Anúncios


terça-feira, 23 de março de 2010

JURID - Ente público. Responsabilidade subsidiária. [23/03/10] - Jurisprudência


Ente público. Responsabilidade subsidiária. Reconhecimento e alcance.
MBA Direito Comercial - Centro Hermes FGV

Tribunal Regional do Trabalho - TRT5ªR

3ª. TURMA

RECURSO ORDINÁRIO Nº 0097500-47.2008.5.05.0511-RecOrd

RECORRENTE: MUNICÍPIO DE EUNÁPOLIS

RECORRIDO: ANA RIBEIRO DOS SANTOS E OUTRO (1)

RELATORA: DESEMBARGADORA MARGARETH RODRIGUES COSTA

ENTE PÚBLICO. RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA. RECONHECIMENTO E ALCANCE. A responsabilidade subsidiária alcança inclusive os entes públicos, com lastro jurisprudencial na Súmula 331 do c. TST e suporte legal no §6º do art. 37 da Constituição Federal, envolvendo todos os direitos decorrentes do vínculo de emprego existente, exceto os de cunho personalíssimo.

MUNICÍPIO DE EUNÁPOLIS, nos autos do processo de n.00975-2008-511-05-00-0 RecOrd, em que litiga com ANA RIBEIRO DOS SANTOS, na qual também figura como Reclamado G L COMÉRCIO DE PREMOLDADOS E SERVIÇOS DA CONSTRUÇÃO CIVIL LTDA. inconformado com a decisão de fls. 35/74, interpôs Recurso Ordinário, conforme razões de fls. 79/84.

Contrarrazões apresentadas às fls. 88/92.

O Ministério Público do Trabalho se manifestou mediante opinativo de fls. 102/103.

Visto do (a) Exmo. (a) Desembargador (a) Revisor (a).

É o relatório.

VOTO

ADMISSIBILIDADE

Conheço do recurso em virtude de estarem atendidos os pressupostos intrínsecos e extrínsecos para sua admissibilidade.

MÉRITO

RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA

Insurge-se o Município recorrente contra a responsabilidade solidária que lhe foi imposta, alegando violado o art. 71 da Lei 8.666/93 - diploma que disciplina o procedimento das licitações públicas -, quando também vai de encontro à Súmula 331 do TST, afirmando não ter mantido nenhum vínculo de emprego com a reclamante, ao tempo em que informa afrontado o referido dispositivo legal, e pugna pela reforma da decisão para se ver isento de qualquer responsabilidade para com a autora.

Há de ser feito, o esclarecimento e o registro de que a sentença de cognição, muito bem posta, por razões e argumentos; muitos deles; irrebatíveis, apesar de traçar todo o arcabouço no sentido de reconhecer a responsabilidade solidária do município, deixou registrado, a princípio, na conclusão de sua fundamentação que:

"À luz de todos esses fundamentos, verifica-se que haveria de ser reconhecida a responsabilidade solidária do Município por eventuais créditos reconhecidos nesta decisão. Como o pedido adstringiu-se à responsabilidade subsidiária, fica esta declarada."

Portanto, ali reconheceu a responsabilidade subsidiária do município.

Entretanto, e em que pese o quando declarado, na parte dispositiva do mesmo decisum, ao final, o MM julgador de origem acabou por decidir, em conclusão, que:

"Do exposto, rejeitam-se as preliminares de impossibilidade jurídica do pedido, ausência de interesse de agir e ilegitimidade passiva ad causam do segundo Réu; acolhe-se a preliminar de ilegitimidade passiva ad causam suscitada pelo terceiro Réu, para julgar o processo extinto, sem resolução do mérito em face dele; rejeita-se a impugnação ao valor da causa formulada pelo segundo Réu, julgando-se, no mérito, PROCEDENTES EM PARTE os pedidos formulados na presente Ação Trabalhista, para condenar, solidariamente, G.L. COM. DE PREMOLDADOS E SERV. DA CONST. CIVIL LTDA. e o MUNICÍPIO DE EUNÁPOLIS a pagar a ANA RIBEIRO DOS SANTOS, no prazo de oito dias e na forma da fundamentação:" (sublinhei)

Diante disso, sendo certo que, não interpostos embargos de declaração, para sanear a contradição, a parte que transitou em julgado é exatamente a que foi referida em seu dispositivo, expressamente, prevalecendo ali a condenação solidária do recorrente.

Assim sendo, tem razão o recorrente, em parte, quando se insurge à condenação solidária que lhe foi imposta, e, mesmo que não invocasse argumentos referentes ao reconhecimento em si da responsabilidade solidária, em relação ao tomador e beneficiário dos serviços, com todo o seu corolário, insta constatar que não pretendeu a reclamante o reconhecimento de responsabilidade solidária com o município, em qualquer tempo, mas tão somente que fosse declarada a sua responsabilidade subsidiária, exatamente pelo fato de ser ele o tomador dos serviços por ela executados.

Destarte, insta reformar a decisão de origem para, resguardando até o que foi objeto da sentença de cognição, a princípio, respeitando os limites estritos da lide, reconhecer que não há responsabilidade solidária, no caso concreto, e sim subsidiária.

Quanto à subsidiariedade reconhecida, por sua vez, a obrigação decorre da contratação de pessoas jurídicas inidôneas, cujos serviços não foram fiscalizados adequadamente, possibilitando o inadimplemento das obrigações trabalhistas por parte da contratada - devedora principal - e atraindo o ônus de reparar os danos causados a terceiros, no caso, a reclamante.

No particular, o contrato de prestação de serviços entre os reclamados, que redundou no labor por parte da autora como gari, serviu para comprovar o vínculo obrigacional entre ambas, do qual subsiste a discutida responsabilidade.

O tomador dos serviços optou por essa forma de contratação e se descuidou de seu dever de averiguar a idoneidade financeira da prestadora, no que se refere à possibilidade de solvência das obrigações trabalhistas, bem como do dever de fiscalizar o cumprimento das obrigações contratuais por ela assumidas. Assim sendo, na medida em que negligenciou suas obrigações, permitiu que a empregada trabalhasse em proveito de seus serviços essenciais, sem ver cumpridos os direitos decorrentes do contrato de trabalho. Sob este aspecto, por culpa in eligendo e in vigilando, responde pelas obrigações contraídas pela prestadora perante o empregado, ainda que de forma subsidiária.

A rigor, não se concebe que o tomador de serviços possa transferir atividades para terceiros sem responder pela necessária vigilância que detém. Logo, mesmo que na celebração do contrato de prestação de serviço a empresa contratada revele cumprir o requisito da idoneidade e que tenham sido observados os ditames legais, a responsabilidade do contratante em matéria trabalhista há de ser decretada se agiu com qualquer tipo de culpa.

Reconheço que a subcontratação acaba por evocar mais responsabilidades do que a contratação direta, pois o tomador tem de adimplir as obrigações de natureza civil contraídas com a prestadora e, ainda, deve vigiar se a mesma está observando devidamente a legislação trabalhista. Assim o é, porque esse modo de utilização de trabalho não derrogou as normas de proteção ao trabalhador previstas na CLT, cuja interpretação sistêmica permitiu que o c. TST erigisse a responsabilidade subsidiária subjacente a tais relações.

O c. TST, ainda que não tenha admitido a responsabilidade solidária do tomador dos serviços, na linha do que em situações similares decide o Direito Administrativo, Direito do Consumidor, Direito Previdenciário e Direito Tributário, à época acabou adotando linha de interpretação arrojada, firmando jurisprudência no sentido de reconhecer a responsabilidade subsidiária do beneficiário do trabalho, quando contrata a prestação de serviço, até mesmo nas hipótese que envolvem entes públicos, alterando a redação do item IV, da Súmula nº 331, mediante a Resolução n. 96/2000, como se constata:

"CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. LEGALIDADE. [...] IV - O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica na responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços, quanto àquelas obrigações, inclusive quanto aos órgãos da administração direta, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista, desde que hajam participado da relação processual e constem também do título executivo judicial (artigo 71 da Lei nº 8.666/93)."

Ressalto, por oportuno, que o processo de licitação pública pela Administração Pública não exime a responsabilidade pelos débitos da prestadora de serviço, tendo, inclusive, tal entendimento amparado na citada súmula do c. TST.

Ressalte-se que a sujeição da recorrente ao princípio insculpido no artigo 37, inciso II, da Constituição Federal não constitui óbice para reconhecer sua responsabilidade subsidiária pelos créditos trabalhistas inadimplidos pela empresa prestadora de serviços, ainda quando regular a intermediação, uma vez que não implica em reconhecimento de vínculo de emprego direto.

Aliás, o artigo 71 da Lei n. 8.666/93 não impede a responsabilização subsidiária. O fundamento para que se chegue a tal conclusão está assentado na própria norma constitucional que fixa como princípios basilares da Administração Pública a legalidade, impessoalidade e moralidade pública que não permitem ao ente Administrativo se eximir da responsabilidade quando, em decorrência de ato seu, gera prejuízos a terceiros. Com base em tais princípios, não há como isentar da responsabilidade o beneficiário dos serviços. Ressalte-se que o art. 58 da Lei em comento determina, também, em seu inciso III, o dever de fiscalização do ente público para com seus contratados, o mesmo ocorrendo com o art. 67 do mesmo diploma legal.

Dessa forma, numa análise sistêmica do fato normativo colocado à apreciação jurisdicional, conjugado com o regramento positivado da matéria, não se pode permitir, simplesmente, ser subtraída a responsabilidade subsidiária do tomador do serviço.

Com efeito, a responsabilidade pretendida ainda aqui subsiste em respeito ao princípio constitucional de proteção da dignidade da pessoa humana, em especial o trabalhador, e ao valor social do trabalho, sem que com isso se possa admitir qualquer violação ao princípio da reserva legal (art. 5º, II da CF/88).

É com fundamento no princípio da igualdade, noção básica do Estado de Direito, que dizemos que o trabalhador não pode suportar prejuízo ocorrido por força de atividades contratadas e desempenhadas no interesse da coletividade. O entendimento de que o ente público não se sujeita à condenação subsidiária, torna-os irresponsáveis pelos seus atos, colocando a administração pública em prioridade sobre o direito social do trabalho, o que não se admite.

Ademais, a Administração Pública encontra-se vinculada aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência (art. 37 da CF/88) e, por conseqüência, não pode propiciar, por ação ou omissão, prejuízos a terceiros, sem imputação de qualquer responsabilidade pelo ato administrativo praticado.

A partir deste contexto, firmou-se o entendimento jurisprudencial já citado, a teor das seguintes julgados aqui destacados:

AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA - RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. DECISÃO EM HARMONIA COM O ITEM IV DO EN. 331/TST. Sob o pálio dos princípios constitucionais e dos fundamentos do próprio Estado Democrático de Direito - a saber, dignidade da pessoa humana e respeito aos valores sociais do trabalho, erigiu-se a Súmula 331 desta C. Corte que atribui responsabilidade subsidiária à Administração Pública, mesmo na hipótese de licitação de prestação de serviços, uma vez verificada a inadimplência do empregador. Assim, a decisão regional encontra-se em consonância com o En. 331/TST, item IV; incidência do art. 896, § 5º, da CLT e no En. 333/TST. Agravo a que se nega provimento. (BRASIL. TST. 2ª Turma. Relator: Desembargador Convocado Josenildo dos Santos Carvalho. Proc. n. AIRR-2244/2001-012-15-00. DJ: 06 maio. 2005).

TERCEIRIZAÇÃO. ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA DIRETA, INDIRETA AUTÁRQUICA E FUNDACIONAL. RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA. VIABILIDADE. INAPLICABILIDADE DO § 1º DO ART. 71 DA LEI Nº 8.666/93, POR AFRONTA AO INCISO II, § 1º, DO ART. 173 DA CF/88. O art. 71 da Lei nº 8.666/93 (Lei das Licitações) destoa dos princípios constitucionais de proteção ao trabalho (art. 1º, incisos III e IV, da CF/88) que preconizam os fundamentos do Estado Democrático de Direito, como "a dignidade da pessoa humana; os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa", respectivamente; além da garantia dos chamados "direitos sociais" insculpida no art. 7º da Carta Política, como garantias fundamentais do cidadão. Some-se que a interpretação literal deste dispositivo legal (art. 71 da Lei nº 8.666/93) choca-se frontalmente com os preceitos constitucionais que impedem a concessão de privilégio às entidades estatais que terceirizem serviços e as paraestatais que desenvolvam atividades econômicas, impondo, quanto a estas, igualdade de tratamento com as empresas privadas (art. 173, § 1º, II, da CF). O mecanismo da licitação visa propiciar à entidade estatal ou paraestatal a escolha do melhor contratante, jamais mecanismos para acobertar irresponsabilidades. A culpa "in eligendo" e "in vigilando" da administração atrai a responsabilidade subsidiária, por atuação do princípio inserto no art. 455 da Consolidação, aplicado por força do inciso II, § 1º, do art. 173 da CF/88. Neste sentido o item IV do Enunciado nº 331 do TST. Recurso de revista não conhecido. (BRASIL. TST. 4ª Turma. Relator: Desembargador Convocado José Antonio Pancotti. Proc. n. RR-697.514/2000.1. DJ: 19 set. 2004).

Outrossim, deve ser ressaltado que essa responsabilidade subsidiária envolve todos os débitos do empregador, ainda que de natureza indenizatória ou sancionatória. Isso porque o devedor subsidiário responde pelo débito do devedor principal, e não somente pelos créditos estritamente trabalhistas.

Obviamente, no entanto, que ao devedor não se pode imputar a realização de obrigações personalíssimas, a exemplo da anotação na CTPS.

Assim, de modo a se evitar o descumprimento da legislação trabalhista, impõe-se a responsabilidade subsidiária do município reclamado com relação ao pagamento de todas as parcelas objeto da condenação, ressalvadas as de cunho personalíssimo.

Conheço o recurso do segundo reclamado e, no mérito, dou-lhe provimento parcial apenas para condená-lo como responsável subsidiário pelas obrigações devidas à reclamante, e não como responsável solidário.

Acordam os Desembargadores da 3ª. TURMA do Tribunal Regional do Trabalho da 5ª Região, à unanimidade, conhecer o recurso do segundo reclamado e, no mérito, DAR-LHE PROVIMENTO PARCIAL apenas para condená-lo como responsável subsidiário pelas obrigações devidas à reclamante, e não como responsável solidário; tendo a Excelentíssima Desembargadora SÔNIA FRANÇA feito ressalvas quanto à fundamentação.

Salvador, 09 de Março de 2010.

MARGARETH RODRIGUES COSTA
Juíza Convocada




JURID - Ente público. Responsabilidade subsidiária. [23/03/10] - Jurisprudência

 



 

 

 

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário