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segunda-feira, 14 de junho de 2010

JURID - Responsabilidade civil. Falsa imputação de prática delitiva. [14/06/10] - Jurisprudência


Responsabilidade civil. Falsa imputação de prática delitiva a policial militar. Instauração de inquérito policial militar e civil.

Tribunal de Justiça de Santa Catarina - TJSC

Apelação Cível n. 2008.046968-6

Publicado em 09.06.2010

Apelação Cível n. 2008.046968-6, de Laguna

Relator: Des. Newton Janke

RESPONSABILIDADE CIVIL. FALSA IMPUTAÇÃO DE PRÁTICA DELITIVA A POLICIAL MILITAR. INSTAURAÇÃO DE INQUÉRITO POLICIAL MILITAR E CIVIL. INTENÇÃO MALICIOSA DO DENUNCIANTE, TAMBÉM POLICIAL MILITAR. INEXISTÊNCIA DE EXERCÍCIO REGULAR DE DIREITO. DANO MORAL CARACTERIZADO.

Deve ser responsabilizado civilmente por danos morais aquele que, por animosidade pessoal, imputa a outrem a prática de ato ilícito sabidamente inexistente, com o inescondível propósito de provocar-lhe prejuízo profissional e constrangimento social ao ofendido.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 2008.046968-6, da Comarca de Laguna (2ª Vara), em que é apelante Vanderlei Faustino e apelado Sandro da Silva:

ACORDAM, em Segunda Câmara de Direito Público, por unanimidade, negar provimento ao recurso. Custas legais.

1. RELATÓRIO:

Trata-se de apelação interposta por Vanderlei Faustino contra sentença (fls. 385-403) que, em ação de indenização por danos morais, extinguiu o processo, por ilegitimidade passiva, em face do Estado de Santa Catarina e, de outra parte, condenou o co-réu ao pagamento da quantia de R$ 5.000,00 (cinco mil reais).

Irresignado, o vencido apelou, asseverando inexistir prova de que tenha obrado com dolo ou culpa grave quando deu ensejo à deflagração do Inquérito Policial Militar em que culminou por ser isentado de qualquer responsabilidade, garantindo que nunca teve a intenção de prejudicá-lo e que "a comunicação deu-se em virtude de inúmeras perseguições que o apelado vinha fazendo contra o Apelante e sua família" (fl. 413).

Neste vértice, à luz de toda a contextualização dos fatos, argumenta que agiu no exercício regular de um direito ao comunicar a seus superiores fatos que, em tese, tipificavam conduta delituosa. De resto, defende que a instauração do inquérito não produziu os alegados danos morais, quer porque não teve maior repercussão no âmbito da caserna, quer o apelado já fora enredado em procedimentos de idêntica natureza, "inclusive solucionados com punições disciplinares".

Alternativamente, rogou pela redução do valor da verba indenizatória.

Em resposta, o apelado propugnou pela manutenção da sentença (fls. 425-29), enquanto, nesta Instância, a d. Procuradoria-Geral de Justiça não identificou a existência de interesse público na matéria controvertida em ordem a justificar a intervenção compulsória do Ministério Público (fl. 435).

2. VOTO:

Os autos dão conta que autor e réu são policiais militares e, em tempos idos, o segundo fora casado com uma irmã do primeiro; o rompimento desse casamento rendeu azo a um clima de animosidade entre ambos.

Nesse cenário e atmosfera, no decorrer do ano de 2005, o réu fez uma comunicação interna aos seus superiores da guarnição especial da Polícia Militar de Laguna, relatando que o autor forjou uma infração de trânsito supostamente cometida pelo ora apelante, consistente em ter estacionado seu veículo particular em local proibido.

Em virtude, instaurou-se um Inquérito Policial Militar (IPM), no curso do qual, ao depor, o réu confirmou aquela acusação.

Ultimado o procedimento, o apelado viu-se livre da acusação e, por sobre isso, o oficial que encerrou o caso, Tenente-Coronel Eduardo Mendes Vieira, concluiu "ter havido indício de crime militar e transgressão disciplinar na conduta do Sd PM Mat 918606-9 Vanderlei Faustino lotado no 15º Posto da Polícia Rodoviária Estadual, quando deu causa a Instauração de Procedimento Investigatório contra o Policial militar que sabia inocente, bem como falso testemunho em IPM nr 469/PMSC/2005".

E, em complemento, também foi arquivado o inquérito policial a respeito do mesmo fato encaminhado a Vara Criminal de Laguna.

Estes os fatos que são o móvel da presente ação e que redundaram na condenação do réu a indenizar o autor por danos morais.

Nada justifica a conduta do réu e também nada lhe pode beneficiar. Lançou uma acusação sabidamente falsa contra o apelado, por motivação estritamente pessoal, e não hesitou em confirmá-la ao depor no inquérito aberto em razão dessa sórdida blasfêmia.

É verdadeiramente absurdo sustentar que, ao engendrar uma ficção, o apelante agiu no estrito cumprimento do dever legal porque mesmo no "cumprimento do dever legal o agente não pode exceder o limite racionalmente indispensável à sua realização, quer nos modos como nos meios empregados" (STOCO, Rui. Tratado de Responsabilidade Civil. 7 ed. São Paulo: Editora RT, 2007, p. 189).

A sentença bem identificou e descreveu o comportamento malicioso do réu, no seguinte trecho:

"No caso dos autos, há prova acerca da intenção do réu Vanderlei em prejudicar o autor junto ao Comando da Polícia Militar, notadamente em relação à imputação de que o autor teria forjado uma infração de trânsito, conforme pode ser observado no documento de fls. 13. Dos depoimentos da testemunha Maurício de Oliveira Silva e do informante Sandro José da Silva, extrai-se que o veículo do réu Vanderlei estava mesmo em situação irregular dando ensejo à lavratura do auto de infração de fls. 62, eis que estacionado em local proibido.

Além disto, a testemunha Rogério Silva, o qual disse ter estado com o segundo réu no dia dos fatos, alegou que foi com este em um parque aquático na cidade de Gravatal (fl.362), enquanto o réu Vanderlei, em sua contestação e em depoimento junto ao IPM 574/PMSC/2005 afirmou que naquele dia estiveram em um parque aquático na cidade de Tubarão, mais precisamente nos Termas da Guarda, havendo clara contradição entre os depoimentos (fl. 212). Isso sem falar que o réu Vanderlei chegou a dizer no IPM 469/PMSC/2005 que estivera trabalhando no dia dos fatos (fls. 77/79), para depois mudar sua versão (fls. 212), afirmando que houve um engano de sua parte.

Na verdade, dessume-se dos autos que o réu Vanderlei estava mesmo em Laguna no dia em que seu veículo foi autuado, conclusão que não é derruída pelo depoimento de Rogério Silva em face das contradições apontadas. Até é possível que tenham se dirigido a um parque aquático, mas seguramente isso ocorreu após a infração de trânsito, ocorrida, saliente-se, por volta das 9h20m (fls. 62)" (fl. 392).

A conduta do réu tem todos os contornos típicos do delito capitulado no art. 339 do Código Penal, que se consuma alguém faz uma acusação objetivamente falsa, quer seja porque o fato não existiu, quer seja porque não foi praticado pela pessoa acusada, estando o denunciante consciente dessa realidade.

O desenlace do IPM só confirmou o que o réu-apelante desde sempre sabia. Assim sendo, deve arcar com as conseqüências de sua maldosa leviandade pois "aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência, ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito" (art. 186, CC/2002), estando portanto obrigado à sua reparação (art. 927, caput, do CC/2002).

Não fosse pela instauração do inquérito, com as inevitáveis repercussões, suspeitas e comentários maliciosos que esse tipo de procedimento gera para o indiciado, é certo que o só fato da acusação falsa foi suficiente para abalar psicologicamente o apelado, gerando sentimentos e sensações negativas de sofrimento, tristeza, e indignação que acometem um inocente acusado da praticar um crime que nem de longe existiu.

A situação vivenciada pelo apelado, sem dúvida, enquadra-se na tipificação que Clayton Reis dá ao dano moral:

"Trata-se de uma lesão que atinge os valores físicos e espirituais, a honra, nossas ideologias, a paz íntima, a vida nos seus múltiplos aspectos, a personalidade da pessoa, enfim, aquela que afeta de forma profunda não os bens patrimoniais, mas que causa fissuras no âmago do ser, perturbando-lhe a paz de que todos nós necessitamos para nos conduzir de forma equilibrada nos tortuosos caminhos da existência" ('Avaliação do Dano Moral'. 4 ed., Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 205).

Nessa perspectiva, deve ser responsabilizado civilmente por danos morais aquele que, como o recorrente, por animosidade pessoal, imputa a outrem a prática de ato ilícito sabidamente inexistente, com o inescondível propósito de provocar-lhe prejuízo profissional e constrangimento social ao ofendido.

Por conseguinte, a procedência do pedido era a solução que se impunha à luz da prova, não merecendo a sentença também qualquer retoque no tocante à quantificação da indenização.

O valor arbitrado (R$ 5.000,00), sopesada à luz das circunstâncias do caso concreto, já ressaltadas, e dos critérios de razoabilidade e proporcionalidade, está harmonizada com o art. 944, do Código Civil, segundo quem "a indenização mede-se pela extensão do dano", a par de prestar-se ao papel não menos importante de servir como contundente advertência para que o réu nunca mais reincida em comportamento tão infame e, sobretudo, incompatível com aquilo que se espera de um bom policial militar.

Nego, pois, provimento ao recurso, mantendo intangível o julgamento monocrático.

3. DECISÃO:

Nos termos do voto do relator, decidiu a Câmara, por unanimidade, negar provimento ao recurso.

Participaram do julgamento, realizado nesta data, os Exmos. Desembargadores João Henrique Blasi e Jânio Machado.

Florianópolis, 01 de junho de 2010.

Newton Janke
PRESIDENTE e RELATOR




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