HC. Execução penal. Regime prisional mais rigoroso do que o fixado na sentença penal condenatória. Constrangimento.
Tribunal de Justiça de São Paulo - TJSP.
EMENTA: HABEAS CORPUS - EXECUÇÃO PENAL - REGIME PRISIONAL MAIS RIGOROSO DO QUE O FIXADO NA SENTENÇA PENAL CONDENATÓRIA - CONSTRANGIMENTO ILEGAL - RECONHECIMENTO ORDEM CONCEDIDA. O cometimento de falta grave enseja a regressão do regime prisional do reeducando até o limite da sentença condenatória.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Habeas Corpus nº 990.09.328296-8, da Comarca de Guarulhos, em que é impetrante/paciente FRANCISCO RODRIGUES DE CIRQUEIRA.
ACORDAM, em 4ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "CONCEDERAM A ORDEM, PARA DETERMINAR A REMOÇÃO DO PACIENTE PARA ESTABELECIMENTO ADEQUADO AO CUMPRIMENTO DE PENA NO REGIME SEMIABERTO, COM A DISPONIBILIZAÇÃO DE VAGA NAQUELE REGIME, NO PRAZO DE 30 (TRINTA) DIAS. NA IMPOSSIBILIDADE, DETERMINA-SE A PRISÃO ALBERGUE DOMICILIAR, V.U.", de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Desembargadores EUVALDO CHAIB (Presidente sem voto), AUGUSTO DE SIQUEIRA E LUÍS SOARES DE MELLO.
São Paulo, 04 de maio de 2010.
WILLIAN CAMPOS
RELATOR
HABEAS CORPUS Nº 990.09.328296-8
COMARCA: GUARULHOS - VARA DO JÚRI
IMPETRANTE/PACIENTE: FRANCISCO RODRIGUES DE CIRQUEIRA
VOTO Nº 17.338
Trata-se de habeas corpus com pedido expresso de liminar, impetrado por Francisco Rodrigues de Cirqueira, objetivando sua transferência imediata para o regime semiaberto, ou, na impossibilidade, o aguardo da vaga em regime aberto ou albergue domiciliar, ante o constrangimento ilegal sofrido, devido à falta de vaga no regime semiaberto para cumprimento da execução penal, nos exatos termos da r. sentença penal condenatória.
Deflui da impetração que o paciente foi condenado como incurso no artigo 121, parágrafo segundo, inciso I, do Código Penal, em regime inicialmente semiaberto.
O impetrante/paciente argui a violação ao principio da razoabilidade, tendo em vista sua permanência em regime fechado por prazo excessivo.
Assevera ainda que não pode o paciente permanecer em regime mais gravoso do que o permitido no título executivo, por desídia e ineficiência do Estado em disponibilizar vagas suficientes em estabelecimento adequado ao cumprimento de regime semiaberto.
Alega ser primário, ostentar bons antecedentes e possuir residência fixa e ocupação lícita. Salienta ainda possuir boa conduta carcerária.
Indeferida a liminar (fls.12/13), prestadas informações pela culta autoridade tida como coatora (fls.18), manifestou-se a douta Procuradoria Geral de Justiça pela denegação da ordem (fls. 52/54).
É o Relatório.
Pretende o paciente sua imediata remoção ao regime semiaberto de cumprimento de pena, fixado na sentença penal condenatória.
Consta da denúncia que o paciente, em 21 de setembro de 1996, por volta das 23h40min, na Rua Manoel Augusto Gomes, nº 300, Jardim Rosa de França, na cidade de Guarulhos, efetuou disparo de arma de fogo contra a vítima Peterson Cruz Nascimento, provocando-lhe ferimentos que ocasionaram sua morte.
Consta ainda que, por julgamento do Tribunal do Júri, em 07 de julho de 2009, foi condenado como incurso artigo 121, parágrafo segundo, inciso I, do Código Penal, à pena de 06 (seis) anos de reclusão, em regime inicial semiaberto, data em que Iniciou o cumprimento de sua reprimenda.
Diante das informações prestadas pelo Juiz da Vara do Júri da Comarca de Guarulhos (fls.18), há notícia da interposição de recurso de apelação, pleiteando absolvição sob o argumento de que a decisão dos jurados teria sido manifestamente contrária à prova dos autos.
Merece guarida a pretensão do paciente de remoção imediata ao regime semiaberto, fixado na sentença penal condenatória, face ao princípio da legalidade ou da reserva legal.
Nesta senda, Francisco Muñoz Conde destaca a gravidade dos meios empregados pelo estado na repressão do delito, a drástica intervenção nos direitos mais elementares e fundamentais da pessoa, o caráter de ultima ratio que esta intervenção deve ter, impõem necessariamente a busca de um mecanismo que controle o poder punitivo estatal, confinando sua aplicabilidade a ponto de excluir toda arbitrariedade e excesso de poder punitivo. (Francisco Muñoz Conde & Mercedez Garcia Arán, Lecciones de derecho Penal, Sevilha, 1991, p. 74).
A execução penal deve se ater aos limites do título executório, o qual determinou o cumprimento da pena no regime semiaberto, conforme informações do juízo a quo. Caso contrário, estaria configurada a violação às liberdades públicas, em especial o status libertatis do paciente.
No caso vertente, em que pese o entendimento desta Relatoria de que inexiste constrangimento ilegal no fato de o paciente aguardar vaga em estabelecimento prisional adequado ao cumprimento de pena em regime semiaberto, salienta-se a necessidade da implementação da medida em período razoável.
Impende lembrar a imprescindibilidade da observância da ordem cronológica para remoção e a carência de vagas no sistema prisional pátrio, assim como período necessário à concretização das providências inerentes à transferência supramencionada. In casu, decorridos aproximadamente nove meses sem o encaminhamento ao regime prisional constante do decreto condenatório, aguardando a sua vaga, vislumbra-se o constrangimento ilegal.
Não é razoável que o paciente aguarde a vaga em regime semiaberto juntamente com os demais executados que estão progredindo do regime fechado para o semiaberto, em respeito à máxima contida no princípio da isonomia. Daí porque, na ordem cronológica para cumprimento da pena em estabelecimento prisional adequado ao regime semiaberto, os condenados inicialmente ao cumprimento de pena nesse regime tem preferência sobre os demais provenientes do fechado, pois o Estado não poderá intervir no status libertatis além daquilo definido no título.
Ademais, analisando a tendência atual da aplicabilidade da pena de prisão e de sua função ressocializadora, leciona Cezar Roberto Bittencourt, ao referir o tratamento ressocializador mínimo: "Afasta-se definitivamente o denominado objetivo ressocializador máximo, que constitui uma invasão indevida na liberdade do indivíduo..." (Cezar Roberto Bittencourt, Novas Penas Alternativas: análise político-criminal das alterações da Lei 9.714/98 - 3ª edição revista e atualizada, São Paulo, 2006).
Por outro lado, inegável a deficiência e sobrecarga do Sistema Penitenciário, tornando justificável a concessão de período razoável para que o MM. Juiz da Execução possa encaminhar o reeducando ao estabelecimento prisional adequado, tornando necessária a adoção de medidas efetivas à aplicação da lei penal.
Desta feita, a melhor solução afigura-se na implementação da execução penal, em observância com as condições do Sistema Penitenciário, fixando-se o prazo de 30 (trinta) dias para o cumprimento da medida.
Neste sentido:
"Habeas Corpus - Paciente que obteve progressão ao regime semi-aberto no Juízo das Execuções - Ausência de vaga - Culpa do Estado - Tribunal de Justiça: Reconhecimento de constrangimento ilegal - Concessão da ordem para determinar seja o paciente imediatamente transferido para estabelecimento onde possa cumprir a pena em regime albergue domiciliar, até que surja a vaga esperada em estabelecimento adequado ..." (1.139.399-3/1 - 3ª Câmara de Direito Criminal - Assis Relator: Borges Pereira - julgado em 19/12/2007).
Também é entendimento do Excelso Superior Tribunal de Justiça:
"STJ - RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL - REGIME SEMIABERTO. INEXISTÊNCIA DE VAGA. COLOCAÇÃO EM REGIME MAIS GRAVOSO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL. INÍCIO DO CUMPRIMENTO DE PENA NO REGIME ADEQUADO. NA AUSÊNCIA DE VAGAS, EM REGIME ABERTO OU AINDA EM PRISÃO DOMICILIAR. PRECEDENTES DO STJ. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. Na falta de vagas em estabelecimento adequado para o cumprimento da pena imposta em regime semi-aberto, não justifica a colocação do condenado em condições prisionais mais severas. O paciente deve iniciar o cumprimento de pena no regime semi-aberto; inexistindo vaga, que a execução se inicie em regime aberto; caso também não haja vaga, deve ser deferido o cumprimento de pena em regime domiciliar, enquanto não surja vaga em estabelecimento adequado. Recurso parcialmente provido" (RHC 17190/MG - 6ª Turma - Ministro. Hélio Quaglia Barbosa - julgado em 02/08/2007 - DOJ - 05.11.2007-p. 372).
Nestas circunstâncias, acolhe-se o pedido do impetrante para determinar a remoção do paciente para estabelecimento adequado ao cumprimento de pena no regime semi-aberto, com a disponibilização de vaga naquele regime no prazo de 30 (trinta) dias. Na impossibilidade, determina-se a prisão albergue domiciliar.
Concede-se a ordem, com determinação.
WILLIAN CAMPOS
Desembargador Relator
JURID - HC. Execução penal. Regime prisional mais rigoroso [07/06/10] - Jurisprudência
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