, fundamentado em ato em que não restou demonstrada participação do consumidor. Dano moral evidenciado. Valor da indenização reduzido. Multa fixada em sentença que deve ter um prazo máximo de incidência. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. (Recurso Cível Nº 71001187012, Segunda Turma Recursal Cível, Turmas Recursais, Relator: Maria José Schmitt Santanna, Julgado em 10/01/2007)

TELEFONIA. PEDIDO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS EM RAZÃO DE CLONAGEM EM LINHA TELEFÔNICA. DANO MORAL EXCEPCIONALMENTE CONFIGURADO, EM RAZÃO DO EXCESSIVO PERÍODO DE BLOQUEIO DA LINHA TELEFÔNICA 5 MESES. AUSÊNCIA DE DANOS MATERIAIS. FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. DANO MORAL CONFIGURADO IN RE IPSA. O dano moral, na hipótese concreta, prescinde de prova, ante a dificuldade de produzi-la e, ademais, por estar evidente o prejuízo, inerente ao próprio fato ocorrido. Situação que ultrapassa o mero dissabor cotidiano. RECURSOS PARCIALMENTE PROVIDOS. (Recurso Cível Nº 71001176239, Terceira Turma Recursal Cível, Turmas Recursais, Relator: Eugênio Facchini Neto, Julgado em 19/12/2006)

Trata-se, evidentemente, de dano moral in re ipsa, que dispensa a comprovação da extensão dos danos, sendo estes evidenciados pelas circunstâncias do fato.

Nesse sentido, destaca-se a lição de Sérgio Cavalieri Filho, Desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro:

"Entendemos, todavia, que por se tratar de algo imaterial ou ideal a prova do dano moral não pode ser feita através dos mesmos meios utilizados para a comprovação do dano material. Seria uma demasia, algo até impossível, exigir que a vítima comprove a dor, a tristeza ou a humilhação através de depoimentos, documentos ou perícia; não teria ela como demonstrar o descrédito, o repúdio ou o desprestígio através dos meios probatórios tradicionais, o que acabaria por ensejar o retorno à fase da irreparabilidade do dano moral em razão de fatores instrumentais.

Neste ponto, a razão se coloca ao lado daqueles que entendem que o dano moral está ínsito na própria ofensa, decorre da gravidade do ilícito em si. Se a ofensa é grave e de repercussão, por si só justifica a concessão de uma satisfação de ordem pecuniária ao lesado. Em outras palavras, o dano moral existe in re ipsa; deriva inexoravelmente do próprio fato ofensivo, de tal modo que, provada a ofensa, ipso fato está demonstrado o dano moral à guisa de uma presunção natural, uma presunção hominis ou facti, que decorre das regras de experiênica comum." (Programa de Responsabilidade Civil, 5ª ed., Malheiros, 2004, p. 100/101).

Não é diferente a orientação do Superior Tribunal de Justiça, conforme ementa que segue:

CIVIL. DANO MORAL. REGISTRO INDEVIDO EM CADASTRO DE INADIMPLENTES. A jurisprudência desta Corte está consolidada no sentido de que, na concepção moderna do ressarcimento por dano moral, prevalece a responsabilização do agente por força do simples fato da violação, de modo a tornar-se desnecessária a prova do prejuízo em concreto, ao contrário do que se dá quanto ao dano material. (...) Recurso não conhecido. (RESP 556200 / RS ; Recurso Especial 2003/0099922-5, Quarta Turma do STJ, Relator Min. César Asfor Rocha (1098), Data da Decisão 21/10/2003, DJ Data: 19/12/2003 PG: 00491).

Caracterizados os danos morais, passo à quantificação da indenização.

Para se fixar o valor indenizatório ajustável à hipótese concreta, deve-se ponderar o ideal da reparação integral e da devolução das partes ao status quo ante. Este princípio encontra amparo legal no art. 947 do Código Civil e no art. 6º, inciso VI do Código de Defesa do Consumidor.

No entanto, não sendo possível a restitutio in integrum em razão da impossibilidade material desta reposição, transforma-se a obrigação de reparar em uma obrigação de compensar, haja vista que a finalidade da indenização consiste, justamente, em ressarcir a parte lesada.

Em relação à quantificação da indenização, é necessário analisar alguns aspectos para se chegar a um valor justo para o caso concreto, atentando-se à extensão do dano, ao comportamento dos envolvidos, às condições econômicas e sociais das partes e à repercussão do fato, além da proporcionalidade e da razoabilidade.

Vejamos o entendimento desta Câmara a respeito dos elementos que devem ser considerados na quantificação da indenização:

RESPONSABILIDADE CIVIL. DANO MORAL. (...) 3. A fixação do quantum indenizatório deve atender uma série de critérios adotados pela jurisprudência de modo a compensar a vítima pelos danos causados, sem significar enriquecimento ilícito desta, às custas de seu ofensor. 4. Configura-se adequada a indenização quando as circunstâncias específicas do caso concreto indicam que a repercussão do dano e a possibilidade econômica do ofensor foram observadas no arbitramento. Manutenção do valor fixado pela sentença recorrida. APELAÇÃO DESPROVIDA. (Apelação Cível nº 70007842883, Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Nereu José Giacomolli, julgado em 28/04/2004).

RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. (...) Quantum Indenizatório. Na fixação do valor indenizatório deve-se levar em consideração as condições econômicas e sociais do ofendido e do ofensor, as circunstâncias do fato e a culpa dos envolvidos, a extensão do dano e seus efeitos, sem esquecer o caráter punitivo e que a indenização deve ser suficiente para reparar o dano, não podendo importar enriquecimento injustificado. (...) APELAÇÃO E RECURSO ADESIVO IMPROVIDOS. (Apelação Cível nº 70007874761, Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relatora Fabianne Breton Baisch, julgado em 05/05/2004).

Assim, considerando as particularidades do caso concreto, entendo por reduzir o valor da indenização para R$ 7.000,00 (sete mil reais). Tal valor não caracteriza enriquecimento ilícito do autor e se presta para a recomposição dos prejuízos.

Tal quantia vai acrescida de correção monetária pela variação mensal do IGP-M e juros de mora de 1% ao mês, ambos tendo como termo inicial a data deste acórdão.

Justifico a não aplicação dos enunciados n° 43 e 54 do Superior Tribunal de Justiça ao caso porque, muito embora se trate de responsabilidade civil decorrente de ato ilícito extracontratual, se está, aqui, delimitando valor de indenização por dano moral, cujo quantum é fixado pelo julgador no momento da prolação da decisão.

Não há, como ocorre com o dano material, um montante - valor do prejuízo - prévio, existente desde a data da prática do ilícito, razão pela qual não se justifica a incidência de juros e correção monetária desde momento anterior à própria determinação do valor da indenização.

Ademais, se está primando pela liquidez do débito, não sendo demais destacar que, na quantificação do valor indenizatório, são de antemão considerados os efeitos da mora.

Nesse sentido, colaciono precedentes desta Câmara:

EMBARGOS DECLARATÓRIOS. JUROS DE MORA E CORREÇÃO MONETÁRIA. TERMO INICIAL. AUSÊNCIA DE OMISSÃO OU CONTRADIÇÃO. REDISCUSSÃO DE MATÉRIA JÁ DECIDIDA. IMPOSSIBILIDADE. Os juros de mora e a atualização monetária devem fluir a partir da fixação do quantum debeatur, pois já sopesados seus efeitos pelo julgador ao arbitrar os valores de ressarcimento dos prejuízos extrapatrimoniais havidos. Logo, não verificada a omissão ou a contradição apontadas, mesmo que para efeito de prequestionamento, não merece guarida a pretensão recursal. Existência de instrumentos processuais outros a viabilizar possível inconformidade. EMBARGOS DESACOLHIDOS. (Embargos de Declaração Nº 70027703933, Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Tasso Caubi Soares Delabary, Julgado em 17/12/2008)

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. INEXISTÊNCIA DE OMISSÃO, CONTRADIÇÃO OU OBSCURIDADE. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS DO PATRONO DA AUTORA. MANUTENÇÃO DOS FIXADOS NA SENTENÇA. CORREÇÃO MONETÁRIA E JUROS MORATÓRIOS. INCIDÊNCIA SOBRE OS DANOS MORAIS. TERMO INICIAL. DATA DA DECISÃO QUE FIXA A INDENIZAÇÃO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO DESPROVIDOS. (Embargos de Declaração Nº 70027121680, Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Marilene Bonzanini Bernardi, Julgado em 19/11/2008)

Por todo o exposto, voto por dar parcial provimento ao apelo, para reduzir o valor da indenização por dano moral para R$ 7.000,00 (sete mil reais), acrescidos de correção monetária pelo IGP-M e juros de mora de 1% ao mês, ambos desde a data deste acórdão.
Em todo o mais - inclusive no que diz com a distribuição dos ônus da sucumbência -, fica mantida a sentença.

É o voto.

Des. Odone Sanguiné (REVISOR) - De acordo.

Dr. Léo Romi Pilau Júnior - De acordo.

DES.ª IRIS HELENA MEDEIROS NOGUEIRA - Presidente - Apelação Cível nº 70029445863, Comarca de Soledade: "DERAM PARCIAL PROVIMENTO AO APELO. UNÂNIME."

Julgador(a) de 1º Grau: KAREN LUISE V.B.DE SOUZA PINHEIRO




JURID - Clonagem de número de linha de telefone. Bloqueio. [29/05/09] - Jurisprudência

 



 

 

 

 

JURID - Imunidade de jurisdição. Organismo internacional. [29/05/09] - Jurisprudência


Imunidade de jurisdição. Organismo internacional.

Tribunal Regional do Trabalho - TRT4ªR.

ACÓRDÃO

00658-2007-018-04-00-2 RO

EMENTA:

RECURSO ORDINÁRIO DO RECLAMANTE

IMUNIDADE DE JURISDIÇÃO. ORGANISMO INTERNACIONAL. A Justiça do Trabalho é competente para julgar litígio trabalhista envolvendo organismo internacional quando pratica atos de gestão, na forma do art. 114 da Carta Política de 1988, não prevalecendo normas hierarquicamente inferiores e muito anteriores à Constituição Federal, que concedem imunidade de jurisdição aos entes estrangeiros. Recurso do reclamante ao qual de dá provimento.

VISTOS e relatados estes autos de RECURSO ORDINÁRIO interposto de sentença proferida pelo MM. Juiz da 18ª Vara do Trabalho de Porto Alegre, sendo recorrente MARCELO DA CONCEIÇÃO BUENO e recorridos ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O DESENVOLVIMENTO - PNUD E OUTRO (S) E COMPANHIA DE PROCESSAMENTO DE DADOS DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL - PROCERGS EOUTRO (S).

A sentença proferida pelo Juiz do Trabalho João Batista S. M. Vianna extingue o processo, sem resolução de mérito, após declarar a imunidade de jurisdição da primeira reclamada. O reclamante interpõe recurso ordinário, buscando a reforma da decisão, a fim de que seja afastada a imunidade de jurisdição do PNUD, com reconhecimento do vínculo empregatício com a primeira reclamada e condenação ao pagamento das parcelas arroladas, além da responsabilização subsidiária dos demais reclamados. Há contra-razões. O Ministério Público do Trabalho opina pelo provimento do recurso. É o relatório.

ISTO POSTO:

RECURSO ORDINÁRIO DO RECLAMANTE

IMUNIDADE DE JURISDIÇÃO. ORGANISMO INTERNACIONAL

O Magistrado a quo, não obstante entenda que o art. 114 da Constituição Federal amplia a competência da Justiça do Trabalho para julgar as causas envolvendo entes de direito público externo, considera que o dispositivo constitucional não afasta eventual imunidade assegurada aos organismos internacionais. Frisa que não se trata de afirmar que não existe jurisdição da Justiça brasileira para resolver a controvérsia, mas de analisar a imunidade que determinadas pessoas jurídicas possuem, indicando que o Estado brasileiro não pode exercer sua jurisdição frente a elas. Sinala que a imunidade de jurisdição está assegurada às três primeiras reclamadas no art. 1º, Seção 2, da Convenção sobre Privilégios e Imunidades das Nações Unidas, promulgada pelo Decreto nº 27.784/50 e art. 3º, Seção 4, da Convenção sobre Privilégios e Imunidade das Agências Especializadas das Nações Unidas, promulgada pelo Decreto nº 52.288/63, o que afasta a possibilidade de mitigação da imunidade de jurisdição, que é absoluta. Assim, declara a imunidade da primeira reclamada, Organização das Nações Unidas para o Desenvolvimento - PNUD, ressaltando que o autor, em relação à segunda demandada, Companhia de Processamento de Dados do Estado do Rio Grande do Sul - PROCERGS, à terceira reclamada, União, bem como ao quarto reclamado, Estado do Rio Grande do Sul, não pretende o reconhecimento de relação de emprego, mas, tão-somente, de mera responsabilidade subsidiária.

O reclamante investe contra o julgado, sustentando que foi contratado pela primeira reclamada, uma vez que esse Organismo Internacional estava desenvolvendo um projeto de modernização fazendária, com ênfase na informatização e no aprimoramento dos recursos humanos, para a melhoria dos processos de arrecadação, fiscalização, despesa pública, controle interno e administração financeira. Diz que, quando da contratação, o PNUD estabeleceu que o trabalho seria prestado com exclusividade, em local indicado pela demandada, com jornada de trabalho de oito horas. Assevera que a sentença está calcada em decisão já reformada por este Tribunal, em relação à imunidade de jurisdição. Requer o pronunciamento deste Colegiado acerca da questão referente à irregularidade de representação do PNUD, questão que não foi apreciada pelo Juízo de primeiro grau, sinalando que a Advocacia Geral da União não está legitimada a representar o Organismo Internacional em Juízo, ainda que tenha mencionado em sua contestação que a representação está autorizada pelo Acordo de Assistência Técnica com as Nações Unidas e suas Agências Especializadas, promulgado pelo Decreto nº 59.308/66. Segue, dizendo que a sentença está fundamentada com a transcrição, na íntegra, da sentença proferida nos autos do processo nº 01413-2003-018-04-00-9, que já sofreu reforma por este Tribunal. Salienta que a Súmula nº 207 do TST também relativiza a imunidade de jurisdição e que o PNUD é um organismo internacional que não possui soberania, razão pela qual não pratica atos de império, mas, apenas, atos de gestão. Transcreve arestos para amparar a sua tese. Ingressa, após, no mérito da demanda, discorrendo sobre o vínculo empregatício. À análise.

O art. 114 da Constituição Federal estabelece a competência da Justiça do Trabalho para conciliar e julgar:

I - as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo (...).(grifamos).

A Organização das Nações Unidas para o Desenvolvimento - PNUD diz, em sua contestação, que o Supremo Tribunal Federal vem afastando a imunidade nas reclamações trabalhistas ajuizadas contra Estados estrangeiros, o que não se aplicaria a ela, devido à sua condição de organismo internacional, que estaria ao abrigo da imunidade pela Convenção sobre Privilégios e Imunidade das Nações Unidas, promulgada no Brasil pelo Decreto nº 27.784, de 16 de fevereiro de 1950, estendido à agência especializada PNUD por meio do Acordo de Assistência Técnica com as Nações Unidas e suas Agências Especializadas, promulgado pelo Decreto nº 59.308, de 23 de setembro de 1966 e pelo Decreto nº 52.288/63.

A defesa da primeira reclamada está amparada em decretos, normas essas anteriores e hierarquicamente inferiores à Constituição Federal de 1988 e às emendas constitucionais que ampliaram a competência da Justiça do Trabalho. O acolhimento da tese contestatória estabeleceria uma situação paradoxal, porquanto, embora esta Justiça do Trabalho seja competente para julgar a lide, estaria, ao mesmo tempo, impedida de prestar a jurisdição devido à imunidade assegurada à demandada. Outrossim, a interpretação que se faz do julgado do Supremo Tribunal Federal referido pela demandada, o qual determina o processamento de ação trabalhista oposta contra Estado estrangeiro, é que não exclui o ajuizamento de reclamatória laboral contra organismos internacionais, mormente se considerarmos que não será apreciada nenhuma questão que envolva ato de império, cuja soberania é incontestável, mas, mero ato de gestão, praticado com a contratação por organismo internacional, de trabalhador brasileiro, tutelado pela legislação nacional.

A controvérsia, portanto, se resolve com a declaração da competência da Justiça do Trabalho, estabelecida no art. 114, I, da Constituição Federal, sinalando-se que os atos praticados pelo Organismo Internacional, sendo de gestão, atraem esse dispositivo constitucional, como referido por Valetin Carrion, ao comentar o art. 643 da CLT, citando acórdão proferido nos autos do processo TST, RR 580.087/99.0, o qual, seguindo a trilha de decisões proferidas pelo STF, diz que: (...) Superou-se, portanto, a teoria da imunidade absoluta, relativizando-se a imunidade de jurisdição, quando praticados atos de gestão pelo Estado estrangeiro, como no caso envolvendo pedido de vínculo de emprego e verbas trabalhistas (in Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho, Saraiva, 2008, p. 504). Sobre a matéria aqui tratada, os acórdãos cujas ementas são transcritas a seguir:

IMUNIDADE DE JURISDIÇÃO. Hipótese em que foi ajuizada ação trabalhista contra organismos internacionais. Reforma da sentença, para o fim de declarar a competência da Justiça do Trabalho, com a remessa dos autos à instância originária para julgar os pedidos de reconhecimento da relação de emprego e de pagamento das verbas trabalhistas daí decorrentes. Inteligência do art. 114 da Constituição e aplicação do entendimento jurisprudencial consubstanciado na Súmula 207 do TST. Provimento do recurso da reclamante. (processo nº 01413-2003-018-04-00-9 RO, TRT da 4ª Região, Relatora Desª Tânia Maciel de Souza.Pub. em 06.12.05).

PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O DESENVOLVIMENTO - PNUD/ONU. IMUNIDADE DE JURISDIÇÃO. A contratação de trabalhador nacional por organismos internacionais não constitui ato de "império", senão que, de "gestão", com ingresso na dimensão do direito privado, tendo-se como perfeitamente distinguíveis tais categorias de atos, de modo a não haver imunidade de jurisdição em favor dos mencionados organismos. (processo nº 01531-2003-018-04-00-7 RO, TRT da 4ª Região, Relator Des. Lenir Heinen. Pub. 26.10.05).

IMUNIDADE DE JURISDIÇÃO. ORGANISMO INTERNACIONAL. VIOLAÇÃO DO ARTIGO 114, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988. A imunidade de jurisdição não mais subsiste no panorama internacional, nem mesmo na tradicional jurisprudência de nossas Cortes, pelo menos deforma absoluta, porquanto é de se levar em conta a natureza do ato motivador da instauração do litígio; de modo que, se o Estado Estrangeiro atua em matéria de ordem estritamente privada, está a praticar atos de gestão, igualando-se, nesta condição, ao particular e desnudando-se dos privilégios conferidos ao ente público internacional. Do contrário, estar-se-ia colocando em risco a soberania do cumprimento dos princípios constitucionais, notadamente quando o ato praticado não se reveste de qualquer característica que justifique a inovação do princípio da Imunidade de Jurisdição (TST-E-RR-189280/95, SBDI-I, Min. Rel. José Luiz Vasconcellos, in DJU de 04/08/00) .

MUNIDADE DE JURISDIÇÃO - RECLAMAÇÃO TRABALHISTA - ESTADO ESTRANGEIRO - Com o advento da carta política de mil novecentos e oitenta e oito, ficou reconhecida a submissão do estado estrangeiro à autoridade judiciária trabalhista. O artigo cento e quatorze, da Constituição da República prevê a competência da Justiça do Trabalho para conciliar e julgar as controvérsias decorrentes de dissídios individuais e coletivos entre trabalhadores e empregadores abrangidos os "entes de direito público externo". Revista conhecida e provida. (TST - RR 106450/1994 - 4ª T. - Rel. Min. Almir Pazzianotto Pinto - DJU 31.03.1995 - p. 08026)

Merece destaque, ainda, o judicioso parecer exarado pelo Exmº Procurador do Trabalho, Leandro Araújo, nos seguintes termos:

(...) A questão é conhecida, gerando controvérsia doutrinária e jurisprudencial ao longo do tempo, tendendo a firmar-se contemporaneamente no sentido da ausência dessa imunidade em matéria trabalhista, entendidos os atos de Estado estrangeiro (aqui entendida a expressão em sentido 'lato', apenas para fixação do conceito expresso), no contexto contratual, como atos de mera gestão, ao passo que a imunidade seria própria e exclusiva dos atos de império. (...) a mencionada tendência se expressa, inclusive, na atual Carga Magna que inclui expressamente os entes de direito público externos na competência da Justiça do Trabalho, no art. 114 daquele diploma legal, sendo também palpável no conteúdo do Enunciado nº 207 da Súmula de Jurisprudência do E. TST, embora esta possa ser entendida apenas no contexto do direito material aplicável (...) (fls. 752-753).

Em relação ao questionamento feito pelo recorrente sobre a representação no processo da Organização das Nações Unidas para o Desenvolvimento - PNUD pela Advocacia Geral da União, entende-se estar amparada por acordo nesse sentido. Pelos fundamentos expostos, afasta-se a imunidade de jurisdição pronunciada na sentença, dando-se provimento ao recurso do reclamante para declarar a competência da Justiça do Trabalho para julgar a lide, determinando-se o retorno dos autos à origem para o regular processamento do feito e apreciação dos pedidos deduzidos na petição inicial.

Ante o exposto,

ACORDAM os Magistrados integrantes da 8ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região: por unanimidade, dar provimento ao recurso do reclamante para declarar a competência da Justiça do Trabalho para julgar a lide, determinando-se o retorno dos autos ao Juízo de origem para o regular processamento do feito e apreciação dos pedidos deduzidos na petição inicial.

Intimem-se.

Porto Alegre, 30 de abril de 2009.

DES.ª CLEUSA REGINA HALFEN
RELATORA

MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO




JURID - Imunidade de jurisdição. Organismo internacional. [29/05/09] - Jurisprudência

 



 

 

 

 

JURID - Execução. Efetividade. Diligência em cartórios e CIRETRAN. [29/05/09] - Jurisprudência


Execução. Efetividade. Diligência em cartórios e CIRETRAN na busca de bens.

Tribunal Regional do Trabalho - TRT15ªR.

Processo TRT nº 00946-2000-016-15-00-8

Agravo de Petição: 2ª Vara do Trabalho de Sorocaba

Agravante: Genival Ferreira Lima

Agravado: Lab Service Comércio de Materiais Fotográficos Ltda.

Juiz sentenciante: Dr.Hamilton Luiz Scarabelim

EMENTA: EXECUÇÃO. EFETIVIDADE. DILIGÊNCIA EM CARTÓRIOS E CIRETRAN NA BUSCA DE BENS.

O art. 878 da CLT abriga o poder-dever judicial da promoção da execução, mesmo de ofício, o que o instiga a investigar e diligenciar a existência de bens (art.765, CLT).

A efetividade da execução não se restringe ao interesse individual da parte, mas encerra interesse público da jurisdição.

Reforma-se a decisão de remeter à parte a diligência em cartórios e Ciretran.

Trata-se de agravo de petição interposto pelo reclamante afirmando que diante da dificuldade na localização de bens passíveis de penhora, cabe ao Juízo oficiar à Receita Federal, à 19ª Ciretran e à Junta Comercial; as certidões para obtenção de informações têm custo que poderá ser evitado caso requeridas pelo Judiciário, devendo ser considerado que o processo tramita há cerca de oito anos.

Contraminuta às fls.391/394.

Ausente o parecer da Procuradoria na forma regimental.

É o relatório.

V O T O

Em condições de admissibilidade.

Os bens indicados inicialmente pela reclamada (fl.306/307) não foram aceitos pelo Juízo face a não observância da gradação imposta no art.655 do CPC (fl.308), sendo que a penhora on line nas contas bancárias da reclamada e do sócio José Carlos Gonçalves da Silva bloqueou o valor de R$ 103,46 (fl.315 e 317 - vide também fl.377).

A posterior penhora dos bens anteriomente indicados resultou na não aceitação pelo reclamante da condição de depositário sob o argumento de que os bens foram superavaliados (R$ 30.000,00), e por se tratar de máquinas velhas e sucateadas sequer atingem o importe de R$ 3.000,00 (fl.360).

Portanto, procede o requerimento do autor acerca da expedição de ofício à Receita Federal, Ciretran e Junta Comercial para que indiquem a existência eventual de bens em nome da executada ou subsidiariamente dos sócios e que possam satisfazer os créditos devidos.

No processo trabalhista , o Juiz, de ofício, pode e deve perseguir os bens do devedor (art. 878, CLT) e mesmo investigar e diligenciar a existência de bens (art. 765, CLT).

A efetividade da execução não se restringe ao interesse individual da parte, mas encerra interesse público, da jurisdição.

ISTO POSTO, decido dar integral provimento ao agravo peticionado pelo reclamante para que sejam oficiadas a Receita Federal, Ciretran e Junta Comercial para verificação da existência eventual de bens em nome da reclamada ou subsidiariamente dos sócios.

FLAVIO ALLEGRETI DE CAMPOS COOPER
DESEMBARGADOR RELATOR




JURID - Execução. Efetividade. Diligência em cartórios e CIRETRAN. [29/05/09] - Jurisprudência

 



 

 

 

 

JURID - Habeas corpus. Homicídio triplamente qualificado. [29/05/09] - Jurisprudência


Habeas corpus. Homicídio triplamente qualificado.

Tribunal de Justiça de Mato Grosso - TJMT.

PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL

HABEAS CORPUS Nº 25468/2009 - CLASSE CNJ - 307 - COMARCA DE SANTO ANTONIO DE LEVERGER

IMPETRANTE: DR. CAMILLO FARES ABINADER NETO - DEFENSOR PÚBLICO

PACIENTE: RIDER JORGE DA SILVA DIAS

Número do Protocolo: 25468/2009

Data de Julgamento: 14-4-2009

EMENTA

HABEAS CORPUS - HOMICÍDIO TRIPLAMENTE QUALIFICADO - PROCESSUAL PENAL - PRISÃO CAUTELAR - PRESSUPOSTOS AUTORIZADORES PRESENTES - EXCESSO DE PRAZO - INCIDÊNCIA DA SÚMULA Nº 21 DO STJ - ORDEM DENEGADA.

Permanecendo o paciente segregado durante a instrução criminal, a custódia cautelar mantida pela sentença de pronúncia constitui efeito natural daquele ato, mormente se continuam presentes os motivos ensejadores do decreto constritivo.

Quanto à alegação de excesso de prazo na instrução, uma vez que o Paciente não foi submetido a julgamento, pacífico é o entendimento pela aplicação da Súmula nº 21 do STJ:

"Pronunciado o réu, fica superada a alegação do constrangimento ilegal por excesso de prazo na instrução".

Ademais o feito tem recebido regular prosseguimento, já se avizinhando o julgamento, marcado para 1º-6-2009.

RELATÓRIO

EXMO. SR. DES. JUVENAL PEREIRA DA SILVA

Egrégia Câmara:

Trata-se de habeas corpus com pedido liminar, impetrado pelo diligente Defensor Público do Estado de Mato Grosso, Dr. Camillo Fares Abinader Neto, em benefício de Rider Jorge da Silva Dias, atualmente segregado no Presídio "Pascoal Ramos", nesta Capital. Aponta como autoridade judiciária coatora o Juízo da Vara Única da Comarca de Santo Antonio do Leverger-MT.

Retratam os autos que o paciente foi denunciado como incurso nas sanções do art. 121, § 2º, incisos I, III e IV, do CP e pronunciado para ser julgado pelo Tribunal do Júri Popular daquela Comarca.

Nas razões do presente writ, sustenta o Impetrante que, os motivos ensejadores da prisão preventiva não mais subsistem. Questiona, "qual vetor deontológico para a manutenção da constrição do Paciente", uma vez que se trata de réu confesso, tendo já permanecido preso por bastante tempo, afigurando-se desproporcional e injustificável a segregação cautelar. Argumenta que, mesmo sendo condenado, o regime de cumprimento da pena não há de ser inicial fechado, eis tratar-se de réu tecnicamente primário. Aduz excesso de prazo, por encontrar o Paciente sob custódia do Estado há 01 (hum) ano e sete (sete) meses, aguardando agora, o seu julgamento.

Requer, assim, a concessão in limine da ordem, para que cesse o constrangimento ilegal, expedindo-se o competente Alvará de Soltura em favor do paciente, colocando-o incontinente em liberdade. Ao final, pela confirmação do mandamus.

Liminar indeferida às fls. 38/40.

Informações prestadas às fls. 45/46.

A douta Procuradoria Geral de Justiça, às fls. 50/53, em parecer da lavra do ilustre Procurador de Justiça, Dr. Mauro Viveiros, manifestou pela denegação do writ, uma vez que a instrução se acha encerrada, o que atrai a norma contida na Súmula nº 21 do STJ. Por outro lado, entende que não ocorreu desídia do Juízo processante, visto que a instrução transcorreu um pouco mais de oito meses. Ainda, entende que "não procede a alegada carência de fundamentação da prisão cautelar, eis que se trata de crie de homicídio duplamente qualificado, inserido no rol dos crimes hediondos, conforme art. 1º, inciso I da lei 8.702/90, sendo, portanto, insuscetível de liberdade provisória." Por fim, ressalta que não só a ordem pública ensejou a custódia cautelar, mas o fato de o paciente não possuir domicílio no distrito da culpa.

Após vieram-me conclusos os autos.

É o relatório.

PARECER (ORAL)

O SR. DR. MAURO VIVEIROS

Egrégia Câmara:

Mantenho o parecer escrito, opinando pela denegação da ordem, apenas destacando um aspecto que lancei superficialmente no parecer escrito.

O primeiro é o fato da superveniência da pronúncia, circunstância que elide o alegado excesso de prazo; por outro lado, destaco que o ora paciente, depois de pronunciado, tinha julgamento designado para o dia 04 de fevereiro do corrente, que não se realizou exclusivamente porque houve renúncia do mandato procuratório da defesa, estando redesignada a sessão de julgamento para 1º de julho de 2009.

De sorte que, sob esse aspecto a defesa também teria dado contribuição a esse atraso.

No mais, mantenho as razões do parecer.

VOTO

EXMO. SR. DES. JUVENAL PEREIRA DA SILVA (RELATOR)

Egrégia Câmara:

Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do writ. Nas razões do presente remédio heróico, sustenta o Impetrante que não há motivação concreta para a manutenção da custódia cautelar do paciente, bem como alega excesso de prazo para a formação da culpa. Requer, assim, a revogação da prisão preventiva do paciente.

Verifica-se dos autos que o acusado foi pronunciado pela suposta prática do crime previsto no art. 121, § 2º, incisos I, III e IV, do CPB, perpetrado contra Benedita Avelina da Rosa, com quem era amasiado há aproximadamente 10 (dez) anos. Nessa oportunidade, entendeu o MM. Juiz de Direito da Vara Única da Comarca de Santo Antonio de Leverger, que:

"Do exame acurado dos elementos probatórios carreados aos autos, verifica-se que a denúncia deve ser acolhida e o Réu pronunciado para ser submetido a julgamento pelo Tribunal do Júri, porquanto presentes os pressupostos estabelecidos no artigo 408, "caput", do Código de Processo Penal (materialidade e indícios de autoria).

No caso em comento, a materialidade do delito resulta provada de modo claro e cristalino, verificável pela prova material do crime, ou seja, o auto de exame de corpo de delito de fls. 29/33 e mapa topográfico de fl. 34.

No que tange à autoria, há no bojo dos autos, fortes indícios de que o acusado tenha praticado o crime, mormente pelo próprio interrogatório do acusado em sede policial (fls. 21/24) e judicial (fl. 72), onde o acusado confessa a prática do delito e narra com clareza de detalhes toda a dinâmica delitiva.

Ressaltam-se ainda os depoimentos testemunhais colhidos tanto na fase policial quanto na judicial, que confirmam que acusado e vítima possuíam relacionamento constantemente marcado com desavenças e intrigas.

(...) Como sabido de todos, nesta primeira fase - judicium acusationis - o princípio in dúbio pro societate sobrepõe ao in dúbio pro reo e um mínimo de dúvidas a respeito dos fatos, ou quando a tese defensiva mereça exame mais acurado de prova, recomenda seja a questão submetida à apreciação do Juízo competente, sendo defeso ao Juiz antecipar-se ao Júri e interpretar definitiva e concludentemente em favor de uma das versões ventiladas, tarefa a ser desempenhada pelos Jurados.

(...) Ante o exposto e por tudo o mais que dos autos consta, hei por bem julgar procedente a pretensão contida na denúncia, para pronunciar, como pronunciado tenho, a RIDER JORGE DA SILVA DIAS, brasileiro, solteiro, natural de Cuiabá (MT), filho de Joair da Silva Dias, como incurso nas sanções do artigo 121, § 2º, incisos I, III e IV, do Código Penal Brasileiro, a fim de que seja submetido a julgamento pelo Tribunal Popular do Júri desta Comarca de Santo Antonio de Leverger (MT).

Mantenho o decreto de prisão pelos motivos nele elencados e também agora, em virtude da pronúncia. (...)."

Tratando-se de apuração de delito e conduta hedionda, a permanência do réu na prisão onde se encontra é efeito natural da pronúncia, além da real necessidade da garantia da ordem pública e aplicabilidade da Lei Penal, conforme decisão da Corte Superior de Justiça:

"RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. HOMICÍDIO QUALIFICADO. MANUTENÇÃO DOS FUNDAMENTOS DA PRISÃO PREVENTIVA PELA SENTENÇA DE PRONÚNCIA. RÉU PRESO DURANTE TODA A INSTRUÇÃO CRIMINAL EFEITO NATURAL DA PRONÚNCIA. PRECEDENTES.

1. PERMANECENDO O RÉU PRESO DURANTE TODA A INSTRUÇÃO CRIMINAL, A CUSTÓDIA CAUTELAR MANTIDA PELA SENTENÇA DE PRONÚNCIA CONSTITUI EFEITO NATURAL DAQUELE ATO, MORMENTE SE CONTINUAM PRESENTES OS MOTIVOS ENSEJADORES DO DECRETO. PRECEDENTES DO STJ.

2. RECURSO DESPROVIDO." (Processo RHC 15519/MA; Recurso Ordinário em Habeas Corpus 2004/0002655-4 Relatora Ministra Laurita Vaz. Órgão Julgador T5 - Quinta Turma Data do Julgamento 02-12-2004 Data da Publicação/Fonte DJ 1º-02-2005, p. 580

Não é demais frisar que o delito acima descrito está classificado pela Lei nº 8.072/90 como crime hediondo, portanto, insuscetível de liberdade provisória, com ou sem fiança.

Ademais, as circunstâncias em que o crime foi praticado evidencia o animus necandi do acusado, que demonstrou frieza e despreocupação quanto ao abalo psicológico dos filhos em encontrar sua genitora desfalecida e toda ensangüentada embaixo da cama dos mesmos.

Assim o exame acurado dos elementos de convicção coligidos aos autos, conclui-se que, de fato, os pressupostos da medida excepcional se fazem presentes.

A decretação da prisão preventiva é medida necessária de restrição à liberdade individual do imputado, assumindo a natureza de providência assecuratória da lei penal visando desestimular a prática de delitos dessa espécie e evitando-se, assim, que em liberdade, contribua para reforçar a sensação de impunidade existente no seio social. A hediondez do crime, per se stante, presume a grave violação à ordem pública, impondo-se a segregação como medida necessária para o acautelamento do meio social.

Por fim, quanto a alegação de excesso de prazo, uma vez que a instrução criminal ainda não estaria encerrada pelo simples fato de que o Paciente não foi submetido ao julgamento perante o Tribunal do Júri, pacífico é o entendimento pela aplicação da Súmula 21, conforme preceitua o Enunciado do STJ, verbis:

"Pronunciado o réu, fica superada a alegação do constrangimento ilegal por excesso de prazo na instrução."

Acerca do tema, colaciono os seguintes precedentes:

"RECURSO EM HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO QUALIFICADO. PRISÃO CAUTELAR: PRESSUPOSTOS AUTORIZADORES PRESENTES. EXCESSO DE PRAZO: SÚMULA 21 DESTE STJ. RECURSO NÃO PROVIDO.

1. Não vislumbro, na espécie, ausência de justa causa a justificar a busca da ordem, mesmo porque primariedade, bons antecedentes, profissão lícita e residência fixa (ainda quando devidamente comprovados), não obstam a segregação cautelar quando presentes seus pressupostos, como in casu, onde a decisão se fundamenta na garantia da ordem pública e por conveniência da instrução criminal.

2. 'Pronunciado o réu, fica superada a alegação do constrangimento ilegal da prisão por excesso de prazo na instrução'. (Enunciado nº 21 da Súmula deste STJ).

3. Recurso não provido." (RHC 17121/AC, 6ª Turma, Rel. Min. Hélio Quaglia Barbosa, DJU de 27-6-2005).

"PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. ART. 157, § 2º, INCISOS I II, E ART. 121, § 2º, INCISO V, C/C O ART. 14, INCISO II, DO CÓDIGO PENAL. EXCESSO DE PRAZO NA INSTRUÇÃO CRIMINAL. PRONÚNCIA.

Pronunciado o réu, resta superada a alegação de constrangimento ilegal da prisão por excesso de prazo na instrução (Súmula nº 21-STJ).

Ordem denegada." (HC 41088/RJ, 5ª Turma, de minha relatoria, DJU de 20-6-2005).

Além disso, o feito tem recebido regular prosseguimento e como se observa das informações apresentadas pela autoridade coatora às fls. 45/46 o julgamento do Paciente perante o Tribunal do Júri está marcado para o dia 1º de junho de 2009, primeira Sessão da 2ª Reunião Ordinária do Tribunal do Júri Popular da Comarca de Santo Antonio de Leverger/MT.

Mediante o exposto, denego o writ, em sintonia com o parecer escrito.

É como voto.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência do DES. RUI RAMOS RIBEIRO, por meio da Câmara Julgadora, composta pelo DES. JUVENAL PEREIRA DA SILVA (Relator), DRA. GRACIEMA R. DE CARAVELLAS (1ª Vogal convocada) e DES. RUI RAMOS RIBEIRO (2º Vogal), proferiu a seguinte decisão: WRIT DENEGADO, NOS TERMOS DO VOTO DO RELATOR. UNÂNIME E COM O PARECER.

Cuiabá, 14 de abril de 2009.

DESEMBARGADOR RUI RAMOS RIBEIRO - PRESIDENTE DA PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL

DESEMBARGADOR JUVENAL PEREIRA DA SILVA - RELATOR

PROCURADOR DE JUSTIÇA

Publicado 14/05/09




JURID - Habeas corpus. Homicídio triplamente qualificado. [29/05/09] - Jurisprudência