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sexta-feira, 4 de junho de 2010

JURID - Apelação do MPF. Crime de contrabando . Art. 334, § 1º. [04/06/10] - Jurisprudência


Apelação do MPF. Crime de contrabando . Art. 334, § 1º, alíneas "c" e "d", do cp .

Tribunal Regional Federal - TRF2ªR

APELACAO CRIMINAL - 2009.50.01.012903-0

RELATOR: DESEMBARGADOR FEDERAL MESSOD AZULAY NETO

APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL

APELADO: SANDRO AUGUSTO DE MATTOS

ADVOGADO: LUIZ ALFREDO DE SOUZA E MELLO E OUTRO

ORIGEM: 1ª VARA FEDERAL CRIMINAL DE VITÓRIA/ES (200950010129030)

EMENTA

PENAL . APELAÇÃO DO MPF . CRIME DE CONTRABANDO . ART. 334, § 1º, ALÍNEAS "C" E "D", DO CP . UTILIZAR, EM ESTABELECIMENTOS COMERCIAIS, MÁQUINAS CAÇA-NÍQUEIS, DE ORIGEM ESTRANGEIRA, EM PROVEITO PRÓPRIO OU ALHEIO, SEM A DOCUMENTAÇÃO DEVIDA. PERÍCIA INDIRETA. SENTENÇA DE ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA. DESCONHECIMENTO SOBRE A PROCEDÊNCIA ESTRANGEIRA DOS COMPONENTES ELETRÔNICOS. AUSÊNCIA DE DOLO. ATIPICIDADE DA CONDUTA. APELAÇÃO DESPROVIDA.

I- O Direito Penal objetiva impor limites ao poder punitivo estatal; daí a importância do respeito às garantias individuais, à liberdade e ao devido processo legal.Por esta razão, mister se faz uma acusação fundamentada em lastro probatório consistente até mesmo em respeito aos princípios da celeridade e da eficácia da prestação jurisdicional, como um todo; não se concebe, no atual quadro do Judiciário, em nosso país, que se prolonguem processos inumeráveis e intermináveis, em razão da observância de regras rígidas e formais; em nome da política criminal, devemos aplicar o princípio da instrumentalidade e decidir, sumariamente, pela absolvição, se esta for antevista.

II- Os donos dos estabelecimentos comerciais, em princípio, não são os mentores das organizações criminosas, não são os proprietários das máquinas e nem os responsáveis pela sua importação. No entanto, para se obter a decisão mais justa, devem ser apreciadas as circunstâncias do fato e as peculiaridades de cada processo, visando o devido equilíbrio entre o direito à liberdade do acusado e o direito à proteção da sociedade, além da aplicação criteriosa dos princípios envolvidos.

III- Neste caso concreto, não procedem as alegações do Parquet; de fato, a exploração de máquinas de jogos de azar se configura em contravenção penal; entretanto, a questão se cinge à imputação do crime de contrabando aos donos de estabelecimentos comerciais. Ora, é inviável que a parte ré detivesse o conhecimento técnico de que alguns componentes eletrônicos das máquinas caça-níqueis (placa-mãe e coletor de cédulas) seriam de origem estrangeira e de importação proibida.

IV- Portanto, encontra-se ausente, o elemento subjetivo do tipo, o dolo, em razão da ocorrência de erro de tipo; não se cogita de dolo eventual porque este pressupõe a consciência da ilicitude da conduta para que se assuma o risco de produzi-la. Além disso, a Sentença não violou os princípios do contraditório e da instrução probatória, mas, sim, aplicou os princípios do devido processo legal, do lastro probatório suficiente, da instrumentalidade, da celeridade e da eficácia jurisdicional.

V- Portanto, sob o fundamento de ocorrência de erro de tipo, com exclusão do dolo e consequentemente da tipicidade; e, com vistas ao atendimento da política criminal estabelecida com as inovações da Lei 11.719/2008, entendo que a manutenção da Sentença de absolvição sumária se configura como a solução mais adequada para o presente feito.

VI- Apelação do Ministério Público Federal desprovida para manter a Sentença absolutória, nos termos do art. 397, III, do CPP.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados os presentes autos, em que são partes as acima indicadas, acordam os Membros da Segunda Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, por maioria, NEGAR PROVIMENTO à Apelação do Ministério Público Federal, nos termos do Relatório e Voto, que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Rio de Janeiro, 18 de maio de 2010 (data do julgamento).

Des. Fed. MESSOD AZULAY NETO
Relator
2ª Turma Especializada

RELATÓRIO

Apelação Criminal, interposta pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, em face de Sentença de Absolvição Sumária da parte ré, denunciada pela prática do crime de contrabando, previsto no art. 334, § 1º, alíneas c e d, do Código Penal, ao argumento de ausência de dolo, por ter se configurado erro de tipo; a absolvição deu-se antes da instrução processual e a despeito da proposta de suspensão condicional do processo, a teor do art. 89, da Lei 9.099/95.

Narra a denúncia, recebida 19/10/2009 (fls.31), que "conforme se extrai da Representação Fiscal para Fins Penais elaborada pela Alfândega do Porto de Vitória/ES, o denunciado praticou o delito do art. 334, § 1º, alíneas c e d, do CP, na medida em que foi surpreendido pela Polícia Civil em operação conjunta com a Receita Federal quando, no exercício de atividade comercial, após haver recebido, mantinha em depósito e utilizava em proveito próprio e alheio mercadorias de procedência estrangeira, desacompanhadas de documentação legal e que sabia ser produto de introdução clandestina no território nacional".

Os fatos ocorreram em 5/1/2009, quando a polícia apreendeu duas máquina (s) caça-níqueis, sem marca, em seu estabelecimento comercial, "Bar do Sandro". Após a lavratura do Auto de Infração e Termo de Guarda Fiscal e da instauração de processo administrativo, o denunciado, apesar de intimado, não apresentou os documentos. Foi, então, decretada a pena de perdimento das mercadorias, nos termos do art. 618, X, XIX e XX do Regulamento Aduaneiro (Decreto 4543/2002).

O Parquet afirma que de acordo com as informações prestadas pela Alfândega, tais máquinas são de origem estrangeira, pois o tipo de estrutura externa e seus componentes eletrônicos internos não são produzidos no Brasil, sendo sua importação proibida, conforme as Portarias Secex nº 14 de 17/11/2004, anexo B e nº 35 de 24/11/2006. A denúncia prossegue, ressaltando que é de notório conhecimento que o Brasil não produz placa-mãe ou os componentes eletrônicos essenciais para o funcionamento de tais máquinas e que o responsável pela máquina não apresentou qualquer documentação demonstrando a legalidade de sua aquisição.

Por fim, tendo em vista a pena mínima do delito em questão, o Parquet propõe a suspensão condicional do processo, condicionada à presença dos requisitos básicos.

A Sentença decidiu pela absolvição sumária, com fundamento no art. 386, III, do CPP, ao argumento de ser inviável supor que a parte ré tivesse ciência acerca da origem estrangeira dos objetos apreendidos, elemento constitutivo do tipo penal em questão.

Apelação do MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL alega que não se configurou qualquer hipótese de absolvição sumária (art. 397, CPP); sustenta que jamais foi permitida a exploração de caça-níqueis, por constituir contravenção ou crime contra a economia popular. Afirma que teria ocorrido, no mínimo, dolo eventual. Alega, ainda. que se trata de delitos com imensa repercussão social por envolver criminalidade organizada.

A absolvição sumária, segundo o Parquet, consubstancia-se em verdadeiro cerceamento da instrução probatória e da busca da verdade real; ressalta que a acusação arrolou testemunhas e afirma que, para o recebimento da denúncia, basta prova da materialidade do crime e indícios de autoria, sendo que o elemento subjetivo do tipo penal, o dolo, depende de prova a ser produzida na instrução criminal, observados o devido processo legal e o contraditório.

Contrarrazões da parte ré, alegando falta de prova da materialidade do crime e ausência de dolo do agente.

Parecer do Ministério Público Federal opina pelo provimento do recurso, prosseguindo-se o feito em relação ao art.334, § 1º, alínea c e d, do CP.

É o Relatório.

À d. revisão.

Des Fed Messod Azulay Neto
Relator

2ª Turma Especializada

VOTO

Conforme relatado, trata-se de Apelação Criminal, interposta pelo MPF, em face de Sentença que absolveu, sumariamente, a parte ré, em relação à denúncia de prática do crime de contrabando de componentes eletrônicos de máquinas caça-níqueis encontradas em seu estabelecimento comercial, sem que fossem apresentados os documentos nem o nome do proprietário da máquina.

Narra a denúncia que a parte ré praticou o delito de contrabando, ressaltando ser de notório conhecimento que o Brasil não produz placa-mãe ou os componentes eletrônicos essenciais para o funcionamento de máquinas caça-níqueis e que o responsável pelas máquinas não apresentou qualquer documentação demonstrando a legalidade de sua aquisição. O Parquet ofereceu proposta de suspensão condicional do processo, condicionada à presença dos requisitos básicos.

No Relatório de Fiscalização da Secretaria da Receita Federal - Divisão de Repressão ao Contrabando e Descaminho - consta que "as MEP (Máquinas Eletrônicas Programadas) foram entregues nas seguintes condições: vazias, isto é, sem dinheiro em seu interior e já foram objeto de perícia. Estão armazenadas no pátio da empresa COIMEX Logística Integrada S/A - Espírito Santo".

Esclarece, ainda, que, considerando que a exploração das MEP é atividade ilícita, caracterizada como crime contra a moral e contravenção penal (art. 50, § 3º da Lei nº 3688/41), a Receita Federal, visando coibir a entrada das MEP em território nacional vem expedindo diversas Instruções Normativas para apreensão e perdimento das máquinas de jogos de azar. Contudo, verificou-se que as empresas passaram a importar peças e componentes, realizando posteriormente sua montagem e comercialização. Este fato obrigou a Receita a editar nova instrução, a IN SRF nº 093, de 29/9/2000 (e, posteriormente, a IN SRF nº 309/2003), abrangendo a apreensão, não só do equipamento proveniente do exterior, mas também das partes e acessórios importados, quando ficar comprovada sua destinação ou utilização na montagem das máquinas.

Frise-se que a ABINEE - Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica - informou, em ofício-resposta, que entre vários componentes das MEP, a placa-mãe ou placa de CPU/UCP é necessariamente mercadoria importada.

Na Sentença absolutória, o juiz a quo afirma que "sequer o Auto de Infração e Temo de Apreensão e Guarda Fiscal é conclusivo acerca da origem das máquinas, tendo consignado na discriminação das mercadorias - País de origem- a Designar". Ressalta, ainda, que pelo teor do Relatório Fiscal, deduz-se que a vedação se dirige à importação dos componentes (chips eletrônicos) essenciais ao funcionamento das máquinas; sendo assim, assevera que "cuida-se de ciência obviamente inalcançável pelo homem médio, a despeito da opinião externada nos Relatórios de Fiscalização" e conclui com as seguintes palavras: "a rigor, este magistrado revela sua particular ignorância a esse propósito, jamais tendo sabido de fato assim tão notório. [...] Portanto, na esfera penal, é inviável supor que o acusado detivesse esse conhecimento e configurado está o erro de tipo. Se o agente desconhece que a mercadoria é estrangeira, não se pode cogitar da prática dolosa de qualquer das condutas denunciadas, ainda que demonstrada a falta de documentação legal que acompanhasse as máquinas."

Por fim, conclui o magistrado: "Considerando que o erro de tipo exclui o dolo e que as condutas criminosas imputadas não podem ser praticadas a título culposo, concluo pela atipicidade da conduta do réu, impondo-se a absolvição, nos termos do art. 386, III, do CPP. A presente Sentença não implica invalidação das decisões administrativas - eis que o ilícito tributário independe da intenção do agente (CTN, art. 136) - nem implica devolução das parcelas pagas como condição regularmente aceita da suspensão condicional do processo."

Passo à análise do mérito, analisando cada alegação.

A questão a ser tratada na presente ação é bem complexa. De fato, como assinalou o Parquet, a importação e a exploração de máquinas caça-níqueis envolvem organizações criminosas, possuem imensa repercussão social e abarcam vários crimes, como corrupção, quadrilha, contrabando, sonegação, etc.

É bem verdade que o acusado é o destinatário final do esquema, a saber, o dono do estabelecimento comercial que aluga o espaço para que os proprietários lucrem com suas atividades criminosas. Em princípio, ele não é o mentor e nem o principal agente da organização criminosa, nem aquele que importa as máquinas; entretanto, o magistrado deve analisar cada processo, em particular, para que possa decidir com coerência, respeitando os princípios da igualdade material e do livre convencimento.

O ilustre representante ministerial requer a dilação probatória afirmando, entre outros argumentos, que arrolou testemunhas, que as máquinas eram abertas semanalmente e que suas peças tinham a indicação de serem estrangeiras; que o fato é notório e de conhecimento de todos, principalmente, daqueles que praticam este tipo de contravenção.

Não resta dúvida de que a parte ré tinha consciência de que praticava contravenção penal; entretanto, a questão, no presente feito, se cinge ao delito de contrabando e ao fato de o agente ter ou não ciência da origem estrangeira das máquinas ou de seus componentes eletrônicos. Ora, me parece improvável que, em sua maioria, os donos de bares tenham o conhecimento técnico sobre tal fato, inclusive porque, entre vários componentes, um ou dois seriam estrangeiros, e os demais, nacionais; as alegações da acusação de que as máquinas eram abertas semanalmente e suas peças teriam a indicação de serem estrangeiras nada provam, apenas levantam suposições a respeito do dolo dos agentes.

A alegação sobre a ocorrência de dolo eventual não me parece razoável; este tipo de dolo pressupõe que o agente tenha consciência da ilicitude da conduta e assuma o risco de produzi-la.

Ressalte-se, também, que a perícia, quando é realizada, não identifica o país de origem, constando na ficha: "País a designar", portanto não é conclusiva. Entretanto, é consabido que a jurisprudência flexibiliza, para a configuração da prática de contrabando, a exigência de exame de corpo de delito direto. Na verdade, na maioria dos processos desta natureza, a perícia é indireta, com a utilização do Relatório da Receita Federal e do Relatório da ABINEE que assinala a inexistência de empresas cadastradas que fabriquem a placa-mãe, apesar de existir cadastro de empresas fabricantes de chips de memória e outros componentes.

De qualquer forma, mesmo estando provada a materialidade do crime, em relação à presença do elemento objetivo, na medida em que os documentos provêm de órgãos oficiais e entidades idôneas, no presente caso, mantém-se o fundamento da Sentença que repousa na ausência do elemento subjetivo do tipo, o dolo na conduta do réu.

O Parquet sustenta, ainda, cerceamento da instrução probatória e da busca da verdade real, além da violação do devido processo legal e do contraditório, ressaltando que foi proposta suspensão condicional do processo.

Quanto a estas alegações, entendo que se deva proceder a uma ponderação de valores. O Direito Penal objetiva impor limites ao poder punitivo estatal; daí a importância do respeito às garantias individuais, à liberdade e ao devido processo legal. Por esta razão, mister se faz uma acusação fundamentada em lastro probatório consistente até mesmo em respeito aos princípios da celeridade e da eficácia da prestação jurisdicional, como um todo; não se concebe, no atual quadro do Judiciário, em nosso país, que se prolonguem processos inumeráveis e intermináveis, em razão da observância de regras rígidas e formais; em nome da política criminal, devemos aplicar o princípio da instrumentalidade e decidir, sumariamente, pela absolvição, se esta for antevista.

É bem verdade que se faz necessário manter o devido equilíbrio entre o direito à liberdade do acusado e o direito à proteção da sociedade; de fato, o princípio da instrumentalidade das formas é fundamental para garantir a celeridade e eficácia da prestação jurisdicional, entretanto, não pode limitar o objetivo do Direito Penal de prevenção das condutas ilícitas e de defesa dos cidadãos de bem; e para conseguir tal desiderato, não pode se furtar, o magistrado, a uma análise criteriosa de cada caso concreto.

Sendo assim, não vislumbro, neste caso concreto, a existência de qualquer indício de autoria do delito, ao contrário, entendo pela ocorrência do erro de tipo, com exclusão do dolo e consequentemente, da tipicidade. Portanto, aplicando os princípios do devido processo legal, da instrumentalidade, da celeridade e da eficácia da prestação jurisdicional e, com vistas ao atendimento da política criminal estabelecida com as inovações da Lei 11.719/2008, entendo que a manutenção da Sentença absolutória se configura como a solução mais adequada para o presente feito.

Face ao exposto, NEGO PROVIMENTO à Apelação do Ministério Público Federal para manter a Sentença absolutória, nos termos do art. 397, III, do Código de Processo Penal.

É como voto.

Des Fed Messod Azulay Neto
Relator

2ª Turma Especializada

VOTO VENCIDO

I - O dolo eventual constitui elemento subjetivo apto à configuração do tipo penal descrito no art. 334 do Código Penal.

II - A absolvição precoce, sem a regular instrução probatória, constitui cerceamento da atividade acusatória, além de equivaler ao julgamento antecipado da lide, descabido no âmbito do processo penal.

Trata-se de apelação criminal interposta pelo MINISTÉRIO PÚBLICO da sentença que absolveu sumariamente o réu da imputação prevista no artigo 334, § 1º, 'c' e 'd', do Código Penal.

O Excelentíssimo Relator, Dr. Messod Azulay Neto, negou provimento ao apelo, para manter a sentença absolutória, com fundamento no artigo 397, inciso III, do Código de Processo Penal, no que foi acompanhado pela Desembargadora Federal Liliane Roriz.

Todavia, divirjo do entendimento do Relator, pois penso que a sentença merece reforma.

Inicialmente, cumpre consignar que é sabido e consabido que a exploração de máquinas caça-níquel é vedada pelo ordenamento jurídico brasileiro, porquanto configura prática de jogo de azar, passível de enquadramento nos seguintes tipos: (i) contravenção penal prevista no art. 50 da do Decreto-Lei nº 3.688/41; (ii) contravenção penal do art. 45 do Decreto-Lei n.º 6.259-44; ou (iii) crime contra a economia popular capitulado no art. 2º, IX, da Lei n.º 1.521-51.

Sobre a ilicitude da referida prática, é remansosa a jurisprudência de nossos Tribunais, como bem ilustra o aresto da Corte Superior abaixo transcrito, verbis:

"PENAL. RECURSO ESPECIAL. APREENSÃO DE MÁQUINAS "CAÇA-NÍQUEIS". MANDADO DE SEGURANÇA. CONCESSÃO. REEXAME NECESSÁRIO. CONFIRMAÇÃO. ART. 50 DA LCP. VIGÊNCIA. COSTUME. REVOGAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE NO DIREITO PENAL. PRINCÍPIOS DA ISONOMIA E DA LIBERDADE. NÃO-FUNDAMENTAÇÃO PARA CONDUTAS ILÍCITAS. RECURSOS PROVIDOS.

1. O ordenamento jurídico penal brasileiro não permite revogação de lei pelo costume.

2. "Evidencia-se o risco de grave lesão à ordem social e à ordem jurídica conquanto a exploração de jogo de azar mediante máquinas de "caça-níqueis", definida no art. 50 da Lei de Contravenções Penais já foi reconhecida como atividade ilícita por inúmeras decisões desta Corte, dentre as quais destaca-se o REsp 474.365/SP, Quinta Turma, Rel. Min. GILSON DIPP, DJ 5/8/03; ROMS 15.593/MG, Primeira Turma, DJ 2/6/03 e ROMS 13.965/MG, Primeira Turma, DJ 9/9/02, ambos da relatoria do Min. JOSÉ DELGADO". (AgRg no AgRg na STA 69/ES, Rel. Min. EDSON VIDIGAL, Corte Especial, DJ 6/12/04)

3. Os direitos fundamentais da isonomia e da liberdade consagrados na Constituição Federal não podem servir de esteio às condutas ilícitas, não importando a condição social do agente infrator.

4. Recursos providos para reformar o acórdão e cassar a segurança anteriormente concedida

(REsp nº 745954 - RS, Relator Ministro Arnaldo Esteves Lima, 5ª Turma, DJE, 14.09.2009)"

A razão da proibição de tal prática, em apertada síntese, reside no fato de que as ditas máquinas contêm componentes eletrônicos, os quais, uma vez manipulados, podem alterar a forma aleatória dos resultados do "jogo", garantindo, assim, a obtenção de vantagem ilícita pelo explorador em detrimento dos usuários. Trata-se de componentes que não são fabricados no Brasil, o que faz presumir a sua procedência estrangeira, daí porque a imputação relativa ao crime previsto no art. 334 do Código Penal.

Não se pode negar que tais minúcias não são de conhecimento do homem médio, como bem destacou o magistrado sentenciante. Entretanto, é de conhecimento de boa parte da população brasileira a proibição que recai sobre a exploração de máquinas caça-níquel, conforme demonstrado acima, vedação essa amplamente divulgada na imprensa nacional e motivo de várias operações das Polícias Civil e Federal.

A partir disso, é correto afirmar que o comerciante que mantém em seu estabelecimento maquinaria dessa natureza, sem qualquer documentação fiscal, se não age com o intuito deliberado de explorar tal jogo, no mínimo assume o risco de praticar a conduta ilícita. É o que acontece com o apelado, que, se não agiu com dolo direto, ao manter máquinas caça-níqueis em funcionamento nas dependências de seu estabelecimento comercial, agiu, sem sombra de dúvida, com dolo eventual, elemento subjetivo apto e suficiente à configuração do tipo penal descrito no art. 334 do Código Penal.

Sobre a admissão do dolo eventual para efeito de configuração do crime de descaminho, assim decidiu o Tribunal Regional Federal da 5ª Região, como se infere do julgado abaixo transcrito, verbis:

"PENAL E PROCESSUAL PENAL. CRIME DE DESCAMINHO. MÁQUINAS "CAÇA-NÍQUEIS". MANDADO DE BUSCA E APREENSÃO. ERRO MATERIAL. LEGALIDADE. PRESENÇA DE DOLO EVENTUAL. I. Apelação do réu contra sentença que o condenou pela prática do crime de descaminho, previsto no art. 334, PARÁGRAFO1º, c e d do Código Penal. Caso em que o réu, dono de casa lotérica, adquiriu 09 (nove) máquinas "caça-níqueis" cujos componentes internos têm fabricação estrangeira, sem que haja documentação legal sobre a regularidade de sua internalização em território nacional. II. O erro material no mandado de busca e apreensão das máquinas, que mencionou Oficial de Justiça e não a Polícia Federal, é irrelevante e não retira a legalidade da execução. Além disso, a medida foi determinada em sede de Ação Civil Pública, sendo o inquérito criminal uma decorrência não vinculada ao referido processo. III. Ocorre dolo eventual na prática do crime de descaminho quando o agente adquire mercadoria de intermediário sem o interesse imediato de burlar o Fisco ou as regras alfandegárias, mas assume o risco consciente de produzir a conduta ilícita e admite suas conseqüências. Precedente do TRF/4ª Região: ACR nº 96040199838/RS, Segunda Turma, Rel. Jardim de Camargo, DJ 18/08/1999, p. 612. IV. O crime de descaminho resta configurado com o dolo genérico, não sendo exigível o dolo específico de iludir o Fisco. Precedente do TRF/5ª Região: ACR nº 2672/CE, Terceira Turma, Rel. Élio Wanderley de Siqueira Filho (convocado), DJ 10/09/2004, p. 798. V. Apelação improvida.

(ACR nº 4626, autos nº 200481000161951, Relatora Desembargadora Federal Margarida Cantarelli, 4ª Turma, DJ 13.10.2006, p. 1105)

Por outro lado, a prematura absolvição do réu, sem a devida instrução criminal, oportunidade em que o Ministério Público poderia fazer prova do elemento subjetivo do tipo, constitui verdadeiro cerceamento da atividade acusatória, além de afrontar o princípio do devido processo legal. E mais: a prolação precoce de sentença de improcedência, não sendo o caso de absolvição sumária e sem a observância da instrução criminal, equivale ao julgamento antecipado da lide, absolutamente incabível no âmbito do processo penal e que, especialmente no caso dos autos, não se deve admitir, por ofensa ao princípio in dubio pro societate.

Cumpre assinalar, ainda, que, uma vez não afastadas, de plano, a materialidade e autorias delitivas, como in casu, o pronunciamento sobre o mérito da causa deve se dar após a regular instrução probatória, realizada sob o crivo do contraditório e da ampla defesa, pois é a partir dela que o julgador passa a dispor de elementos concretos e suficientes à formação de sua convicção, tudo isso na busca da verdade real, razão de ser do processo penal.

Em caso análogo, assim decidiu também o Tribunal Regional Federal da 5ª Região; veja-se:

"PENAL. PROCESSUAL PENAL. ESTELIONATO. ABSOLVIÇÃO PROFERIDA NO ATO DE INTERROGATÓRIO. JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE. IMPOSSIBILIDADE. OFENSA AOS PRINCÍPIOS DO DEVIDO PROCESSO LEGAL, DO CONTRADITÓRIO, DA AMPLA DEFESA E DA BUSCA DA VERDADE REAL. SENTENÇA QUE MERECE REFORMA. RECURSO PROVIDO. - Não pode o juízo de primeiro grau, sob o pálio de haver constatado, no ato de interrogatório, ausência de dolo na conduta do apelado, julgar antecipadamente a lide e proferir sentença absolutória. - Tal absolvição, além de prematura, confronta os princípios do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa. Ademais, inviável o julgamento antecipado da lide em processo penal, onde se busca a verdade material, e não a formal, como no processo civil. - Sentença absolutória que merece reforma. - Remessa dos autos ao juízo de origem para que sigam o trâmite processual de onde foi interrompido. - Apelo do MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL provido.

(TRF 5ª Região, ACR nº 2829, autos nº 200185000038358, Relator Desembargador Federal Cesar Carvalho, 1ª Turma, DJ 07.04.2006, p.1132)"

Do exposto, e em dissensão ao Relator, dou provimento ao recurso, para reformar a sentença absolutória, determinando-se o retorno dos autos à vara de origem, para regular prosseguimento do feito, observada a instrução probatória.

É o voto.

Em 18 - 05 - 2010.

ANDRÉ FONTES
Desembargador do TRF - 2a Região





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