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sexta-feira, 26 de março de 2010

JURID - Guelta. Conceito e natureza jurídica. [26/03/10] - Jurisprudência


Guelta. Conceito e natureza jurídica. Gueltas são valores pagos habitualmente aos empregados de determinada empresa.
MBA Direito Comercial - Centro Hermes FGV

Tribunal Regional do Trabalho -TRT15ªR

publicado em 26/03/2010

PROCESSO TRT/15ª REGIÃO Nº 01548-2007-021-15-00-0

RECORRENTE: CASA BAHIA COMERCIAL LTDA.

RECORRIDO: JOSÉ APARECIDO CERQUEIRA

ORIGEM: 2ª VARA DO TRABALHO DE JUNDIAÍ

JUIZ SENTENCIANTE: HENRIQUE MACEDO HINZ

EMENTA. GUELTA. CONCEITO E NATUREZA JURÍDICA. Gueltas são valores pagos habitualmente aos empregados de determinada empresa pelos fabricantes dos produtos por ela vendidos. Conquanto se trate de valores pagos por terceiro, assim como também o são as gorjetas, têm natureza salarial, pois decorrem da prestação dos serviços realizados pelo empregado, no curso da jornada, em função da existência do próprio contrato de trabalho.

Trata-se de recurso ordinário em reclamação trabalhista julgada procedente em parte, às fls. 310/316.

A recorrente, às fls. 339/356, assevera que a prova emprestada não serve de supedâneo ao deferimento dos pleitos do autor; que a verba guelta não tem natureza salarial; que o intervalo, quando não usufruído, é verba com natureza indenizatória; que o divisor de horas extras deve ser o preconizado pela S. 340, do C. TST; que os reflexos deferidos para as horas extras implicam em bis in idem; que a imposição de metas de vendas, em loja de grande porte, implica em auferimento de salário superior para o vendedor, o que igualmente se dá com o trabalho de vendas na boca do caixa; que não submeteu o reclamante a qualquer ato vexatório e que, ainda se mantida a condenação, o valor de R$ 80.000,00, fixado à reparação, é elevado. Requer, finalmente, autorização para dedução dos valores fiscais e previdenciários devidos pelo trabalhador. Comprovou o pagamento das custas processuais (fl. 358) e a efetivação do depósito recursal (fl. 357).

Contrarrazões foram apresentadas à fl. 362.

É o relatório.

VOTO.

Conheço parcialmente do recurso, porque preenchidos os requisitos legais. Não conheço, entretanto, à falta de interesse recursal, do pleito de autorização para retenção dos valores devidos pelo reclamante a título de contribuições fiscais e previdenciárias, tendo em vista que tais descontos foram autorizados pela r. sentença, como se verifica dos itens "c" e "d" de fl. 315.

Ônus da prova. Prova emprestada.

O reclamante provou sua alegação juntando aos autos atas de audiência de processo que têm as mesmas discussões relatadas neste caso. A recorrente, por sua vez, pode juntar aos autos atas de audiências que retratassem a realidade vivenciada pelo reclamante, como se verifica à fl. 124. Não pretendeu realizar outras provas e concordou com o encerramento da instrução processual. E mais: sequer questionou, neste recurso, o deferimento de horas extras praticadas e decorrentes da supressão do intervalo, demonstrando, de forma indene de dúvida, que a prova foi analisada adequadamente e que, realmente, os pleitos deferidos foram analisados com base no conjunto probatório que dos autos consta.

Pagamento de comissões. Do recebimento das Gueltas.

A reclamada admitiu, em sua defesa, o pagamento das gueltas, que asseverou se tratar de verba não integrante da remuneração (fls. 132/138). Mas não tem razão, tendo sido a matéria bem analisada na origem.

Para melhor esclarecimento da questão, importante transcrever lição que revela o conceito e a natureza jurídica da verba ora em debate. Trata-se de parcela do artigo GUELTAS, escrito pela Dra. Juliana Bracks Duarte, Advogada e pós-graduada em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho na Universidade Cândido Mendes / RJ, publicado pela LTr Suplemento Trabalhista, 101/04.

"O assunto não é novo no Judiciário Trabalhista, sendo tratado sob o rótulo de "guelta", corruptela da palavra "Geld", que em alemão, precedia do prenome "Wechsel", significa troco ("Wechselgeld"). A prática da "guelta" nasceu no mercado farmacêutico na década de 60, também conhecida vulgar e pejorativamente como "BO" medicamentos bonificados, indicados pelo balconista e, por isso mesmo, tidos como "bom para otário".

Em geral, os balconistas recebiam uma comissão do laboratório farmacêutico, por quantidade do remédio vendido e, para provar o volume alcançado, retiravam uma lingüeta que vinha afixada na embalagem e a entregavam ao representante do laboratório. Quando o balconista sugeria um medicamento em substituição ao outro, cujo nome fantasia constasse da receita, normalmente estava recebendo comissão pela venda.

A prática se alastrou para outros ramos e, hoje, é usual no comércio de eletrodomésticos, em postos de gasolina sem bandeira fixa, que podem vender aditivos e lubrificantes de várias marcas; em empresas de cartão de créditos e bancos parceiros; no setor de hotelaria e turismo etc. A idéia por trás do procedimento é sempre a de o fabricante parceiro incentivar a venda de seus produtos pelos vendedores de outrem. Os empregados das grandes redes de eletrodomésticos, por exemplo, passam a receber um "prêmio" de determinada marca de televisor, cada vez que sugerem a um cliente a escolha daquele produto em detrimento ao do concorrente, também exposto na mesma loja empregadora. O mesmo ocorre com o gerente do banco que indica ao correntista uma bandeira de cartão de crédito ao invés de outra; o frentista que recomenda o uso de um aditivo de determinada empresa e assim por diante.

No setor de hotelaria e turismo, muitas vezes é o gerente do hotel quem recebe diretamente dos restaurantes e lojas indicadas por seus empregados (mensageiros, recepcionistas etc.) o valor total do prêmio a ser repartido e o nome daqueles que mais se sobressaíram no "envio" de turistas - quem nunca foi abordado no hall de um hotel com a distribuição daquelas "filipetas" de restaurantes, bares, shows, com direito a um coquetel de brinde e coisas parecidas? Com isso o gerente calcula quanto vai receber e paga, seja por cheque, dinheiro, depósito em conta, o "prêmio" individual. Esses "prêmios" advindo de terceiros na relação emprego são as "gueltas".

E a questão de tormentosa apreciação é se a "guelta" integra ou não a remuneração do trabalhador. De acordo com o artigo 457 da CLT "compreendem-se, na remuneração do empregado, para todos os efeitos legais, além do salário devido e pago diretamente pelo empregador, como contraprestação do serviço, as gorjetas que receber". Neste particular tenho para mim que a "guelta" se assemelharia à gorjeta, pois ambos englobam valores pagos por terceiros, estranhos à relação empregatícia. A primeira paga por um parceiro ou um fornecedor e a segunda quitada pelo cliente.

A gorjeta tanto é remuneração, que a anotação da CTPS - Carteira de Trabalho e Previdência Social - do empregado deve trazer o seu valor, nem que seja por estimativa consoante artigo 29 § 1º da CLT: "as anotações concernentes à remuneração devem especificar o salário, qualquer que seja a sua forma de pagamento, seja em dinheiro ou em utilidade, bem como a estimativa da gorjeta".

A integração das gorjetas à remuneração está ainda tratada no Enunciado 354 do C. TST, que assim delimita: "as gorjetas cobrada pelo empregador na nota de serviço ou oferecida espontaneamente pelos clientes integram a remuneração do empregado, não servindo de base de cálculo para as parcelas de aviso prévio, adicional noturno, horas extras e repouso semanal remunerado". Da leitura, percebe-se que se computam as gorjetas, entretanto para efeito de 13º salários, férias + 1/3, depósitos de FGTS, recolhimentos de INSS etc.

A dúvida consiste em saber se o mesmo tratamento pode ser aplicado às gueltas, ainda não reguladas em lei, nem sumuladas pelo Tribunal Superior do Trabalho. Não obstante, dos Tribunais Regionais inferiores, já se extrai um posicionamento no sentido de que, se a empresa empregadora participa do processo de "premiação", consentindo com a prática, auxiliando na demonstração de quem vendeu o quê, encaminhando listas e controles ao fabricante, recebendo dinheiro da "bonificação" e repassando ao seu trabalhador, então, a guelta pode ser considerada parte integrante da remuneração do empregado. Os Juízes que adotam esse raciocínio vão ainda além e argumentam que a empresa empregadora é beneficiada com a guelta, pois o estímulo das vendas, mesmo que de determinadas marcas, acaba sempre gerando lucro ao estabelecimento final, interessado na "premiação" de seus vendedores.

E mais: quando há prova de que a empresa empregadora tem efetiva participação no processo de acompanhamento/pagamento das gueltas, muitas vezes mencionando essa possibilidade de bonificação ao vendedor no momento de sua admissão ao emprego, então é certo que pôde considerar esses valores como mais um atrativo ao cargo oferecido, podendo, inclusive, reduzir o salário pago, tendo em vista a expectativa de vultosas "premiações" quitadas pelos fabricantes parceiros.

José Martins Catharino, um grande expoente no estudo dos "salários" no Direito do Trabalho, ao tratar das gorjetas, explica bem a situação narrada anteriormente e evidencia o legítimo e claro interesse do empregador na prática desses recebimentos, cuja aplicação às gueltas se dá, tranqüilamente, de forma análoga:

"O trabalhador quando se emprega tem certeza de sua remuneração, pouco lhe importando que seja paga pelos clientes do estabelecimento. Ainda mais: sabe que o valor das gorjetas que irá receber estará em função da classe do estabelecimento do seu empregador; que dependerá da freguesia e dos preços cobrados. Por outro lado, a empresa levando em conta tais fatores, ao admitir o trabalhador, com ele estipula condições menos dispendiosas.

(...)

Alguns autores, partindo da existência de onerosidade, procuram demonstrar que o empregador delega ao cliente a obrigação de pagar o salário. Seria, como diz Botija, delegante o empresário, delegado o cliente e o empregado delegatário. A gorjeta seria substitutiva em relação à remuneração direta que a empresa não paga. (in Catharino, José Martins "Tratado Jurídico do Salário". Edição fac-similada. 2ª tiragem. São Paulo: LTr Editora, 1994, pp. 554/555).

Todas essas nuances são observadas pelos Tribunais Trabalhistas, ao decidirem pela integração das gueltas à remuneração do trabalhador:

EMENTA: "GUELTAS". Integração à remuneração. Tratando-se as "gueltas" de típica contraprestação pelo labor realizado, assemelhando-se às gorjetas, pois consistiam num incentivo pelas vendas realizadas de determinado produto comercializado pela empregadora, independentemente de serem pagas por terceiros (fornecedores), já que, repassadas pela própria empregadora, devem integrar o salário do empregado, em razão da aplicação analógica do artigo 457, caput, § 3°, do Texto Consolidado e no entendimento consubstanciado no Enunciado n° 264 do C. TST."

Destarte, gueltas são valores pagos, habitualmente, aos empregados pelos fabricantes dos produtos vendidos pelo empregador. Têm, assim, natureza salarial, pois decorrem da prestação de serviços realizados pelo empregado, no curso da jornada, em função da existência do próprio contrato de trabalho.

No caso, diga-se, restou confessado pela reclamada que controlava o repasse de tais valores (final de fl. 132). Trata-se de típica contraprestação pelo labor realizado, de incentivo, estímulo a ser recebido pela venda de determinados produtos, tendo, como finalidade, a melhor obtenção da atividade-fim da empresa e da prestação de serviços desenvolvida pelo trabalhador, a saber, a realização de vendas.

Irrelevante o fato de as gueltas serem pagas por fornecedores ou fabricantes; seu pagamento, afinal, se dava através do próprio empregador. Trata-se, assim, de valor integrante do salário, nos termos do art. 457, da CLT. Neste sentido, a ementa abaixo citada:

Gueltas. Reflexos. O fato de ser realizado o pagamento habitual das gueltas e provir de terceiro e não do emp

regador, não desnatura a feição Salarial-contraprestativa da verba. Guardando a mesma feição de prêmios por metas alcançadas, remunera o empregado que atingiu a meta comum das três partes, que é vender. Devido à sua natureza nitidamente salarial reflete no repouso semanal remunerado, aviso prévio, férias acrescidas de um terço, 13º salário, FGTS e indenização de 40% do FGTS. (TRT 3ª R. - 3ªT. - RO 13317/2001 - Rel. Juiz Milton Vasques Thibau de Almeida - DJMG 18.12.2001 p.: 10, Arapuã. Comercial S/A. e Guilherme Rocha de Souza).

Só resta, portanto, a mantença da r. sentença, que deferiu a integração dos valores às demais verbas.

Do dano moral

Na lição da insigne Professora Dra. Maria Helena Diniz, em seu festejado "Curso de Direito Civil Brasileiro", conceitua-se dano moral como aquele consiste na lesão a um interesse que visa a satisfação ou gozo de um bem jurídico extrapatrimonial contido nos direitos da personalidade (como a vida, a integridade corporal, a liberdade, a honra, o decoro, a intimidade, os sentimentos afetivos, a própria imagem) ou nos atributos da pessoa (como o nome, a capacidade, o estado de família).

CARLOS ALBERTO BITTAR, no artigo intitulado Reparação civil por danos morais: a questão da fixação do valor, publicado no caderno de doutrina/julho96, Tribuna da Magistratura, nos dá a seguinte definição:

"Danos morais são lesões sofridas pelas pessoas, físicas ou jurídicas, em certos aspectos da sua personalidade, em razão de investidas injustas de outrem. São aqueles que atingem a moralidade e a afetividade da pessoa, causando-lhe constrangimentos, vexames, dores, enfim, sentimentos e sensações negativas. Contrapõem-se aos danos denominados materiais, que são prejuízos suportados no âmbito patrimonial do lesado. Mas podem ambos conviver, em determinadas situações, sempre que os atos agressivos alcancem a esfera geral da vítima, como, dentre outros, nos casos de morte de parente próximo em acidente, ataque a honra alheia pela imprensa, violação à imagem em publicidade, reprodução indevida de obra intelectual alheia em atividades de fim econômico, e assim por diante".

O artigo 186 do Código Civil vigente, com correspondência ao art. 159 do Código Civil de 1916, consagra a regra de que todo aquele que causa dano a outrem é obrigado a repará-lo. E quatro são os pressupostos da responsabilidade civil, quais sejam: ação ou omissão, culpa ou dolo, relação de causalidade e o dano experimentado pela vítima.

Considerando os termos da lei e da doutrina supra indicada, penso que a recorrente impõe verdadeiro dano moral a seus empregados: expõe-nos a situações vexatórias frente aos demais empregados e frente a clientes, inclusive concitando seus vendedores a inserir valores em parcelas, por ocasião das vendas realizadas, ainda que isso não seja do agrado do cliente ou mesmo sequer de seu conhecimento. E os vendedores são instados a enganar os clientes, pessoas humildes, ora pela inserção nas compras de valores não contratados (seguros, por exemplo), ora pela sonegação de informações (fls. 68 e 74, por exemplo). Os vendedores são instados a só fornecer esclarecimentos quando houver muita insistência, enfim, os vendedores são instados a desrespeitar o Código de Defesa do Consumidor, o que não se admite!

E, se isso não bastasse, não cumpridas as quotas, os vendedores são expostos à execração dos colegas, sendo obrigados a assumir labores ainda mais indecorosos, como fazer vendas na "boca do caixa", fatos, diga-se, sequer afastados pela reclamada em sua defesa, que se resume a dizer que isso é normal em loja de grande porte!

Em corroboração ao quanto ora decidido e porque a questão é idêntica àquela ora analisada, adoto como razões de decidir parcelas do voto proferido pelo MM. Desembargador Thomaz Malm, nos autos do Processo TRT 15ª Região nº 00111-2007-096-15-00-2:

Dano moral. Valor da indenização - Alegou o reclamante que sofreu assédio moral da reclamada, a partir do mês de outubro de 2004, quando a atividade denominada "boca de caixa" passou a ser obrigatória para aqueles funcionários que tinham baixo rendimento na venda de seguros e garantias, como medida de punição, e a ser realizada no fundo da loja, local de difícil realização de vendas e, portanto, repudiado pelos vendedores. Disse que havia um rodízio entre os vendedores para execução dessa atividade, em média de 03 (três), cujas vendas tenham sido consideradas insatisfatórias pela reclamada. Disse mais, que os vendedores que estavam nesta atividade permaneciam expostos a todos os tipos de "brincadeiras" e "chacotas", inclusive, de seus superiores hierárquicos e, além de tal punição, a reclamada implantou cartões de identificação por vendas baixas e passou a efetuar "provinhas" ao empregado vendedor e se este não atingisse a nota sete, era deslocado para fazer uma reciclagem, deixando de auferir comissões no período.

A reclamada alegou em sua defesa que a atividade denominada "boca de caixa" não se trata de castigo e que o vendedor tem o livre arbítrio para realizar ou não tal procedimento. Negou qualquer ameaça de demissão, humilhação, intimidação, constrangimento ou sensações ruins no reclamante ou qualquer outro vendedor.

A MM. Origem condenou a reclamada a pagar ao reclamante indenização fixada em R$ 30.000,00, ao título, pelos fundamentos que ora peço vênia para reproduzir (fls. 313/319):

"... II- Assédio Moral.

(...)

Com efeito, além do dado inconteste de que os vendedores que efetuassem menos vendas de seguros e garantias eram obrigados a se revezar na boca do caixa, restou demonstrado nos presentes autos que para que essas vendas fossem efetuadas os vendedores eram induzidos a "embotecar"os valores dos seguros e das garantias no preço final do produto comercializado.

O próprio preposto da reclamada que, contrariando até mesmo a versão da reclamada apresentada na defesa (pois de certo modo admitiu o trabalho na boca, argumentando apenas que era um local disputado para vendas entre os empregados), afirmou que "não havia nenhum problema" para o vendedor que não efetuasse vendas de seguros e garantias, reconheceu que já ouvira a expressão "embotecar", tendo inclusive explicado o seu significado: "oferecer a garantia para o cliente sem o cliente saber".

O preposto esclareceu, ainda, que ocorreu o fato de clientes retornarem à loja reclamando da garantia e do seguro, tendo alguns até desistido da compra.

O que se percebe, portanto, primeiro é o que "sistema" de "embotecar" o valor das garantias e seguros era de pleno conhecimento da reclamada. Segundo o reclamante ouvido nos autos do processo nº. 1796/2006-3, fls. 300, o ato de "embotecar" era uma determinação da reclamada, segundo o preposto da reclamada, fls. 302, a expressão era falada entre os vendedores, não sendo determinação da reclamada. No entanto, pouco importa a origem. Não é relevante, juridicamente, saber se a prática era uma determinação da reclamada ou uma ação espontânea dos empregados, pois, de forma inconteste, a reclamada tinha ciência do ocorrido e sendo assim o assumiu como conduta própria, não só porque os atos dos empregados praticados perante terceiros vinculam o empregadores, nos termos dos artigos 932, inciso III, 1.175 e 1.178 do Código Civil, mas também porque sabia do ocorrido e vislumbrava verdadeira vantagem com ele, já que a venda de seguros e garantias lhe trazia grande benefício, tanto que até instituiu, quanto a isso não há dúvida, uma situação especial (prejudicial) para o vendedor com menor desempenho na venda desses papéis.

Aliás, esse dado nos conduz ao segundo aspecto relevante, que mesmo se fosse adotada a tese de que o ato de "embotecar" fora uma atitude espontânea dos vendedores isso apenas demonstra o quanto estes temiam, seja pelo aspecto moral (ser alvo de piadas), seja pelo aspecto material (diminuir o valor das vendas), o "castigo" no dia seguinte. O depoimento pessoal da reclamante, conforme prova emprestada, é bastante impressionante quanto a este aspecto: "que durante o dia, quando verificavam que não estavam vendendo bem, já se iniciava uma situação de tortura mental no vendedor, que interferia até no sono durante à noite, pois já iam embora para casa sabendo que no dia seguinte estariam no 'castigo'".

E, para não ficar restrito ao depoimento da reclamante, dê-se destaque, igualmente, o que dissera a testemunha da reclamante a respeito: "que havia um quadro colocado ao lado do relógio de ponto, no qual constava a quantidade de venda desses produtos de todos os vendedores; que o gerente dizia que quem vendesse menos seguros ou garantias ia para o 'castigo'; que o vendedor que estivesse no 'castigo' era identificado com um cartão vermelho, que ficava em seu bolso".

Aliás, mencionando o depoimento da testemunha da reclamante impossível não pôr em destaque a passagem na qual relata que "não era difícil embutir o seguro e a garantia, sobretudo com relação a pessoas com menos estudo".

Esse dado nos leva ao terceiro e mais grave aspecto do problema posto em discussão, qual seja, que o procedimento de "vendas" de seguros e garantias por parte da reclamada (pois não separar o ato dos vendedores da própria conduta da reclamada enquanto instituição empresarial) era desonesto e desprovido de qualquer senso de ética.

Impressiona, aliás, como os responsáveis pela reclamada, uma das instituições que mais exerce fascínio nas pessoas deste país, pois faz parte de nossa história, tenham deixado isso acontecer e mais tenham deixado o problema atingir as esferas dos Tribunais, pois, agora, certamente, a situação atingirá a esfera pública, na medida em que a conduta praticada além de desonesta e anti-ética constitui crime, conforme definido em mais de um dispositivo legal, a saber:

a) artigo 171 do Código Penal (...);

b) artigo 66 do Código de Defesa do Consumidor (...)"

Mas, talvez não tenha sido uma situação excepcional, episódica, pois a reclamada, até agora, sequer reconheceu o seu erro. Aliás, veio a juízo cometendo novo ato de agressão moral contra o reclamante, dizendo que o reclamante ao mover a presente ação, mesmo diante de tantos dados devidamente comprovados como demonstrado acima, porta um "alto grau de aventurismo", sugerindo que o reclamante quer um "enriquecimento fácil" e até chegando a afirmar que a pretensão do reclamante de receber R$50.000,00 (cinqüenta mil reais) pelo ocorrido é, "no mínimo, imoral", o que, por certo, além de constituir, como dito, nova agressão moral, ainda é fator agravante do crime cometido, conforme prescreve o artigo 76, do Código de Defesa do Consumidor: "São circunstâncias agravantes dos crimes tipificados neste código: (....) III - dissimular-se a natureza ilícita do procedimento".

A dissimulação da reclamada chega ao ponto de fingir que os documentos de fls. 59 não estão nos autos. Mas, se a reclamada não quis ver, então, é o caso de reproduzir nesta sentença algumas passagens dos referidos documentos:

1º. (fls. 59/61) - GARANTIA SEGURO/TIRO LIVRE. DE: GERÊNCIA REGIONAL, PARA: GERENTES DE FILIAIS. REF.COTA DIÁRIA DE VENDAS DE GARANTIAS E SEGUROS. "Os 'lanternas' de garantia e de seguros, serão BOCA DE CAIXA no dia seguinte integral";

2º. (fls. 70/75) - Srs. GERENTES, FAVOR REPASSAR ESTE PARA TODOS OS VENDEDORES E ENCARREGADOS!!!

PROIBIDO: "É extremamente proibido falar a palavra SEGURO, substitui por PROTEÇÃO FINANCEIRA." "É extremamente proibido dizer que é seguro ou falar sobre morte e invalidez."

SOLUÇÃO: "É só passar o preço para o cliente já incluso o valor da PROTEÇÃO FINANCEIRA junto com a GARANTIA, depois da venda concluída, é só dizer ao cliente que já está indo com 3 anos de GARANTIA sendo 1 ano de fábrica e 2 anos pelas CASAS BAHIA, E já incluso A PROTEÇÃO FINANCEIRA".

EXEMPLO: "O valor da prestação do produto está ficando R$72,00, a Garantia fica mais R$7,80 e a proteção financeira mais R$2,90, então já fala para o cliente - Seu José, vou fazer um plano especial para o senhor, vou fazer 12 prestações de R$82,90, lógico que o valor real é R$82,70 mas sempre fala x valor e 90 centavos, se for menos o valor real, arredonda para cima, pois melhora o LB da loja, mas fala olhando nos olhos do cliente, sem medo e sem dó do cliente, você não pode achar caro, o que é caro pra você pode não ser para o cliente, e afinal QUEM VAI PAGAR É VOCÊ OU O CLIENTE ??? então o problema não é seu, e sim do seu cliente, melhor você ficar com a vantagem do que o seu cliente." (sem grifos no original).

OBS: "Se excedeu o limite de seguro para o cliente e você falou que o valor é R$82,90, não diminua a valor para ele e sim arredonda no valor que você passou, pois assim aumentamos o nosso LB, e afinal, ela já tinha aceitado o valor mesmo, só fala para ele que excedeu o limite e não vai mais com a proteção financeira"

3º. (fls. 76/78) - Srs. GERENTES, FAVOR REPASSAR ESTE PARA TODOS OS VENDEDORES E ENCARREGADOS!!!

"Boa Tarde com GARANTIA e SEGURO!!!"

PROIBIDO: "É extremamente proibido falar a palavra SEGURO, substitui por PROTEÇÃO FINANCEIRA." "É extremamente proibido dizer que é seguro ou falar sobre morte e invalidez."

SOLUÇÃO: "É só passar o preço para o cliente já incluso o valor da PROTEÇÃO FINANCEIRA junto com a GARANTIA, depois da venda concluída, é só dizer ao cliente que já está indo com 3 anos de GARANTIA sendo 1 ano de fábrica e 2 anos pelas CASAS BAHIA, E já incluso A PROTEÇÃO FINANCEIRA".

EXEMPLO: "O valor da prestação do produto está ficando R$72,00, a Garantia fica mais R$7,80 e a proteção financeira mais R$2,90, então já fala para o cliente - Seu José, vou fazer um plano especial para o senhor, vou fazer 12 prestações de R$82,90, lógico que o valor real é R$82,70 mas sempre fala x valor e 90 centavos, se for menos o valor real, arredonda para cima, pois melhora o LB da loja, mas fala olhando nos olhos do cliente, sem medo e sem dó do cliente, você não pode achar caro, o que é caro pra você pode não ser para o cliente, e afinal QUEM VAI PAGAR É VOCÊ OU O CLIENTE ??? então o problema não é seu, e sim do seu cliente, melhor você ficar com a vantagem do que o seu cliente." (sem grifos no original).

OBS: "Se excedeu o limite de seguro para o cliente e você falou que o valor é R$82,90, não diminua a valor para ele e sim arredonda no valor que você passou, pois assim aumentamos o nosso LB, e afinal, ela já tinha aceitado o valor mesmo, só fala para ele que excedeu o limite e não vai mais com a proteção financeira"

SETOR TELEFONIA, INFORMÁTICA E LINHA LEVE:

"A cada R$ 1000,00 de venda, têm que ter 2 SEGURO E R$100,00 garantia." (SIC)

SETOR MÓVEIS E CONFECÇÃO:

"A cada R$ 1000,00 de venda, têm que ter 1 SEGURO." (SIC)

4º. (fls. 7984) - Como vender garantia e seguro?

"Caso o cliente não pergunta (SIC), então faça o fechamento e muda de assunto, só explica para quem pergunta, quem não pergunta você só fala o necessário."

"Proibido falar para o cliente

É proibido passar o preço cheio para o cliente isso assusta, faz ele pensar que é caro, sempre passe o preço dividido em meses, dias e até horas, mas lembre-se passe o preço agregado a uma (SIC) benefício isso serve para os dois serviços.

No caso do seguro é extremamente proibido dizer que é seguro, e sim proteção financeira CASAS BAHIA ou parcela garantida CASAS BAHIA."

Ou seja, está claro que a prática da vendas de seguros e garantias por práticas desleais, anti-éticas, era impulsionada pela reclamada e é óbvio não se pode supor que um empregado, que se vê obrigado a agir de tal modo, não tenha agredida a sua consciência, pois, como se sabe, o empregado depende do emprego para sobreviver. Além disso, a pressão para não restar no castigo, indiscutivelmente, gerava no vendedor uma situação de desconforto. Não se trata de uma pressão normal para o exercício de vendas, pois o efeito do insucesso nas vendas ia bem além do razoável, pois que submetia o vendedor ao ridículo, impondo-lhe a agir de forma desonesta. Havia, portanto, a desconsideração da pessoa humana. Os vendedores, dentre eles o reclamante, eram vistos meramente como instrumentos (objetos) para a realização do fim econômico da reclamada. Era dinheiro em caixa, ou nada. Aliás, a política de vendas implementada via apenas o proveito econômico, as pessoas envolvidas no processo, vendedores e consumidores, não eram pessoas, eram coisas servindo ao fim almejado a qualquer custo.

No que tange aos consumidores, como dito, a prática constitui crime e, por isso, desde já, determino a expedição de ofício ao Ministério Público do Trabalho, para oferecimento da competente denúncia e também para apuração de eventual dano moral coletivo.
Não há, portanto, como negar a ofensa moral sofrida, a não ser que se negue ao reclamante a sua condição humana. Assim, condeno a reclamada a pagar ao reclamante indenização por dano moral no valor de R$30.000,00 (trinta mil reais).

(...)"

Pugna a reclamada pela reforma da r. sentença ao argumento de que não há prova de dano sofrido pelo reclamante; que não expôs a situação vexatória os vendedores, nem tampouco o autor desta ação. Em caso de manutenção do r. julgado, pede a redução do "quantum" indenizatório por entendê-lo excessivo.

Razão não lhe assiste quanto ao cometimento de atos ensejadores da indenização por danos morais.

Assim como a MM. Vara Sentenciante, entendo que restou suficientemente caracterizado o assédio moral alegado na petição inicial. Pressões no ramo do comércio de vendas para melhor desempenho de funcionários e das unidades gerenciais, por si só, não caracteriza a motivação para concessão de dano moral sob tal roupagem.

Mas, no caso concreto, ficou demonstrada a pressão psicológica sofrida pelo reclamante enquanto trabalhou para a recorrente.

Havia imposição de cumprimento de metas (fl. 60) e, se não cumpridas, havia a aplicação de "castigos" aos empregados. Tais castigos, por sua vez, renovavam situações de maior cobrança por parte da empregadora, trazendo sofrimento psíquico ao trabalhador.

A testemunha conduzida pela reclamante do Processo nº 1.796/2006-3 - prova emprestada - produziu depoimento robusto e claro, trazendo descrições pontuais sobre as situações ocorridas, ao afirmar que: "... os vendedores que vendessem menos seguros ou garantias em um dia, no dia seguinte ia para a boca do caixa, tendo que lá ficar durante todo o dia: que havia um quadro colocado ao lado do relógio de ponto, no qual constava a quantidade de venda desses produtos de todos os vendedores; que o gerente dizia que quem vendesse menos seguros ou garantias iria para o "castigo"; que o vendedor que estivesse no "castigo" era identificado com um cartão vermelho, que ficava em seu bolso; que o depoente passou por esse "castigo" várias vezes; que o mesmo ocorreu com a reclamante..." - fl. 303.

De fato, conclui-se, que eram tramadas situações de cobranças constantes de vendas sobre o empregado, sobretudo durante o cumprimento do castigo, que consistia em permanecer no fundo da loja, ponto de pouca movimentação do público cliente. Sendo assim, o trabalhador, nessa condição, ficava em nítida posição de desvantagem no cumprimento das próprias metas estabelecidas pela empregadora, levando a um círculo vicioso de insatisfação mútua - só que a insatisfação da empregadora era forçosa, pois ela própria colocava o trabalhador naquela situação.

E, conforme depoimento supra transcrito, foram descritas situações de submissão do obreiro a vexame, com a identificação através de um cartão vermelho, que ficava em seu bolso, como forma de denegrir a auto-estima e causar sensação de inferioridade perante terceiros. Evidenciou-se a má conduta da empregadora através dos seus prepostos.

E, é oportuno que se diga que a própria reclamada admitiu em sua defesa, que "os fatos narrados na exordial foram praticados por representante da empresa que, diante da má conduta adotada no desenvolver de suas atividades profissionais foi desligado da empresa, uma vez que a política de trabalho e, principalmente de vendas da reclamada não tem espaço para determinados comportamentos."

E prossegue: "Assim, resta evidente que a reclamada tomou prontamente, todas as providências necessárias para cessar a prática de atos pelos gerentes, como "provinhas" e eventuais "punições" - fl. 193.

Os elementos dos autos - como visto - são suficientes para confirmar a situação descrita pelo reclamante quanto à existência de ambiente deletério da boa convivência social e causador de constrangimentos naquele que, movido pelas necessidades da vida, submete-se à vinculação empregatícia. Não é só por ser a parte economicamente mais fraca e necessitada de ceder sua força de trabalho que o empregado deve passar por situações constrangedoras como se a tudo fosse obrigado a se submeter sob pena de perder o posto de trabalho.

Mantenho a r. sentença que reconheceu o assédio moral do ex-empregado.

A MM. Origem arbitrou ao título a quantia de R$ 30.000,00, que a reclamada entende excessivo.

O valor da indenização destina-se a amenizar o sofrimento da vítima, tanto moral quanto psicológico e terá que ter eficácia desde que não importe o enriquecimento sem causa do ofendido e produza efeito suficiente, no causador da lesão, para dissuadi-lo de reiterar a prática dos atos desabonadores tais como os comprovados nos autos.

Assim, tenho que a fixação de quantia correspondente a dez vezes o último salário do autor é suficiente para reparar o dano e penalizar a ré quanto ao acautelamento para que tais fatos não tornem a ocorrer. Assim, reduzo-o para R$ 16.270,40 (dezesseis mil, duzentos e setenta reais e quarenta centavos), corrigível a partir do ajuizamento da ação.

Adapto, somente, o valor da indenização deferida àquela normalmente fixada por este Tribunal para questões idênticas. Fixo o valor em questão, na data da prolação desta decisão, em R$ 20.000,00 (vinte mil reais), que deverão ser quitados em 15 dias, nos termos do art. 475-J, do CPC, sob pena de acréscimo da multa estipulada no mesmo dispositivo legal, além de juros e correção monetária.

Natureza jurídica do intervalo não usufruído

Quanto à natureza jurídica do intervalo intrajornada parcialmente suprimido, a Orientação Jurisprudencial n. 354 da SDI-1 do C. TST pacifica a matéria ao determinar que:

Possui natureza salarial a parcela prevista no art. 71, § 4º, da CLT, com redação introduzida pela Lei nº 8.923, de 27 de julho de 1994, quando não concedido ou reduzido pelo empregador o intervalo mínimo intrajornada para repouso e alimentação, repercutindo, assim, no cálculo de outras parcelas salariais.

Reflexos das horas extras. Divisor a ser aplicado.

As horas extras foram habitualmente laboradas e, assim, impõe-se sua repercussão nas demais parcelas concernentes ao contrato.

O reclamante não era comissionista puro, para que se entendesse que toda a sua jornada era remunerada pelo valor das comissões recebidas. Recebia valores a outros títulos; tinha funções que não implicavam no recebimento de comissões, tais como comparecer a reuniões e a cursos e, assim, entendo inaplicável, a este caso, o divisor correspondente ao número de horas laboradas.

ISTO POSTO, DECIDO CONHECER PARCIALMENTE DO RECURSO E CONCEDER-LHE PARCIAL PROVIMENTO, APENAS PARA REDUZIR O VALOR DA INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS AO VALOR DE R$ 20.000,00, FIXADO PARA A DATA DA PROLAÇÃO DESTA DECISÃO E QUE DEVERÁ SER QUITADO EM 15 DIAS, NOS TERMOS DO ART. 475-J, DO CPC, FICANDO, QUANTO AO MAIS, MANTIDA A R. SENTENÇA, REARBITRANDO-SE O VALOR DA CONDENAÇÃO EM R$ 40.000,00, QUE IMPLICAM EM CUSTAS DE R$ 800,00, A CARGO DA RECLAMADA.

MARIA INÊS CORRÊA DE CERQUEIRA CÉSAR TARGA
JUÍZA RELATORA




JURID - Guelta. Conceito e natureza jurídica. [26/03/10] - Jurisprudência

 



 

 

 

 

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