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segunda-feira, 14 de junho de 2010

JURID - Responsabilidade civil extracontratual do estado. [14/06/10] - Jurisprudência


Apelação civil. Direito civil. Responsabilidade civil extracontratual do estado. Inteligência do artigo 35, § 6º.

Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte - TJRN

Apelação Cível (nº 2009.012325-7)

Publicado em 28.04.2010

Apelação Cível nº 2009.012325-7.

Origem: Natal/4ª Vara da Fazenda Pública.

Apelante: Estado do Rio Grande do Norte.

Procurador: Dr. Francisco Wilkie Rebouças Chagas Júnior (2468/RN).

Apelado: Núbia Beserra Lacerda de França.

Advogado: Dr. Leonel de Azevedo Filho (5308/RN).

Relator: Desembargador Expedito Ferreira.

EMENTA: APELAÇÃO CIVIL. DIREITO CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL DO ESTADO. INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 35, § 6º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. AMOSTRAS DE SANGUE TROCADAS. CONSTATAÇÃO DE CONCENTRAÇÃO ALCOOLICA EM AMOSTRA IMPUTADA AO DE CUJOS. ERRO NA ELABORAÇÃO DE LAUDO PERICIAL CADÁVERICO. DANO MORAL CONFIGURADO. INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 5º, INCISO X DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E ARTIGOS 186 E 927 DO CÓDIGO CIVIL. EXCESSO NA FIXAÇÃO DO QUANTUM INDENIZATÓRIO. REDUÇÃO QUE SE IMPÕE. APELO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos em que são partes as acima identificadas:

ACORDAM os Desembargadores que integram a 1ª Câmara Cível deste Egrégio Tribunal de Justiça, à unanimidade de votos, em conhecer e dar parcial provimento ao apelo interposto, reduzindo o quantum indenizatório para R$ 10.000,00 (dez mil reais), nos termos do voto do relator.

RELATÓRIO

Trata-se de Apelação Cível interposta pelo Estado do Rio Grande do Norte, por intermédio de seu procurador, em face de sentença proferida, às fls. 68-72, pelo Juízo da 4ª Vara da Fazenda Pública deste Estado, que, nos autos da Ação Ordinária de Indenização por Danos Morais, julgou procedente o pedido formulado na exordial para condenar o apelante a pagar à apelada a importância de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), a título de ressarcimento dos danos morais, em razão de erro na elaboração de laudo pericial cadavérico de seu esposo Sr. Waldersmeller Leão Araújo de França.

No mesmo dispositivo decisório, determinou à incidência da correção monetária, a partir da data que foi proferida a decisão e juros moratórios, a partir de 12 de janeiro de 2004 (data da ocorrência do ato ilícito).

Condenou, ainda, a parte vencida a pagar os honorários advocatícios em 10% (dez por cento) do valor da condenação.

Nas suas razões recursais, às fls. 74-75, o apelante em prol de seu desiderato, sustentou a tese de inexistência de responsabilidade que enseje indenização pelos fatos aduzidos na inicial.

Afirma que o ITEP reconheceu que as amostras de sangue haviam sido trocadas, porém, diante do erro, tratou de corrigi-lo, sem qualquer repercussão na imagem do de cujos.

Pontifica que o julgador originário cometeu error in judicando, na medida em que tem por fundamento a ocorrência de dano material, não pleiteado pelo autor, como fundamento para o deferimento de indenização por danos morais, o que reputa inaceitável.

Aduz que o valor fixado a título de indenização é desarrazoado.

Por fim, requer a reforma da sentença, julgando improcedentes os pedidos formulados na inicial, bem como a condenação da recorrida no pagamento dos ônus sucumbenciais, mormente custas processuais e honorários advocatícios.

Em suas contrarrazões, expendidas às fls. 80-87, a apelada assevera que deixou de perceber o seguro obrigatório (DPVAT) pelo óbito de seu cônjuge, em virtude de acidente automobilístico, por culpa exclusiva do ITEP que expediu um laudo onde foi constatada concentração alcoólica de 1,6 g/l, sem que o de cujus tivesse feito uso dessa substância, sendo esse erro reconhecido posteriormente pelo próprio instituto.

Salienta que sua família e amigos, ficaram estarrecidos com o resultado do laudo, haja vista que o mesmo imputava ao de cujos o consumo de bebida alcoolica.

Destaca que diante dos fatos ocorridos e descritos na inicial sofreu inúmeros transtornos de ordem psicológica, em razão do resultado do exame de sangue do de cujus ter apresentando ter alcoólico, quando este não fazia uso de bebidas alcoólicas.

Realça a incidência do art. 5º, incisos V e X da Constituição Federal, bem como o disposto nos artigos 186 a 927 do Código Civil.

Por fim, requer que o presente apelo seja desprovido, mantendo na íntegra a irretocável decisão do Douto Julgador do feito.

Instado a se manifestar, o Ministério Público, através da 10ª Procuradoria de Justiça, à fl. 93, declinou de sua intervenção no feito por ausência de interesse público.

É o que importa relatar.

VOTO

Preenchidos os requisitos de admissibilidade, conheço do presente Recurso.

Cinge-se o mérito recursal em perquirir sobre eventual exclusão da responsabilidade civil do Estado pelo evento narrado na inicial.

Faz-se mister destacar, inicialmente, que a natureza da responsabilidade civil do Estado, no presente caso, é objetiva, aplicando-se a teoria do risco administrativo encartada expressamente no art. 37, § 6º, da Constituição Federal, que prescreve in litteris:

Art. 37.....................................................................................

................................................................................................

§6º. As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa."

Segundo a teoria da responsabilidade objetiva, o ofendido, ao buscar ser ressarcido pelos possíveis danos que lhe advieram, não precisa demonstrar a culpa do seu causador, sendo suficiente a comprovação do prejuízo suportado e o liame de causalidade entre a atividade do agente e o dano ensejado.

Baseia-se tal espécie de responsabilidade em um princípio de equidade, pelo qual aquele que se beneficia com uma determinada situação deve responder pelos riscos ou pelas desvantagens dela provenientes.

Porém, destaque-se que esta responsabilização não é ilimitada, existindo hipóteses que ora atenuam, ora eximem a responsabilidade estatal.

Neste aspecto, havendo caso fortuito ou força maior, bem como demonstrado que o dano resultou de culpa exclusiva da vítima, não há que se falar em responsabilidade do Estado, estando este liberado de qualquer dever indenizatório.

Todavia, não se extrai dos autos qualquer elemento probante que venha a atestar que o fato discutido se processou sob a égide de uma dessas causas excludentes de responsabilidade.

Pelo contrário, restou incontroversa a desídia do ITEP ao expedir um laudo constatando concentração alcoólica de 1,6g/L no sangue do de cujus, sem que o mesmo tivesse feito uso de tal substância.

A apelante reconhece que o ITEP trocou as amostras de sangue e que diante do erro tratou de corrigir, porém, aduz que referido fato não causou repercussão à imagem do de cujus que enseje reparação.

Ora, reconhecer e corrigir o referido erro constitui dever, não tendo, por conseguinte, o condão de, por si só, afastar a responsabilidade Estatal.

O dano restou configurado com a conduta do Estado em fornecer à apelada resultado falso de exame cadavérico de seu esposo.

Temos que o evento poderia ser plenamente evitado, tivesse o ente estatal, ora apelante, tomado os cuidados na análise das amostras de sangue e na expedição do laudo, adotando procedimento de cautela com os serviços que oferece. Se não o fez - o que é de seu livre arbítrio - não pode, agora, se colocar na posição de vítima, para eximir-se da responsabilidade, pois, se assim fosse, estar-se-ia beneficiando da falha da qual deu causa.

Considerando o exposto nos autos, não se pode olvidar que os transtornos suportados pela apelada ultrapassam a idéia de mero aborrecimento.

Erige-se, pois, patente o nexo de causalidade entre o dano suportado e a conduta do agente estatal, impondo-se o dever de indenizar.

A proteção à honra tem fundamento constitucional, assentando-se expressamente no art. 5º, inciso X, da Constituição Federal, que assim dispõe:

são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra, e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.

A legislação infraconstitucional, outrossim, expressamente prevê o direito à reparação por danos morais, como se infere dos seguintes dispositivos do vigente Código Civil:

Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Para reconhecer esta nuance, indispensável trazer à baila ensinança do Desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, SÉRGIO CAVALIERI FILHO in Programa de Responsabilidade civil, Malheiros Editores, páginas 74 e 75, ao afirmar que:

Enquanto o dano material importa em lesão de bem patrimonial, gerando prejuízo econômico passível de reparação, o dano moral é lesão de bem integrante da personalidade, tal como a honra, a liberdade, a saúde, a integridade física e psicológica, causando dor, sofrimento, tristeza, vexame e humilhação à vitima. Nesta categoria incluem-se também os chamados novos direitos da personalidade: intimidade, imagem, bom nome, privacidade, a integridade da esfera intima. Tutela-se, aí, o interesse da pessoa humana de guardar só para si, ou para estrito círculo de pessoas, os variadíssimos aspectos da sua vida privada: convicção, aspirações, hábitos, gostos, estado de saúde, situação econômica, financeira, etc.

A esse respeito, copioso o ensinamento do preclaro ANTONIO JEOVÁ SANTOS, na obra Dano Moral Indenizável, 3ª edição, revisada, atualizada e ampliada, editora Método, 2001, ao consignar que:

Nenhuma ofensa proferida pode ficar isenta de reparação. Num sistema que coloca o homem como epicentro do Direito, o reconhecimento do dano moral, como entidade passível de gerar indenização, é o coroar do reconhecimento dos direitos da personalidade.

Em caso análogo, já se pronunciou esta Corte de Justiça, conforme se depreende do aresto infra:

EMENTA: CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. REMESSA NECESSÁRIA E RECURSO VOLUNTÁRIO. PRELIMINAR DE DENUNCIAÇÃO À LIDE. NÃO ACOLHIMENTO. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. RESULTADO DE EXAME ANTI-HIV. FALSO POSITIVO. AUSÊNCIA DE INFORMAÇÃO SOBRE A NECESSIDADE DE REPETIR O EXAME. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA. ARTIGO 37, §6º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. TEORIA DO RISCO ADMINISTRATIVO. DESNECESSIDADE DE AVERIGUAÇÃO DA CULPA. NEXO CAUSAL DEMONSTRADO. QUANTUM INDENIZATÓRIO. OBSERVÂNCIA DA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. IMPROVIMENTO DA REMESSA NECESSÁRIA E DO RECURSO VOLUNTÁRIO. 1. A CF/88, ao disciplinar a responsabilidade civil do Estado, o fez prestigiando a responsabilidade objetiva, tendo por fundamento a Teoria do Risco Administrativo, na qual a Administração Pública tem o dever de indenizar a vítima que demonstre o nexo de causalidade entre o prejuízo e o fato danoso e injusto ocasionado por ação ou omissão do Poder Público. 2. Danos morais caracterizados frente ao intenso sofrimento ocasionado ao apelado, mormente diante do clamor popular em torno da doença e pela desestruturação emocional, física e familiar decorrente da falsa notícia que retirou a paz, a tranqüilidade e a integridade emocional advinda do afeto familiar. 3. Improvimento da Remessa Necessária e do Recurso Voluntário. (AC 2007. 004456-0, da 3ª Câm. Cível do TJRN, rel. Des. Amaury Moura Sobrinho, j. 27.09.2007).

Superada tal questão, insta examinar o montante indenizatório fixado na instância originária.

No atinente à verba indenizatória fixada a título de danos morais, observa-se que inexiste imperativo legal para se chegar ao seu arbitramento, devendo o julgador valer-se de parâmetros que revelem a apreciação das circunstâncias que identifiquem a perfectibilização do dano; a identificação da parte vitimada e do causador do dano, analisando-se as características pessoais de cada parte; a repercussão social do abalo; a capacidade econômica da parte vitimada e do causador do dano e da possibilidade de composição do agravo em pecúnia.

Neste sentido, leciona Sílvio de Salvo Venosa que "(...) Qualquer indenização não pode ser tão mínima a ponto de nada reparar, nem tão grande a ponto de levar à penúria o ofensor, criando para o estado mais um problema social. Isso é mais perfeitamente válido no dano moral. Não pode igualmente a indenização ser instrumento de enriquecimento sem causa para a vítima; nem ser de tal forma insignificante ao ponto de ser irrelevante ao ofensor, como meio punitivo e educativo, uma vez que a indenização desse jaez tem também essa finalidade" (Teoria Geral das Obrigações e Teoria Geral dos Contratos, p. 269).

Não é tarefa fácil para o magistrado fixar o quantum adequado à reparação do dano moral. O bom senso recomenda ao julgador analisar também a intensidade e duração do sofrimento aliada à conduta das partes diante do fato.

Na reparação pelo dano moral, não se busca a composição completa do gravame, mas intenta-se operar uma justa compensação pelos prejuízos experimentados pela parte.

Além disso, o valor da indenização deve alcançar um montante que não onere em demasia à parte ré, mas que por outro lado atenda à finalidade para a qual foi concedida, compensando o sofrimento da vítima e desencorajando a parte ré quanto a outros procedimentos de igual natureza.

Não deve se comportar a indenização pecuniária arbitrada pelo magistrado como uma forma de premiar a parte ofendida. Guarda a prestação reparatória relação íntima com a compensação pelo dano experimentado, sendo este o pressuposto para a sua concessão.

Sendo o dano de repercussões vultuosas deve a reparação arbitrada judicialmente ser compatível com a dimensão do dano e apta a compor os prejuízos experimentados pela parte.

Por outro lado, havendo circunstâncias que denotem a menor gravidade da ofensa, deve a prestação pecuniária reparatória compatibilizar-se com a menor vultuosidade do dano e ser arbitrada em montante inferior.

De acordo com a orientação adotada, os danos morais devem ser arbitrados em obediência aos critérios da razoabilidade, de modo a fazer com que nem os prejuízos morais gerados ao ofendido sejam relegados a segundo plano, nem a conjuntura econômica do ofensor seja exorbitada.

Assim sendo, no caso dos autos, entendo que deva modificar a sentença para alterar o quantum indenizatório e fixar a compensação por danos morais no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais), valor este consentâneo com a compensação dos prejuízos morais experimentados.

Por ifim, tem-se que a alegação de error in judicando, por todo expendido, deve ser refutada, pois, verifica-se pela análise da sentença, exarada às fls. 68-72, que o Juízo a quo em nenhum momento fundamentou sua decisão com base no dano material suportado pela apelante, fazendo, apenas, referência ao mesmo.

Isso posto, voto pelo conhecimento e provimento parcial do apelo, reformando a sentença apenas para reduzir o valor indenizatório para R$ 10.000,00 (dez mil reais).

É como voto.

Natal, 27 de abril de 2010.

Desembargador DILERMANDO MOTA
Presidente

Desembargador EXPEDITO FERREIRA
Relator

Doutor PEDRO DE SOUTO
12º Procurador de Justiça




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