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quinta-feira, 17 de junho de 2010

JURID - Direito comercial. Sociedade por quotas de responsabilidade. [17/06/10] - Jurisprudência


Direito comercial. Sociedade por quotas de responsabilidade limitada. Garantia assinada por sócio a empresas.
MBA Direito Comercial - Centro Hermes FGV

Superior Tribunal de Justiça - STJ

Resp 704.546

Publicado em 08.06.2010

Superior Tribunal de Justiça

Revista Eletrônica de Jurisprudência

RECURSO ESPECIAL Nº 704.546 - DF (2004/0102386-0)

RELATOR: MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO

RECORRENTE: MARTHA RODRIGUES SALOMÃO E OUTROS

ADVOGADO: JOÃO DELFINO

RECORRIDO: BANCO DO BRASIL S/A

ADVOGADO: NELSON BUGANZA JUNIOR E OUTRO(S)

RECORRIDO: CIPO COMÉRCIO E INDÚSTRIA PEDRO SALOMÃO LTDA E OUTRO

ADVOGADO: RAPHAEL MEDEIROS E OUTRO(S)

EMENTA

DIREITO COMERCIAL. SOCIEDADE POR QUOTAS DE RESPONSABILIDADE LIMITADA. GARANTIA ASSINADA POR SÓCIO A EMPRESAS DO MESMO GRUPO ECONÔMICO. EXCESSO DE PODER. RESPONSABILIDADE DA SOCIEDADE. TEORIA DOS ATOS ULTRA VIRES. INAPLICABILIDADE. RELEVÂNCIA DA BOA-FÉ E DA APARÊNCIA. ATO NEGOCIAL QUE RETORNOU EM BENEFÍCIO DA SOCIEDADE GARANTIDORA.

1. Cuidando-se de ação de declaração de nulidade de negócio jurídico, o litisconsórcio formado no pólo passivo é necessário e unitário, razão pela qual, nos termos do art. 320, inciso I, do CPC, a contestação ofertada por um dos consortes obsta os efeitos da revelia em relação aos demais. Ademais, sendo a matéria de fato incontroversa, não se há invocar os efeitos da revelia para o tema exclusivamente de direito.

2. Não há cerceamento de defesa pelo simples indeferimento de produção de prova oral, quando as partes, realmente, litigam exclusivamente em torno de questões jurídicas, restando incontroversos os fatos narrados na inicial.

3. A partir do Código Civil de 2002, o direito brasileiro, no que concerne às sociedades limitadas, por força dos arts. 1.015, § único e 1.053, adotou expressamente a ultra vires doctrine.

4. Contudo, na vigência do antigo Diploma (Decreto n.º 3.708/19, art. 10), pelos atos ultra vires, ou seja, os praticados para além das forças contratualmente conferidas ao sócio, ainda que extravasassem o objeto social, deveria responder a sociedade.

4. No caso em julgamento, o acórdão recorrido emprestou, corretamente, relevância à boa-fé do banco credor, bem como à aparência de quem se apresentava como sócio contratualmente habilitado à prática do negócio jurídico.

5. Não se pode invocar a restrição do contrato social quando as garantias prestadas pelo sócio, muito embora extravasando os limites de gestão previstos contratualmente, retornaram, direta ou indiretamente, em proveito dos demais sócios da sociedade fiadora, não podendo estes, em absoluta afronta à boa-fé, reivindicar a ineficácia dos atos outrora praticados pelo gerente.

6. Recurso especial improvido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, os Ministros da QUARTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça acordam, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas, por unanimidade, negar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Raul Araújo Filho e Honildo Amaral de Mello Castro (Desembargador convocado do TJ/AP) votaram com o Sr. Ministro Relator.

Ausentes, justificadamente, os Srs. Ministros Aldir Passarinho Junior e João Otávio de Noronha.

Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Luis Felipe Salomão.

Dr(a). NELSON BUGANZA JUNIOR, pela parte RECORRIDA: BANCO DO BRASIL S/A

Brasília, 1º de junho de 2010(data do julgamento)

MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO
Relator

RECURSO ESPECIAL Nº 704.546 - DF (2004/0102386-0)

RECORRENTE: MARTHA RODRIGUES SALOMÃO E OUTROS

ADVOGADO: JOÃO DELFINO

RECORRIDO: BANCO DO BRASIL S/A

ADVOGADO: NELSON BUGANZA JUNIOR E OUTRO(S)

RECORRIDO: CIPO COMÉRCIO E INDÚSTRIA PEDRO SALOMÃO LTDA E OUTRO

ADVOGADO: RAPHAEL MEDEIROS E OUTRO(S)

RELATÓRIO

O EXMO. SR. MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO (Relator):

1. Martha Rodrigues Salomão, Marília Rodrigues Salomão e Márcio Salomão ajuizaram ação de nulidade de atos jurídicos em face de Banco do Brasil S/A, Gilberto Salomão e Cipo - Comércio e Indústria Pedro Salomão Ltda. Noticiam que são sócios da terceira ré, cujas quotas perfazem 45% do capital social, e que o sócio Gilberto Salomão assinou, em favor do Banco do Brasil S/A, diversas cédulas de crédito comercial, como garantia hipotecária das obrigações assumidas por C&K - Comércio Distribuição e Representação Ltda, Carvalho & Koffes Ltda e Engisa Engenharia e Construções Ltda. Porém, o sócio Gilberto Salomão, por expressa vedação contratual, não detinha poderes para prestar tal garantia a terceiros, em nome da Cipo, especialmente porque de natureza estranha aos negócios designados como objeto da sociedade. Diante do alegado abuso de poder do sócio gerente Gilberto e considerando que o Banco do Brasil havia iniciado a execução para cobrança da dívida, requereram, então, a declaração de nulidade das cédulas de crédito comercial e a liberação dos imóveis dados em garantia.

O Juízo de Direito da 5ª Vara Cível da Circunscrição Especial de Brasília/DF julgou improcedente o pedido formulado na inicial (fls. 486/496).

Em grau de apelação, o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, por maioria, manteve a sentença, nos termos da seguinte ementa:

PROCESSUAL CIVIL - COMERCIAL - PRELIMINAR - CONTESTAÇÃO - TEMPESTIVIDADE - JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE - CERCEAMENTO DE DEFESA - SOCIEDADE - GARANTIAS REAIS PRESTADAS PELO SÓCIO-GERENTE - INOBSERVÂNCIA DO CONTRATO SOCIAL - TERCEIRO DE BOA-FÉ - TEORIA ULTRA VIRES - INAPLICABILIDADE.

Acolhida a exceção de incompetência, necessária se faz a intimação do réu, na pessoa de seu advogado, no juízo competente, para que, então, se reinicie o prazo para contestar.

Sendo o caso de julgamento antecipado da lide, de acordo com o art. 330, I, do CPC, inexiste o cerceamento do direito de defesa com a não produção das provas requeridas, se desnecessárias.

Ainda que o contrato social vede ao sócio-gerente contrair obrigações estranhas ao interesse social, a inobservância deste preceito não prejudica o terceiro de boa-fé, implicando apenas responsabilização do gerente perante os demais sócios.

A responsabilidade do sócio não exclui a responsabilidade social, pois patente a solidariedade existente entre os mesmos, conforme se infere do art. 10 do Decreto 3.708/19. (fl. 545)

Sobreveio recurso especial com amparo nas alíneas "a" e "c" do permissivo constitucional, no qual se alega, além de dissídio jurisprudencial, ofensa aos seguintes artigos:

a) art. 306 do CPC: sustentam os recorrentes a intempestividade da contestação do Banco do Brasil, porquanto a exceção de incompetência oposta somente suspende o curso do processo até o seu "julgamento definitivo", que ocorrera ainda em primeira instância, uma vez que o recurso cabível contra a decisão que resolve a exceção (agravo de instrumento) não possui efeito suspensivo. Rechaça-se, assim, o entendimento do Tribunal a quo, no sentido de que o prazo para contestação somente recomeçaria a correr depois da intimação sobre o retorno dos autos à origem;

b) art. 332 do CPC: alegam cerceamento de defesa no julgamento antecipado da lide, tendo em vista que a prova oral, que foi indeferida pelo juízo de piso, seria apta a demonstrar que o Banco do Brasil S/A tinha conhecimento das vedações previstas no contrato social da empresa;

c) art. 10 do Decreto n.º 3.708/19: aduzem, em síntese, que as vedações do contrato social - de que o sócio não poderia, isoladamente, prestar garantia a terceiros em desacordo com os interesses da empresa -, atingem terceiros contratantes, não se aplicando, ao caso, o princípio da aparência e da boa-fé, já que o contratante possuía pleno conhecimento do abuso de poder em que agiu o sócio.

Contra-arrazoado (fls. 582/597), o especial foi inadmitido (fls. 599/600).

Os autos ascenderam a esta Corte por força de provimento do Ag. 576.279/DF.

É o relatório.

RECURSO ESPECIAL Nº 704.546 - DF (2004/0102386-0)

RELATOR: MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO

RECORRENTE: MARTHA RODRIGUES SALOMÃO E OUTROS

ADVOGADO: JOÃO DELFINO

RECORRIDO: BANCO DO BRASIL S/A

ADVOGADO: NELSON BUGANZA JUNIOR E OUTRO(S)

RECORRIDO: CIPO COMÉRCIO E INDÚSTRIA PEDRO SALOMÃO LTDA E OUTRO

ADVOGADO: RAPHAEL MEDEIROS E OUTRO(S)

EMENTA

DIREITO COMERCIAL. SOCIEDADE POR QUOTAS DE RESPONSABILIDADE LIMITADA. GARANTIA ASSINADA POR SÓCIO A EMPRESAS DO MESMO GRUPO ECONÔMICO. EXCESSO DE PODER. RESPONSABILIDADE DA SOCIEDADE. TEORIA DOS ATOS ULTRA VIRES. INAPLICABILIDADE. RELEVÂNCIA DA BOA-FÉ E DA APARÊNCIA. ATO NEGOCIAL QUE RETORNOU EM BENEFÍCIO DA SOCIEDADE GARANTIDORA.

1. Cuidando-se de ação de declaração de nulidade de negócio jurídico, o litisconsórcio formado no pólo passivo é necessário e unitário, razão pela qual, nos termos do art. 320, inciso I, do CPC, a contestação ofertada por um dos consortes obsta os efeitos da revelia em relação aos demais. Ademais, sendo a matéria de fato incontroversa, não se há invocar os efeitos da revelia para o tema exclusivamente de direito.

2. Não há cerceamento de defesa pelo simples indeferimento de produção de prova oral, quando as partes, realmente, litigam exclusivamente em torno de questões jurídicas, restando incontroversos os fatos narrados na inicial.

3. A partir do Código Civil de 2002, o direito brasileiro, no que concerne às sociedades limitadas, por força dos arts. 1.015, § único e 1.053, adotou expressamente a ultra vires doctrine.

4. Contudo, na vigência do antigo Diploma (Decreto n.º 3.708/19, art. 10), pelos atos ultra vires, ou seja, os praticados para além das forças contratualmente conferidas ao sócio, ainda que extravasassem o objeto social, deveria responder a sociedade.

4. No caso em julgamento, o acórdão recorrido emprestou, corretamente, relevância à boa-fé do banco credor, bem como à aparência de quem se apresentava como sócio contratualmente habilitado à prática do negócio jurídico.

5. Não se pode invocar a restrição do contrato social quando as garantias prestadas pelo sócio, muito embora extravasando os limites de gestão previstos contratualmente, retornaram, direta ou indiretamente, em proveito dos demais sócios da sociedade fiadora, não podendo estes, em absoluta afronta à boa-fé, reivindicar a ineficácia dos atos outrora praticados pelo gerente.

6. Recurso especial improvido.

VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO (Relator):

2. Ressalto, de saída, que as teses unicamente debatidas em voto vencido não têm a virtualidade de abrir a instância recursal especial, porquanto não preenchido o requisito do prequestionamento, conforme a Súmula n.º 320/STJ: "A questão federal somente ventilada no voto vencido não atende ao requisito do prequestionamento".

Com efeito, rejeita-se a pretensão do recorrente, notadamente no que concerne à existência de empresa com sócios distintos.

3. Rejeito a insurgência também no que concerne à eventual intempestividade da peça contestatória apresentada pelo primeiro réu, porquanto a discussão é absolutamente irrelevante ao desate da controvérsia.

3.1. Primeiramente, porque, cuidando-se de ação de declaração de nulidade de negócio jurídico, o litisconsórcio formado no polo passivo é necessário e unitário, razão pela qual, nos termos do art. 320, inciso I, do CPC, a contestação ofertada por um dos consortes obsta os efeitos da revelia em relação aos demais.

Nesse sentido, confiram-se os precedentes: REsp 493.736/SP, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 01/04/2004; REsp 139.788/BA, Rel. Ministro EDUARDO RIBEIRO, TERCEIRA TURMA, julgado em 15/12/1998.

3.2. De mais a mais, somente os fatos narrados na inicial, eventualmente, reputar-se-ão verdadeiros, mas não as consequências jurídicas pretendidas pelo autor.

No caso ora em exame, as partes não litigam em torno de fatos, os quais, de resto, são incontroversos, notadamente em relação ao apontado abuso do sócio quando da prestação de garantias a terceiros, restando controvertida apenas eventual sanção aos contratantes, o que, a toda evidência, decorre exclusivamente da lei. A celeuma, portanto, é unicamente de direito.

Assim já decidiu esta Corte Superior:

RECURSO ESPECIAL - PROCESSO CIVIL - AÇÃO RESCISÓRIA - VIOLAÇÃO LITERAL DE LEI - ERRO DE FATO - EXAME DE ATOS E DOCUMENTOS DA CAUSA - POSSIBILIDADE EM RAZÃO DA QUESTÃO.

- Os efeitos da revelia não atingem às questões de direito, nem conduzem à inexorável procedência do pedido.

(...)

(REsp 733.742/MG, Rel. Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS, TERCEIRA TURMA, julgado em 23/11/2005, DJ 12/12/2005 p. 382)

_________________________

No mesmo sentido, confiram ainda o REsp 345.622/DF, Rel. Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR, QUARTA TURMA, julgado em 25/05/2004.

4. Não prospera, ademais, a tese de cerceio de defesa.

4.1. É de se ressaltar que no sistema de persuasão racional, ou livre convencimento motivado, adotado pelo Código de Processo Civil nos arts. 130 e 131, de regra, não cabe compelir o magistrado a autorizar a produção desta ou daquela prova, se por outros meios estiver convencido da verdade dos fatos. Isso decorre da circunstância de ser o juiz o destinatário final da prova, a quem cabe a análise da conveniência e necessidade da sua produção. Nesse sentido, é a jurisprudência da Casa: REsp 967.644/MA, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, QUARTA TURMA, julgado em 15/04/2008, DJe 05/05/2008; REsp 844.778/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 08/03/2007, DJ 26/03/2007 p. 240.

Com efeito, não há cerceamento de defesa no simples indeferimento de produção de prova oral, mesmo porque, como dito alhures, as partes, realmente, litigam exclusivamente em torno de questões jurídicas, restando incontroversos os fatos narrados na inicial.

Nesse passo, o acórdão recorrido bem delineou a celeuma entabulada nos autos:

Ressalva, o parágrafo único da referida cláusula, que dentre os poderes conferidos ao administrador não se inclui o de contrair obrigações estranhas ao interesse social, dar fiança, empregar a denominação social em obrigações em favor de terceiros ou negócios alheios à sociedade, ainda que sob a forma cambiária, sob pena de responsabilidade pessoal.

O que se indaga, portanto, é se aquelas garantias devem prevalecer em face do banco que as aceitou, ou se a desobediência ao contrato social implica apenas responsabilidade do gerente perante os demais sócios.

Rejeito, portanto, o alegado cerceio de defesa.

5. Versam os autos sobre garantias hipotecárias prestadas por sócio gerente que, alegadamente, não dispunha de poderes contratuais para representar a sociedade, no caso caracterizada como de responsabilidade limitada. Os autores são sócios e co-proprietários da sociedade garantidora.

O Tribunal a quo, mesmo reconhecendo o abuso de poder do sócio, negou provimento à apelação, mantendo incólumes as hipotecas dadas em garantia, em síntese, pelos seguintes fundamentos:

Com efeito, mesmo que contrário aos limites estabelecidos no contrato social, da interpretação sistemática da legislação que rege a matéria conclui-se que a responsabilidade do sócio não exclui a responsabilidade social, pois patente a solidariedade existente entre os mesmos, conforme se infere do art. 10 do Dec. n° 3.708/19.

(...)

Não se pode negar a boa-fé do Banco, mesmo porque seu único interesse é ver reconhecida a validade da garantia para que possa receber de volta o que emprestou. Aliás, nada obstante a negativa dos autores, essas garantias favoreceram empresas com sócios comuns, como a "Engisa - Engenharia e Construção Ltda.", da qual participam não só os integrantes de "C & K - Comércio, Distribuição e Representação Ltda." (fls. 262/265), como também os senhores Gilberto e Márcio Salomão, integrantes da "Cipo - Comércio e Indústria Pedro Salomão Ltda." (fls. 331/334).



6. Por ocasião do julgamento do REsp. n.º 505.506/RS, em que fiquei vencido, asseverei que "o que limita o campo de ação da sociedade é a chamada 'especialização estatutária' (...)" e, "se a pessoa jurídica é constituída em razão de uma finalidade específica (objeto social), em princípio, os atos consentâneos a essa finalidade, praticados em nome e por conta da sociedade, por seus representantes legais, devem ser a ela imputados"; para, então, concluir que "o ponto nevrálgico - como bem lembrado por Waldemar Ferreira, no seu Tratado de Sociedades Mercantis - é sempre saber "se o negócio é de interesse da sociedade ou estranho ao seu objeto".

Assim, naquele caso concreto, especificamente, firmei convicção de que "as limitações estatutárias ao exercício da diretoria, em princípio, são, de fato, matéria interna corporis, inoponíveis a terceiros de boa fé que com a sociedade venham a contratar", citando, assim, doutrina do professor Modesto Carvalhosa.

O atual Código Civil, seguindo essa trilha, prevê, em seu art. 1.015, § único:

O excesso por parte dos administradores somente pode ser oposto a terceiros se ocorrer pelo menos uma das seguintes hipóteses:

I - se a limitação de poderes estiver inscrita ou averbada no registro próprio da sociedade;

II - provando-se que era conhecida do terceiro;

III - tratando-se de operação evidentemente estranha aos negócios da sociedade.

Com efeito, a partir do Código Civil de 2002, o direito brasileiro, no que concerne às sociedades simples - e, por força do art. 1.053 do mesmo Diploma, às sociedades limitadas -, adotou expressamente a ultra vires doctrine, o que não ocorria na vigência do Decreto n.º 3.708/19, Diploma que regia o tema até 2002.

7. De fato, na vigência do antigo Diploma, pelos atos ultra vires, ou seja, os praticados para além das forças contratualmente conferidas ao sócio, ainda que extravasassem o objeto social, deve responder a sociedade.

O art. 10 do Decreto n.º 3.708/19, listado como violado, não exclui a responsabilidade da empresa por atos dos sócios, mas, ao contrário, a consagra.

O mencionado artigo está assim redigido:

Art. 10. Os socios gerentes ou que derem o nome á firma não respondem pessoalmente pelas obrigações contrahidas em nome da sociedade, mas respondem para com esta e para com terceiros solidaria e illimitadamente pelo excesso de mandato e pelos actos praticados com violação do contracto ou da lei.

Explicitamente, o dispositivo prevê apenas a responsabilidade pessoal do sócio em relação à sociedade e a terceiros, e é essa a interpretação doutrinária acerca do dispositivo:

(...) pela doutrina ultra vires, a sociedade não pode ser responsabilizada por atos alheios ao objeto social, praticados em seu nome; há responsabilidade direta e pessoal do sócio-gerente que usa abusivamente o nome da sociedade. Contudo, o texto do art. 10 do decreto focalizado, preocupado em proteger a boa-fé do terceiro que julgou contratar com mandatário apto, estipula a responsabilidade do sócio-gerente perante a sociedade, seja por excesso de mandato, seja por violação do contrato social. Perante terceiros responde a sociedade, como se o sócio-gerente tivesse os poderes que não tem, ou os poderes que aparenta ter. (FAZZIO JÚNIOR, Waldo. Sociedades limitadas: de acordo com o código civil de 2002. 2 ed. São Paulo: Atlas, 2007, p. 172)

Não obstante a falta de explicitação, é de se concluir, por absoluta lógica, que, do art. 10 do Decreto n.º 3.708/19, se extrai a responsabilidade da sociedade limitada perante terceiros de boa-fé por atos do gerente, mesmo se praticados com "excesso de mandato".

É que não haveria razão para que, por atos praticados com desvio de poder, o sócio-gerente respondesse perante a sociedade, se esta não se responsabilizasse perante terceiros. Ou seja, a sociedade não haveria do que ser ressarcida pelos atos do sócio, e por este, caso esses mesmo atos fossem tidos por ineficazes em relação à sociedade.

Essa é a insofismável exegese de Cunha Peixoto relativa ao art. 10 do Decreto n.º 3.708/19:

(...) se a sociedade não fosse obrigada perante terceiros pelos atos praticados pelo seu gerente mesmo com violação do contrato, seria inútil o dispositivo, na parte em que impõe ao gerente a responsabilidade solidária e ilimitada para com a sociedade. Bastaria que o fosse com relação a terceiro. Se o ato não obriga a sociedade, não produz, quanto a ela, efeito, e, portanto, não haveria razão para responsabilizar o gerente perante os sócios. (A sociedade por cota. APUD. LUCENA, José Waldecy. Das sociedades limitadas. 6 ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 449)

Com efeito, o certo é que, na vigência da lei antiga das limitadas (Decreto n.º 3.708/19), como bem asseverou Fábio Ulhoa Coelho, a sociedade, de regra, respondia "por todos os atos praticados em seu nome, ainda que extravagantes do seu objeto social" (Curso de direito comercial, volume 2: direito de empresa: sociedades. 13 ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 461).

Essa solução encontra amplo suporte na jurisprudência da Casa:

SOCIEDADE POR COTAS. SOCIO-GERENTE. RESPONSABILIDADE. O ato do sócio-gerente, com violação do contrato, obriga a sociedade perante terceiro de boa-fé. Inteligência do art. 10 do Decreto n.3.708/19.

Recurso especial conhecido e provido.

(REsp 1695/MS, Rel. Ministro NILSON NAVES, TERCEIRA TURMA, julgado em 13/03/1990, DJ 02/04/1990 p. 2455)

_________________________

Operação de compra e venda de imóvel. Venda efetuada pelo sócio majoritário. Precedentes da Corte.

1. Reconhecendo o acórdão que a compradora qualificava-se como terceira de boa-fé, sendo o negócio aperfeiçoado com a participação do sócio majoritário da vendedora, detentor de mais de 90% das cotas sociais, o negócio deve ser validado, sob pena de se criar caminho para manobra de toda ordem, manchando a realidade dos fatos, quando há interpretação disponível para cobrir o caminho.

2. Recurso especial conhecido e provido.

(REsp 293836/PE, Rel. Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO, TERCEIRA TURMA, julgado em 10/08/2006, DJ 18/09/2006 p. 308)

_________________________

Recurso especial. Contratos de construção. Competência de vara cível, na comarca de São Paulo, de foro regional em cuja área está situada a sede da empresa ré.

Contrato firmado por gerente-técnico da ré, prevalecendo o principio da aparência do direito, em tutela da boa-fé da outra parte contratante.

(...)

Recurso especial não conhecido.

(REsp 4095/SP, Rel. Ministro ATHOS CARNEIRO, QUARTA TURMA, julgado em 11/09/1990, DJ 09/10/1990 p. 10901)

_________________________

PROCESSUAL CIVIL. LOCAÇÃO. JULGAMENTO EXTRA PETITA. INOCORRÊNCIA. FIANÇA. DIRETOR. VALIDADE. VEDAÇÃO INSCRITA NO ESTATUTO DA EMPRESA. INAPLICABILIDADE AO TERCEIRO DE BOA-FÉ. INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA DA FIANÇA. PREVALÊNCIA. SÚMULA 214 DA CORTE.

(...)

É válida a fiança prestada por sócio-diretor de empresa com poderes de administração, sendo certo que a existência de vedação no contrato social pertine às relações entre os sócios, não tendo o condão de prejudicar o terceiro de boa-fé.

(...)

Recurso especial conhecido e desprovido.

(REsp 180.301/SP, Rel. Ministro GILSON DIPP, QUINTA TURMA, julgado em 19/08/1999, DJ 13/09/1999 p. 92)

_________________________

8. Por outro lado, ainda que se visualize a celeuma sob a ótica principiológica da boa-fé de terceiros, levando-se em conta a teoria da aparência, a solução será a mesma.

Isso porque, ao que consta do acórdão recorrido e da sentença, a garantia prestada pelo sócio a terceiros em nome da empresa não se tratou, verdadeiramente, de um ato de liberalidade pessoal, absolutamente alheio aos interesses da sociedade fiadora.

Ao contrário, restou firmado no acórdão que as garantias foram prestadas para empresas do mesmo grupo, havendo, inclusive, nítida confusão patrimonial entre as sociedades, porquanto várias das empresas garantidas possuíam sócios comuns na empresa garantidora, afigurando-se sugestiva, ademais, a relação de parentesco entre os sócios.

Nesse sentido, afirmou a sentença:

Com efeito, vale ressaltar, a certeza de que as garantias foram prestadas às pessoas jurídicas integrantes do grupo de empresas do conglomerado GILBERTO SALOMÃO. Portanto, cai no vazio a principal tese de que houve desvio de finalidade, em razão de favor prestado a terceiro. (fl. 491)

Na mesma direção, posicionou-se o acórdão recorrido:

Aliás, nada obstante a negativa dos autores, essas garantias favoreceram empresas com sócios comuns, como a "Engisa - Engenharia e Construção Ltda.", da qual participam não só os integrantes de "C & K - Comércio, Distribuição e Representação Ltda." (fls. 262/265), como também os senhores Gilberto e Márcio Salomão, integrantes da "Cipo - Comércio e Indústria Pedro Salomão Ltda." (fls. 331/334).

É verdade que não se trata de um conglomerado, já que inexistente a participação societária recíproca, seja sob a forma de empresas coligadas, controladas ou controladoras. Porém, diante do entrelaçamento dos sócios e das empresas envolvidas no negócio, sem falar da relação de parentesco entre eles existente, é de se concluir que os autores, se não se beneficiaram, pelo menos poderiam ter se beneficiado de todas as negociações que culminaram no oferecimento das garantias em questão. Não tinha o Banco, portanto, motivos para a recusa, mesmo diante da proibição estatutária. (fls. 551/552)

E reforça, o voto revisor:

Em que pese a restrição a esses poderes, contida no Parágrafo primeiro, que veda a contratação de obrigações estranhas ao interesse social, dentre outras, verifica-se que as garantias ora sub exame favoreceram empresas que têm sócios comuns umas às outras, em especial, o apelante Márcio Salomão.

Indiscutível, pois, o benefício direto/indireto conferido aos autores por meio da contratação das garantias, a ensejar a responsabilidade pelos compromissos assumidos. (fl. 556)

No particular, deve-se emprestar relevância à boa-fé do banco credor, bem como à aparência de quem se apresentava como sócio contratualmente habilitado à prática do negócio jurídico.

Orlando Gomes, no já distante ano de 1.967, ao comentar a tutela da aparência e o princípio da boa-fé, assim se posicionou:

Em todos esses casos, aparece como verdadeiro um fenômeno que não é real. O parecer sem ser põe em jogo relevantes interesses que a lei não pode ignorar.

(...)

O reconhecimento de efeitos jurídicos a situações aparentes pode justificar-se doutrinariamente pela aplicação do princípio que protege a boa-fé, ou mediante construções jurídicas particulares com a teoria da tutela de expectativa ou da posse de direitos.

(...)

Importa, por outras palavras, que o cumprimento desse ato seja normal em relação à atividade exercida pelo procurador, nessa qualidade. A boa-fé do terceiro precisa estar respaldada pela normalidade do ato, aferida pela prática da atividade profissional que exerce. Se é, por exemplo, um agente distribuidor e o comitente limita os poderes geralmente concedidos a tais profissionais, a prática de um ato proibido, mas geralmente aceito como próprio da atividade desses comerciantes não despertará em terceiros desconfiança, podendo, por sua normalidade, levá-lo a uma relação jurídica que, devido à aparência, deve produzir os seus devidos efeitos sem embargo do excesso cometido pelo agente. (As transformações gerais do direito das obrigações. São Paulo: RT, 1967, pp. 93-108)



Por outro lado, exigências desconexas com a realidade do caso concreto - a qual sinalizava que o banco não tinha, de fato, motivos para a recusa do negócio jurídico - testilham com a essência do Direito Comercial, que repele o formalismo exacerbado, em benefício do dinamismo do tráfego jurídico, da celeridade e segurança das relações mercantis. Impõe-se, na verdade, "oferecer proteção ao terceiro que, de boa-fé, celebre negócio jurídico com sociedade que seja representada por diretor ou sócio-gerente que aparente poderes bastantes". (LEÃES, ob. cit. p. 27/28)

Ressalto, ademais, que os atos de liberalidade do sócio, eventualmente capazes de serem considerados ineficazes à sociedade, se examinados por um viés principiológico, são aqueles "que diminuem, de qualquer sorte, o patrimônio social, sem que tragam para a sociedade nenhum benefício ou vantagem de ordem econômica" (VALVERDE, Trajano de Miranda. Sociedade por ações, volume II. 3 ed. Forense, 1959, p. 322).

Porém, das premissas fáticas firmadas nas instâncias ordinárias - das quais não se afasta este STJ (Súmula 7) -, emerge conclusão de que as garantias prestadas pelo sócio, muito embora extravasando os limites de gestão previstos contratualmente, retornaram, direta ou indiretamente, em proveito dos demais sócios da sociedade fiadora, não podendo estes, em absoluta afronta à boa-fé, reivindicar a ineficácia dos atos outrora praticados pelo gerente.

Em realidade, consoante sinalizado pelo aresto recorrido, indiretamente e em alguma medida, os autores são, a um só tempo, garantes e garantidos do contrato, circunstância capaz de, por si só, afastar a pretensão deduzida na inicial.

9. Diante do exposto, nego provimento ao recurso especial.

É como voto.

CERTIDÃO DE JULGAMENTO

QUARTA TURMA

Número Registro: 2004/0102386-0 REsp 704546 / DF

Números Origem: 20000110713604 20030070090871 200302262032 713604

PAUTA: 01/06/2010 JULGADO: 01/06/2010

Relator
Exmo. Sr. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO

Ministro Impedido
Exmo. Sr. Ministro: JOÃO OTÁVIO DE NORONHA

Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO

Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. FERNANDO HENRIQUE OLIVEIRA DE MACEDO

Secretária
Bela. TERESA HELENA DA ROCHA BASEVI

AUTUAÇÃO

RECORRENTE: MARTHA RODRIGUES SALOMÃO E OUTROS

ADVOGADO: JOÃO DELFINO

RECORRIDO: BANCO DO BRASIL S/A

ADVOGADO: NELSON BUGANZA JUNIOR E OUTRO(S)

RECORRIDO: CIPO COMÉRCIO E INDÚSTRIA PEDRO SALOMÃO LTDA E OUTRO

ADVOGADO: RAPHAEL MEDEIROS E OUTRO(S)

ASSUNTO: Civil - Ato Jurídico - Anulatória

SUSTENTAÇÃO ORAL

Dr(a). NELSON BUGANZA JUNIOR, pela parte RECORRIDA: BANCO DO BRASIL S/A

CERTIDÃO

Certifico que a egrégia QUARTA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

A Turma, por unanimidade, negou provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.

Os Srs. Ministros Raul Araújo Filho e Honildo Amaral de Mello Castro (Desembargador convocado do TJ/AP) votaram com o Sr. Ministro Relator.

Ausentes, justificadamente, os Srs. Ministros Aldir Passarinho Junior e João Otávio de Noronha.

Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Luis Felipe Salomão.

Brasília, 01 de junho de 2010

TERESA HELENA DA ROCHA BASEVI
Secretária

Documento: 977477 Inteiro Teor do Acórdão - DJ: 08/06/2010




JURID - Direito comercial. Sociedade por quotas de responsabilidade. [17/06/10] - Jurisprudência

 



 

 

 

 

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