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segunda-feira, 14 de junho de 2010

JURID - Penal. Peculato-desvio (art. 312 doCP). Estelionato. [14/06/10] - Jurisprudência


Penal. Peculato-desvio (art. 312 doCP). Estelionato em detrimento de entidade de direito público.

Tribunal Regional do Trabalho - TRT4ªR

APELAÇÃO CRIMINAL Nº 2005.70.06.000242-6/PR

RELATOR: Des. Federal VICTOR LUIZ DOS SANTOS LAUS

APELANTE: CARLOS SERGIO ANNES

ADVOGADO: Miguel Nicolau Junior e outros

APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

EMENTA

PENAL. PECULATO-DESVIO (ART. 312 DO CP). ESTELIONATO EM DETRIMENTO DE ENTIDADE DE DIREITO PÚBLICO (ART. 171, § 3º, DO CP). ESTADO DE NECESSIDADE. NÃO COMPROVAÇÃO. DOSIMETRIA DAS REPRIMENDAS. PENA-BASE. CONTINUIDADE DELITIVA. MULTA. PENAS SUBSTITUTIVAS.

1. Pratica o crime de peculato-desvio o agente que, na qualidade de servidor de empresa pública (CEF) promove, em seu favor, indevidas transferências de valores mantidos em contas bancárias vinculadas a financiamento habitacional. O elemento subjetivo do tipo evidencia-se pela atuação deliberada de desviar, em proveito próprio, numerário que detinha a posse em razão de seu ofício.

2. Comete o delito de estelionato contra entidade de direito público o sujeito que, mediante ardil, realiza a pactuação de mútuo para financiamento de materiais de construção, causando prejuízo à instituição bancária. O dolo está configurado na conduta consciente e voluntária direcionada à obtenção indevida de crédito.

3. Dificuldades financeiras ordinárias não autorizam ninguém a dedicar-se à prática de ilícitos penais. Tese de excludente da ilicitude rejeitada.

4. Sendo as circunstâncias judiciais favoráveis ao acusado, deve a pena-base ser fixada no patamar minimamente cominado ao tipo.

5. Ainda que não se constituam em infrações penais da mesma espécie, pode a prática dos delitos de peculato e estelionato apresentar um traço de continuidade delitiva pela semelhança das condições de tempo, lugar e modo de execução (art. 71 do CP). Aplicação do princípio da razoabilidade para evitar o excessivo rigor punitivo estatal.

6. Tanto o valor do dia multa como o montante da prestação pecuniária substitutiva devem considerar a situação econômica do condenado.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 8ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por maioria, dar parcial provimento à apelação defesa para reduzir as reprimendas infligidas ao réu e, via de consequência, determinar a substituição da pena reclusiva por sanções restritivas de direitos, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 02 de junho de 2010.

Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
Relator

RELATÓRIO

O Ministério Público Federal ofereceu denúncia contra CARLOS SÉRGIO ANNES pelo cometimento dos crimes descritos nos artigos 171, §3º, e 312, caput, c/c artigo 71 todos do Código Penal, assim narrando os fatos (fls. 04-05):

"1° FATO

No período de 03/01/2003 a 01/07/2004, por 1.082 (mil e oitenta e duas) vezes, o denunciado Carlos Sérgio Annes, empregado público, consciente da ilicitude de sua conduta, a pretexto de zeramento, autorizou e promoveu indevidamente a transferência de valores de contas 012 - contas transitórias instituídas para financiamento habitacional - para contas 001 (conta corrente) ou 013 (contas de poupança) do mesmo titular e, na ausência destas, para a conta de sua titularidade 0389.012.1380-3. Com tal proceder, o denunciado causou prejuízo à CEF de R$ 22.604,20, em relação ao montante principal e R$ 85,90 relativo à CPMF, logrando ainda apropriar-se do dinheiro, ao transferir os valores indevidamente movimentados para suas contas pessoais de conta corrente e poupança 001.111113-3 e 013.196060-0. O denunciado ressarciu a CEF em R$ 7.411,89, reparando, assim, em parte, o prejuízo causado.

2° FATO

Em 16 de maio de 2003, o denunciado logrou firmar contrato de mútuo para aquisição de materiais de construção com recursos do FGTS, o que significa dizer com juros subsidiados, no valor de R$ 7.000,00, mediante ardil, consistente em informar falsamente a renda mensal de sua esposa, Lucinda Neves Alves, de modo que a renda informada ficasse abaixo de R$ 2.000,00 (dois mil reais). A fraude foi meio eficiente para induzir em erro o preposto da CEF que acabou por autorizar o mútuo, tendo obtido o denunciado vantagem ilicíta consistente em obtenção de empréstimo bancário com juros subsidiados e em desconformidade com os atos normativos da CEF. A renda da esposa do denunciado declarada à Receita Federal era de aproximadamente R$ 1.631,00, diferentemente da renda variável de R$ 546,00 e 598,00 declarando por ocasião da celebração do contrato".

O acusado, notificado para os fins do artigo 514 do CPP (fls. 08-09), apresentou defesa preliminar às fls. 12-14.

A denúncia foi recebida em 17-8-2005 (fls. 16-19).

Instruído o feito, sobreveio sentença (fls. 222-233v), publicada em 10-7-2008, condenando o réu às penas totais de 4 (quatro) anos e 4 (quatro) meses de reclusão, em regime semi-aberto, e multa de 28 (vinte e oito) unidades diárias, no valor de 1/5 (um quinto) do salário mínimo vigente ao tempo dos fatos, sendo 3 (três) anos e 15 dias-multa, pelo delito previsto no artigo 312, caput, c/c artigo 71 do CP (pena-base de 2 anos, acrescida de metade pela continuidade delitiva), e 1 (um) ano e 4 (quatro) meses e 13 (treze) dias-multa, pelo crime descrito no artigo 171, § 3º, do CP (pena-base de 1 ano, acrescida de 1/3 pela majorante do § 3º).

Inconformado, o acusado apelou (fl. 241). Em suas razões (fls. 251-263), quanto ao peculato, pleiteia a absolvição, alegando ter agido em estado de necessidade, decorrente do alto custo do tratamento para câncer a que era submetido seu pai na época, o que estaria comprovado pelos testemunhos coligidos. No que pertine ao estelionato, igualmente, busca a absolvição, sustentando que a instituição liberou o crédito tendo por base ficha cadastral desatualizada, não tendo havido emprego de fraude de sua parte. Alternativamente, aduz que a não aplicação, no caso, da atenuante relativa à confissão espontânea representa ofensa ao princípio da individualização da pena. Ainda, em relação ao peculato, pugna pela redução do percentual da majorante inscrita no artigo 71 do CP, para o mínimo legal, alegando que o número de repetições do delito é muito menor do que o consignado na sentença.

Com as contra-razões (fls. 265-273), subiram os autos.

O Ministério Público Federal, oficiando no feito, opinou pelo improvimento da apelação (fls. 278-282).

É o relatório.

À revisão.

Desembargador Federal VICTOR LUIZ DOS SANTOS LAUS
Relator

VOTO

Trata-se de apelação da defesa contra sentença condenatória pela prática de peculato e estelionato em detrimento da Caixa Econômica Federal.

Peculato

Não há controvérsia em relação à materialidade e autoria deste delito, que vêm comprovadas suficientemente pelos relatórios e pareceres do processo administrativo e testemunhos, sendo, ademais, confesso o acusado no ponto.

Contudo, alega ter agido em estado de necessidade. Nessa linha, sustenta que precisava custear tratamento de seu genitor em razão de tumor maligno. Para comprovação, trouxe testemunhas, que referem que efetivamente seu pai padecia de câncer na época.

A despeito das considerações defensivas, não vejo demonstrada a alegada descriminante.

Isso porque as dificuldades financeiras, geradoras de possível excludente, seja de ilicitude (estado de necessidade) ou de culpabilidade (inexigibilidade de conduta diversa), além de se constituir em ônus probatório exclusivo da defesa, hão de estar amparadas em robusto conjunto probatório, principalmente documental, uma vez que devem ser analisadas a partir de circunstâncias objetivas.

A simples invocação da necessidade de custear tratamento do pai por doença grave não torna lícita a conduta como supõe o réu, caso contrário parte considerável da população estaria legitimada a cometer crimes patrimoniais, o que geraria graves repercussões na ordem social.

Nesse sentido, a jurisprudência desta Corte:

PENAL E PROCESSUAL. PECULATO. ART. 312 DO CP. APROPRIAÇÃO DE VALORES. SERVIDOR DOS CORREIOS. NOTIFICAÇÃO PRELIMINAR. ART. 514 DO CPP. INQUÉRITO. ESTADO DE NECESSIDADE. NÃO CARACTERIZAÇÃO. PENA PROVISÓRIA NO MÍNIMO. ATENUANTE. CONFISSÃO. NÃO INCIDÊNCIA. RESTRITIVAS. PRESTAÇÃO PECUNIÁRIA. APLICAÇÃO INDEPENDENTE DE MULTA COMINADA NA PARTE ESPECIAL. 1. e 2. Omissis. 3. A alegação de o delito de peculato ter sido praticado em razão dificuldades financeiras decorrentes de problemas de saúde dos pais do agente não se apresenta como hipótese a caracterizar causa excludente de ilicitude, no caso o estado de necessidade. 4. Encontrando-se a pena provisória aplicada já no mínimo legal, impossível sua redução por eventual atenuante, mesmo a confissão, consoante disposto na Súmula 231 do STJ. 5. Omissis. (ACR 2001.71.14.004631-5, 8ª Turma, Rel. Des. Federal Luiz Fernando Wowk Penteado, DJ 19-7-2006)

PENAL E PROCESSO PENAL. PECULATO - AFASTADA A OCORRÊNCIA DE ESTADO DE NECESSIDADE E DE MÁCULA NO PROCESSO PENAL EM VIRTUDE DE IRREGULARIDADE NO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO. JUÍZO CONDENATÓRIO CONFIRMADO. PRESCRIÇÃO RETROATIVA - EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE - . APELAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO PREJUDICADA. 1. As condições econômicas dos indivíduos, por mais precárias que sejam, não autorizam ou justificam o cometimento do delito de peculato, tutelando o tipo penal interesse de toda a coletividade, não havendo como reconhecer causa legal ou supralegal que descriminalize a conduta ou que afaste a sua reprovabilidade. 2. a 6. Omissis. (ACR 2000.70.07.003526-1, 7ª Turma, Rel. Des. Federal Amaury Chaves de Athayde, D.E. 27-8-2008)

PENAL. PECULATO. SERVIDIR DOS CORREIOS. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. EXCLUDENTE DE ILICITUDE. ESTADO DE NECESSIDADE. NÃO-COMPROVAÇÃO. 1. O conjunto probatório dos autos, composto pela prova documental, testemunhal e confissão parcial, torna certo que o réu apropriou-se de valores que lhe foram confiados na condição de caixa dos Correios. 2. Não comprovado nos autos a excludente de culpabilidade relativa ao estado de necessidade, a tanto não servindo as genéricas dificuldades financeiras. (ACR 2006.70.00.032519-7, 7ª Turma, Rel. Des. Federal Néfi Cordeiro, D.E. 21-10-2009)

Como se observa, seria necessário comprovar que, durante o período e naquela situação concreta, não havia qualquer outra opção ao agente, circunstância que não se verifica de forma devida nos autos, limitando-se as testemunhas a referir o problema de saúde do genitor do acusado, como bem consignou o Juiz a quo.

Nestes termos, inaplicável as disposições do art. 24 do Código Penal, devendo ser mantida a sentença que bem realizou o debate das provas da materialidade, autoria e dolo, in verbis (fls. 224v-228):

"(...)

A materialidade está suficientemente confirmada pela cópia do processo administrativo de apuração de responsabilidade instaurado no âmbito interno da Caixa Econômica Federal em face do ora denunciado (fls. 04-57 do IPL), especialmente pelo "Relatório Conclusivo" das fls. 24-41 e pelos pareceres jurídicos das fls. 42-45 e 50-55, todas do IPL.

Aludido processo administrativo foi instaurado após reclamação do cliente Mário Soares de Souza, titular da conta 0389.012.1398-6, que, na data de 08 de julho de 2004, solicitou à Agência da CEF o documento de débito do valor de R$ 443,88 (quatrocentos e quarenta e três reais e oitenta e oito centavos), realizado em 29/12/2003 em sua conta. Nessa ocasião, o empregado da agência 0389 da Caixa Econômica Federal de Guarapuava, Sr. Rogério Buss, procedeu à verificação do referido lançamento no Relatório de Transações Autorizadas e Estornadas LTEA, identificando que, no dia 29/12/2003, ocorreram diversos lançamentos a crédito na conta 0389-012.1380-3 pertencente ao empregado Carlos Sérgio Annes, cuja matrícula C037874 constava como autorizadora das referidas transações.

Após a verificação desse fato, promoveu-se uma análise minuciosa dos relatórios referentes ao período de 03/01/2003 a 01/07/2004, nos quais foram encontradas diversas irregularidades referentes a movimentações indevidas das operações 012, com transações entre diferentes titulares, todas autorizadas pelo réu, envolvendo 511 contas em 1.082 transações de débito e crédito, as quais foram devidamente apontadas nos documentos das fls. 190-230 e 231-261 do IPL.

As testemunhas arroladas pela acusação, quando inquiridas judicialmente, confirmaram as transferências indevidas de valores que, ao final, foram creditados na conta de financiamento habitacional nº 0389.012.1380-3 ou nas contas corrente e poupança nºs 0389.001.111113-3 e 0389.013.196060-0, todas de titularidade do réu. Nesse sentido, convém transcrever alguns trechos extraídos dos depoimentos das testemunhas, que são esclarecedores quanto aos fatos descritos na inicial acusatória:

"Que fez parte da comissão apuratória interna; que pertence a mesma área que o réu, área financeira; que um cliente reclamou do sumiço de dinheiro na sua conta habitação; que, de início, se cogitou que seria apenas um acerto contábil, mas verificados os dados, foi constatada que houve uma transferência da conta habitação para a conta habitação do réu; que feita esta primeira verificação, constatou-se outras transferências feitas para a conta habitação do réu; que a comissão se preocupou em verificar o modus operandi do réu e constataram que o réu se utilizava, normalmente, da hora do almoço quando seu supervisor não estava; que o réu era eventual de tesoureiro e por isso que tinha acesso ao sistema dos comandos; que foi apurado um valor total de R$ 22.0000,00 aproximadamente, sendo que restou aproximadamente R$ 15.000,00, pois a diferença (R$ 7.400,00) ainda estava na conta habitação em nome do réu; que o período das transferências foi de por volta de janeiro ou março de 2003 a julho de 2004; (...)." [testemunha Suiberto de Moraes - fl. 61, grifos aditados]

"que o depoente foi o Presidente da Comissão que apurou os fatos descritos na denúncia; que se levantou que o denunciado se apossava dos resíduos das contas 012; que o denunciado depositava inicialmente os valores numa outra conta também 012 e posteriormente transferia os valores para a conta da esposa ou para conta própria; que não recorda exatamente, mas os valores desviados ficavam acima de R$ 15.000,00; que cerca de R$ 7.000,00 acabaram sendo bloqueados pela própria Caixa; (...)." [testemunha Flamarion de Oliveira - fl. 78, destaquei]

Constata-se, destarte, que houve a efetiva apropriação da quantia de R$ 21.454,14 (vinte e um mil, quatrocentos e cinqüenta e quatro reais e quatorze centavos), dos quais R$ 7.195,33 (sete mil, cento e noventa e cinco reais e trinta e três centavos) foram recuperados pela CEF, porquanto foram bloqueados na conta 0389.012.1380-3 (fl. 27 do IPL) e sacados pela instituição financeira mediante autorização do titular da conta, ou seja, do denunciado (fl. 404 do Apenso II). Tais valores, após a respectiva atualização, resultam nas quantias apontadas na denúncia, que devem ser somadas ao montante de R$ 85,90 (oitenta e cinco reais e noventa centavos), que corresponde ao prejuízo relativo à CPMF.

Quanto à autoria também está devidamente comprovada nos autos. Senão vejamos.

Na fase administrativa, o denunciado acabou confessando a prática do crime, embora a tentativa inicial tenha sido a de esquivar-se da acusação (fl. 20 do IPL e fl. 19 do Apenso I):

"(...) Perguntado se em algum momento utilizava estes valores para uso próprio, transferindo para contas pessoais, informou que em nenhum momento houve esta movimentação. Foi mostrada (sic) uma planilha que contém movimentações extraídas dos relatórios LTEA - Relatório de Transações Estornadas e Autorizadas, no período de 2003/2004, que demonstra a transferência de valores das operações 012 para as contas pessoais do depoente para que ele analisasse e informasse acerca (sic) destas movimentações. Informou que concorda que são transações indevidas, lembra que fez transferências para suas contas pessoais de número 001.111113-3 e 013.196060-0 assumindo estas transferências. Perguntado se fazia transferências entre titulares diversos isentando a CPMF, informou que fez estas transferências usando os comandos de isenção, não diferenciando se as transferências eram entre os mesmos titulares ou titulares diversos. Perguntado acerca (sic) de transferências de contas de parentes e pessoas da família para suas contas pessoais, informou que fez tais transações, e perguntado se havia autorização por escrito para tais movimentações, informou que não há." (fl. 20 do Apenso I, sem grifos no original).

Observa-se, pois, que o próprio réu admitiu as movimentações irregulares de contas transitórias instituídas para financiamento habitacional (contas 012) para suas contas pessoais, apropriando-se indevidamente dos valores aos quais tinha acesso em virtude do emprego que o vinculava à Caixa Econômica Federal.

Em Juízo, o acusado novamente confessou os fatos, mas argüiu que passava por dificuldades financeiras, precisando do dinheiro para custear o tratamento de saúde de seu pai, que estava acometido de câncer. Assim relatou os fatos que motivaram a presente ação penal:

"a conta 012 é uma conta transitória utilizada para transferência de valores de habitação; que antes de ocorrer a transferência a conta rende juros; que quando os correntistas efetuavam movimentação financeira em sua contas correntes a CEF utilizava os referidos rendimentos para fim de amortizar os valores devidos a título de CPMF; que deliberadamente o denunciado utilizava também os rendimentos das contas transitórias para depositá-los (sic)_ na sua conta corrente, confirmando assim os termos narrados na denúncia; que o denunciado exercia as funções de escriturário no setor de habitação da Caixa Econômica Federal, tendo pleno acesso às contas transitórias, assim como estava autorizado pela gerência da agência a efetuar a amortização dos valores referentes a CPMF dos correntistas conforme já referido acima; que confirma ter efetuado os depósitos irregulares em sua conta no período informado na denúncia; retifica parcialmente a informação para referir que as transferências irregulares ocorreram até um período anterior a julho de 2004, não sabendo precisar exatamente a data, recordando que quando ocorreram as apurações, ou seja, em julho de 2004 o interrogando já a algum tempo não efetuava as transferências irregulares; que o interrogando tinha pleno acesso a conta 012 podendo efetuar as transferências irregulares na forma como quisesse, o que de fato ocorreu transferindo os valores dos rendimentos dos correntistas para sua conta pessoal; o interrogando agiu sozinho sem contar com a participação de outro empregado da CEF; que ninguém tinha conhecimento desse fato ilícito; que o pai do interrogando foi operado de câncer em janeiro de 2003, razão pela qual passou por dificuldades financeiras que o motivou a agir na forma dos fatos narrados na denúncia; que o pai do interrogando era aposentado recebendo um salário mínimo mensal, tendo recaído ao interrogando as despesas com o tratamento médico; que o pai do interrogando faleceu no mês de novembro de 2003; que as contas que não eram movimentadas pelos clientes ficavam paralisadas e portanto não havia necessidade do interrogando efetuar ressarcimento, embora tivesse a intenção de fazê-lo (sic), sendo que as demais contas, que eram movimentadas regularmente pelos correntistas, o interrogando passou a efetuar o ressarcimento na medida de suas condições financeiras; que após o início da apuração dos fatos pela instituição não foi mais permitido ao interrogando efetuar o ressarcimento, de forma que este não ocorreu na quantia total das transferências irregulares para sua conta; (...) que a conta de nº 0389.012.1380-3 é uma conta de transferência de habitação, de titularidade do interrogando, sendo que este transferia os valores dos correntistas para esta conta de forma transitória e posteriormente transferia os valores para as contas 001.111113-3 e 013.196060-0, conta corrente e conta poupança respectivamente, ambas de titularidade do interrogando; (...)." (fls. 34-35, grifos aditados)

Conquanto o acusado tenha referido que as movimentações irregulares cessaram antes de julho de 2004 não é crível a sua versão, porquanto os documentos acostados aos autos comprovam que o crime foi praticado até 1º de julho de 2004, inclusive (fls. 190-229 do Apenso I).

Além disso, administrativamente foram minuciosamente relatados os fatos que constituem objeto da presente ação penal, consoante é possível verificar nas fls. 39-41 do IPL:

"(...)

7.11.1 Portanto, o empregado Carlos Sergio Annes agiu com dolo ao fazer as movimentações das contas de terceiros, apropriando-se indevidamente destes recursos para benefício próprio, e agiu com culpa, negligentemente, quando movimentava as contas de mesmo titular para proceder regularizações.

7.11.2 No caso do dolo referente às movimentações das contas da operação 012, que é o mais grave, o "modus operandi" do empregado obedecia os seguintes passos:

7.11.3 Primeiramente, em determinado dia, o empregado transferia os recursos de diversas contas da Operação 012 para uma única conta, também da operação 012, que vamos denominar de "conta transitória".

7.11.4 Estas "contas transitórias" poderiam ser uma conta de terceiro, ou a sua própria de número 0389.012.1380-3. Houve em alguns casos a utilização de sua conta poupança pessoal número 0389.013.196060-0.

7.11.5 No mesmo dia ou em dia posterior, era feita então, a transferência deste saldo da "conta transitória" para a sua conta pessoal 0389.001.11113-3, onde havia então a apropriação final do recurso. Em alguns casos os recursos de uma "conta transitória" de terceiros poderia ainda passar pela conta da operação 012 pessoal do empregado antes de ser definitivamente transferida para a conta da operação 001 do mesmo.

(...)

7.12.1 Como agravante citamos a utilização da transferência de vídeo para executar as referidas movimentações, possibilitada através de seu perfil no SIAPV, pois através desta maneira não gerava um documento comprobatório o que poderia levantar suspeitas de imediato, devido à quantidade de transferências, e fazendo diretamente pelo vídeo, dificultava o seu rastreamento.

7.12.2 Ainda como agravante citamos que o horário da realização das referidas movimentações eram feitas entre às 12:00 e 13:00 horas aproximadamente na maioria das vezes, horário este, que coincidentemente o Supervisor da RETPV tirava para fazer o seu almoço, não estando presente na Unidade.

7.12.3 Outro agravante é a abertura pelo empregado arrolado da conta 0389.012.1380-3 de sua titularidade, sem nenhuma vinculação com nenhum contrato de habitação na modalidade de construção, contradizendo o seu depoimento às fls. 018 a 020, quando afirmou que esta conta foi aberta para vincular ao contrato de sua titularidade de número 5.0389.00001380-X, e foi verificado por esta Comissão a inexistência do referido contrato. O que existe é um contrato de material de construção de titularidade da esposa do Empregado e do mesmo, com o número 5.0389.00001447-9, com a conta da operação 012 vinculada de número 0389.012.1447-8."

Por seu turno, a prova testemunhal corroborou os demais elementos de prova, confirmando a responsabilidade do acusado pela prática das condutas a ele imputadas na denúncia quanto ao crime de apropriação indébita, conforme se depreende das declarações acima transcritas, que foram prestadas pelas testemunhas arroladas pela acusação, bem como dos relatos das testemunhas arroladas pela defesa, que responderam às questões formuladas pelo Juízo nos seguintes termos:

"Que o depoente trabalha no mesmo setor que o denunciado; que o depoente é supervisor do denunciado; que são verdadeiros os fatos narrados na denúncia; que um cliente da CEF, depois de ter reclamado de problemas com sua conta relativa ao Sistema Financeiro de Habitação, disse que tinha desaparecido um valor que antes existia em sua conta; que o depoente, ao tomar conhecimento desses fatos, contatou a chefia imediata em Ponta Grossa, que optou por abrir procedimento para apurar a responsabilidade; que o que foi apurado foi exatamente o que está descrito na denúncia; que tanto o depoente quanto Carlos Sérgio Annes trabalham na CEF há dezesseis anos; que Carlos Sérgio Annes sempre cumpriu com suas obrigações na CEF; que o depoente desconhece de qualquer outro fato que possa desabonar a conduta de Carlos Sérgio Annes; que na época em que os fatos foram descobertos, Carlos Sérgio Annes comentou com o depoente que agiu da foram tal qual descrita na denúncia por causa de "problemas com o pai"; que o depoente salienta quer o pai de Carlos estava com câncer; que o depoente chegou a dispensar Carlos por algumas vezes do trabalho para que este pudesse acompanhar o pai em consultas na cidade de Curitiba; que soube na época que Carlos estava com sérios problemas financeiros por causa da doença do pai". (...) que o procedimento utilizado pelo denunciado era basicamente feito a partir de transferências eletrônicas; que cada cliente que obtinha financiamento para construção tinha aberta uma conta chamada 012, a partir da qual utilizava o valor financiado; que em geral, cada conta acabava permanecendo com alguns centavos e, às vezes, até um pouco mais de dinheiro, valores que sequer os correntistas saberiam da existência; que eram esses valores restantes os transferidos pelo denunciado para a conta de um cliente qualquer para possibilitar a posterior transferência para a própria conta corrente; que o denunciado sempre utilizava a senha pessoal e invariavelmente realizava as condutas durante o horário de almoço do depoente; (...)." [testemunha Rogério Buss - fls. 103-104, destaquei]

"(...)

Depoente:- Sim, ele trabalhava com habitação, na função dele, e ele fez essa transferência de contas que não estavam sendo movimentadas.

Juiz Federal:- Contas de terceiros?

Depoente:- Isso, de clientes.

Juiz Federal:- Clientes. Transferiu para a conta dele?

Depoente:- Exato.

Juiz Federal:- E isso foi descoberto dentro da Caixa?

Depoente:- Isso foi descoberto. Foi descoberto em julho de 2004.

Juiz Federal:- E ele apresentou alguma justificativa? A senhora chegou a falar com ele na época?

Depoente:- Não, na época ele não apresentou. Inclusive ele não se sentia culpado por serem contas que estavam sem movimentação, quando nós fizemos a apuração dos fatos.

Juiz Federal:- E essas contas recebiam rendimentos, ou elas estavam totalmente paradas?

Depoente:- Não, elas estavam paradas.

Juiz Federal:- E ele transferiu então para a conta. E ele retornava pelo menos depois esses valores?

Depoente:- Não, não. Nunca retornou.

(...)

Ministério Público Federal:- Essas transferências que ele fez foi usando a senha de alguém, ou era dentro... era possível mesmo, a função dele mesmo fazer isso?

Depoente:- Era dele mesmo, porque ele tinha uma função dentro da empresa que permitia essa consulta e movimentação dos valores. Era uma pessoa de confiança.

(...)

Juiz Federal:- A senhora tem idéia por que ele teria chamado a senhora como testemunha de defesa neste processo?

Depoente:- Eu acredito que é porque ele alega que ele tentou restituir à Caixa os valores e a Caixa não procedeu com nenhuma resposta. Mas o problema é que quando ele tentou restituir os valores, o processo já tinha sido efetuado, já tinha sido todo totalmente levantado os valores, com testemunhas e só faltava o último parecer do processo apuratório. Daí sim, os valores serem reconstituídos. Então a Caixa esperou o último parecer, que foi logo em seguida. Mas antes disso ele não tentou. Então eu acredito que ele tenha me chamado por isso, para eu confirmar que ele tentou restituir à Caixa.

(...)." [testemunha Marisa Ferreira Nascimento - fls. 154-155]

Por seu turno, não prospera a alegação de que o crime foi praticado sob o amparo da excludente de ilicitude do estado de necessidade. Primeiro porque, não obstante a afirmação do réu e de algumas testemunhas no sentido de que o pai do denunciado estava acometido de câncer, não restou plenamente demonstrada essa situação fática e tampouco que o réu custeou um tratamento de saúde extremamente caro e indispensável para a recuperação da saúde de seu genitor. O que consta nos autos são alegações destituídas de prova, que não servem para amparar a aplicação da causa justificante em análise. Segundo porque, tendo o acusado exercido a função de bancário durante muito tempo, é certo que possuía conhecimento suficiente sobre todas as modalidades para a obtenção de crédito, não sendo necessária a prática do ilícito para suportar as alegadas despesas efetuadas para o tratamento de saúde de seu pai. Por fim, é importante ressaltar que, segundo o próprio réu informou em audiência, o seu genitor teria falecido em novembro de 2003. Nada obstante, a perpetração das condutas delituosas prolongou-se até julho de 2004, ou seja, posteriormente à cessação do suposto tratamento de saúde custeado pelo réu em favor de seu genitor, o que serve para reforçar o entendimento contrário à aplicação da causa justificante invocada pela defesa do réu.

Conclui-se, assim, que o acusado, livre e conscientemente, apropriou-se da quantia de R$ 22.604,20 (vinte e dois mil seiscentos e quatro reais e vinte centavos), dos quais foram recuperados R$ 7.411,89 (sete mil, quatrocentos e onze reais e oitenta e nove centavos) pela Caixa Econômica Federal.

O prejuízo experimentado pela empresa pública foi evidente, seja porque as contas do tipo 012 eram de titularidade da CEF, seja porque teve de desembolsar novamente tais valores para fazer frente às obrigações financeiras que possuía perante os correntistas.

Considerando, pois, a apropriação, devidamente comprovada, dos valores depositadas em contas provisórias para financiamento habitacional - contas 012, mediante condutas idênticas praticadas pelo réu nas mesmas condições de tempo, lugar e maneira de execução, deve ser aplicado o artigo 71 do Código Penal, devendo ser entendida cada uma das condutas como continuação da outra, caracterizando, fictamente, um crime só que se protraiu no tempo.

Ou seja, no caso em tela, pela aplicação da ficção legal do crime continuado, pode-se identificar 1.082 condutas de movimentação financeira indevida para fins de consumação do crime de peculato, para as quais será aplicada a pena de um só crime acrescida de um percentual, considerando-se o número de condutas perpetradas". (grifos também no original)

Estelionato

O réu nega a prática deste crime, buscando a absolvição. Alega que a fraude imputada decorreu de simples desatualização de dados cadastrais constante do sistema, não podendo, assim, ser considerado responsável.

Não merece atendimento, todavia.

Com efeito, a despeito de suas alegações, restou plenamente demonstrado nos autos que, pessoalmente, montou o processo para concessão do crédito e levou até o setor competente, o que, aliás, não negou, não tendo, por conseguinte, como ignorar que a renda informada da sua esposa não era a efetiva.

Os testemunhos coligidos ainda dão conta de que, como se tratava de colega de agência, pessoa de confiança de todos, que trouxe a documentação pronta, limitaram-se a visar o processo e deferir o crédito sem maiores análises.

Em tais bases, não é possível acolher a vazia invocação de ignorância, descuido quanto aos dados lançados no requerimento, estando evidenciado o dolo na sua conduta.

A propósito, a bem-lançada sentença (fls. 228-230v):

"- Art. 171, §3º, do Código Penal

A inicial acusatória também atribui ao acusado a prática do crime capitulado no art. 171, §3º, do Código Penal, porque, com o intuito de obter crédito para a aquisição de materiais de construção com recursos do FGTS, ou seja, mediante contrato de mútuo com juros subsidiados, valeu-se de ardil consistente em informar falsamente a renda mensal de sua esposa, Lucinda Neves, de modo que a renda familiar ficasse abaixo daquela fixada como limite máximo dessa modalidade de empréstimo, que é de R$ 2.000,00 (dois mil reais).

Preceitua o art. 171, §3º, do Código Penal:

"Art. 171 - Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento:

Pena - reclusão, de um a cinco anos, e multa.

(...)

§3º - A pena aumenta-se de um terço, se o crime é cometido em detrimento de entidade de direito público ou de instituto de economia popular, assistência social ou beneficência.

(...)."

Para a caracterização do crime de estelionato, exige o caput do art. 171 do CP a presença dos seguintes requisitos: a) a obtenção de vantagem ilícita para si ou para outrem; b) o prejuízo alheio; c) a indução ou manutenção de alguém em erro; d) a utilização de meio fraudulento, no qual se inclui o ardil e o artifício, mencionados de forma exemplificativa no texto legal.

Trata-se de crime material, cuja consumação depende do resultado naturalístico, ou seja, da vantagem para si ou para terceira(s) pessoa(s) em detrimento de outrem (prejuízo alheio).

Não se exige nenhuma qualificação específica do sujeito ativo e do passivo. Porém, a prática do crime em detrimento de entidade de direito público ou de instituto de economia popular, assistência social ou beneficência constitui causa especial de aumento de penal, consoante estabelece o §3º do art. 171 do CP.

No caso, imputa-se ao acusado a prática do delito de estelionato com o acréscimo de 1/3 previsto no §3º do dispositivo legal invocado, porquanto o crime foi praticado contra a Caixa Econômica Federal. E entendo que foi correto tal enquadramento, sobremaneira porque, no presente caso, a instituição financeira prejudicada firmou o contrato de mútuo com recursos do FGTS, na condição de operadora do fundo.

A jurisprudência pátria já consolidou entendimento no sentido de que incide a majorante em tela em relação ao crime de estelionato praticado em detrimento da CEF, ainda que se trate de empresa pública exploradora de atividade econômica. Nesse sentido:

"PENAL - ESTELIONATO CONTRA O INSS - ALEGAÇÃO DE PRESCRIÇÃO

DESCABIDA - AFASTADA A ATENUANTE DA CONFISSÃO - REJEITADO O PEDIDO DE DESCLASSIFICAÇÃO - PENA-BASE MANTIDA - PRIMARIEDADE E BONS ANTECEDENTES - CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS FAVORÁVEIS - INCIDÊNCIA DA CAUSA DE AUMENTO DO § 3º DO ART. 171 DO- RECURSO NÃO PROVIDO.

(...)

9. Em se tratando a Caixa Econômica Federal uma empresa pública que à época dos fatos gerenciava os benefícios de seguro desemprego, a agravante a causa de aumento do § 3º do artigo 171 do CP deve incidir obrigatoriamente.

10. Recurso não provido." (TRIBUNAL - TERCEIRA REGIÃO, Classe: ACR - APELAÇÃO CRIMINAL - 22633, Processo: 200503990431789, UF: SP, Órgão Julgador: PRIMEIRA TURMA, Data da decisão: 23/05/2006, Documento: TRF300103661, Fonte DJU DATA:14/06/2006, PÁGINA: 218, Relator(a) JUIZ JOHONSOM DI SALVO, v.u., destaquei)

"PROCESSUAL PENAL E PENAL: ARTIGO 171, § 3º DO CÓDIGO PENAL. AUTORIA E MATERIALIDADE. COMPROVAÇÃO. CONHECIMENTO DA FALSIDADE DOS DOCUMENTOS UTILIZADOS PARA A OBTENÇÃO DE BENEFÍCIO FRAUDULENTO. LAUDO PERICIAL. DESNECESSIDADE DE DEFINIR AUTORIA DOS LANÇAMENTOS GRÁFICOS. DOSIMETRIA DA PENA. INCIDÊNCIA DA CAUSA DE AUMENTO PREVISTA NO § 3º DO ARTIGO 171 DO CP. CRIME PRATICADO CONTRA A CAIXA ECONÔMICA FEDERAL.

(...)

V - Relativamente à causa de aumento prevista no § 3º do artigo 171 do CP, nenhum reparo merece o decisum, porquanto, consoante pacífico entendimento jurisprudencial, a Caixa Econômica Federal, embora tenha a natureza jurídica de empresa pública, qualifica-se como entidade de economia popular.

(...)." (TRIBUNAL - TERCEIRA REGIÃO, Classe: ACR - APELAÇÃO CRIMINAL - 11943, Processo: 200103990538967, UF: SP, Órgão Julgador: SEGUNDA TURMA, Data da decisão: 06/04/2004, Fonte DJU DATA:30/04/2004, PÁGINA: 405, Relator(a) JUIZA CECILIA MELLO, v.u., grifos aditados)

"PENAL. ESTELIONATO. CEF. JÓIAS FALSAS DADAS EM GARANTIA. ÔNUS DA PROVA. ARTIGO 156 CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. DOSIMETRIA DA PENA. MOTIVOS DO CRIME. CONSEQÜÊNCIAS DO DELITO. PREJUÍZO DA CEF. BIN IN IDEM. AUSÊNCIA DE RESTITUIÇÃO.

(...)

4. Constituindo o prejuízo patrimonial de entidade pública a causa de incidência da majorante prevista no § 3º do artigo 171 do Caderno Penal, não deve ser computado também na primeira fase do cálculo da pena, sob pena de ocorrer a prática de bis in idem.

(...)." (TRIBUNAL - QUARTA REGIÃO, Classe: ACR - APELAÇÃO CRIMINAL, Processo: 200204010497040, UF: PR, Órgão Julgador: OITAVA TURMA, Data da decisão: 13/10/2004, Fonte DJ 10/11/2004, PÁGINA: 895, Relator(a) LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO, v.u.)

Feitas essas considerações, passo a apreciar a materialidade e autoria do crime descrito na denúncia.

A materialidade foi devidamente comprovada pelas fotocópias das Fichas de Cadastro Pessoa Física juntadas nas fls. 281-282 e 302-304 do apenso II, do contrato de mútuo nº 5.0389.0001447-9 acostado nas fls. 315-322 do mesmo apenso, da declaração de ajuste anual - Imposto de Renda Pessoa Física do exercício de 2003 (fls. 284-288 do apenso II) e do processo administrativo de apuração de responsabilidade instaurado no âmbito interno da Caixa Econômica Federal em face do ora denunciado (fls. 04-57 do IPL), especialmente pelo "Relatório Conclusivo" das fls. 24-41 e pelos pareceres jurídicos das fls. 42-45 e 50-55, todas do IPL.

Frise-se que o processo administrativo foi instaurado em face do denunciado para a apuração das movimentações irregulares, como já restou consignado acima. Porém, no referido processo administrativo foram constatadas irregularidades também no que diz respeito ao contrato de mútuo de dinheiro à pessoa física para aquisição de material de construção no programa carta de crédito individual - FGTS - com garantia acessória nº 5.0389.0001447-9 (fls. 315-322 do apenso II), conforme apontou o Relatório Conclusivo do Processo PR 7789.2004.G.000123, nos itens 7.7.6 a 7.7.11 (fls. 29 e 30 do IPL):

"7.7.6 Ainda quanto à conformidade verificamos a divergência na renda informada de Lucinda Neves Annes, nas fichas de Cadastro Pessoa Física de Lucinda Neves Annes e Carlos Sergio Annes. Na ficha de Lucinda Neves Annes está informada uma renda informal de R$ 546,00 e na Ficha Cadastro de Carlos Sergio Annes, está informada a renda de R$ 598,00 para Lucinda Neves Annes, renda esta utilizada na composição do financiamento (fls. 1.807).

7.7.7 Além da divergência desta renda, constatamos através no Processo Habitacional Aquisição Total Através do FGTS número 4.0389.0000379-0 de 18/02/2004, onde a renda de Lucinda Neves Annes, constante na Ficha Cadastro (fls. 1.775 à 1.777) aparece como renda comprovada junto à Secretaria de Estado da Administração do Paraná no valor de R$ 598,00, com vínculo empregatício desde 01/04/1977 e no mesmo processo consta em sua Declaração de Imposto de Renda ano base 2003 (fls. 1.778 à 1.782), que durante aquele ano, auferiu como renda R$ 19.572,14, o que daria uma renda média mensal aproximada de R$ 1.631,00.

7.7.8 Tendo em vista ser o vínculo empregatício de Lucinda Neves Annes desde a data de 01/04/1977, esta deveria ter apresentado como renda formal, na data da concessão de financiamento do contrato de aquisição de material de construção, e não como renda informal como consta em sua Ficha Cadastral.

7.7.9 Como o contrato de Aquisição de Material de Construção é de 16/05/2003, e a renda informada de Lucinda Neves Annes era informal variando entre R$ 546,00 e 598,00, mais a renda comprovada de Carlos Sergio Annes que na época do financiamento era de R$ 1.399,99, o total das rendas seria de R$ 1.997,99, que estava à época dentro do limite de renda para esta modalidade que era limitada ao máximo de R$ 2.000,00. Se considerarmos a renda formal comprovada na Declaração de Imposto de Renda de Lucinda Neves Annes, no valor aproximado de R$ 1.631,00 mais a renda de Carlos Sergio Annes, o total passaria a uma renda de R$ 3.030,99 ultrapassando o limite máximo de renda desta modalidade, não podendo ter sido feita a referida contratação.

7.7.10 Em seu depoimento às fls. 1.762 à 1.763, Carlos Sergio Annes declarou que esta divergência quanto à renda de sua Esposa, deveu-se a coleta de dados feita direto do SIRIC e não lembra de tê-la atualizado.

7.7.11 Quanto à análise geral dos dados e verificação das informações contidas no processo, o empregado Carlos Sergio Annes informou que o processo foi montado por ele mesmo e levado para o segmento responsável pela conta, conforme depoimento às fls. 1.762 à 1.763. Não soube dizer ainda em seu depoimento se os empregados do segmento procederam a análise dos dados, acreditando que estes confiaram em seu trabalho.

(...)." (sem grifos no original)

Diante desses fatos, não há dúvidas da efetiva prática do crime de estelionato.

Outrossim, a autoria é inconteste.

Ora, o denunciado exercia a função de bancário há, aproximadamente, 16 (dezesseis) anos, conforme foi apurado no presente caderno processual. Além disso, ele trabalhava no setor de financiamento habitacional, o que autoriza a supor que se tratava de um profissional plenamente instruído acerca dos requisitos e exigências para a concessão de empréstimos em dinheiro para a aquisição e/ou ampliação da casa própria com recursos do FGTS. Por essas razões, não se mostra verossímil a versão apresentada pela defesa em Juízo, no sentido de que o erro nas informações a respeito da renda da esposa do denunciado decorreu de ausência de atualização no cadastro existente na CEF, sobremaneira diante do fato confessado de que foi o próprio réu o responsável pela montagem do processo referente ao mútuo em discussão. Evidentemente, o réu tinha total consciência da importância do requisito "renda familiar" para a obtenção do crédito para a ampliação/reforma do imóvel próprio com juros subsidiados, não sendo crível que tivesse sido acometido de um efêmero e oportuno lapso de memória na formação do processo instruído em seu nome.

Assim, não há outra conclusão possível senão a de que o réu agiu ardilosamente, ou seja, de forma dissimulada quando informou a renda de sua esposa em um valor inferior ao efetivamente percebido, de modo que a composição da renda familiar ficasse dentro dos parâmetros exigidos para a concessão do mútuo habitacional.

De igual modo, a informação falseada foi suficiente para induzir em erro os funcionários responsáveis pela análise do mútuo para a aquisição de materiais de construção, principalmente em virtude da confiança que os referidos funcionários, então colegas de trabalho do denunciado, nutriam a seu respeito.

Aliás, as testemunhas mencionaram que o réu era uma pessoa de confiança da instituição. Não fosse assim, sequer ele teria acesso aos valores existentes em contas transitórias de financiamento habitacional e em contas dos clientes, dispondo de senha própria para efetuar movimentações de crédito e débito em contas de titularidade de terceiros, situação essa que, inclusive, propiciou-lhe a realização das transferências indevidas acima apontadas.

Certamente, o réu logrou alcançar a vantagem indevida, causando um prejuízo à Caixa Econômica Federal no valor de R$ 7.000,00 (sete mil reais), tendo em conta a concessão de financiamento indevido.

Nesse ponto, a testemunha Flamarion de Oliveira, que foi o Presidente da Comissão que apurou os fatos descritos na denúncia, revelou a seguinte situação em relação ao contrato de mútuo:

"(...) que o denunciado efetivamente firmou um contrato de mútuo no valor de R$ 7.000,00; que para tanto o denunciado forjou a renda mensal de sua esposa, para poder se enquadrar no limite legal; que após receber o dinheiro, o denunciado não aplicou na compra de materiais (sic) de construção; (...)." [fl. 78]

Não há dúvidas, pois, da prática do crime de estelionato contra a Caixa Econômica Federal, que se consumou com a obtenção da vantagem indevida em detrimento da instituição financeira que, ao tempo dos fatos, também era a sua empregadora". (grifos também no original)

Passo ao exame das penas.

As penas-bases pelos dois delitos foram dosadas no mínimo legal, nada havendo a considerar em vista da ausência de recurso ministerial.

Em relação ao estelionato, nada a discutir, também, na segunda etapa, uma vez ausentes atenuantes e agravantes. Na terceira fase, correta a incidência da majorante inscrita no § 3º do artigo 171 do CP, pois o crime se deu em detrimento da Caixa Econômica Federal enquanto gestora dos recursos (públicos) do FGTS (ACR 2005.04.01.009946-1, 8ª Turma, Rel. Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz, DJU 03-5-2006; ACR 2005.04.01.000448-6, 7ª Turma, Rel. Des. Federal Tadaaqui Hirose, D.E. 17-01-2007). Desse modo, mantenho a pena definitiva em 1 ano e 4 meses de reclusão.

A controvérsia reside na segunda e terceira fase da dosimetria do delito de peculato, reclamando o réu aplicação da atenuante inscrita no artigo 65, III, d, do Código Penal e a redução do quantum da majorante descrita no artigo 71 do mesmo diploma.

Vejamos.

O Juiz a quo reconheceu a atenuante em questão, porém, deixou de fazê-la incidir, considerando que "a pena foi fixada no mínimo legal, sendo inviável, nesta fase, a sua redução a patamar inferior àquele".

O apelante argumenta que o artigo 65 dispõe que a circunstância sempre atenua a reprimenda e, não, quando possível, de forma que a não aplicação na hipótese configuraria ofensa ao princípio constitucional da individualização da pena.

Sem razão, contudo.

De fato, embora o acusado tenha, efetivamente, confessado as transferências indevidas e a apropriação dos valores, não se aplica a atenuante quando a pena já se apresenta no mínimo legal, como é o caso, conforme enunciado da Súmula 231 do Superior Tribunal de Justiça:

"A incidência da circunstância atenuante não pode conduzir à redução da pena abaixo do mínimo legal".

Não obstante as ponderações da defesa, anoto que o entendimento traduzido na súmula tem sido reiteradamente mantido pelo Tribunais Superiores:

HABEAS CORPUS. DOSIMETRIA DA PENA. FURTO QUALIFICADO. INTEGRAÇÃO DA NORMA. MAJORANTE DO CRIME DE ROUBO COM CONCURSO DE AGENTES. INADMISSIBILIDADE. CIRCUNSTÂNCIA ATENUANTE. PENA AQUÉM DO MÍNIMO LEGAL. IMPOSSIBILIDADE. JURISPRUDÊNCIA CONSOLIDADA. 1. As questões controvertidas neste writ - acerca da alegada inconstitucionalidade da majorante do § 4º, do art. 155, CP (quando cotejada com a causa de aumento de pena do § 2º, do art. 157, CP) e da possibilidade (ou não) da fixação da pena abaixo do mínimo legal devido à presença de circunstância atenuante - já foram objeto de vários pronunciamentos desta Corte. 2 a 4. Omissis. 5. Quanto à segunda questão, na exegese do art. 65, do Código Penal, "descabe falar dos efeitos da atenuante se a sanção penal foi fixada no mínimo legal previsto para o tipo (HC n 75.726, rel. Min. Ilmar Galvão, DJ 06.12.1998). 6. De acordo com a interpretação sistemática e teleológica decorrente do Código Penal e das leis especiais, somente na terceira fase da dosimetria da pena é possível alcançar pena final aquém do mínimo cominado para o tipo simples ou além do máximo previsto. 7. Há diferença quanto ao tratamento normativo entre as circunstâncias atenuantes/agravantes e as causas de diminuição/aumento da pena no que se refere à possibilidade de estabelecimento da pena abaixo do mínimo legal - ou mesmo acima do máximo legal. 8. O fato de o art. 65, do Código Penal, utilizar o advérbio sempre, em matéria de aplicação das circunstâncias ali previstas, para redução da pena-base em patamar inferior ao mínimo legal, deve ser interpretado para as hipóteses em que a pena-base tenha sido fixada em quantum superior ao mínimo cominado no tipo penal. 9. É pacífica a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal no sentido da impossibilidade de redução da pena aquém do mínimo legal quando houver a presença de alguma circunstância atenuante. 10. Ordem denegada. (STF, HC 92926/RS, 2ª Turma, Rel. Ministra Ellen Gracie, DJe 13-6-2008)

RECURSO ESPECIAL. FURTO QUALIFICADO PELO CONCURSO DE AGENTES. APLICAÇÃO ANALÓGICA DA MAJORANTE DO ROUBO, PREVISTA NO ART. 157, § 2º, II, DO CÓDIGO PENAL. IMPOSSIBILIDADE.

1. Não deve ser aplicada, analogicamente, a majorante do crime de roubo prevista no art. 157, § 2º, inciso II, do Código Penal, ao furto qualificado pelo concurso de pessoas, já que inexiste lacuna na lei ou ofensa aos princípios da isonomia e da proporcionalidade. PENA FIXADA AQUÉM DO MÍNIMO LEGAL. ATENUANTE. SÚMULA 231 DO STJ. PROVIMENTO. 1. A pena-base fixada no mínimo legal não pode ser reduzida pela presença de atenuante, nos termos da Súmula 231 deste Sodalício. 2. Recurso especial provido para, reformando o aresto objurgado, restabelecer a sentença condenatória proferida pelo Juízo de Primeiro Grau." (STJ, Resp 1052564, 5ª Turma, Rel. Ministro Jorge Mussi, DJe 06-10-2008)

HABEAS CORPUS. RECEPTAÇÃO. CONFISSÃO ESPONTÂNEA E MENORIDADE. PENA FIXADA NO MÍNIMO LEGAL. SÚMULA 231. CONSTRANGIMENTO NÃO CARACTERIZADO. ORDEM DENEGADA. 1. A atenuante da confissão espontânea é obrigatória, mas não pode reduzir a pena aquém do mínimo legal. Súmula nº 231. 2. O reconhecimento da receptação privilegiada é matéria que demanda exame de prova, inviável nos limites do habeas corpus. 3. Ordem denegada. (STJ, HC 124.509/SP, Rel. Des. Convocado Celso Limongi, 6ª Turma, DJe 21-9-2009)

O posicionamento desta Corte não tem sido diferente:

PENAL. ESTELIONATO. ART. 171, § 3º, NA FORMA DO ART. 71, TODOS DO CÓDIGO PENAL. SAQUE INDEVIDO DO SEGURO-DESEMPREGO. RELAÇÃO EMPREGATÍCIA FICTÍCIA. INTERROGATÓRIO. AUSÊNCIA DE ENTREVISTA PRÉVIA COM DEFENSOR. NULIDADE DO PROCESSO. INOCORRÊNCIA. MAJORANTE. AUSÊNCIA DE DESCRIÇÃO NA DENÚNCIA. NULIDADE DA SENTENÇA. INVIABILIDADE. APLICAÇÃO DO ART. 168-A, § 3º, II, DO ANALOGIA. AUSÊNCIA DE CARACTERIZAÇÃO. MATERIALIDADE, AUTORIA E DOLO DEMONSTRADOS. PROVA INDICIÁRIA. VALIDADE. CONFISSÃO ESPONTÂNEA. PENA ABAIXO DO MÍNIMO LEGAL. VEDAÇÃO. MAJORANTE. AFASTAMENTO. INVIABILIDADE. CRIMES CONSUMADOS E TENTADOS. RECONHECIMENTO DE CONTINUIDADE DELITIVA. AFASTAMENTO DA REDUÇÃO PELA TENTATIVA. IMPOSSIBILIDADE. 1. a 6. Omissis. 7. O reconhecimento de circunstância atenuante não pode conduzir a pena abaixo do mínimo legal (Súmula 231 do STJ). 8. e 9. Omissis. (ACR 2004.70.03.001295-4, 7ª Turma, Rel. Des. Federal Tadaaqui Hirose, D.E. 03-6-2009)

Nestes termos, mantenho a reprimenda, pelo peculato, provisória em 2 (dois) anos de reclusão.

Na terceira fase, foi corretamente reconhecida a majorante prevista no artigo 71 do CP.

A sentença dosou-a em 2/3, considerando 1082 ações. A defesa insurge-se, alegando que foi considerado o total das movimentações e não os efetivos desvios/apropriações, que somente justificariam o aumento mínimo de 1/6.

Com razão no fundamento, porém não na conclusão.

De fato, o número de 1082 corresponde a todas as entradas e saídas das contas dos clientes, e não às apropriações efetivadas.

Não obstante, registro que o acusado movimentou mais de quinhentas contas para chegar ao montante apropriado de R$ 21.454,14, consoante consta do relatório conclusivo do processo administrativo.

Para esclarecer a questão, veja-se excerto do referido relatório (fl. 27, IPL, apenso):

"7.5 Na Planilha Transações de Vídeo - LTEA 0389, às fls. 187 a 227, é possível identificar a movimentação de 511 contas, com um montante de R$ 77.917,80, em 1082 operações de débito e crédito.

7.5.1 O montante de R$ 77.917,80 é composto de vários débitos e créditos efetuados em contas de operações 012 e 013. O resultado deste valor é devido à passagem do saldo por diversas contas de vários titulares até chegar nas contas de movimentação do empregado arrolado.

7.5.2 Cada movimentação foi considerada como uma entrada e uma saída de recursos, por isso que o montante final chega ao valor de R$ 77.917,80. Este valor não corresponde ao montante devido pelo empregado, mas sim à toda a movimentação de débito e crédito feita pelo mesmo, utilizando-se de várias contas de terceiros, onde acumulava os saldos, até serem finalmente transferidas para as contas do empregado, número 0389.001.11113-3, gerando um prejuízo de R$ 21.454,14".

Assim, considerando que o valor total foi retirado de diversas contas de clientes e que cada uma destas retiradas indevidas representa uma repetição do crime, entendo que o percentual de aumento pela continuidade delitiva poderia ser até maior. Contudo, ausente recurso ministerial, mantenho consoante fixado em primeiro grau, ou seja, em metade, tornando a pena pelo peculato definitiva em 3 (três) anos de reclusão.

Por oportuno, destaco que o réu não fez jus à minorante inscrita no artigo 16 do CP, porquanto o ressarcimento do dano patrimonial foi apenas parcial. Além disso, não foi voluntário, tendo decorrido de bloqueio da sua conta pessoal pela CEF.

Quanto à multa, entendo que, na sua fixação, devem ser observadas todas as circunstâncias que influíram na dosagem da sanção carcerária - judiciais, legais, majorantes e minorantes. Todavia, verificando que a adoção deste critério viria em desfavor do réu, sem que exista recurso ministerial, mantenho consoante estabelecido em primeiro grau, ou seja, em 15 (quinze) dias-multa, pelo peculato, e em 13 (treze) dias-multa, pelo estelionato.

Tendo em conta a situação financeira do acusado relatada nestes autos (fl. 64, IPL, apenso, e fl. 33, autos principais - 3º grau; renda de R$ 1.800,00; um filho; esposa professora estadual; imóvel próprio avaliado em R$ 55.000,00; automóvel Blazer/96), mantenho o valor unitário em 1/5 (um quinto) do salário mínimo vigente ao tempo de cada fato (estelionato - maio/2003; peculato -julho/2004).

Reconhecido o concurso material de crimes, devem ser somadas as penas, que totalizam 4 (quatro) anos e 4 (quatro) meses de reclusão, em regime semi-aberto, conforme artigo 33, § 2º, b, do CP, e multa de 28 (vinte e oito) unidades diárias, no valor de 1/5 (um quinto) do salário mínimo.

Não há falar em substituição da sanção carcerária, por ausência do requisito objetivo (artigo 44, I, CP).

Ante o exposto, voto no sentido de negar provimento à apelação.

Desembargador Federal VICTOR LUIZ DOS SANTOS LAUS
Relator

VOTO REVISÃO

Concessa maxima venia, em que pese acompanhar o eminente Relator no pertinente à análise meritória da causa, divirjo quanto ao reconhecimento do concurso material dos crimes pelos quais condenado Carlos Sérgio Annes (peculato-desvio e estelionato, ambos em detrimento de entidade de direito público).

A condenação do réu deve ser na medida certa de sua culpabilidade e imposta de forma necessária e suficiente à reprovação da infração penal perpetrada, servindo como exemplo negativo para a comunidade e, dessa forma, contribuindo com o fortalecimento da consciência jurídica à medida que procura satisfazer o sentimento de justiça do mundo circundante. Eis o mais relevante papel da atividade jurisdicional: dar ao caso concreto o justo julgamento. A jurisprudência não pode, e nem deve, apresentar papel meramente inerte e amorfo de aplicação automática da lei, de operação mecânica de submissão do fato à norma. Realmente, o juiz criminal, ao individualizar as penas na sentença, deve fazê-lo (...) imbuído, sempre, desse sentido de humanidade. Sem ele as penas voltarão a ser o "mal" contra o crime, como propunham os clássicos, desprovidas de finalidades construtivas ou integradoras. (BOSCHI, José Antônio Paganella. Das Penas e seus Critérios de Aplicação. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2000. p. 39).

A finalidade última da reprimenda criminal não é a de eternizar, e muito menos infernizar, a situação do apenado. Para reintegrá-lo ao meio social, torna-se fundamental dinamizar o tratamento prisional, estimulando-o e preparando-o para o retorno, o que não se dá mediante a imposição de penas mais severas. O rigor punitivo não pode, de forma alguma, traduzir um conceito de lógica científica, mas, sim, um puro critério de política criminal, evitando-se uma inadequada cumulação de penas contra o agente. A partir desta perspectiva é que, penso, deve se dar aplicação concreta aos princípios informadores do Direito Penal, para o qual a Constituição não serve apenas de fundamento, mas também de limite. E, entre tantos princípios fundamentadores ou limitadores, existe um de transcendental importância: o da proporcionalidade (ou da razoabilidade, ou, ainda, como denominado pelos alemães, da proibição de excesso), que exige a infligência de uma pena proporcional ao delito. Tem ele, sobretudo, a finalidade de evitar limitações excessivas aos direitos individuais, criminalização baseada em lesões bagatelares ou de condutas sem a existência de lesão aos bens jurídicos, penas que desrespeitam a integridade física e moral et cetera.

O princípio da razoabilidade configura uma especial garantia aos cidadãos, prescrevendo um contrabalanceamento entre a tutela penal e as restrições à liberdade individual. Apesar de não previsto expressamente na Carta Magna, dela deriva do artigo 1º, III, como forma de garantir a dignidade da pessoa humana, e também do objetivo da República de buscar a construção de uma sociedade justa (artigo 2º, I). É mediante a sua aplicação que se obtém êxito na tarefa de ajustarem-se as funções retributiva e preventiva da resposta penal. Efetivamente, é com fundamento neste princípio que se obterá o equilíbrio das medidas que invadem a liberdade individual, ou seja, uma intervenção ponderada, um balanceamento entre o desvalor da ação praticada e a sanção infligida ao agente.

Em suma: o princípio da proibição de excesso é elemento imprescindível à própria concepção de justiça, no sentido de que a reação (pena), para ser legítima, há de ser proporcional à ação ofensiva. A justiça de uma pena é cabalmente, acredito, sua qualidade de ser proporcional, e não outra coisa: proporcional em abstrato e concretamente (MONTEIRO, Dourado apud CORREA, Teresa Agudo. El Principio de Proporcionalidad en Derecho Penal. Madri: Edersa, 1999, p. 282).

O apenamento deve ser tido como um meio razoável para um fim legítimo, de forma que não se fixem penas demasiadamente baixas ou altas no oferecimento da resposta estatal ao fato incriminado. Essa ideia de proporcionalidade da pena já era, inclusive, ideada por Cesare Beccaria em sua obra Dos Delitos e das Penas, de forma que um dos maiores freios dos delitos não é a crueldade das penas, mas, sim, a sua infalibilidade, ou seja, a certeza de um castigo, ainda que moderado.

Pois bem. Exatamente nesta perspectiva, penso, deve ser valorizado o instituto da continuidade delitiva, porquanto direcionado a obstar o excessivo rigor punitivo estatal. Por medida de política criminal, através desta fictio juris, presume-se a existência de crime único no momento da aplicação da sanção penal.

Tal benesse alcança o cometimento de delitos da mesma espécie, os quais, segundo lição de Manoel Pedro Pimentel, não devem ser entendidos como "crimes idênticos", mas sim por "crimes que se assemelhem pelos seus elementos objetivos e subjetivos (in Do Crime Continuado. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1969. p. 145). Nessa exata linha de conta, Julio Fabbrini Mirabete vaticina que não há critérios rígidos para a apuração da continuidade delitiva e nenhuma das circunstâncias é decisiva nessa apreciação, quer para reconhecer, quer para excluir a continuação (MIRABETE, Júlio Fabbrini. Manual de Direito Penal - Parte Geral. 14. ed. São Paulo: Atlas, 1998. v. 1. p. 312).

Assim é que a continuidade delitiva (Art. 71, CP), ficção jurídica gerada para atenuar os rigores da temporalidade da sanção penal objetivando a quimera da ressocialização, tal como assegurado pelo ordenamento jurídico vigente, tem que seus requisitos não podem ser medidos por uma régua mental, como se o Direito fosse uma simples conta de matemática normatizada. Daí, em circunstâncias especiais pela natureza do delito e sua forma de execução, poder ser tomado como continuados, ainda que o lapso temporal seja de quatro meses (TJRS, 5ª Câmara Criminal, ACr nº 70015648173, Rel. Des. Aramis Nassif, DJE 09.04.2007).

Ora, partindo-se de uma análise contextualizada dos autos, infere-se que o cometimento do delito do artigo 312 do CP (indevidas transferências de valores de contas transitórias relativas a financiamento habitacional), juntamente com a prática do crime do artigo 171, § 3º, do Estatuto Repressivo (pactuação de mútuo para aquisição de materiais de construção mediante ardil), ainda que não se constituam em infrações penais da mesma espécie, podem ser tidas como cometidas em continuidade delitiva. Tenho que, no caso, as circunstâncias e a semelhança do modo de execução de ambos os crimes revelam a existência de um traço de continuidade, pois, tanto para a consumação do primeiro delito como para a perpetração do segundo, a qualidade de servidor da empresa pública Caixa Econômica Federal foi condição sine qua non. Veja-se excerto esclarecedor da sentença, in verbis:

Assim, não há outra conclusão possível senão a de que o réu agiu ardilosamente, ou seja, de forma dissimulada quando informou a renda de sua esposa em um valor inferior ao efetivamente percebido, de modo que a composição da renda familiar ficasse dentro dos parâmetros exigidos para a concessão do mútuo habitacional.

De igual modo, a informação falseada foi suficiente para induzir em erro os funcionários responsáveis pela análise do mútuo para a aquisição de materiais de construção, principalmente em virtude da confiança que os referidos funcionários, então colegas de trabalho do denunciado, nutriam a seu respeito.

Aliás, as testemunhas mencionaram que o réu era uma pessoa de confiança da instituição. Não fosse assim, sequer ele teria acesso aos valores existentes em contas transitórias de financiamento habitacional e em contas dos clientes, dispondo de senha própria para efetuar movimentações de crédito e débito em contas de titularidade de terceiros, situação essa que, inclusive, propiciou-lhe a realização das transferências indevidas acima apontadas. (fl. 230v)

Logo, embora o cometimento do delito de estelionato atinja a Administração tão somente em relação ao patrimônio da entidade de direito público, ao passo que, no peculato, a conduta ofende a normalidade funcional da Administração Pública (probidade, moralidade, eficácia e incolumidade), há que ser reconhecida a semelhança das condições de tempo, lugar, maneira de execução entre os ilícitos perpetrados.

Em vista disso, à reprimenda estabelecida ao primeiro delito (312, caput, do CP), aplica-se o sistema da exasperação em face do segundo crime (171, § 3, do CP) componente da cadeia delitiva, acrescendo-a em 1/6 (um sexto). Assim, a sanção penal alcança o patamar de 02 (dois) anos e 04 (quatro) meses de reclusão, em regime aberto. Em simetria à pena privativa de liberdade aplicada, a multa resta diminuída para 30 (trinta) dias-multa, mantida a razão unitária de 1/5 (um quinto) do salário-mínimo vigente na data do fato, corrigido até o efetivo pagamento.

Com a redução da pena, encontram-se preenchidos os requisitos do artigo 44 do Código Penal, sendo, pois, cabível a substituição da pena de reclusão cominada ao ora acusado. Em relação às sanções substitutivas, consigno que a prestação de serviços à comunidade é a forma de cumprimento da pena mais humana e sem a retirada do condenado do convívio social e familiar, evitando-se o encarceramento. Além disso, é possível a flexibilidade na prestação dos serviços, podendo ser fixado um cronograma de trabalho variável, tudo para não prejudicar a jornada de labor do condenado (NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. 3. ed. São Paulo: RT, 2003. p. 230), propiciando, inclusive, a possibilidade de antecipação de seu cumprimento (art. 46, § 4º, do CP).

Assim, estabeleço para Carlos o cumprimento de serviço comunitário à proporção de 01 (uma) hora por dia, durante todo o período da pena substituída, em instituição assistencial a ser definida pelo juízo da execução.

Por sua vez, a prestação pecuniária atinge plenamente o fim a que se destina, auxiliando na reparação do dano e prevenindo a reincidência.

Comentando o §1º do art. 45 do CP, assim se manifesta Celso Delmanto:

(...) A prestação pecuniária tem natureza penal e seu valor será fixado pelo juiz entre 1 (um) e 360 (trezentos e sessenta) salários mínimos; em caso de condenação em ação de reparação civil, o valor pago como prestação pecuniária será deduzido desde que coincidentes os beneficiários. Quanto ao critério de fixação do seu valor, há duas posições: a. deve ser suficiente para a prevenção e reprovação do delito, levando-se em consideração a situação econômica do condenado e a extensão dos danos sofridos pela vítima (Luiz Flávio Gomes, Penas e Medidas Alternativas à Prisão, ed. RT, 1999, p. 132); b. deve ser considerado o valor do prejuízo da vítima, em face da natureza reparatória da prestação pecuniária (Damásio E. de Jesus, ob., p. 139). Entendemos mais acertada a primeira posição (a). Na hipótese do beneficiário ser entidade pública ou privada com destinação social, a prestação pecuniária não terá natureza reparatória. De outro lado, por expressa ressalva da última parte do § 1º deste art. 45, a vítima ou seus dependentes poderão sempre valer-se da ação de reparação civil, o que evidencia não poder ser o valor do prejuízo o único critério para a fixação da prestação pecuniária. Embora a lei não preveja, nada impede que o juiz fixe a forma de pagamento em parcelas (in Código Penal Comentado. 5. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2000. p. 86-87).

Portanto, na fixação da prestação pecuniária por este juízo, tem-se observado o limite previsto no art. 45, § 1º, do CP (até 360 salários mínimos), bem como as condições financeiras do réu (orientação contida no art. 60 do CP).

Desta feita, estipulo, a título de prestação pecuniária, o valor de 04 (quatro) salários mínimos, destinado a instituição assistencial a ser definida pelo juiz da execução.

Ante o exposto, voto por dar parcial provimento à apelação para reduzir as reprimendas infligidas ao réu e, via de consequência, determinar a substituição da pena reclusiva por sanções restritivas de direitos.

Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
Revisor

EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 02/06/2010

APELAÇÃO CRIMINAL Nº 2005.70.06.000242-6/PR

ORIGEM: PR 200570060002426

RELATOR: Des. Federal VICTOR LUIZ DOS SANTOS LAUS

PRESIDENTE: Luiz Fernando Wowk Penteado

PROCURADOR: Dr. Fábio Bento Alves

REVISOR: Des. Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ

APELANTE: CARLOS SERGIO ANNES

ADVOGADO: Miguel Nicolau Junior e outros

APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 02/06/2010, na seqüência 49, disponibilizada no DE de 21/05/2010, da qual foi intimado(a) o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e a DEFENSORIA PÚBLICA. Certifico, também, que os autos foram encaminhados ao revisor em 29/04/2010.

Certifico que o(a) 8ª TURMA, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

A TURMA, POR MAIORIA, VENCIDO O RELATOR, DECIDIU DAR PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO, NOS TERMOS DO VOTO DO DESEMBARGADOR FEDERAL PAULO AFONSO BRUM VAZ, QUE LAVRARÁ O ACÓRDÃO.

RELATOR ACÓRDÃO: Des. Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ

VOTANTE(S): Des. Federal VICTOR LUIZ DOS SANTOS LAUS
Des. Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
Des. Federal LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO

Lisélia Perrot Czarnobay
Diretora de Secretaria

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Documento eletrônico assinado digitalmente por Lisélia Perrot Czarnobay, Diretora de Secretaria, conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, e a Resolução nº 61/2007, publicada no Diário Eletrônico da 4a Região nº 295 de 24/12/2007. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://www.trf4.gov.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 3507831v1 e, se solicitado, do código CRC E13FABB6.

Informações adicionais da assinatura:

Signatário (a): LISELIA PERROT CZARNOBAY:10720

Nº de Série do Certificado: 44365C89

Data e Hora: 02/06/2010 18:35:51

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JURID - Penal. Peculato-desvio (art. 312 doCP). Estelionato. [14/06/10] - Jurisprudência

 



 

 

 

 

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