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quinta-feira, 25 de março de 2010

JURID - Tratamento de saúde gratuito [25/03/10] - Jurisprudência


Agricultor terá tratamento com quimioterapia gratuito.

PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE

JUÍZO DE DIREITO DA 4ª VARA DA FAZENDA PÚBLICA DA COMARCA DE NATAL


Processo nº: 001.10.005605-0
Ação: Ação ordinária c/c Pedido de Tutela Antecipada
Autor: Edson Irineu da Silva
Defensora Pública: Jeanne Karenina Santiago Bezerra e outro
Réu: Estado do Rio Grande do Norte


DECISÃO INTERLOCUTÓRIA

Trata-se de Ação Ordinária c/c Pedido de Tutela Antecipada interposta por EDSON IRINEU DA SILVA, devidamente qualificado nos autos, em desfavor do ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE, pleiteando o imediato fornecimento de medicamentos que possam atuar no tratamento de sua doença.

Alega o autor ser agricultor, na zona rural do Município de Monte Alegre, e portador de um câncer, encontrando-se em tratamento hospitalar no Centro de Referência Liga contra o Câncer, nesta capital.

A médica especialista responsável pelo tratamento, o Dra. Irian G. Farkatt, CRM/RN 2755, emitiu relatório afirmando que o requerente está com diagnóstico de linfoma não-Hodkin difuso de grandes células B(CID 10 =C 83.3, seguindo com tratamento quimioterápico, com necessidade do uso da substância rituximabe (Mabthera - ROCHE), por 06(seis) ciclos, ou seja, aplicação de 06 frascos de Rituximabe 500 mg e 12 frascos de Rituximabe 100 mg, para incrementar as chances de resposta do seu tratamento.

Ressalta a autora, por oportuno, que necessita do uso contínuo da medicação, porém encontra entraves em prover com o tratamento médico, em virtude do tratamento ser de alto custo, não podendo arcar com tais despesas sem atingir a sua subsistência.

Fundamenta sua pretensão no direito constitucional à saúde e correspondente dever do Estado de assegurar, com absoluta prioridade, o exercício de tal faculdade. Discorreu, ainda, acerca dos requisitos que autorizam a concessão da tutela antecipada.

Ao final, pleiteou os benefícios da justiça gratuita, bem como a concessão da tutela antecipada para determinar que o requerido forneça o medicamento indicado nos autos, em conformidade com a prescrição médica.

É o relatório. Decido.

Defiro a gratuidade judiciária requerida, nos termos do que consta na Lei nº 1.060/50, com alterações posteriores.

No que se refere a inexistência de instrumento procuratório na petição inicial, verifico a não obrigatoriedade do já citado instrumento postulatório e a falta de prejuízo ao transcurso regular do processo, quando se trata de atuação de membros da Defensoria Pública, como se observa da leitura do art. 128, IX da Lei 80/94 e do art. 16 da Lei nº 1.060/50.

Ressalto, porém, que tal permissibilidade legal dos Defensores Públicos dirigem-se à atuação geral para o foro, impedindo que os mesmos atuem especificamente para receber citação inicial, confessar, reconhecer a procedência do pedido, transigir, desistir, renunciar ao direito que se funda a ação, receber, dar quitação e firmar compromisso, conforme as disposições do caput do art. 38 do Código de Processo Civil.

No que concerne à medida de urgência, consoante dispõe o art. 273 do Código de Processo Civil, pode-se afirmar que são requisitos para a antecipação da tutela jurisdicional o requerimento da parte, a existência de prova inequívoca, a verossimilhança da alegação, o fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação ou abuso de direito de defesa ou manifesto propósito protelatório do réu e a reversibilidade do provimento antecipado(1).

Analisando a presença dos citados requisitos indispensáveis a concessão da medida pretendida, está bem caracterizado, a par da documentação dos autos, sobretudo pelo receituário médico de fls. 22/23 dos autos, a necessidade de realizar o tratamento prescrito.

Assim sendo, pelo menos em uma análise perfunctória da matéria, própria em decisões dessa natureza(2), verifico que restam configurados os requisitos para concessão do provimento de urgência, sendo a verossimilhança embasada no direito da requerente receber os medicamentos supra citado e o receio de dano irreparável consubstanciado no risco à saúde da autora, que se constatará caso não seja concedido, initio litis, provimento de urgência em apresso.

Outrossim, a quantidade diária necessária restou demonstrada, eis que o receituário indica, além do remédio e aparelhos de forma precisa, a exata quantidade a ser utilizada.

Por outro lado, imperioso afirmar que o câncer, atua de forma intensa no organismo humano, exigindo um efetivo controle por meio de medicação específica, cuja aquisição particular, na maioria das vezes, sacrifica financeiramente a família e o doente, já sofrido em decorrência da doença.

Nossa Constituição Federal, em seu art. 196, preconiza a saúde como um direito de todos e dever do Estado, decorrente do intocável direito à vida (caput do art. 5º, da CF). É de se transcrever o dispositivo:

"A saúde é direito de todos e dever do estado, garantindo mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação".

Da mesma forma, as disposições infraconstitucionais da Lei nº 8.080/90 tratam do funcionamento dos serviços de saúde, adotando a descentralização político-administrativa como princípio básico do sistema de saúde, dando ênfase à atuação do Estado, embora todas as esferas de governo sejam responsáveis pela saúde da população.

Também o art. 23 da Carta Magna dispõe a competência de todos os níveis da Administração na garantia do exercício do direito público subjetivo à saúde. Vejamos:

"É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios:

I - omissis;

II - cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência."(grifo nosso)

Portanto, é, indubitavelmente, a responsabilidade do Estado do Rio Grande do Norte pela saúde do autor, de forma a incluir o fornecimento da medicação, principalmente em se tratando de doença grave, como a do caso, que requer despesas constantes, impossíveis de serem suportados diretamente pelo enfermo sem comprometer outros gastos com sua subsistência.

Diante de tudo exposto, não resta qualquer dúvida, diante das provas constantes dos autos, que a demora processual, inerente ao próprio trâmite, poderá trazer a ineficácia de um possível provimento final procedente, pois caso não seja garantido agora ao autor, o direito de ser-lhe fornecido o tratamento prescritos, poderá correr risco de morte, configurando deste modo, solidamente, o periculum in mora.

Para corroborar com a idéia da garantia da vida como objeto jurídico maior da sociedade, decidiram largamente os nossos Tribunais Superiores e Regionais sobre este tema de caráter indisponível, como se depreende das ementas abaixo destacadas:

"PACIENTE COM HIV/AIDS - PESSOA DESTITUÍDA DE RECURSOS FINANCEIROS - DIREITO À VIDA E À SAÚDE - FORNECIMENTO GRATUITO DE MEDICAMENTOS - DEVER CONSTITUCIONAL DO PODER PÚBLICO (CF, ARTS. 5º, CAPUT, E 196) - PRECEDENTES (STF) - RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO - O DIREITO À SAÚDE REPRESENTA CONSEQÜÊNCIA CONSTITUCIONAL INDISSOCIÁVEL DO DIREITO À VIDA - O direito público subjetivo à saúde representa prerrogativa jurídica indisponível assegurada à generalidade das pessoas pela própria Constituição da República (art. 196). Traduz bem jurídico constitucionalmente tutelado, por cuja integridade deve velar, de maneira responsável, o Poder Público, a quem incumbe formular - e implementar - políticas sociais e econômicas idôneas que visem a garantir, aos cidadãos, inclusive àqueles portadores do vírus HIV, o acesso universal e igualitário à assistência farmacêutica e médico-hospitalar. - O direito à saúde - além de qualificar-se como direito fundamental que assiste a todas as pessoas - representa conseqüência constitucional indissociável do direito à vida. O Poder Público, qualquer que seja a esfera institucional de sua atuação no plano da organização federativa brasileira, não pode mostrar-se indiferente ao problema da saúde da população, sob pena de incidir, ainda que por censurável omissão, em grave comportamento inconstitucional. A INTERPRETAÇÃO DA NORMA PROGRAMÁTICA NÃO PODE TRANSFORMÁ-LA EM PROMESSA CONSTITUCIONAL INCONSEQÜENTE - O caráter programático da regra inscrita no art. 196 da Carta Política - que tem por destinatários todos os entes políticos que compõem, no plano institucional, a organização federativa do Estado brasileiro - não pode converter-se em promessa constitucional inconseqüente, sob pena de o Poder Público, fraudando justas expectativas nele depositadas pela coletividade, substituir, de maneira ilegítima, o cumprimento de seu impostergável dever, por um gesto irresponsável de infidelidade governamental ao que determina a própria Lei Fundamental do Estado. DISTRIBUIÇÃO GRATUITA DE MEDICAMENTOS A PESSOAS CARENTES - O reconhecimento judicial da validade jurídica de programas de distribuição gratuita de medicamentos a pessoas carentes, inclusive àquelas portadoras do vírus HIV/AIDS, dá efetividade a preceitos fundamentais da Constituição da República (arts. 5º, caput, e 196) e representa, na concreção do seu alcance, um gesto reverente e solidário de apreço à vida e à saúde das pessoas, especialmente daquelas que nada têm e nada possuem, a não ser a consciência de sua própria humanidade e de sua essencial dignidade. Precedentes do STF." (STF - AGRRE 271286 - 2ª T. - Rel. Min. Celso de Mello - DJU 24.11.2000 - p. 00101).( grifo nosso)

"EMENTA: PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO - FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS - SUS - OFENSA AO ART. 535 DO CPC - INEXISTÊNCIA - RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DOS ENTES FEDERATIVOS - LEGITIMIDADE DA UNIÃO.

1. Em nosso sistema processual, o juiz não está adstrito aos fundamentos legais apontados pelas partes. Exige-se, apenas, que a decisão seja fundamentada, aplicando o magistrado ao caso concreto a legislação considerada pertinente. Inocorrência de violação ao art. 535 do CPC.

3. O funcionamento do Sistema Único de Saúde - SUS é de responsabilidade solidária da União, Estados-membros e Municípios, de modo que, qualquer dessas entidades têm legitimidade ad causam para figurar no pólo passivo de demanda que objetiva a garantia do acesso à medicação para pessoas desprovidas de recursos financeiros.

4. Recuso especial conhecido em parte e improvido." (STJ- RESP 704067. Processo: 200401649570. Órgão Julgador: SEGUNDA TURMA. DJ-:23/05/2005). (grifo nosso)

"EMENTA: DIREITO CONSTITUCIONAL. APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO À SAÚDE. FORNECIMENTO, PELO ESTADO, DE MEDICAMENTO DE ALTO CUSTO. OBRIGAÇÃO DE ORDEM CONSTITUCIONAL. É dever do Estado, enquanto imperativo de ordem constitucional, a plena disponibilidade de meios que resguardem à saúde dos seus súditos, incluindo-se nessa obrigação o pleno e regular fornecimento de medicamentos,. Inexistência de afronta ao princípio da separação dos poderes, ou, ainda, a necessidade de previsão orçamentária e sujeição a procedimentos licitatórios. Remessa Necessária e Apelação conhecidas e improvidas". (TJRN- Apelação Cível nº 2004.001652-2- 3ª Câmara Cível- Relator: Desembargador Aécio Marinho- em 14/06/2005).(grifo nosso)


Ante o exposto, DEFIRO a tutela antecipada pleiteada e, via de conseqüência, determino que o Estado do Rio Grande do Norte, através de sua Secretaria Estadual de Saúde, cumpra imediatamente com o fornecimento do medicamento: Rituximabe (Mabthera - ROCHE), por 06(seis) ciclos, ou seja, aplicação de 06 frascos de Rituximabe 500 mg e 12 frascos de Rituximabe 100 mg, até quando for necessário o seu fornecimento para o tratamento da enfermidade, conforme disposição do receituário médico de fl. 22/23 dos autos.

Intime-se com urgência o demandado para o cumprimento imediato desta decisão, comprovando no prazo de 10 (dez) dias o cumprimento desta nos autos; apresentando, também, a respectiva contestação no prazo legal.

Para viabilizar a presente tutela de urgência, notifique-se pessoalmente a Secretaria de Saúde do Estado do Rio Grande do Norte, na pessoa do Sr. Secretário de Saúde Estadual para dar imediato cumprimento a esta decisão.

Ofertada contestação com matérias preliminares, ou juntada de documentos, cumpra-se com a determinação contida nos artigos 327 e 398 no Código de Processo Civil, concedendo prazo de 10 (dez) dias para a demandante se pronunciar.

Publique-se, intimem-se e cumpra-se.

Natal, 22 de março de 2010.


Cícero Martins de Macedo Filho
Juiz de Direito



1 - Melhor seria dizer reversibilidade dos efeitos do provimento antecipado, pois o provimento, pela sua própria natureza, é sempre reversível haja vista tratar-se de medida de urgência de caráter provisório. [Voltar]

2 - "Para se chegar à convicção necessária à concessão da tutela antecipada não necessita o magistrado chegar às profundezas de uma instrução exauriente, uma vez que estas são necessárias aos julgamentos definitivos." (c. da 6ª T. do TRF da 3ª R. - v. u. - Ag. 03029524/97 - Rel. Juiz AMÉRICO LACOMBE - j. 12.08.1996 - DJ 18.09.1996, p. 69698.). [Voltar]



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