Processo civil. Incidente de uniformização de jurisprudência. Art. 14, § 4º, da lei n. 10.259/2001. Tributário.
Superior Tribunal de Justiça - STJ
Publicado em 18/03/2010
PET 5994
Superior Tribunal de Justiça
PETIÇÃO Nº 5.994 - SC (2007/0251770-1)
RELATOR: MINISTRO HUMBERTO MARTINS
REQUERENTE: CLAUDENIR DOS SANTOS
ADVOGADO: JOANALIS FAVARETTO MOLINETT E OUTRO(S)
REQUERIDO: FAZENDA NACIONAL
PROCURADORES: CLAUDIO XAVIER SEEFELDER FILHO
LEONARDO DE FARIA GALIANO E OUTRO(S)
EMENTA
PROCESSO CIVIL - INCIDENTE DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA - ART. 14, § 4º, DA LEI N. 10.259/2001 - TRIBUTÁRIO - REPETIÇÃO DE INDÉBITO - PRESCRIÇÃO - CINCO ANOS DO FATO GERADOR MAIS CINCO ANOS DA HOMOLOGAÇÃO TÁCITA - ART. 4º DA LC N. 118/2005 - ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE - MATÉRIA DECIDIDA SOB O REGIME DO ART. 543-C DO CPC E DA RESOLUÇÃO STJ 8/2008.
1. Nos termos do art. 14, § 4º, da Lei n. 10.259/2001 - Lei dos Juizados Especiais Federais, quando a orientação acolhida pela Turma de Uniformização, em questões de direito material, contrariar súmula ou jurisprudência dominante no Superior Tribunal de Justiça - STJ, a parte interessada poderá provocar a manifestação deste, que dirimirá a divergência.
2. Demonstrada a divergência jurisprudencial entre os julgados da Turma Nacional de Uniformização de Jurisprudência - TNU e do Superior Tribunal de Justiça, a uniformização torna-se imperiosa.
3. O STJ, por intermédio da sua Corte Especial, no julgamento da AI no EREsp 644.736/PE, declarou a inconstitucionalidade da segunda parte do art. 4º da Lei Complementar n. 118/2005, a qual estabelece aplicação retroativa de seu art. 3º, porquanto ofende os princípios da autonomia, da independência dos poderes, da garantia do direito adquirido, do ato jurídico perfeito e da coisa julgada.
4. Referido entendimento foi reiterado pela Primeira Seção em 25.11.2009, por ocasião do julgamento do Recurso Especial repetitivo 1.002.932/SP, oportunidade em que a matéria foi decidida sob o regime do art. 543-c do CPC e da Resolução STJ 8/2008.
Incidente de uniformização acolhido para adotar o entendimento desta Corte quanto à aplicabilidade da Lei Complementar n. 118/2005 no tocante à prescrição.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça: "A Seção, por unanimidade, acolheu o incidente de uniformização, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator."
Os Srs. Ministros Herman Benjamin, Mauro Campbell Marques, Benedito Gonçalves, Eliana Calmon e Castro Meira votaram com o Sr. Ministro Relator.
Ausentes, justificadamente, os Srs. Ministros Hamilton Carvalhido, Luiz Fux e Denise Arruda.
Brasília (DF), 10 de março de 2010(Data do Julgamento)
MINISTRO HUMBERTO MARTINS
Relator
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO HUMBERTO MARTINS (Relator):
Cuida-se de incidente de uniformização de jurisprudência interposto por CLAUDENIR DOS SANTOS contra acórdão proferido pela Turma Nacional de Uniformização de Jurisprudência, que tem por objeto o prazo prescricional para se requerer a repetição de tributo lançado por homologação e indevidamente recolhido.
A Turma Nacional de Uniformização de Jurisprudência - TNU, ao apreciar a divergência entre acórdão da segunda Turma Recursal do Mato Grosso (Recurso 2005.36.00.701457-1) e do Superior Tribunal de Justiça (EREsp 327.043), deu provimento ao incidente, nos termos da seguinte ementa:
"PROCESSO CIVIL - IRRF INCIDENTE SOBRE ABONO DE FÉRIAS - PRESCRIÇÃO - PRAZO QUINQUENAL - LEI COMPLEMENTAR N. 118/05
1. A Lei Complementar 118, de 09 de fevereiro de 2005, deve ser aplicada aos fatos geradores pretéritos ainda não submetidos ao crivo judicial Precedentes do STJ.
2. Incidente de Uniformização conhecido e provido." O requerente aduz que o acórdão proferido pela TNU diverge da jurisprudência dominante do STJ e aponta como paradigma o julgado emanado no AgRg no REsp 855.560/SP, pela Segunda Turma, assim ementado:
"PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO - RECURSO ESPECIAL - AGRAVO REGIMENTAL - CONTROVÉRSIA FÁTICA EM TORNO DA PROPRIEDADE DE VEÍCULO - SÚMULA 7/STJ - PRESCRIÇÃO DOS TRIBUTOS SUJEITOS A LANÇAMENTO POR HOMOLOGAÇÃO - TESE DOS CINCO MAIS CINCO.
1. Prevalência da Súmula 7/STJ sobre questão que enseja revolvimento da matéria fática dos autos.
2. A Primeira Seção desta Corte, no julgamento dos EREsp 435.835/SC, em 24/03/2004, firmou o entendimento de que, na hipótese de tributo sujeito a lançamento por homologação, o prazo para a propositura da ação de repetição de indébito é de 10 (dez) anos a contar do fato gerador, se a homologação for tácita (tese dos 'cinco mais cinco') e de 5 (cinco) anos a contar da homologação, se esta for expressa.
3. Agravo regimental improvido." (AgRg no REsp 855560/SP, Rel. Min. Eliana Calmon, Segunda Turma, julgado em 13.2.2007, DJ 2.3.2007, p. 285)
Sustenta, outrossim, que o entendimento desta Corte firmou-se no sentido de que, na hipótese de tributo sujeito a lançamento por homologação em que os fatos geradores ocorreram antes da vigência da Lei Complementar n. 118/2005, o prazo para a propositura da ação de repetição de indébito é de 10 (dez) anos a contar do fato gerador, se a homologação for tácita (tese dos "cinco mais cinco"), ainda que as ações tenham sido ajuizadas posteriormente à LC.
Apresentadas as contrarrazões pela União às fls. 236/263.
É, no essencial, o relatório.
EMENTA
PROCESSO CIVIL - INCIDENTE DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA - ART. 14, § 4º, DA LEI N. 10.259/2001 - TRIBUTÁRIO - REPETIÇÃO DE INDÉBITO - PRESCRIÇÃO - CINCO ANOS DO FATO GERADOR MAIS CINCO ANOS DA HOMOLOGAÇÃO TÁCITA - ART. 4º DA LC N. 118/2005 - ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE - MATÉRIA DECIDIDA SOB O REGIME DO ART. 543-C DO CPC E DA RESOLUÇÃO STJ 8/2008.
1. Nos termos do art. 14, § 4º, da Lei n. 10.259/2001 - Lei dos Juizados Especiais Federais, quando a orientação acolhida pela Turma de Uniformização, em questões de direito material, contrariar súmula ou jurisprudência dominante no Superior Tribunal de Justiça - STJ, a parte interessada poderá provocar a manifestação deste, que dirimirá a divergência.
2. Demonstrada a divergência jurisprudencial entre os julgados da Turma Nacional de Uniformização de Jurisprudência - TNU e do Superior Tribunal de Justiça, a uniformização torna-se imperiosa.
3. O STJ, por intermédio da sua Corte Especial, no julgamento da AI no EREsp 644.736/PE, declarou a inconstitucionalidade da segunda parte do art. 4º da Lei Complementar n. 118/2005, a qual estabelece aplicação retroativa de seu art. 3º, porquanto ofende os princípios da autonomia, da independência dos poderes, da garantia do direito adquirido, do ato jurídico perfeito e da coisa julgada.
4. Referido entendimento foi reiterado pela Primeira Seção em 25.11.2009, por ocasião do julgamento do Recurso Especial repetitivo 1.002.932/SP, oportunidade em que a matéria foi decidida sob o regime do art. 543-c do CPC e da Resolução STJ 8/2008.
Incidente de uniformização acolhido para adotar o entendimento desta Corte quanto à aplicabilidade da Lei Complementar n. 118/2005 no tocante à prescrição.
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO HUMBERTO MARTINS (Relator):
DA PREVISÃO E DA ADMISSIBILIDADE
De início registre-se que a previsão do incidente ora suscitado reside no art. 14, § 4º, da Lei n. 10.259/2001 - Lei dos Juizados Especiais Federais, verbis:
"Art. 14. Caberá pedido de uniformização de interpretação de lei federal quando houver divergência entre decisões sobre questões de direito material proferidas por Turmas Recursais na interpretação da lei.
§ 4o Quando a orientação acolhida pela Turma de Uniformização, em questões de direito material, contrariar súmula ou jurisprudência dominante no Superior Tribunal de Justiça -STJ, a parte interessada poderá provocar a manifestação deste, que dirimirá a divergência."
É requisito para a admissão e processamento do incidente de uniformização de jurisprudência perante o Superior Tribunal de Justiça, sob pena de supressão de instância, que a matéria objeto da divergência tenha sido submetida à apreciação do colegiado da Turma Nacional de Uniformização de Jurisprudência - TNU, o que se deu na hipótese dos autos.
Ademais, como se pode observar da leitura das ementas supracitadas, demonstrada está a divergência jurisprudencial entre os julgados, cuja uniformização torna-se imperiosa.
Enquanto o acórdão proferido pela TNU preconiza que a LC n. 118/2005 deve ser aplicada aos fatos geradores pretéritos ainda não submetidos ao crivo judicial, o acórdão proferido pela Segunda Turma do STJ foi no sentido de que em se tratando de pagamentos indevidos efetuados antes da entrada em vigor da LC n. 118/2005, em 9.6.2005, o prazo prescricional para o contribuinte pleitear a restituição do indébito, nos casos dos tributos sujeitos a lançamento por homologação, deve observar a prescrição decenal (tese dos cinco mais cinco).
Logo, preenchidos os pressupostos de admissibilidade, conheço do presente incidente.
DA PRESCRIÇÃO DECENAL
Quanto ao termo a quo da prescrição, a Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento dos Embargos de Divergência no Resp 435.835/SC em 24.3.2004, adotou o entendimento segundo o qual, para as hipóteses de devolução de tributos sujeitos à homologação, a prescrição do direito de pleitear a restituição ou compensação ocorre após expirado o prazo de cinco anos, contados do fato gerador, acrescido de mais cinco anos, a partir da homologação tácita.
Dessarte, na hipótese em exame, apesar do ajuizamento da ação (1º.8.2005) ser posterior ao início da vigência da Lei Complementar n. 118/2005 (9.6.2005), os fatos geradores (recolhimentos indevidos) lhe antecedem, aplicando-se o prazo prescricional de cinco anos, contados do fato gerador, acrescido de mais cinco anos, a partir da homologação tácita.
DA INAPLICABILIDADE DA LC N. 118/2005
O STJ, por intermédio da sua Corte Especial, no julgamento da AI no EREsp 644.736/PE, declarou a inconstitucionalidade da segunda parte do art. 4º da Lei Complementar n. 118/2005, a qual estabelece aplicação retroativa de seu art. 3º, porquanto ofende os princípios da autonomia, da independência dos poderes, da garantia do direito adquirido, do ato jurídico perfeito e da coisa julgada.
Para bem dilucidar a questão, trecho do aludido art. 4º, segunda parte, da Lei Complementar n. 118/2005, declarado inconstitucional pela Corte Especial, verbis: "observado, quanto ao art. 3º, o disposto no art. 106, I, da Lei nº 5.107, de 25 de outubro de 1966 - Código Tributário Nacional".
Da exegese do excerto, denota-se a retroatividade inadmissível sob o prisma do ordenamento pátrio. Nesse sentido: "1. A Corte Especial do STJ, no julgamento da AI no EREsp 644.736/PE, declarou que a segunda parte do art. 4º da Lei Complementar n. 118/2005 - que determina a aplicação retroativa de seu art. 3º para alcançar inclusive fatos passados - é inconstitucional, visto ofender os princípios da autonomia, da independência dos poderes, da garantia do direito adquirido, do ato jurídico perfeito e da coisa julgada." (EDcl no Resp 889.273/SP, Rel. Min. João Otávio de Noronha, Segunda Turma, julgado em 7.8.2007, DJ 20.8.2007, p. 260)
Precedente: "1. a Corte Especial, na argüição de inconstitucionalidade no EREsp 644.736/PE, acolheu o incidente para reconhecer a inconstitucionalidade da expressão 'observado, quanto ao art. 3º, o disposto no art. 106, i, da Lei nº 5.107, de 25 de outubro de 1966 - Código Tributário Nacional', constante do art. 4º, segunda parte, da LC 118/2005. 2.
Agravo Regimental improvido". (AgRg no Ag 829.014/SP, Rel. Min. Eliana Calmon, Segunda Turma, julgado em 7.8.2007, DJ 16.8.2007, p. 312)
Precedente: "2. Estão os órgãos fracionários dos tribunais dispensados de submeter ao plenário, ou ao órgão especial, a argüição de inconstitucionalidade, quando já houver pronunciamento destes ou do plenário do Supremo Tribunal Federal sobre a questão (art. 481, § 1º, do CPC). (...)"
(EDcl no REsp 887.963/SP, Rel. Min. João Otávio de Noronha, Segunda Turma, julgado em 7.8.2007, DJ 20.8.2007, p. 259)
DA MATÉRIA DECIDIDA SOB O REGIME DO ART. 543-C DO CPC E DA RESOLUÇÃO STJ 8/2008
Registre-se que referido entendimento foi reiterado pela Primeira Seção em 25.11.2009, por ocasião do julgamento do Recurso Especial repetitivo 1.002.932/SP, oportunidade em que se reafirmou que "em se tratando de pagamentos indevidos efetuados antes da entrada em vigor da LC 118/05 (09.06.2005), o prazo prescricional para o contribuinte pleitear a restituição do indébito, nos casos dos tributos sujeitos a lançamento por homologação, continua observando a cognominada tese dos cinco mais cinco, desde que, na data da vigência da novel lei complementar, sobejem, no máximo, cinco anos da contagem do lapso temporal (regra que se coaduna com o disposto no artigo 2.028, do Código Civil de 2002" e, bem assim, que "a Corte Especial declarou a inconstitucionalidade da expressão 'observado, quanto ao art. 3º, o disposto no art. 106, I, da Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966 - Código Tributário Nacional', constante do artigo 4º, segunda parte, da Lei Complementar 118/2005 (AI nos ERESP 644736/PE, Relator Ministro Teori Albino Zavascki, julgado em 06.06.2007)."
Confira-se a ementa do julgado sugerida pelo Relator:
"PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ART. 543-C, DO CPC. TRIBUTÁRIO. AUXÍLIO CONDUÇÃO. IMPOSTO DE RENDA. TRIBUTO SUJEITO A LANÇAMENTO POR HOMOLOGAÇÃO. PRESCRIÇÃO. TERMO INICIAL. PAGAMENTO INDEVIDO. ARTIGO 4º, DA LC 118/2005. DETERMINAÇÃO DE APLICAÇÃO RETROATIVA. DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE. CONTROLE DIFUSO. CORTE ESPECIAL. RESERVA DE PLENÁRIO.
1. O princípio da irretroatividade impõe a aplicação da LC 118, de 9 de fevereiro de 2005, aos pagamentos indevidos realizados após a sua vigência e não às ações propostas posteriormente ao referido diploma legal, posto norma referente à extinção da obrigação e não ao aspecto processual da ação correspectiva.
2. O advento da LC 118/05 e suas conseqüências sobre a prescrição, do ponto de vista prático, implica dever a mesma ser contada da seguinte forma: relativamente aos pagamentos efetuados a partir da sua vigência (que ocorreu em 09.06.05), o prazo para a repetição do indébito é de cinco a contar da data do pagamento; e relativamente aos pagamentos anteriores, a prescrição obedece ao regime previsto no sistema anterior, limitada, porém, ao prazo máximo de cinco anos a contar da vigência da lei nova.
3. Isto porque a Corte Especial declarou a inconstitucionalidade da expressão 'observado, quanto ao art. 3º, o disposto no art. 106, I, da Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966 - Código Tributário Nacional', constante do artigo 4º, segunda parte, da Lei Complementar 118/2005 (AI nos ERESP 644736/PE, Relator Ministro Teori Albino Zavascki, julgado em 06.06.2007).
4. Deveras, a norma inserta no artigo 3º, da lei complementar em tela, indubitavelmente, cria direito novo, não configurando lei meramente interpretativa, cuja retroação é permitida, consoante apregoa doutrina abalizada:
'Denominam-se leis interpretativas as que têm por objeto determinar, em caso de dúvida, o sentido das leis existentes, sem introduzir disposições novas. {nota: A questão da caracterização da lei interpretativa tem sido objeto de não pequenas divergências, na doutrina. Há a corrente que exige uma declaração expressa do próprio legislador (ou do órgão de que emana a norma interpretativa), afirmando ter a lei (ou a norma jurídica, que não se apresente como lei) caráter interpretativo. Tal é o entendimento da AFFOLTER (Das intertemporale Recht, vol. 22, System des deutschen bürgerlichen Uebergangsrechts, 1903, pág. 185), julgando necessária uma Auslegungsklausel, ao qual GABBA, que cita, nesse sentido, decisão de tribunal de Parma, (...)
Compreensão também de VESCOVI (Intorno alla misura dello stipendio dovuto alle maestre insegnanti nelle scuole elementari maschili, in Giurisprudenza italiana, 1904, I,I, cols. 1191, 1204) e a que adere DUGUIT , para quem nunca se deve presumir ter a lei caráter interpretativo - 'os tribunais não podem reconhecer esse caráter a uma disposição legal, senão nos casos em que o legislador lho atribua expressamente' (Traité de droit constitutionnel, 3a ed., vol. 2o, 1928, pág. 280). Com o mesmo ponto de vista, o jurista pátrio PAULO DE LACERDA concede, entretanto, que seria exagero exigir que a declaração seja inseri da no corpo da própria lei não vendo motivo para desprezá-la se lançada no preâmbulo, ou feita noutra lei.
Encarada a questão, do ponto de vista da lei interpretativa por determinação legal, outra indagação, que se apresenta, é saber se, manifestada a explícita declaração do legislador, dando caráter interpretativo, à lei, esta se deve reputar, por isso, interpretativa, sem possibilidade de análise, por ver se reúne requisitos intrínsecos, autorizando uma tal consideração .
(...)
... SAVIGNY coloca a questão nos seus precisos termos, ensinando: 'trata-se unicamente de saber se o legislador fez, ou quis fazer uma lei interpretativa, e, não, se na opinião do juiz essa interpretação está conforme com a verdade' (System des heutigen romischen Rechts, vol. 8o, 1849, pág. 513). Mas, não é possível dar coerência a coisas, que são de si incoerentes, não se consegue conciliar o que é inconciliável. E, desde que a chamada interpretação autêntica é realmente incompatível com o conceito, com os requisitos da verdadeira interpretação (v., supra, a nota 55 ao n° 67), não admira que se procurem torcer as conseqüências inevitáveis, fatais de tese forçada, evitando-se-lhes os perigos.
Compreende-se, pois, que muitos autores não aceitem o rigor dos efeitos da imprópria interpretação. Há quem, como GABBA (Teoria delta retroattività delle leggi, 3a ed., vol. 1o, 1891, pág. 29), que invoca MAILHER DE CHASSAT (Traité de la rétroactivité des lois, vol. 1o, 1845, págs. 131 e 154), sendo seguido por LANDUCCI (Trattato storico-teorico-pratico di diritto civile francese ed italiano, versione ampliata del Corso di diritto civile francese, secondo il metodo dello Zachariæ, di Aubry e Rau, vol. 1o e único, 1900, pág. 675) e DEGNI (L'interpretazione della legge, 2a ed., 1909, pág. 101), entenda que é de distinguir quando uma lei é declarada interpretativa, mas encerra, ao lado de artigos que apenas esclarecem, outros introduzido novidade, ou modificando dispositivos da lei interpretada. PAULO DE LACERDA (loc. cit.) reconhece ao juiz competência para verificar se a lei é, na verdade, interpretativa, mas somente quando ela própria afirme que o é. LANDUCCI (nota 7 à pág. 674 do vol. cit.) é de prudência manifesta: 'Se o legislador declarou interpretativa uma lei, deve-se, certo, negar tal caráter somente em casos extremos, quando seja absurdo ligá-la com a lei interpretada , quando nem mesmo se possa considerar a mais errada interpretação imaginável. A lei interpretativa, pois, permanece tal, ainda que errônea, mas, se de modo insuperável, que suplante a mais aguda conciliação, contrastar com a lei interpretada, desmente a própria declaração legislativa.' Ademais, a doutrina do tema é pacífica no sentido de que: 'Pouco importa que o legislador, para cobrir o atentado ao direito, que comete, dê à sua lei o caráter interpretativo. É um ato de hipocrisia, que não pode cobrir uma violação flagrante do direito' (Traité de droit constitutionnel, 3ª ed., vol. 2º, 1928, págs. 274-275).' (Eduardo Espínola e Eduardo Espínola Filho, in A Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro, Vol. I, 3a ed., págs. 294 a 296).
5. Consectariamente, em se tratando de pagamentos indevidos efetuados antes da entrada em vigor da LC 118/05 (09.06.2005), o prazo prescricional para o contribuinte pleitear a restituição do indébito, nos casos dos tributos sujeitos a lançamento por homologação, continua observando a cognominada tese dos cinco mais cinco, desde que, na data da vigência da novel lei complementar, sobejem, no máximo, cinco anos da contagem do lapso temporal (regra que se coaduna com o disposto no artigo 2.028, do Código Civil de 2002, segundo o qual: 'Serão os da lei anterior os prazos, quando reduzidos por este Código, e se, na data de sua entrada em vigor, já houver transcorrido mais da metade do tempo estabelecido na lei revogada.').
6. Desta sorte, ocorrido o pagamento antecipado do tributo após a vigência da aludida norma jurídica, o dies a quo do prazo prescricional para a repetição/compensação é a data do recolhimento indevido.
7. In casu, insurge-se o recorrente contra a prescrição qüinqüenal determinada pelo Tribunal a quo, pleiteando a reforma da decisão para que seja determinada a prescrição decenal, sendo certo que não houve menção, nas instância ordinárias, acerca da data em que se efetivaram os recolhimentos indevidos, mercê de a propositura da ação ter ocorrido em 27.11.2002, razão pela qual forçoso concluir que os recolhimentos indevidos ocorreram antes do advento da LC 118/2005, por isso que a tese aplicável é a que considera os 5 anos de decadência da homologação para a constituição do crédito tributário acrescidos de mais 5 anos referentes à prescrição da ação.
8. Impende salientar que, conquanto as instâncias ordinárias não tenham mencionado expressamente as datas em que ocorreram os pagamentos indevidos, é certo que os mesmos foram efetuados sob a égide da LC 70/91, uma vez que a Lei 9.430/96, vigente a partir de 31/03/1997, revogou a isenção concedida pelo art. 6º, II, da referida lei complementar às sociedades civis de prestação de serviços, tornando legítimo o pagamento da COFINS.
9. Recurso especial provido, nos termos da fundamentação expendida. Acórdão submetido ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução STJ 08/2008.
(REsp 1002932/SP, Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Seção, julgado em 25/11/2009, DJe 18/12/2009)
Dos argumentos expendidos, é o caso de se reconhecer a prescrição decenal ao direito de se pleitear a restituição dos tributos recolhidos indevidamente.
Ante o exposto, acolho o presente incidente de uniformização para adotar o entendimento desta Corte quanto à aplicabilidade da Lei Complementar n. 118/2005 no tocante à prescrição, ou seja, "o princípio da irretroatividade impõe a aplicação da LC 118, de 9 de fevereiro de 2005, aos pagamentos indevidos realizados após a sua vigência e não às ações propostas posteriormente ao referido diploma legal, posto norma referente à extinção da obrigação e não ao aspecto processual da ação correspectiva". (Resp 1002932/SP, Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Seção, julgado em 25/11/2009, DJe 18/12/2009)
É como penso. É como voto.
MINISTRO HUMBERTO MARTINS
Relator
CERTIDÃO DE JULGAMENTO
PRIMEIRA SEÇÃO
Número Registro: 2007/0251770-1 Pet 5994 / SC
Número Origem: 200572080038935
PAUTA: 10/03/2010 JULGADO: 10/03/2010
Relator
Exmo. Sr. Ministro HUMBERTO MARTINS
Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI
Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. MOACIR GUIMARÃES MORAES FILHO
Secretária
Bela. Carolina Véras
AUTUAÇÃO
REQUERENTE: CLAUDENIR DOS SANTOS
ADVOGADO: JOANALIS FAVARETTO MOLINETT E OUTRO(S)
REQUERIDO: FAZENDA NACIONAL
PROCURADORES: CLAUDIO XAVIER SEEFELDER FILHO
LEONARDO DE FARIA GALIANO E OUTRO(S)
ASSUNTO: DIREITO TRIBUTÁRIO
CERTIDÃO
Certifico que a egrégia PRIMEIRA SEÇÃO, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
"A Seção, por unanimidade, acolheu o incidente de uniformização, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator."
Os Srs. Ministros Herman Benjamin, Mauro Campbell Marques, Benedito Gonçalves, Eliana Calmon e Castro Meira votaram com o Sr. Ministro Relator.
Ausentes, justificadamente, os Srs. Ministros Hamilton Carvalhido, Luiz Fux e Denise Arruda.
Brasília, 10 de março de 2010
Carolina Véras
Secretária
Documento: 952158 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJ: 18/03/2010 Página 13de 13
JURID - Processo civil. Incidente de uniformização de jurisprudência [30/03/10] - Jurisprudência
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