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sexta-feira, 4 de junho de 2010

JURID - HC. Processual penal. Evasão de divisas por meio das contas. [04/06/10] - Jurisprudência


HC. Processual penal. Evasão de divisas por meio das contas cc-5. Artigo 22, parágrafo único, da lei nº 7.492/86.

Tribunal Regional Federal - TRF2ªR

HABEAS CORPUS - 2010.02.01.000703-0

RELATOR: JUIZ FEDERAL CONVOCADO ALUISIO GONÇALVES DE CASTRO MENDES

IMPETRANTE: MARCIO DELAMBERT

IMPETRADO: JUÍZO DA 1ª VARA FEDERAL CRIMINAL DE VITÓRIA/ES

PACIENTE: ANTONIO DA SILVA ALVES

ADVOGADO: MARCIO DELAMBERT MIRANDA FERREIRA

ORIGEM: 1ª VARA FEDERAL CRIMINAL DE VITÓRIA/ES (200650010068981)

EMENTA

HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. EVASÃO DE DIVISAS POR MEIO DAS CONTAS CC-5. ARTIGO 22, PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI Nº 7.492/86. CASO BANESTADO E BEACON HILL. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. INÉPCIA DA DENÚNCIA. AUSÊNCIA DE LASTRO PROBATÓRIO MÍNIMO. NÃO CONFIGURAÇÃO PELOS ELEMENTOS DOS AUTOS. ORDEM DENEGADA.

1. Como se infere pela simples leitura da inicial, o paciente foi denunciado porque teria, na qualidade de sócio-gerente da empresa, participado de movimentação ilegal de recursos financeiros, promovendo a evasão de divisas para o exterior e a entrada de valores não declarados ao Fisco no país, por meio da conta-corrente MIDLER, a qual era mantida junto ao banco JP MORGAN CHASE de Nova Iorque, nos Estados Unidos da América.

2. Embora a denúncia não descreva de maneira pormenorizada a conduta do paciente, por se tratar de crime cometido no âmbito de uma pessoa jurídica, permite a compreensão dos fatos a ele imputados pelo órgão de acusação, como de fato permitiu ante o teor da impetração, assegurando-lhe o exercício do contraditório e da ampla defesa. A denúncia descreve a conduta imputada ao paciente de forma a satisfazer os requisitos do artigo 41 do Código de Processo Penal, havendo indícios mínimos de autoria e materialidade delitiva a configurar a necessária justa causa para a deflagração da ação penal.

3. Busca o impetrante alcançar um pronunciamento precoce acerca de questões de mérito, que serão levadas em consideração na formação da culpa pelo juízo a quo no momento da prolação da sentença, após a regular instrução criminal.

4. Denegada a ordem de Habeas Corpus.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos, em que são partes as acima indicadas, decide a Primeira Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, por unanimidade, denegar a ordem, nos termos do voto do Relator.

Rio de Janeiro, 14 de abril de 2010 (data do julgamento).

ALUISIO GONÇALVES DE CASTRO MENDES
Juiz Federal Convocado - Relator

RELATÓRIO

Trata-se de Habeas Corpus impetrado por MÁRCIO DELAMBERT em favor de ANTONIO DA SILVA ALVES, em que se aponta como autoridade coatora o MM. Juízo da 1ª Vara Federal Criminal de Vitória/ES, objetivando, liminarmente, a suspensão do andamento da ação penal nº 2006.50.01.006898-1, e, no mérito, a concessão da ordem para determinar o trancamento da referida ação penal.

O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL ofereceu denúncia em face do acusado pela prática do crime previsto no artigo 22, parágrafo único, da Lei nº 7.492/86, nos autos da ação penal nº 2006.50.01.006898-1, como desdobramento das investigações do caso BANESTADO e BEACON HILL - Operação Farol da Colina, que se processou, originariamente, nos autos do Inquérito Policial nº 1026/2003, distribuído para a 2ª Vara Federal Criminal de Curitiba/PR, registrado sob o nº 2003.70.00.030333-4, em que se apurou a prática de crimes de evasão de divisas por meio das contas CC-5.

Aduz o impetrante que o paciente estaria sofrendo constrangimento ilegal por entender que a denúncia seria inepta em razão de: (i) não ter havido a indicação da conta titularizada no exterior pelo paciente em que manteria depósitos em dinheiro sem declará-los à repartição federal competente e (ii) não ter sido descrita de forma pormenorizada a sua conduta, tendo-lhe sido atribuída a responsabilidade penal pelos fatos tão-somente por figurar como sócio-gerente da pessoa jurídica indicada como beneficiária/ordenante das remessas de dinheiro do/para o exterior. Por fim, sustenta que não haveria justa causa para a deflagração da referida ação penal, ante a ausência de lastro probatório mínimo.

Foi proferida decisão indeferindo a liminar requerida (fls. 60/61).

O MM. Juízo da 1ª Vara Federal Criminal de Vitória/ES prestou as devidas informações na qualidade de autoridade coatora (fls. 68/69).

Parecer da Procuradoria Regional da República (fls.72/84), pugnando pela denegação da ordem por não vislumbrar a prática de qualquer ato ilegal.

É o relatório.

Em mesa para julgamento.

ALUISIO GONÇALVES DE CASTRO MENDES
Juiz Federal Convocado - Relator

VOTO

Narra a inicial acusatória, verbis:

"(...) Após exame e processamento dos dados apurados nos arquivos disponíveis, foi possível verificar diversas movimentações financeiras, em dólares, realizadas na conta corrente MIDLER CORP. S.A (fls. 14), dentre elas, a empresa CBI INDÚSTRIA E COMÉRCIO LTDA, que figurou como beneficiária e ordenante de inúmeras remessas de numerário do/para o exterior, durante período designado entre outubro e dezembro de 2002, conforme se infere nas cópias das ordens de pagamentos às fls. 04/08 e 96/106. Oportuno frisar que remessas somam um montante de R$ 826.510,30 (oitocentos e vinte e seis mil, quinhentos e dez reais e trinta centavos) - a título de pagamento - e R$ 380.130,22 (trezentos e oitenta mil, cento e trinta reais e vinte e dois centavos) - a título de recebimento.

Nesse diapasão, conclui-se que o Denunciado, na qualidade de sócio da sociedade denominada CBI Indústria e Comércio Ltda., localizada na Rodovia BR-101 Norte, Km 264, Galpão 02, Sala 01, Laranjeiras, Serra/Espírito Santo, voluntária e conscientemente, realizou transação cambiária pela movimentação da subconta MIDLER, mantida no JP Morgan Chase/NY e administrada pela empresa Beacon Hill com recursos estranhos à contabilidade e à margem da legislação vigente.

A materialidade revela-se clara nas cópias das ordens de pagamentos (fls. 04/08 e 96/106), bem como no ofício do BACEN de fl. 199, do qual se extrai que não foi localizado registro de operação cujo valor e data de ocorrência fossem coincidentes com os supramencionados.

Quanto à autoria do crime em comento, é cristalina pelo que se infere no contrato social de fls. 30/34, no qual se observa que o Réu, como administrador da empresa à época dos fatos, agiu voluntária e conscientemente a fim de manter depósitos no exterior sem o conhecimento da repartição federal competente, frustrando, com isso, a finalidade da política econômica do Governo, permitindo que tais fiquem fora do poder de administração do BACEN, à livre disposição do acusado." (fls. 22/23)

Como se infere pela simples leitura da inicial, o paciente foi denunciado porque teria, na qualidade de sócio-gerente da empresa CBI INDÚSTRIA E COMÉRCIO Ltda., participado de movimentação ilegal de recursos financeiros, promovendo a evasão de divisas para o exterior e a entrada de valores não declarados ao Fisco no país, por meio da conta-corrente MIDLER nº 530.765.055, a qual era mantida junto ao banco JP MORGAN CHASE de Nova Iorque, nos Estados Unidos da América.

Neste ponto, importante frisar que a conta MIDLER nº 530.765.055 tinha como representantes GABRIEL LEWI e CLEMENTE DANA, conforme foi apurado através do Laudo nº 1033/04 do Instituto Nacional de Criminalística da Polícia Federal (fls. 52). Portanto, descabida a alegação da defesa de que não teria havido a indicação da conta com os depósitos mantidos no exterior pelo paciente, a revelar a ausência da descrição das circunstâncias elementares do tipo do artigo 22, parágrafo único, da Lei nº 7.492/86.

Isto porque nesses casos em que envolve remessas ilegais de dinheiro para o exterior através das denominadas contas CC-5, em especial, aquelas derivadas do caso BANESTADO e BEACON HILL, verificou-se que as transferências de moedas se davam através das operações de 'dólar cabo', terminologia utilizada no Brasil como operação de compra/venda de moeda estrangeira por meio de compensação, em que reais são disponibilizados no Brasil e outra moeda no exterior.

In casu, a denúncia faz menção a diversas movimentações financeiras ilegais realizadas na conta MIDLER em que a empresa CBI INDÚSTRIA E COMÉRCIO Ltda. aparece como beneficiária ou ordenante (fls. 05 e 06/08 dos autos originais). Aliás, tais documentos revelam que em todos esses casos a rubrica Debit Name (Nome debitado) refere-se a BHSC AGENT FOR MIDLER CORP SA, o que indica tratar-se de uma conta mantida pelo casal de 'doleiros', GABRIEL LEWI e CLEMENTE DANA, que a utilizavam como verdadeira câmara de compensação de créditos/débitos, tudo à margem do controle do Banco Central do Brasil e do Sistema Financeiro Nacional.

Frise-se, por oportuno, que além deste documento elaborado pela Secretaria da Receita Federal, a acusação também faz menção ao documento acostado às fls. 14 dos autos da ação penal, mas que não foi juntado pela defesa com a inicial do presente writ, bem como o ofício do BACEN às fls. 199, que, por sua vez, não traz nenhum registro de operação de câmbio realizada pela empresa CBI INDÚSTRIA E COMÉRCIO Ltda. em valores e datas coincidentes com àquele documento.

Em que pese a deficiência da impetração no ponto, entendo que a denúncia não padece de qualquer inépcia, ainda mais quando o órgão de acusação poderá se valer de outros meios de prova para identificar de forma precisa todos os dados relativos à conta MIDLER em que o beneficiário/ordenante de remessas de dinheiro do/para o exterior foi a empresa CBI INDÚSTRIA E COMÉRCIO Ltda.

Da mesma forma, entendo que a denúncia, embora não descreva de maneira pormenorizada a conduta do paciente, por se tratar de crime cometido no âmbito de uma pessoa jurídica, permite a compreensão dos fatos a ele imputados pelo órgão de acusação, como de fato permitiu ante o teor da impetração, assegurando-lhe o exercício do contraditório e da ampla defesa.

Neste particular, cabe ressaltar que o órgão ministerial, em sua cota denuncial, consignou expressamente que deixava de oferecer denúncia em face de MÁRCIA VELLOSO DE ARAÚJO, sócia da empresa CBI INDÚSTRIA E COMÉRCIO Ltda., tendo em vista que "extrai-se dos depoimentos que Márcia figura apenas como quotista e exerce atividade eminentemente burocrática, sendo de responsabilidade exclusiva do acusado a administração da Empresa."

Ora, este fato, por si só, demonstra que o Procurador da República subscritor da peça acusatória valeu-se de elementos concretos dos autos (o contrato social e os depoimentos dos sócios prestados perante a autoridade policial) para diferenciar a atuação de cada um deles na sociedade. Desta forma, ao contrário do sustentado pela defesa, não houve a atribuição de responsabilidade penal objetiva ao paciente, uma vez que, na qualidade de único sócio da empresa com poderes de gerência e administração, somente ele poderia autorizar a realização de operação de câmbio, legal ou ilegal, em nome da CBI INDÚSTRIA E COMÉRCIO Ltda.

De qualquer sorte, trata-se de matéria pertinente à instrução probatória, o que impede a sua análise pela via estreita do Habeas Corpus, especialmente quando a inicial não veio devidamente instruída com os elementos necessários para afastar a alegação do órgão de acusação (frise-se, neste ponto, que o impetrante não juntou a cópia do contrato social da empresa, tampouco os depoimentos de seus sócios).

Por último, sustenta a defesa do paciente que não haveria justa causa para a deflagração da ação penal, ante a ausência de lastro probatório mínimo. Para tanto, argumenta que "as operações supostamente delituosas, descritas no famigerado Dossiê 'Beacon Hill Service Corporation' da Polícia Federal (doc. 2) sequer apontam o paciente ou a sociedade CBI Indústria e Comércio Ltda a que pertence, como beneficiária, ordenante ou remetente de divisas para as contas e subcontas que menciona". (fls. 16)

Mais adiante conclui: "fica evidente que nesses casos o que mais se utiliza são códigos e codinomes, PAI CAPITAL, CAMPARI, GRAVATA, HILUX, COROLA, além de TUCANO, PESCARA, PACIFICO etc (Laudo Polícia Federal - doc. 05) justamente para que não exista qualquer identificação das partes envolvidas. Por que a empresa do paciente usaria o seu próprio nome para efetuar uma operação dessa natureza ?." (fls. 17)

Ora, essa indagação somente poderá ser respondida com a devida instrução probatória. Aliás, pela leitura da decisão proferida pelo MM. Juízo a quo (fls. 68/69) que rejeitou a defesa prévia apresentada pela defesa, e cuja cópia também não foi juntada com a inicial deste writ, constata-se que uma das possíveis teses da defesa é a alegação de que as operações de câmbio realizadas pela empresa guardariam pertinência com as importações efetuadas por ela.

Confira-se: "O valor das transações apontadas como fraudulentas - ou sua proporção com as importações efetuadas pela empresa - é penalmente indiferente, sendo muito superior a qualquer parâmetro de insignificância a quantia aproximada de U$ 300.000,00. Além disso, o valor seria bastante expressivo para ser conhecido dos administradores da empresa, afastando-se dessa ótica a falta de dolo." (fls. 68)

A jurisprudência já firmou entendimento de que o trancamento de ação penal pela via estreita do Habeas Corpus é medida excepcional que só deve ser admitida quando for evidente a atipicidade da conduta imputada na denúncia, ou não houver indícios de autoria ou materialidade delitiva, ou incidir alguma causa de extinção da punibilidade. Fora destas hipóteses, é descabido falar em constrangimento ilegal decorrente de ato que determinou o recebimento da denúncia.

Como já foi dito anteriormente, a denúncia descreve a conduta imputada ao paciente de forma a satisfazer os requisitos do artigo 41 do Código de Processo Penal, havendo indícios mínimos de autoria e materialidade delitiva a configurar a necessária justa causa para a deflagração da ação penal.

No mais, busca o impetrante alcançar um pronunciamento precoce acerca de questões de mérito, que serão levadas em consideração na formação da culpa pelo juízo a quo no momento da prolação da sentença, após a regular instrução criminal em que serão asseguradas ao paciente todas as garantias à ampla defesa e ao contraditório.

Isto posto, DENEGO a ordem de Habeas Corpus requerida.

Comunique-se ao MM. Juízo da 1ª Vara Federal de Vitória/ES.

É como voto.

ALUISIO GONÇALVES DE CASTRO MENDES
Juiz Federal Convocado - Relator




JURID - HC. Processual penal. Evasão de divisas por meio das contas. [04/06/10] - Jurisprudência

 



 

 

 

 

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