Habeas Corpus. Processual penal. Crime de competência do Tribunal do Júri. Excesso de linguagem reconhecido.
Supremo Tribunal Federal - STF
Coordenadoria de Análise de Jurisprudência
DJe nº 27 Divulgação 11/02/2010 Publicação 12/02/2010
Ementário n° 2389 - 2
01/12/2009 PRIMEIRA TURMA
HABEAS CORPOS 94.731 MATO GROSSO
RELATOR: MIN. DIAS TOFFOLI
PACTE.(S): MANOEL JOÃO MARQUES OU MANOEL JOÃO MARQUES RODRIGUES
IMPTE.(S): ULISSES RABANEDA DOS SANTOS
COATOR(A/S)(ES): SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
EMENTA
Habeas corpus. Processual penal. Crime de competência do Tribunal do Júri. Excesso de linguagem reconhecido. Desnecessidade de anulação do julgamento, sendo suficiente o desentranhamento do acórdão no qual foram proferidas as expressões extravagantes. Precedente.
1. O acórdão proferido pelo Superior Tribunal de Justiça, ao conceder parcialmente a ordem para reconhecer o excesso de linguagem e vedar sua utilização na sessão de julgamento, não divergiu da orientação desta Suprema Corte, firmada no sentido de que, "(. ..) dada a necessidade de comprovação de prejuízo concreto (...), não há nulidade, sequer em tese, a ser declarada" (HC nº 89.088/PR, Primeira Turma, Relator o Ministro Sepúlveda Pertence, DJ de 19.12.06), se os jurados não tiverem acesso à pronúncia ou ao acórdão que a confirmou. 2. Habeas corpus denegado.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, sob a Presidência do Sr. Ministro Carlos Britto, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por maioria de votos, em indeferir o pedido de habeas corpus, nos termos do voto do Relator.
Brasília, 1º de dezembro de 2009.
MINISTRO DIAS TOFFOLI
Relator
01/12/2009 PRIMEIRA TURMA
HABEAS CORPUS 94.731 MATO GROSSO
RELATOR: MIN. DIAS TOFFOLI
PACTE.(S): MANOEL JOÃO MARQUES OU MANOEL JOÃO MARQUES RODRIGUES
IMPTE.(S): ULISSES RABANEDA DOS SANTOS
COATOR(A/S)(ES): SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO DIAS TOFFOLI:
Habeas corpus, com pedido de liminar, impetrado pelo advogado Ulisses Rabaneda dos Santos em favor de Manoel João Marques, buscando que seja anulado o acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça de Mato Grosso em razão de ter "invadido a competência do Tribunal do Júri, pois de forma velada condena o paciente, usando de grave excesso de linguagem"(fl. 3).
Aponta como autoridade coatora a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça que, no julgamento do HC nº 85.691/MT, Relatora a Ministra Maria Thereza Rocha de Assis Moura, concedeu parcialmente a ordem para reconhecer o excesso de linguagem e vedar a sua utilização na sessão de julgamento, certificando-se nos autos apenas o resultado do julgamento da apelação. Também concedida a ordem, de ofício, para declarar a extinção da punibilidade do ora paciente no tocante ao crime de lesões corporais, em virtude da ocorrência de prescrição. Confira-se a ementa desse julgado:
"PENAL. PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. JÚRI. 1. VEREDICTO DO CONSELHO DE SENTENÇA. DESCLASSIFICAÇÃO PARA HOMICÍDIO CULPOSO. RECURSO DE APELAÇÃO. ANULAÇÃO DO VEREDICTO. PROVA MANIFESTAMENTE CONTRÁRIA À PROVA DOS AUTOS. EXCESSO DE LINGUAGEM. OCORRÊNCIA. INFLUÊNCIA PERNICIOSA NA DECISÃO SOBERANA DOS JURADOS. POSSIBILIDADE. ORDEM CONCEDIDA EM PARTE. 2 LESÕES CORPORAIS. PRESCRIÇÃO. OCORRÊNCIA. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO. 3. ORDEM CONCEDIDA.
1. O acórdão que julga manifestamente contrária à prova dos autos a decisão proferida pelos jurados, remetendo o réu a novo julgamento, não pode se exceder de modo a prejulgá-lo, afastando categoricamente a versão do acusado e afirmando a ocorrência de dolo eventual, a pretexto de analisar o acervo probatório.
2. Impõe-se o reconhecimento da prescrição relativamente ao crime de lesões corporais, nos termos do artigo 109, V, do Código Penal, considerada a pena abstratamente cominada ao delito em questão.
3. Ordem concedida, em parte, para, reconhecido o excesso de linguagem, determinar o desentranhamento do presto atacado dos autos da ação penal, bem assim a sua colocação em envelope lacrado, vedada a sua utilização na sessão de julgamento, certificando-se, todavia, nos autos, o resultado do julgamento da apelação. Ordem concedida, ainda, de ofício, para declarar extinta a punibilidade do paciente com relação ao crime de lesões corporais, diante da ocorrência de prescrição" (fl. 26).
Alega o impetrante que:
"(...)
O paciente foi denunciado na comarca de Alta Floresta/MT, em junho de 1988, acusado de ter cometido o crime descrito no Art. 121 caput do Código Penal (Doc. 01).
Instruído o feito, o paciente foi pronunciado (Doc. 02), sendo que, desta decisão, recorreu em sentido estrito a defesa.
O Recurso acima descrito não foi conhecido pelo Tribunal de Justiça Estadual, conforme se verifica do acórdão acostado como Doc. 03.
Posteriormente, foi o paciente levado a julgamento em Plenário do Júri, sendo que o Conselho de Sentença desclassificou a conduta para homicídio culposo, conforme se verifica da documentação anexa como Doc. 04.
Em plenário, o juiz, condenando o paciente a uma pena de 01 ano de detenção, reconheceu a ocorrência da Prescrição da Pretensão Punitiva.
Contra tal decisão, apelou o Ministério Público.
Apresentadas as razões e contra-razões do apelo, foi o recurso Ministerial Provido pela 1 á Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, mandando o réu a novo julgamento (Doc. 05)
A tese para a reforma da decisão de primeira instância foi a de que a decisão dos jurados foi manifestamente contrária à prova dos autos.
Ocorre, i. Ministro, que no julgamento da apelação ministerial o TJ/MT invadiu a competência do Tribunal do Júri, pois de forma velada condena o paciente, usando de grave excesso de linguagem.
Por estas razões, impetrou-se no STJ o Habeas Corpus 85691, relatado pela Ministra Maria Thereza Rocha de Assis e Moura.
No julgamento do Habeas Corpus perante o STJ, aquela corte de Justiça entendeu que o TJ/MT cometeu excesso de linguagem (...)
.........................................................................
(...) ao invés de anular o julgamento do recurso e determinar que o TJ/MT proferisse outro acórdão sem os excessos, determinou que a decisão fosse desentranhada dos autos, apenas isto.
É este o ato atacado neste habeas" (fls. 314 - grifos no original).
Para fundamentar o pedido de liminar, sustenta que "a sessão de julgamento do paciente está prestes a ser designada na origem, demonstrando o perigo na demora" (fl. 10) e que, "a fumaça do bom direito reside nas jurisprudências colacionadas bem como na própria decisão do STJ, que reconheceu a mácula no acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça de Mato Grosso" (fl. 10).
Ao final, requer que seja deferida a liminar para suspender "o processo na origem, sustando a realização de julgamento do paciente pelo júri até final julgamento do presente writ" (fl. 10). No mérito, pede a concessão da ordem "a fim de que, reformando parcialmente a decisão do STJ, seja efetivamente anulado o acórdão do TJ/MT que mandou o paciente a novo julgamento, determinando-se Que outro sela proferido, respeitando-se os limites de linguagem estabelecidos" (fl. 11 - grifos no original).
O Ministro Menezes Direito, então Relator, indeferiu o pedido de liminar e solicitou informações ao Juízo do Tribunal do Júri da Comarca de Alta Floresta/MT sobre a ocorrência ou não da sessão de julgamento designada para o dia 27.3.08 (fls. 104 a 107).
Em 11.6.08, aquele Juízo informou que não houve o julgamento pelos motivos que expôs (fl. 114).
4 Ministério Público Federai, pelo parecer da ilustre Subprocuradora Geral da República, Dra. Cláudia Sampaio Marques, manifestou-se pela denegação da ordem (fls. 117 a 125).
Em consulta ao sítio do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, verifiquei que o julgamento do paciente pelo Tribunal do Júri foi designado para o dia 11.12.09 (documento anexo).
É o relatório.
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO DIAS TOFFOLI:
Conforme relatado, o presente habeas corpus volta-se contra acórdão da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça que no julgamento do HC nº 85.691/MT, Relatora a Ministra Maria Thereza Rocha de Assis Moura, concedeu parcialmente a ordem para reconhecer o excesso de linguagem e vedar a sua utilização na sessão de julgamento, certificando nos autos apenas o resultado do julgamento da apelação. A ordem foi também concedida, de ofício, para declarar extinção da punibilidade do ora paciente no tocante ao crime de lesões corporais, em virtude da ocorrência de prescrição
Nesta ação, o impetrante busca a anulação do julgado proferido pelo Tribunal de Justiça de Mato Grosso na apelação do paciente, em razão de ter invadido "a competência do Tribunal do Júri, pois de forma velada condena o paciente, usando de grave excesso de linguagem" (fl. 3).
A ordem deve ser denegada.
Tem-se nos autos que o paciente foi denunciado pelos crimes de homicídio praticado contra sua esposa (art. 121, caput, c/c art. 61, inc. II, alínea "e", do CP) e lesão corporal (art. 129, caput, do CP), em concurso de agentes (art. 29 do CP). Após a instrução do feito, foi ele pronunciado pelos crimes acima referidos.
Submetido a julgamento pelo Tribunal do Júri, o Conselho de Sentença desclassificou a conduta para homicídio culposo, sendo o paciente condenado a 1 ano de detenção. Em favor do paciente, quando da aplicação da pena, foi reconhecida a ocorrência da prescrição da pretensão punitiva.
Contra tal decisão, o Ministério Público estadual interpôs apelação, visando anular a decisão do Conselho de Sentença, sob o fundamento de que estaria em desconformidade com a prova dos autos. A apelação foi provida, conforme os termos abaixo:
"(...)
A tese sustentada pela defesa foi a de que o réu praticou o crime de homicídio na forma culposa, posto que não desejava na oportunidade a morte da vítima, mas, apenas, agredi-ia, que o evento se verificou por imprudência no manejo da arma que disparou acidentalmente, tese que foi acatada pelo egrégio Conselho de Sentença.
Entretanto, a acurada análise dos elementos coligidos aos autos evidenciam o desacerto da decisão, pois, seguramente, denota-se, no mínimo, a existência do dolo eventual na conduta do apelado.
Entre os aspectos que antecederam o crime e que devem ser ressaltados, figura o fato de que o réu foi até a casa do amante de sua esposa, ouviu as vozes dela e dele juntos no quarto, e, numa calma inusitada, voltou para sua casa, pegou a arma, passou na casa dos cunhados, e voltou com eles no local em que se encontrava a esposa. Ora, se a sua intenção era apenas a de flagrar a esposa adúltera, poderia tê-lo feito na primeira ocasião que se dirigiu até a casa de Miguel e teve a certeza de que ela lá se encontrava, mas não, preferiu voltar para que pudesse retornar levando consigo a arma de fogo que utilizaria no crime.
No trajeto até a casa de Miguel os irmãos de Verônica solicitaram várias vezes ao réu que lhes entregasse a arma de fogo, porém, este negou-se peremptoriamente a entregá-la, atitude que já deixava transparecer o seu desígnio. Lá chegando; Horácio, começou a chamar sua irmã pelo nome, pedindo o réu, contudo, que ele parasse e, ao invés disto, arrombassem a porta, pois queria flagrar Verônica e Miguel.
Sob o aspecto da prova técnica, lamentavelmente, os elementos dos autos deixam a desejar.
Ainda assim, colhe-se no laudo de fls. 44-TJ, que existiam resíduos de sangue humano na parte externa da arma, localizados na parte lateral da mira e parte frontal da mesma, também, na parte interna do cano da mesma, não se constatando, porém, a presença de sangue humano na coronha da arma.
A ausência de sangue humano na coronha faz cair por terra a afirmação de agressão a coronhadas, ademais, se ele tivesse batendo com a coronha necessariamente o disparo acidental teria sido ou para cima ou para baixo, nunca atingindo a cabeça da vítima de cima para baixo (fls. 16/17-TJ).
Em plenário, o Cabo Moacyr Silva, que apreendeu a arma de fogo, declarou que manobrou a arma para ver se a mesma estava travada e não viu qualquer cápsula deflagrada no cano da mesma, que a arma era automática e de calibre 7.65, que quando se aciona o gatilho de tal tipo de arma, a tendência é que este ejete para fora do tambor a cápsula deflagrada (fls. 329 - TJ).
Assim, vê-se que a decisão não encontra qualquer amparo na prova que demonstre de forma inequívoca que, embora o réu pudesse não desejar a morte da vítima, em virtude de agressão com arma de fogo carregada, assumiu claramente o risco de produzir o resultado morte.
O procedimento delituoso do réu, culminando com um tiro fatal na vítima nas condições já relatadas, data vênia, reveste-se de dolo eventual.
Ad argumentadum tantum, assiste razão ao apelante quanto a matéria argüida em preliminar referente à impossibilidade do reconhecimento da incidência da prescrição retroativa na própria sentença condenatória, que reclama, ex vi do disposto no artigo 110, § 1º do Código Penal, o trânsito em julgado para a acusação" (fls. 81 a 84).
Foi, então, impetrado habeas corpus ao Superior Tribunal de Justiça com o objetivo de anular o julgado proferido pela Primeira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, em virtude do excesso de linguagem presente no acórdão, o que poderia ser uma influência negativa sobre a decisão dos jurados.
A Sexta Turma daquela Corte concedeu parcialmente a ordem para reconhecer o excesso de linguagem e vedar a sua utilização na sessão de julgamento, bem como para declarar extinta a punibilidade do paciente relativamente aos crimes de lesões corporais.
A decisão ora questionada tem a seguinte ementa:
"PENAL. PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. JÚRI. 1. VEREDICTO DO CONSELHO DE SENTENÇA. DESCLASSIFICAÇÃO PARA HOMICÍDIO CULPOSO. RECURSO DE APELAÇÃO. ANULAÇÃO DO VEREDICTO. PROVA MANIFESTAMENTE CONTRÁRIA A PROVA DOS AUTOS. EXCESSO DE LINGUAGEM. OCORRÊNCIA. INFLUÊNCIA PERNICIOSA NA DECISÃO SOBERANA DOS JURADOS. POSSIBILIDADE. ORDEM CONCEDIDA EM PARTE 2. LESÕES CORPORAIS. PRESCRIÇÃO. OCORRÊNCIA. ORDEM CONCEDIDA DE OFICIO. 3. ORDEM CONCEDIDA.
1. O acórdão que julga manifestamente contrária á prova dos autos a decisão proferida pelos jurados, remetendo o réu a novo julgamento, não pode se exceder de modo a prejulgá-lo, afastando categoricamente a versão do acusado e afirmando a ocorrência de dolo eventual, a pretexto de analisar o acervo probatório.
2. Impõe-se o reconhecimento da prescrição relativamente ao crime de lesões corporais, nos termos do artigo 109, V, do Código Penal, considerada a pena abstratamente cominada ao delito em questão.
3. Ordem concedida, em parte, para, reconhecido o excesso de linguagem, determinar o desentranhamento do aresto atacado dos autos da ação penal, bem assim a sua colocação em envelope lacrado, vedada a sua utilização na sessão de julgamento, certificando-se, todavia, nos autos, o resultado do julgamento da apelação. Ordem concedida, ainda, de ofício, para declarar extinta a punibilidade do paciente com relação ao crime de lesões corporais, diante da ocorrência de prescrição" (fl. 18).
O acórdão proferido. pela Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do HC nº 85.691/MT, ao conceder parcialmente a ordem para reconhecer o excesso de linguagem e vedar sua utilização na sessão de julgamento, não divergiu da orientação dessa Suprema Corte firmada no sentido de que, "(...) dada a necessidade de comprovação de prejuízo concreto (...), não há nulidade, sequer em tese, a ser declarada" (HC nº 89.088/PR, Primeira Turma, Relator o Ministro Sepúlveda Pertence, DJ de 1º.12.06). Afastado, assim, o fumus boni iuris.
Importante ressaltar, ainda, os aspectos considerados pelo Ministério Público Federal, que se manifestou pela denegação da ordem nos seguintes termos:
"(...)
16. A pretensão, entretanto, não merece ser acolhida. É que a decisão do Tribunal de determinar o desentranhamento da decisão e a sua colocação em envelope lacrado, atendeu à pretensão do réu de impedir que os jurados sejam influenciados em sua decisão pelas conclusões tomadas pelo Tribunal de Justiça no julgamento da apelação.
17. Não há, assim, prejuízo algum ao paciente. Este deverá ser submetido a novo julgamento, sem que os jurados tenham acesso aos motivos que embasaram o julgamento da apelação.
18. A pretensão da defesa de que o Tribunal profira novo julgamento da apelação tem por objetivo apenas protelar o julgamento do paciente pelo Tribunal do Júri, conduzindo-o à prescrição. Cabe lembrar que o fato atribuído ao paciente ocorreu em 1988.
19. É relevante anotar que um novo julgamento que venha a ser proferido pelo Tribunal de Justiça não trará ao paciente nenhum outro benefício, pois o Tribunal se limitará a repetir o julgamento anterior, determinando a submissão do paciente a novo júri, apenas cuidando em não externar um juízo que possa influir sobre a decisão dos jurados.
20. Nesse contexto, o desentranhamento da decisão e a sua colocação em um envelope lacrado atendeu à mesma finalidade, não havendo razão para que o Tribunal renove o julgamento da apelação.
21. Finalmente, registre-se que por contato telefônico feito ao Juízo da Quinta Vara da Comarca de Alta Floresta atestou-se que o julgamento do paciente, marcado para o dia 27.03.2008, ainda não foi realizado" (fls. 124/125).
Ante o exposto, e considerando o parecer do Ministério Público Federal,
denego a ordem de habeas corpus.
01/12/2009 PRIMEIRA TURMA
HABEAS CORPUS 94.731 MATO GROSSO
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO - Presidente, tem-se sinalização de que o Tribunal de Justiça substitui-se ao corpo de jurados. Essa sinalização está, com todas as letras, na proibição de divulgação aos jurados do acórdão que implicou a determinação de ser realizado novo júri. É uma peça proibida.
Então, há algo equivocado. O que tivemos na espécie? Vou ler a fundamentação do acórdão do Tribunal de Justiça. Perante o corpo de jurados, surgiram duas teses: uma no sentido da existência do dolo - crime doloso contra a vida - e outra no sentido da forma culposa do homicídio.
E os jurados, independentes nesse crivo, concluíram pela prevalência da tese do homicídio culposo. Vejam os colegas os fundamentos na substituição que apontei - essa substituição foi implicitamente admitida pelo Superior Tribunal de Justiça, no que proibiu a revelação desse acórdão ao corpo de jurados:
"A tese sustentada pela defesa foi a de que o réu praticou o crime de homicídio na forma culposa, posto que não desejava na oportunidade a morte da vítima, mas apenas, agredi-la, que o evento se verificou por imprudência no manejo da arma que disparou acidentalmente, tese que foi acatada pelo egrégio Conselho de Sentença.
Entretanto, a curada análise dos elementos coligidos aos autos evidenciam o desacerto da decisão, pois, seguramente, denota-se, no mínimo, a existência do dolo eventual na conduta do apelado.
Entre os aspectos que antecederam o crime e que devem ser ressaltados figura o fato de que o réu foi até a casa do amante de sua esposa, ouviu as vozes dela e dele juntos no quarto, e numa calma inusitada - voltou para sua casa, pegou a arma, passou na casa dos cunhados - voltou com eles ao local em que se encontrava a esposa."
Certamente, ele não queria testemunhas. Não iria querer testemunhas, principalmente os irmãos da vítima, do crime doloso a ser praticado, o homicídio.
" Ora, se a sua intenção era apenas a de flagrar a esposa adúltera, poderia tê-lo feito na primeira ocasião que se dirigiu até a casa de Miguel e teve a certeza de que ela lá se encontrava, mas não, preferiu voltar para que pudesse retornar levando consigo a arma de fogo que utilizaria no crime.
No trajeto até a casa de Miguel os irmãos de Verônica solicitaram várias vezes ao réu que lhes entregasse a arma de fogo, porém este negou-se peremptoriamente a entregá-la, atitude que já deixava transparecer o seu desígnio. Lá chegando, Horácio, começou a chamar sua irmã pelo nome, pedindo o réu, contudo, que ele parasse e, ao invés disto, arrombassem a porta, pois queria flagrar, com o testemunho dos irmãos, Verônica e Miguel.
Sob o aspecto da prova técnica, lamentavelmente, os elementos dos autos deixam a desejar, ainda assim colhe-se, no laudo de folha, que..."
Leio apenas para mostrar que a situação mostrou-se ambígua e o corpo de jurados, na independência preconizada pela Carta, concluiu de uma forma.
"... existiam resíduos de sangue humano na parte externa da arma localizados na parte lateral da mira e parte frontal da mesma, também, na parte interna do cano da mesma, não se constatando, porém, a presença de sangue humano na coronha da arma.
A ausência de sangue humano na coronha faz cair por terra a afirmação de agressão à coronhadas, ademais, se ele estivesse batendo com a coronha necessariamente o disparo acidental teria sido ou para cima ou para baixo ..."
Quer dizer, uma situação realmente ambígua e houve a opção pelo corpo de jurados.
"Em Plenário, o Cabo Moacyr Silva, que .apreendeu a arma de fogo, declarou que manobrou a arma para ver se a mesma estava travada e não viu qualquer cápsula deflagrada no cano da mesma, que a arma era automática de calibre 7.65, que quando se aciona o gatilho de tal tipo de arma, a tendência é que este ejete para fora do tambor a cápsula deflagrada.
Assim, vê-se que a decisão não encontra qualquer amparo na prova, que demonstra de forma inequívoca que, embora o réu pudesse não desejar a morte da vítima, em virtude de agressão com arma de fogo carregada assumiu claramente o risco de produzir o resultado morte.
o procedimento delituoso do réu, culminando com um tiro fatal na vitima nas condições já relatadas, data vênia, reveste-se de dolo eventual.
Ad argumentadtam tantum, assiste razão ao apelante quanto à matéria argüida em preliminar referente à impossibilidade de reconhecimento da incidência da prescrição retroativa na própria sentença condenatória,"...
Presidente, a decisão manifestamente contrária à prova dos autos não coabita o mesmo teto das premissas lançadas pelo Tribunal de Justiça. Houve, pelo Tribunal de Justiça, uma opção que é dada pela Carta da República não a ele, Tribunal de Justiça. Por isso, o recurso contra decisão do Tribunal do Júri é limitado.
Tenho sustentado, Presidente, que há de se conferir alguma valia â intangibilidade do veredicto dos jurados, tal como prevista na Constituição Federal, e que situações em que se assenta ser a decisão manifestamente contrária à prova dos autos revelam exceções maiores.
Por isso, Presidente, até mesmo considerando, repito, a proibição do Superior Tribunal de Justiça de se mostrar esse acórdão ao corpo de jurados, peço vênia para conceder a ordem e declarar subsistente o veredito.
01/12/2009 PRIMEIRA TURMA
HABEAS CORPUS 94.731 MATO GROSSO
O SENHOR MINISTRO CARLOS BRITTO (PRESIDENTE)Ministro Marco Aurélio, eu tenho na Medida Cautelar em Habeas Corpus 94.730, Mato Grosso do Sul, uma decisão na linha do "voto de Vossa Excelência.
Eu vou ler um trecho do meu voto, então proferido. Ali também se colocava em confronto, em estado de fricção a soberania e o duplo grau de jurisdição ou o recurso para uma segunda instância, e eu disse:
"Esse reconhecimento do direito ao duplo grau de jurisdição nas causas de competência do.Tribunal do Júri não constituí, porém, licença aos nossos Tribunais de Justiça para a inversão do resultado do julgamento, sempre que prevalecer a tese defensiva. O exame constitucional do tema, a meu sentir, exige do intérprete da norma a calibração de valores constitucionais da mais alta grandeza - soberania do veredicto do Tribunal do Júri e duplo grau de jurisdição - de modo a encontrar, em cada situação concreta, os limites da revisão das decisões do Tribunal do Júri. Na busca por critérios de definição de tais limites, a doutrina processual penal assentou o entendimento de que se a decisão popular está embalada em algumas das versões fáticas postas em julgamento, não há fundamentação idônea para a sua revisão. Critério esse também perfilhado pela jurisprudência deste Supremo Tribunal Federal, verbis:
"EMENTA. HABEAS CORPUS. PROCESSO PENAL. JÚRI. DECISÃO MANIFESTAMENTE CONTRÁRIA Â PROVA DOS AUTOS (CÓDIGO DE PROCESSO PENAL, ART. 593, III, D). INOCORRÊNCIA. ORDEM CONCEDIDA. 1. Decisão dos jurados, os quais, após apreciarem as teses esposadas em Plenário, optam pela absolvição do réu. 2. Se a decisão dos jurados estiver apoiada em algum elemento probatório, não há falar-se em decisão manifestamente contrária á prova dos autos. 3. Ordem concedida, para anular o acórdão do Tribunal Regional da 30 Região que reformara a sentença absolutória. (HC 83.691, Relator ministro Joaquim garbosa)"
O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI - Presidente, vossa Excelência me permite um pequeníssimo aparte?
O SENHOR MINISTRO CARLOS BRITTO (PRESIDENTE) - Pois não!
O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI - Interessantemente, eu aqui vendo os autos, verifico que na inicial deste HC, o impetrante pede seja anulado o julgamento do TJ de Mato Grosso, para que outro julgamento seja proferido.
E como bem observou no caso aqui o Ministério Público em seu parecer, o que ocorrerá muito provavelmente? O Tribunal repetirá o julgamento que fez, ou seja, anulando a decisão do júri, eventualmente sem esses excessos de linguagem que o STJ procurou então delimitar, enfim permitir.
O SENHOR MINISTRO DIAS TOFFOLI (RELATOR): O júri está marcado para o dia 11 agora, semana que vem.
O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI - O Ministério Público aqui lembra que ocorrerá provavelmente isto. O Tribunal repetirá sua decisão; então haverá certamente um novo júri. O que vai acontecer? Segundo alvitra o ministério Público Federal possivelmente ocorrerá a prescrição, porque o crime atribuído ao paciente ocorreu em 1988.
De maneira que este é o quadro. Com a decisão do STJ, justificando o meu voto que foi muito sucinto, nenhum prejuízo sofrerá o paciente, porque realmente o julgamento será anulado, será refeito o julgamento pelo júri e os jurados não terão conhecimento desse detalhamento das provas que foi feito pelo Tribunal de Justiça do Mato Grosso. Apenas isso. Claro que não querendo, evidentemente, influenciar o juízo de vossa Excelência - sempre bem fundamentado - apenas para justificar o meu voto.
O SENHOR MINISTRO CARLOS BRITTO (PRESIDENTE) - De qualquer sorte, o resultado do julgamento aqui, nesta primeira Turma ,já se desenha a três votos pela denegação e dois votos.
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO - É muito sintomático que o marido passe na casa dos irmãos da vitima, seja por eles acompanhado, peça que arrombem a porta para o flagrante do adultério e tenha a intenção, mesmo assim, de matá-la. Foi esse o quadro com o qual se defrontou o corpo de jurados.
O SENHOR MINISTRO DIAS TOFFOLI (RELATOR): Ministro marco Aurélio, tem certas culturas que, infelizmente, hoje, em pleno Século XXI, a própria família da mulher rechaça a mulher que traiu. Eu acho que está no momento de nós termos uma postura mais rigorosa.
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO - No Brasil, ainda vinga a solidariedade dos consangüíneos, o que não ocorre em outros países, onde a adúltera é, até mesmo, apedrejada pelos próprios parentes.
O SENHOR MINISTRO CARLOS BRITTO (PRESIDENTE) - É o que se chamava de lapidação.
Bem, vou perfilhar o entendimento do Ministro Marco Aurélio fiel a esse voto que já proferi, no HC nº 94.730.
PRIMEIRA TURMA
EXTRATO DE ATA
HABEAS CORPUS 94.731
PROCED.: MATO GROSSO
RELATOR: MIN. DIAS TOFFOLI
PACTE.(S): MANOEL JOÃO MARQUES OU MANOEL JOÃO MARQUES RODRIGUES
IMPTE.(S): ULISSES RABANEDA DOS SANTOS
COATOR(A/S)(ES): SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Decisão: Por maioria de votos, a Turma indeferiu o pedido de habeas corpus, nos termos do voto do Relator; vencidos os Ministros Marco Aurélio e Carlos Ayres Britto, Presidente. 1ª Turma, 01.12.2009.
Presidência do Ministro Carlos Ayres Britto. Presentes à Sessão os Ministros Marco Aurélio, Ricardo Lewandowski, a Ministra Cármen Lúcia e o Ministro Dias Toffoli.
Subprocurador-Geral da República, Dr. Wagner de Castro Mathias Netto.
Ricardo Dias Duarte
Coordenador
Documento assinado digitalmente conforme MP nº2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. O Documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/autenticarDocumento.asp sob o número 459035
JURID - HC. Crime de competência do Tribunal do Júri. [29/03/10] - Jurisprudência
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