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terça-feira, 15 de junho de 2010

JURID - Penal. Art. 304. Uso de passaporte com informações falsas [15/06/10] - Jurisprudência


Penal. Art. 304, CP. Uso de passaporte com informações falsas. Iniciativa de apresentação do documento falso.
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Tribunal Regional Federal - TRF2ªR

APELACAO CRIMINAL 2007.50.01.010207-5

RELATOR: ANDRÉ FONTES

APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL

APELADO: CARLOS ALBERTO CALEGARI

ADVOGADO: JOSE MARIO VIEIRA E OUTRO

ORIGEM: 1ª VARA FEDERAL CRIMINAL DE VITÓRIA/ES (200750010102075)

EMENTA

PENAL - ART. 304, CP - USO DE PASSAPORTE COM INFORMAÇÕES FALSAS - INICIATIVA DE APRESENTAÇÃO DO DOCUMENTO FALSO À AUTORIDADE CONSULAR NÃO CONFIGURADA - FALTA DE MATERIAL PROBATÓRIO - ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA - APELAÇÃO MINISTERIAL NÃO PROVIDA.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos, em que figuram as partes acima indicadas, decide a Segunda Turma Especializada deste Tribunal Regional Federal, por maioria, negar provimento ao recurso de apelação criminal, nos termos do Desembargador Federal Messod Azulay Neto. Vencido o Relator.

Rio de Janeiro, 20 de abril de 2010.

Des. Fed. MESSOD AZULAY NETO
Redator do Acórdão

RELATÓRIO

Em 03 de setembro de 2008, foi oferecida denúncia contra CARLOS ALBERTO CALEGARI, na qual lhe foram imputadas as condutas tipificadas nos arts. 297 e 304, ambos do Código Penal, com base nos seguintes fatos:

"(...)

Ressai do caderno informativo que no ano de 2006 a polícia de imigração americana apreendeu em mãos de CARLOS ALBERTO CALEGARI o seu passaporte de nº CK 708039, porque continha indícios de adulteração, que foi confirmada pelo LAUDO DE EXAME DOCUMENTOSCÓPICO de fls. 9-12. Verificaram os peritos que o passaporte questionado possui vestígios de adulteração, uma vez que 'a folha correspondente às páginas 31 e 32 não é original, ou seja, a original foi retirada e substituída por outra, a qual apresenta marca d'água e fibras incolores luminescentes, porém a perfuração é de má qualidade e o brasão está deslocado de sua posição correta' (fl. 11).

Restou evidenciada ainda a adulteração na medida em que o denunciado tentou usar o documento por duas vezes na tentativa de obtenção de visto para os Estados Unidos, o qual foi negado em 29/06/2000 e em 30/06/2000, consoante informação do Consulado Geral do (sic) Estados Unidos, no Rio de Janeiro (fl. 28).

Ressalte-se, contudo, que o documento somente foi apreendido por suspeita de adulteração no ano de 2006.

A genitora do acusado informou, em novembro de 2007, que ele se encontra nos Estados Unidos da América, há cerca de 7 (sete) anos, tudo levando a crer que mesmo com a negativa do visto, o denunciado conseguiu ingressar nos Estados Unidos no ano de 2000.
Não tendo sido encontrado não foi possível ouvir o denunciado na fase do Inquérito, sendo indiciado de forma indireta (fls. 57-58).

Igualmente, não se sabendo quem foi o autor da adulteração, amolda-se a figura típica àquela descrita no art. 304, na modalidade do art. 297 do Código Penal, uso de documento público adulterado.

(...)"

Inquérito policial apenso, relatado à fl. 62.

Denúncia recebida em 17.10.2008, conforme decisão de fl. 10.

Folha de Antecedentes Criminais à fl. 11.

Edital de citação à fl. 18.

À fl. 22, decisão proferida pelo Dr. Pablo Coelho Charles Gomes, juiz substituto, na qual foi determinada a suspensão do processo, bem como do curso da prescrição, diante da inércia do réu em apresentar resposta por escrito à acusação, embora regularmente citado por edital.

A defesa apresentou resposta à acusação às fls. 23-24.

O MM. Juiz Titular da 1ª Vara Federal Criminal da Seção Judiciária do Espírito Santo, Dr. Marcus Vinícius Figueiredo de Oliveira Costa, em sentença de fl. 28, houve por bem absolver sumariamente o réu CARLOS ALBERTO CALEGARI, com fundamento no art. 386, V, do Código de Processo Penal, sob a alegação de que "embora tenha sido constatada adulteração no passaporte (fls. 09/11 do IP), inexiste qualquer elemento que comprove ter sido o acusado, de próprio punho, quem tenha apresentado o documento falso à autoridade consular."

O Ministério Público interpôs apelação às fls. 30-35, em cujas razões requer a reforma da sentença, a fim de que o réu seja condenado às penas do art. 304 do Código Penal. Para tanto, sustenta que: (i) os documentos provenientes do Consulado Americano, que atestam que as 3 (três) solicitações de visto formuladas pelo acusado, mediante o uso de 2 (dois) passaportes diferentes, foram recusadas, denotam de modo satisfatório e consciente a existência de indícios suficientes de autoria do crime; (ii) "o teor do telegrama recebido do Consulado-Geral do Brasil em Boston revela que os indícios de adulteração foram evidenciados na oportunidade em que o Réu compareceu ao órgão competente a fim de requerer novo passaporte comum - PACOM, ocasião em que apresentou o passaporte nº CK 708039, expedido em 16/05/2000."; (iii) "É inexorável o fato de, ao apresentar o documento falso no Consulado do Brasil nos Estados Unidos da América, o ilícito se consumou tão logo o Acusado entrou no território americano. Indubitavelmente, CARLOS ALBERTO CALEGARI utilizou-se de passaporte falsificado ao entrar nos EUA, o que configura a prática do ilícito em questão."; (iv) o tipo penal previsto no art. 304 do Código Penal configura-se quando a exibição do documento é feita ao agente competente que exige a sua apresentação, por estar no exercício da sua função fiscalizadora, consoante entendimento jurisprudencial majoritário.

O réu apresentou contrarrazões às fls. 38-41.

Às fls. 46-56, o Procurador Regional da República, Dr. Paulo Fernando Corrêa, opinou pelo desprovimento do apelo ministerial, "(...) a fim de que seja mantida in totum a sentença monocrática hostilizada, sem prejuízo de que, esclarecida a materialidade e autoria do delito no tocante à apresentação de documento falso perante o Consulado Norte-Americano no Rio de Janeiro, seja oferecida nova denúncia perante a autoridade judicial competente, (...)".

É o relatório.

À revisão, nos termos regimentais.

Em 18-12-2009

ANDRÉ FONTES
Relator

Desembargador do TRF - 2ª Região

VOTO VENCEDOR

Ousei divergir do eminente Relator no que concerne a autoria e materialidade do delito previsto no artigo 304 do CP.

No caso sub iudice, não merece prosperar o pleito. O apelante requereu a reforma da sentença absolutória de fl. 28, a fim de condenar o apelado pela prática do crime tipificado no artigo 304 do CP, por ser a fundamentação contida na sentença absolutória totalmente contrária ao conjunto probatório contido nos autos.

Compulsando os autos, não vislumbro a vinculação da apresentação do passaporte adulterado com a ação do apelado, ou seja, consta nos autos apenas as informações prestadas pela polícia de imigração americana. Assim, carece a ação penal de robustez necessária para a expedição do decreto condenatório.

As informações prestadas pelo Consulado Geral dos Estados Unidos da América no Brasil demonstram que o acusado teve por três vezes negado o pedido de visto na qualidade de turista. Logo, revela-se completamente temerária a afirmação do Ministério Público Federal de que o autor da adulteração do passaporte apreendido em solo americano tenha sido o próprio réu.

A associação entre o fato de ter sido negado o pedido de visto de turismo do réu por três vezes e o fato de ter aparecido o referido passaporte seis anos após os pedidos, é demasiadamente equivocada.

Por outro giro, o que se vislumbra da leitura dos autos é que a polícia de imigração americana encontrou o passaporte adulterado e o remeteu ao Brasil para averiguação, mas em nenhum momento ficou demonstrado no inquérito policial a apresentação do documento pelo réu.

Meu VOTO é por NEGAR PROVIMENTO ao recurso de apelação do Ministério Publico Federal, ratificando os termos e fundamentos da sentença absolutória.

Des. Fed. Messod Azulay Neto

Redator do Acórdão

VOTO

I - Aquele que pratica crime contra a fé pública da União, ainda que fora do território nacional, está sujeito à lei penal pátria, por força do disposto no art. 7º, I, "b", do Código Penal.

II - Para a caracterização do crime tipificado no art. 304 do CPB, é irrelevante que o agente use o documento por espontânea vontade ou por exigência de autoridade pública.

Insurge-se o Ministério Público contra a sentença de fl. 28, que absolveu o réu em relação à conduta tipificada nos art. 304 do Código Penal, ao fundamento de que não ficou comprovada a autoria do delito.

Merece reforma a sentença.

Inicialmente, cumpre salientar que, a despeito do bem lançado parecer de fls. 46-56, o caso dos autos impõe a aplicação da lei penal brasileira, tendo em vista que o crime, embora cometido no estrangeiro, foi praticado contra a fé pública da União, o que atrai a incidência do disposto no art. 7º, I, "b", do Código Penal, que assim estabelece:

"Art. 7º - Ficam sujeitos à lei brasileira, embora cometidos no estrangeiro:

I - os crimes:

a) contra a vida ou a liberdade do Presidente da República;

b) contra o patrimônio ou a fé pública da União, do Distrito Federal, de Estado, de Território, de Município, de empresa pública, sociedade de economia mista, autarquia ou fundação instituída pelo Poder Público;

(...)"

Outro ponto merece ser esclarecido: Não se pode olvidar que assiste razão ao Ministério Público, na condição de custos legis, quando afirma que "ao contrário da suposição feita pelo órgão acusador - qual seja, de que o Apelado utilizou-se do documento adulterado para ingressar nos Estados Unidos - a hipótese de ingresso clandestino afigura-se como a mais provável in casu, tendo em vista o teor da informação prestada pelo Consulado Norte-Americano no Rio de Janeiro, já acima aludida, ocasião em que foi cientificado às autoridades policiais a existência de três solicitações de visto de turismo formuladas por CARLOS ALBERTO CALEGARI, todas negadas pelo referido Consulado (18/11/1996, 29/06/2000 e 30/06/2000)."

Entretanto, o fato que ora se discute é a utilização do documento adulterado (passaporte nº 708039, emitido em 16.05.2000) perante o Consulado do Brasil em Boston, na ocasião em que o réu solicitou a expedição de novo documento de viagem. Se o primeiro ato de utilização do documento falso se deu no momento do ingresso do acusado em território americano ou não, em nada interfere na apuração de sua responsabilidade pelo uso perante a autoridade consular brasileira nos Estados Unidos, fato que ora se busca elucidar e punível pela lei penal brasileira, como dito alhures.

Ademais, pela simples leitura da peça inaugural, bem como do recurso de apelação, infere-se que a presunção ali contida, no sentido de que o passaporte adulterado teria sido usado pelo réu para adentrar o território americano, foi levantada apenas com o fim de reforçar a ideia de que o réu efetivamente usou o documento adulterado.

Os documentos de fls. 15-16, que noticiam a apreensão do passaporte emitido pelo Consulado Brasileiro em Boston, são suficientes, por si só, a comprovar a autoria do delito previsto no art. 304 do Código Penal, na medida em que o documento de viagem foi apresentado como condição para o requerimento de um novo passaporte. Esse pois, reitere-se, o crime que ora se apura.

Assim, diversamente do que entende o "Parquet" - na condição de custos legis -, torna-se irrelevante saber se o ingresso do apelado nos Estados Unidos da América se deu por meio de burla à fiscalização migratória americana ou se tal acesso ocorreu de forma clandestina.

E nem se alegue que a utilização do documento falso por exigência de terceiro, in casu, a autoridade consular brasileira nos Estados Unidos, afastaria a tipicidade da conduta, pois a jurisprudência é pacífica no sentido de que é irrelevante, para fins de configuração do crime previsto no art. 307 do Código Penal, que o agente tenha feito uso do documento por espontânea vontade ou por exigência de autoridade pública. Confira-se, a propósito, os julgados do Superior Tribunal de Justiça abaixo transcritos, verbis:

"HABEAS CORPUS. USO DE DOCUMENTO FALSO (ART. 304 DO CPB). PLEITO DE ABSOLVIÇÃO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL INEXISTENTE. APRESENTAÇÃO POR EXIGÊNCIA DA AUTORIDADE POLICIAL. IRRELEVÂNCIA. PRECEDENTES. PARECER DO MPF PELA DENEGAÇÃO DA ORDEM. ORDEM DENEGADA.

1. Segundo a jurisprudência do Superior Tribunal da Justiça, é irrelevante para a caracterização do crime de uso de documento falso, que o agente use o documento por exigência da autoridade policial.

2. A versão apresentada pelo paciente, de que o documento foi encontrado durante revista pessoal restou isolada nos autos, segundo afirmou o acórdão a quo. À mingua de qualquer evidência nesse sentido, mostra-se inviável a tentativa de comprovar a tese em HC, que, dado o seu rito célere e cognição sumária, exige prova pré-constituída do direito alegado.

3. Parecer do MPF pela denegação da ordem.

4. Ordem denegada."

(HC nº 144733 - SP, Relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, 5ª Turma, DJe 22.02.2010)

"PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. ART. 304 DO CÓDIGO PENAL. CARTEIRA NACIONAL DE HABILITAÇÃO FALSA. TIPICIDADE DA CONDUTA.

I - Uso de documento falso (C.Pen., art. 304): não o descaracterizam nem o fato de a exibição de cédula de identidade e de carteira de habilitação terem sido exibidas ao policial por exigência deste e não por iniciativa do agente - pois essa e a forma normal de utilização de tais documentos -, nem a de, com a exibição, pretender-se inculcar falsa identidade, dado o art. 307 C. Pen. e um tipo subsidiário. (HC 70.179/SP, Primeira Turma, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJU de 24/06/1994)

II - Não se caracteriza hipótese de crime impossível, se o policial conhece o verdadeiro nome do identificando e com isso torna mais fácil a pronta constatação da falsidade na identificação. (HC 70.422/RJ, Primeira Turma, Rel. Min. Sydney Sanches, DJU de 24/06/94)

Recurso desprovido."

(RHC nº 22663-RJ, Rel. Min. Félix Fischer, DJU 02.06.08)

"PENAL E PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. SENTENÇA CONDENATÓRIA. EXECUÇÃO PROVISÓRIA DA PENA. POSSIBILIDADE. SÚMULA 267/STJ. CONSTRANGIMENTO ILEGAL INEXISTENTE. CRIME DE USO DE DOCUMENTO FALSO. APRESENTAÇÃO POR EXIGÊNCIA DE AUTORIDADE POLICIAL. IRRELEVÂNCIA. CRIME IMPOSSÍVEL. NÃO-OCORRÊNCIA. ARREPENDIMENTO POSTERIOR. CRIME PATRIMONIAL OU COM EFEITO PATRIMONIAL. AUSÊNCIA DE INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA. NÃO-OCORRÊNCIA. REVALORAÇÃO DE CADA UMA DAS CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS. EXAME DO CONTEXTO FÁTICO-PROBATÓRIO INCABÍVEL NA VIA ELEITA. AFASTAMENTO DE CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAS DESFAVORÁVEIS. RECURSO EXCLUSIVO DA DEFESA. MANUTENÇÃO DA PENA-BASE. REFORMATIO IN PEJUS. ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA.

(...).

3.Para a caracterização do crime de uso de documento falso, é irrelevante que o agente o use por espontânea vontade ou por exigência de autoridade policial.

4.O crime impossível somente se caracteriza quando o agente, após a prática do fato, jamais poderia consumar o crime pela ineficácia absoluta do meio empregado ou pela absoluta impropriedade do objeto material, nos termos do art. 17 do Código Penal.

5.No caso, o delito de uso de documento falso restou consumado com a apresentação do documento ao policial, não restando caracterizada a hipótese de crime impossível.

(...).

10.Ordem parcialmente concedida para que o Tribunal de origem, relativamente ao delito de estelionato, proceda, como entender de direito, ao recálculo da pena-base fixada, levando em consideração as circunstâncias judiciais desfavoráveis por ele retiradas."

(HC nº 47.922-PR, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, DJU 10.12.07).

Por fim, o fato de o passaporte adulterado não ter sido acostado aos autos em nada impede o prosseguimento da persecução penal, uma vez que, para efeito de configuração do crime de uso de documento no caso dos autos, em que folhas do passaporte foram arrancadas e substituídas por outras, é prescindível a análise do conteúdo daquela folha adulterada. Até porque, repita-se, a verificação quanto à existência de eventual visto ou carimbo oficial registrando a entrada de CARLOS ALBERTO em território norte-americano, para o fim de se aferir se o ingresso deu-se por meio de burla à fiscalização migratória ou de forma clandestina, é despicienda, já que, reitere-se, o que se apura aqui é o uso de documento público falso perante a autoridade consular brasileira em Boston e não possível falsificação de visto, que, à luz do ordenamento jurídico brasileiro, constituiria conduta atípica.

Do exposto, dou provimento ao recurso, para reformar a sentença absolutória, determinando-se, por conseguinte, o regular prosseguimento do feito.

É o voto.

Em 00-04-2010.

ANDRÉ FONTES
Relator
Desembargador do TRF 2ª Região





JURID - Penal. Art. 304. Uso de passaporte com informações falsas [15/06/10] - Jurisprudência

 



 

 

 

 

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