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sexta-feira, 11 de junho de 2010

JURID - Ato obsceno. Artigo 233, do código penal. Sentença. [11/06/10] - Jurisprudência


Ato obsceno. Artigo 233, do código penal. Sentença condenatória reformada.

Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul - TJRS

LECP

Nº 71002582849

2010/Crime

ATO OBSCENO. ARTIGO 233, DO CÓDIGO PENAL. SENTENÇA CONDENATÓRIA REFORMADA. Há ausência de dolo na conduta do acusado. Inexiste a vontade livre e consciente de ofender o pudor alheio. Afronta ao princípio da intervenção mínima do Direito Penal. Não há ofensa ao objeto jurídico tutelado, que é a moralidade pública. Impõe-se a absolvição. DERAM PROVIMENTO À APELAÇÃO.

Recurso Crime: Nº 71002582849

Turma Recursal Criminal: Comarca de Ibirubá

RECORRENTE: ANCELMO DE CAMPOS

RECORRIDO: MINISTERIO PUBLICO

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.

Acordam as Juízas de Direito integrantes da Turma Recursal Criminal dos Juizados Especiais Criminais do Estado do Rio Grande do Sul, À UNANIMIDADE, EM DAR PROVIMENTO À APELAÇÃO.

Participaram do julgamento, além da signatária, as eminentes Senhoras Dr.ª Ângela Maria Silveira (Presidente) e Dr.ª Cristina Pereira Gonzales.

Porto Alegre, 31 de maio de 2010.

DR.ª LAÍS ETHEL CORRÊA PIAS,
Relatora.

RELATÓRIO

Na comarca de Ibirubá, ANCELMO DE CAMPOS foi denunciado como incurso nas sanções do artigo 233 do Código Penal, porque, no dia 02 de dezembro de 2008, por volta das 14h15min, nas margens do Rio Pulador, na Rua Albino Beskow, Bairro Odila, praticou ato obsceno em lugar público.

Narra a inicial que o acusado retirou suas roupas e nadou nu, em completa exposição a quem ali passasse.

Não foram propostos os benefícios despenalizadores ao acusado, em face de que o autor, a eles não fazia jus (fls. 14/15).

O réu foi citado (fl. 29).

A denúncia, após a apresentação de defesa preliminar, foi recebida em 06/08/2009 (fl. 32).

Foram inquiridas a vítima e a testemunha arrolada pela acusação (fls. 33/39), realizado o interrogatório do acusado (fls. 51/53v.), substituídos os debates por alegações finais escritas (fl. 50).

A instrução foi reaberta para juntada da precatória de oitiva de testemunha da acusação (fl. 65), encerrando-se a instrução ulteriormente.

As partes apresentaram memoriais (fls. 73/79 e 80/82).

Sobreveio sentença (fls. 83/98), publicada em 18/03/2010, condenando o réu ANCELMO DE CAMPOS como incurso nas sanções do artigo 233 do Código Penal, à pena privativa de liberdade de 06 (seis) meses de detenção, a ser cumprida em regime inicial aberto, substituída por prestação de serviços à comunidade.

Inconformada, a defesa apelou (fls. 99/103), requerendo a absolvição do réu e, alternativamente, a fixação da pena base no mínimo cominado e isenção das custas processuais em face da hipossuficiência do acusado.

O Ministério Público apresentou contrarrazões (fls. 105/111).

Remetidos os autos a esta Turma Recursal Criminal, o Dr. Promotor nesta sede manifestou-se pelo conhecimento e desprovimento do recurso.

VOTOS

Dr.ª Laís Ethel Corrêa Pias (RELATORA)

Conheço do recurso, uma vez que cabível, adequado e tempestivo.

Merece prosperar a inconformidade defensiva.

O registro de ocorrência traz informações do comunicante Gustavo de Almeida da Rocha, policial militar, que relata a versão trazida pela vítima indireta Tereza de Fátima da Silva. Segundo o relato, um homem estaria tomando banho nu às margens do Rio Pulador. Chegando ao local, o policial deparou-se com o indivíduo vestindo as roupas.

Tereza de Fátima da Silva (fls. 09 e 33/36) narra que, após constatar a nudez do acusado, chamou a Brigada Militar. Quando chegaram os policiais, o réu já havia se vestindo. Aduz que foi pescar no local, nunca havendo se deparado com o indivíduo anteriormente. Em juízo, acrescenta estar acompanhada da cunhada Ana Leda, do filho e de um amigo. Sustenta haver perguntado ao réu se iria se vestir, não tendo o mesmo esboçado qualquer reação. Alega haver residências nas proximidades do rio, sendo comum que as crianças o utilizem para se refrescar. Assenta estar o réu sobre uma pedra, molhando somente a mão e o cabelo. Sentiu-se ofendida pelo fato de o acusado estar nu em lugar inapropriado, bem como por haver lhe ignorado quando questionado se iria vestir-se. Assevera só haver o acusado se vestido quando a Brigada Militar chegou.

Ana Leda da Silva (fls. 37/39) afirma ter visto de longe o fato. Aduz haver o réu colocado a roupa quando viu ela e Tereza se aproximando. Assevera ser o lugar público. Aduz não ter visto direito, pois foi a última a chegar, afirmando estar o acusado dentro da água. Não viu Tereza solicitar que o réu se vestisse. Presenciou o acusado sair da água para botar a roupa. Alega haver a vítima indireta virado as costas quando constatou a nudez de Ancelmo.

Gustavo de Almeida da Rocha (fls. 10 e 65), policial militar, refere haver sido chamado pela Sala de Operações para atender a ocorrência, deparando-se com o indivíduo colocando a roupa. Refere haver o réu confirmado que tomara banho nu para se refrescar, pois estava com calor. Em juízo, afirma que foi solicitado ao réu que colocasse as roupas, pois ainda estava nu no momento da abordagem.

O réu (fls. 11 e 51/53v.) alega haver tomado banho nu por estar muito quente, sendo que não existiam pessoas nas proximidades do local quando o fez. Ao perceber a aproximação das mulheres, imediatamente colocou as roupas. Aduz dirigir-se eventualmente ao local. Justifica a nudez pelo fato de não querer molhar a roupa. Sustenta ser o local no interior de propriedade privada, porém aberto ao público. Nega ter sido visto pelado pelas mulheres.

Da análise dos depoimentos, entendo como inexistente a configuração do dolo imprescindível à configuração da prática delitiva.

Como ressalta Nucci, o elemento subjetivo do tipo é o dolo, "exigindo-se, ainda, o elemento subjetivo específico, consistente na vontade particular de ofender o pudor alheio. Não há forma culposa" (1)

Não entendo que o acusado tenha, com sua conduta, objetivado chocar e ferir o decoro das pessoas que presenciaram a cena.

A meu ver, o réu banhava-se com o intuito de se refrescar, todavia o fez em lugar público ou, pelo menos, exposto ao público, uma vez que havia residências em torno do local e poderia ser ele acessado livremente por qualquer pessoa. Porém, apesar de ter assumido o risco de ser presenciado nu, vejo como culposa a conduta, inexistindo para o delito punição a título de culpa.

Por outro lado, não praticou qualquer gesto ofensivo obsceno. Desta forma, ainda que em lugar inadequado, considero atípica a ação realizada pelo réu.

É sabido que, hoje em dia, houve significativas mudanças sociais no sentido de tolerar determinadas atitudes. A nudez perdeu seu caráter de tabu, ainda que devam ser respeitados certos limites. Não havendo o réu praticado gesto ofensivo a fim de chocar as pessoas que o flagraram, entendo como suficiente a advertência sofrida, por parte dos policiais que o abordaram, bem como responder ao processo, já serve como uma espécie de punição, parecendo-me excessiva qualquer punição na esfera penal.

O Direito Penal deve estar em sintonia com princípios morais e éticos, absorvendo as freqüentes mudanças atinentes a comportamentos considerados aceitáveis ou não. Mostrando os meios de comunicação condutas bem mais ousadas que a do réu, entendo como impossível puni-lo na esfera penal por tomar banho nu em lugar público, num dia de calor, com o objetivo de refrescar-se. Ainda que não seja sua conduta apropriada, razão pela qual foi advertido pela vítima indireta e pelo policial que o abordou, estaria uma eventual condenação ofendendo o princípio da intervenção mínima do Direito Penal.

Portanto, não havendo dolo na conduta do acusado, não se configura o delito previsto no artigo 233 do Código Penal. Nesse sentido já decidiu esta Turma Recursal:

EMENTA: ATO OBSCENO. ARTIGO 233, DO CÓDIGO PENAL. SENTENÇA CONDENATÓRIA REFORMADA. Na ausência de dolo na conduta do acusado, e fato ocorrido sem testemunhas presenciais, além, dos policiais que realizavam patrulha de rotina, não há lesividade social. Especialmente porque restou incontroversa a situação subjetiva de submissão a efeitos de cocaína e álcool em quantidade elevada. Portanto, não houve ofensa ao objeto jurídico tutelado que é a moralidade pública. Impõe-se a absolvição. DERAM PROVIMENTO À APELAÇÃO. (Recurso Crime Nº 71001568666, Turma Recursal Criminal, Turmas Recursais, Relator: Alberto Delgado Neto, Julgado em 31/03/2008)

Desta forma, acolho o recurso defensivo, reformando a sentença a quo para absolver ANCELMO DE CAMPOS da prática do delito tipificado no artigo 233 do Código Penal, o que faço com fulcro no artigo 386, inciso III, do Código de Processo Penal.

Voto, pois, em dar provimento ao apelo.

Dr.ª Cristina Pereira Gonzales (REVISORA) - De acordo com o(a) Relator(a).

Dr.ª Ângela Maria Silveira (PRESIDENTE) - De acordo com o(a) Relator(a).

DR.ª ÂNGELA MARIA SILVEIRA - Presidente - Recurso Crime nº 71002582849, Comarca de Ibirubá: "À UNANIMIDADE DERAM PROVIMENTO À APELAÇÃO."


Juízo de Origem: VARA IBIRUBA - Comarca de Ibirubá

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1 - NUCCI, Guilherme de Souza. Código penal comentado. 6ª edição - São Paulo: Editora Revista dos Tribunais: 2006. [Voltar]




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