Processual penal. Habeas corpus. Liminar indeferida no superior, tribunal de justiça. Súmula 691/STF.
Supremo Tribunal Federal - STF
Coordenadoria de Análise de Jurisprudência
DJe nº 27 Divulgação 11/02/2010 Publicação 12/02/2010
Ementário nº 2389 - 2
15/12/2009 SEGUNDA TURMA
HABEAS CORPUS 97.299 RIO DE JANEIRO
RELATORA: MIN. ELLEN GRACIE
PACTE.(S): FRANCISCO FERREIRA COTTS
IMPTE.(S): LUIZ FRANCISCO BOECHAT JUNIOR
COATOR(A/S)(ES): RELATORA DO HABEAS CORPUS Nº 123624 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. LIMINAR INDEFERIDA NO SUPERIOR, TRIBUNAL DE JUSTIÇA. SÚMULA 691/STF. PRISÃO PREVENTIVA. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. CONVENIÊNCIA - DA INSTRUÇÃO CRIMINAL. ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA VOLTADA PARA PRÁTICA DE DELITOS NO ÂMBITO DO INSS. EXCESSO DE PRAZO. COMPLEXIDADE DO PROCESSO. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO.
O presente writ pretende afastar a incidência da Súmula 691/STF, sob a alegação de que o paciente 'estaria sofrendo grave constrangimento ilegal.
2. Contudo, in casu, não vislumbro a presença de qualquer dos pressupostos que autorizam o afastamento da orientação contida na Súmula 691/STF, já que inexistente o alegado constrangimento ilegal.
3. A decisão que decretou a prisão preventiva está suficientemente fundamentada, já que, diante do conjunto probatório dos autos da ação penal, a custódia cautelar se justifica para garantia da ordem pública e conveniência da instrução criminal, nos termos do art. 312 do Código de Processo Penal.
4. A razoável duração do processo (CF, art. 5º, LXXVIII), logicamente, deve ser harmonizada com outros principies e valores constitucionalmente adotados no Direito brasileiro, não podendo ser considerada de maneira isolada e descontextualizada do caso relacionado à lide penal que se instaurou a partir da prática dos ilícitos.
5. Há elementos, nos autos, indicativos da complexidade do processo, que apura a existência de organização criminosa dedicada â prática de delitos no âmbito de agência do INSS, composta por dezoito denunciados, e com necessidade de expedição 'de cartas precatórias para fins de cumprimento do art. 514 do CPP (defesa preliminar antecedente ao recebimento da denúncia), o que justifica a demora no recebimento da denúncia.
6. Habeas Corpus não conhecido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal, em Segunda Turma, na conformidade da ata de julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos, não conhecer do pedido de habeas corpus, cassada a liminar deferida, nos termos do voto da relatora.
Brasília, 15 de dezembro de 2009.
Ellen Gracie - Presidente e Relatora
15/12/2009 SEGUNDA TURMA
HABEAS CORPUS 97.299 RIO DE JANEIRO
RELATORA: MIN. ELLEN GRACIE
PACTE.(S): FRANCISCO FERREIRA COTTS
IMPTE.(S): LUIZ FRANCISCO BOECHAT JUNIOR
COATOR(A/S)(ES): RELATORA DO HABEAS CORPUS Nº 123624 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
RELATÓRIO
A Senhora Ministra Ellen Gracie: l. Trata-se de habeas corpus impetrado contra decisão monocrática proferida nos autos do HC 123.624/RJ, do Superior Tribunal de Justiça, que indeferiu o pedido de liminar nos seguintes termos (fl. 448):
Alega, nas presentes razões, em suma constrangimento ilegal em desfavor do Paciente, tendo em vista que "se encontra preso há exatos 126 (cento e vinte e seis) dias sem que a denúncia sequer tenha sido recebida em seu desfavor" (fl. 03), por força de prisão preventiva decretada por juízo incompetente, o que motivou a impetração de habeas corpus no Tribunal de origem, que houve por bem não conhecer do writ, por reputar-se incompetente.
Nas presentes razões, reitera os fundamentos do pedido originário, sustentando, em suma, excesso de prazo sem culpa da defesa.
Requer, assim, inclusive em sede liminar, seja concedido ao Paciente o direito de aguardar em liberdade o desfecho da ação penal, expedindo, de imediato, alvará de soltura em seu favor.
E o relatório.
Decido.
Não estão presentes os pressupostos da medida urgente requerida, porquanto o pedido deduzido é inteiramente satisfativo, demandando a análise do próprio mérito da impetração, inviável em juízo de cognição perfunctória e prelibatória, reservando-se ao colegiado, em momento oportuno, o pronunciamento definitivo acerca do mérito.
Ante o exposto, INDEFIRO o pedido de liminar."
2. Narra a exordial que, inicialmente, o Juízo Federal de Itaperuna/RJ decretou a constrição cautelar do paciente pela suposta prática dos crimes descritos nos arts. 171, § 3º 288, 312 e 313-A, todos do Código Penal.
Posteriormente, o Tribunal Regional Federal da 2ª Região declarou a incompetência do juízo de primeiro grau e, por conseguinte, determinou a remessa do feito a uma das Varas Federais Especializadas em Crime Organizado na Seção Judiciária do Rio de Janeiro.
Observa que a prisão preventiva decretada pelo Juízo Federal de Itaperuna/RJ foi desconstituída em virtude de decisão monocrática proferida pelo Ministro Gilmar Mendes em pedido de extensão nos autos do HC 95.304/RJ, desta Corte Suprema.
A ação penal foi distribuída ao Juízo Federal da 8ª Vara Federal Criminal da Seção Judiciária do Rio de Janeiro, que decretou nova prisão preventiva do paciente. Após a constatação, pelo magistrado de primeira instância, de que um dos denunciados exerce mandato de vereador, os autos foram encaminhados ao Tribunal Regional Federal da 2ª Região, que, por sua vez, declarou sua incompetência, remetendo os autos ao Juízo de origem.
Irresignada com a situação, a defesa impetrou habeas corpus perante a Corte Federal, que indeferiu liminarmente a ordem pleiteada, pois não poderia apreciar constrangimento ilegal, atribuído a Desembargador do próprio Tribunal.
Contra a decisão colegiada, impetrou-se habeas corpus ao Superior Tribunal de Justiça, distribuído á eminente Ministra Laurita Vaz, que indeferiu pedido de liminar.
Argumentam os impetrantes, em síntese, "que o paciente se encontra preso há exatos 146 (cento e quarenta e seis) dias sem que a denúncia sequer tenha sido recebida em seu desfavor" (fl. 03). Sustentam, ainda, que há possibilidade de abrandamento da Súmula 691/STF e que a decisão que decretou a segregação cautelar foi proferida por autoridade judiciária incompetente.
Requer a concessão da ordem, "determinando-se a soltura do paciente por excesso de prazo para início da instrução criminal não causado pela defesa do paciente, com a conseqüente revogação da prisão preventiva ou o relaxamento da mesma" (fl. 23).
3. O pedido de liminar foi deferido às fls. 488-491 pelo Ministro Gilmar Mendes, nos termos do art. 13, VIII, do RISTF.
4. Parecer do Ministério Público Federal pelo não-conhecimento do writ e, se conhecido, pela denegação da ordem (fls. 517-526).
5. Solicitação do impetrante quanto á sua intimação para fins de realização de sustentação oral (fl. 539).
E o relatório.
VOTO
A Senhora Ministra Ellen Gracie - (Relatora): 1. O ato impugnado por este writ consiste em decisão monocrática da relatora de outro habeas corpus impetrado perante o Superior Tribunal de Justiça, que indeferiu o pedido de medida liminar.
2. Considero que há obstáculo intransponível ao conhecimento deste habeas corpus, consoante orientação pacificada nesta Corte, representada pelo enunciado da Súmula 691/STF: "Não compete ao Supremo Tribunal Federal conhecer de habeas corpus impetrado contra decisão do relator que, em sede de habeas corpus requerido a Tribunal Superior, indefere a liminar ".
Vale frisar que o rigor na aplicação da Súmula 691/STF tem sido abrandado por julgados desta Corte apenas em hipóteses excepcionais de flagrante ilegalidade ou abuso de poder na denegação da tutela de eficácia imediata. Nesses termos, enumero as decisões colegiadas: HC 84.014/MG, 1ª Turma, unânime, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ de 25.06.2004; HC 85.185/SP, Pleno, por maioria, Rel. Min. Cezar Peluso, DJ de 1º.09.2006; e HC 88.229/SE, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, 1ª Turma, maioria, julgado em 10.10.2006.
Entretanto, in caso, não vislumbro a presença de qualquer dos pressupostos que autorizam o afastamento da orientação contida na Súmula 691/STF, sob pena de supressão de instância.
3. A denúncia foi oferecida pelo representante do Ministério Público Federal em desfavor do paciente e de 18 (dezoito) co-réus pela suposta prática de crimes engendrados no âmbito da Agência da Previdência Social em Bom Jesus do Itabapoana/RJ (fls. 30-222).
Em relação ao paciente, destaco o seguinte excerto:
"(...)
Francisco Cotts é servidor da Previdência Social lotado em Bom Jesus do Itabapoana no cargo de Agente Administrativo (...), e advogado (...), no escritório Rodrigues e Figueiredo Advogados Associados ...
As investigações conseguiram demonstrar, deforma cristalina, conforme será descrito abaixo com riqueza de detalhes, que o presente acusado praticou vários crimes contra o INSS, atuando de forma bem articulada com os demais membros da quadrilha...
Francisco Cotts pratica vários crimes de advocacia administrativa (art. 321 do CP), em várias causas contra o INSS, praticando ainda, em outras situações, crimes ainda mais graves, como o de estelionato qualificado (art. 171, § 3º, do CP) e o de peculato (art. 312 do CP), já que consegue, com suas articulações, a obtenção de vários beneficies previdenciários fraudulentos para irmãos, mulheres, colegas, entre outros. E um dos membros mais importantes da quadrilha. Fraudar o INSS é o seu meio de vida. Para isso, utiliza-se, quase sempre, de sua sócia, a advogada Fabrina (que também pratica os crimes).
Importante observar que Francisco Cotts se vale do fato de ser servidor da APS BA e dos contatos com os colegas de Previdência, nos seus serviços advocatícios. O seu escritório e a sua própria pessoa são indicados às pessoas em geral, até mesmo dentro da agência da Previdência, o que gera singular "diferenciação" para o servidor/advogado. Resta clara sua vontade livre e consciente em patrocinar interesses privados em desfavor do Instituto da Previdência." (Fls. 38-40).
4. O Juízo Federal da 1ª Vara Criminal de Itaperuna/RJ decretou a prisão preventiva do paciente e, na mesma oportunidade, recebeu a denúncia em 19.06.2008. Ressalto alguns trechos da referida decisão (fls. 223-310):
Refere o MPF que, através do trabalho investigativo feito pela Polícia Federal, foi possível identificar os principais membros do grupo e seu respectivo modos operandi, sendo destacado que esta suposta organização criminosa, que conta com a participação de agentes públicos e médicos-peritos, apesar de descontar de estar sendo monitorada pela Policia Federal, e até pelo Ministério Público Federal, não suspenderam suas atividades criminosas.
Pretendendo demonstrar o modos operandi da referida organização, discorre acerca de diversos eventos que confirmariam, em tese, a existência defraudes nas concessões de benefícios previdenciários - auxílios doença - em um verdadeiro esquema de manipulação de processos concessórios, além de outros crimes. Pelas investigações realizadas, ficou demonstrado que os servidores da APS/BM, ora denunciados, praticam suas fraudes utilizando-se de seus conhecimentos e acessos permitidos pelos cargos públicos que ocupam para conseguir, em conluio com os médicos peritos e outros servidores, benefícios de auxílio-doença e aposentadorias por invalidez para parentes, amigos, conhecidos, eleitores, entre outros. Várias são as metodologias utilizadas: auxílio-doença para os próprios servidores da APS (muitas vezes continuam a trabalhar como servidores da APS, mas conseguem beneficio com base em contribuições feitas como autônomos), concessão de auxílio-doença mesmo no caso de doença pré-existente à filiação à Previdência, concessão de auxílio-doença para pessoas que não estão incapacitadas para o trabalho, entre outros tipos defraude.
FRANCISCO FERREIRA COTTS (CHICÃO), e servidor licenciado, advogado, e parecer ser o "mentor intelectual " de todas as fraudes supostamente cometidas contra a Previdência Social em Bom Jesus de Itabapona.
As investigações demonstraram que, atuando de forma articulada com os demais membros da quadrilha, consegue a obtenção de vários benefícios previdenciários fraudulentos para irmãos, mulheres, colegas, entre outros. O denunciado Francisco Cotts parece utilizar sua função pública para atender finalidade distinta do interesse público, movido pelo objetivo de alcançar vantagem pessoal. Quando ainda exercia suas atividades na Agência de Bom Jesus do Itabapoana, indeferia diversos pedidos de beneficio previdenciário para, posteriormente, encaminhar os "casos " para o seu próprio escritório de advocacia. O monitoramento telefônico demonstrou que os advogados Fabrina e Ziraldo, sócios do acusado, apenas assinavam as "ações previdenciárias ", porque toda a orientação era dada por Francisco Cotts.
No caso dos autos, como ressaltado pelo MPF, "Os servidores e médicos peritos são reincidentes em condutas delituosas, que levaram a Agência do INSS naquela localidade aos índices elevados de concessão de benefícios incapacitantes suspeitos (quanto ao preenchimento dos requisitos, fixação - da data do início da doença e da incapacidade, direcionamento de perícias, etc.). Essas evidências evidenciam o provável cometimento de novos delitos, de forma de que há perigo social na demora em se aguardar o provimento definitivo, porque até o trânsito em julgado da decisão condenatória os sujeitos já terão cometido inúmeros delitos; repito, utilizando a Agência da Previdência Social de Bom Jesus do Itabapoana/RJ."
Destaca, ainda, o Parquet Federal que "Como restou esclarecido, estamos diante de uma organização criminosa, estável, organizada, onde os membros principais (servidores e médicos peritos) são profundos conhecedores da Legislação
Previdenciária, de sorte que sua segregação é imprescindível para permitir as diligências de busca e apreensão solicitadas e serviria de exemplo a inibir os demais integrantes da APS/BJM, bem como de outras APS da região Noroeste-Fluminense a perpetrar a mesma empreitada criminosa.
Os fatos consubstanciam um conjunto de indícios que se somam, justificando a adoção de medidas pro societate, em detrimento de direitos individuais, a fim de que se coletem provas ainda mais veementes acerca do modos operandi dos membros da quadrilha, e se evite a sensação de impunidade e descrédito pela demora na prestação jurisdicional.
Por haver servidores experientes que têm acesso aos bancos de dados e documentos da Previdência, poderiam disso se valer para proceder ao sumiço de provas e vestígios de sua atividade ilícita, como inserção de prontuários inexistentes, alteração e inserção indevida em banco de dados da Previdência. Assim, as prisões preventivas se justificam, ainda, para impedir que os agentes perturbem ou impeçam a produção de provas. Há o periculum in mora, pois não se chegará à verdade real se tais pessoas permanecerem soltas até o final do processo, ante a influência que exercem na organização criminosa que está "alocada," naquela localidade há bastante tempo."
Nesse passo, impõe-se o decreto de prisão preventiva para a garantia da ordem pública e por conveniência da instrução criminal, pois uma vez soltos, os denunciados podem dificultar a colheita de provas, somando-se ao fato de que a autoridade policial ainda trabalha no desmantelizamento de outras ramificações do grupo, que podem vir a ficar prejudicadas. Além disso, é necessária a repressão às atividades ilícitas que desenvolvem, visto que, os indivíduos soltos têm continuado suas atividades lesivas junto à Previdência Social.
Esse o quadro, DEFIRO O PEDIDO DE PRISÃO PREVENTIVA dos denunciados acima nominados, com base na garantia da ordem pública/ordem econômica e também por conveniência da instrução criminal.
Da análise da peça vestibular e das demais peças dos autos, verifica-se que estão presentes os pressupostos mínimos para a deflagração da ação penal com indícios suficientes de autoria e materialidade, principalmente diante do vasto material carreado aos autos através das interceptações telefônicas e procedimentos administrativos do INSS (Grupo de Trabalho da Força Tarefa Previdenciária/RJ).
Por outro lado, presentes estão os requisitos do art. 41 do CPP e também, numa interpretação a contrario sensu, os do art. 43 do mesmo Estatuto.
RECEBO A DENÚNCIA em face de todos os denunciados..."
5. Em 15.07.2008, após a decisão proferida pelo Tribunal Regional Federal da 2ª Região, que reconheceu a incompetência do Juíza Federal de Itaperuna/RJ, o magistrado de primeira instância determinou a remessa dos autos a uma das varas especializadas para o processamento e julgamento de crimes praticados por organizações criminosas.
b. Os autos foram redistribuídos ao Juízo Federal da 8ª Vara Criminal da Seção Judiciária do Rio de Janeiro. No dia 18.07.2008, o Ministério Público Federal- ratificou os termos da denúncia e requereu a decretação da prisão preventiva.
7. Paralelamente, no dia 17.07.2008, o eminente Ministro Gilmar Mendes, nos autos do HC 95.304/RJ, impetrado nesta Suprema Corte, deferiu o pedido de extensão da medida liminar em favor do ora paciente, para que fossem suspensos os efeitos do decreto de prisão preventiva expedido pelo Juízo Federal da Ia Vara Criminal de Itaperuna/RJ.
Todavia, a referida decisão liminar perdeu o objeto em relação ao paciente, uma vez que Francisco Ferreira Cotts passou a ter novo titulo do decreto prisional proferido por outra autoridade judiciária, conforme assentou a 2ª Turma desta Corte na sessão de julgamento de 21.10.2008.
8. Em relação à ação penal, de origem, na data de 18.08.2008, o Juiz Federal da 8ª Vara Criminal da Seção Judiciária do Rio de Janeiro decretou nova prisão cautelar, assim fundamentada:
"(...)
De início, importa deixar claro que, como bem observou o representante do Ministério Público Federal, a decisão do Eg. Supremo Tribunal Federal que deferiu a liminar no Habeas Corpus nº 95.304-2 (fls. 2.649/2.656) impetrado em favor do paciente AGOSTINHO SERÔDIO BOECHAT, e que foi posteriormente estendida aos outros denunciados, foi motivada, única ' e exclusivamente, pelo fato de que o decreto prisional não teria individualizado as condutas do paciente que caracterizariam a presença dos requisitos ensejadores da prisão preventiva previstos no art. 312 do CPP.
Importa inicialmente registrar, que, no caso em tela, os crimes narrados na denúncia teriam sido cometidos por uma Organização Criminosa. Na espécie, é característica peculiar dessas associações delitivas, uma estruturação consistente e a infiltração de seus membros e colaboradores na Administração Pública das três esferas de governo, capazes de bloquear de diversos modos a atuação dos órgãos persecutórios e, em última análise, a prestação efetiva da Justiça.
Esse modelo criminoso acaba por propiciar a reiteração criminosa por longos períodos, causando a descrença da sociedade civil e o desprestigio dos poderes constituídos. Esses grupos agem ordinariamente de forma habitual, constante, fazendo do crime sua principal razão de ser. e a sua fonte inesgotável de financiamento, em um ciclo vicioso que tende à perpetuidade. Essas circunstância, na maioria dos casos, por si só, já justificam a decretação da prisão preventiva, tida como o único instrumento apto a fazer os principais membros dessas organizações abdicarem de sua ~pensão criminosa.
Antes do exame do periculum libertatis, cumpre consignar que a decisão de fls. 1.260/1.346, que originariamente decretou a prisão preventiva dos acusados e cujas razões adoto, demonstrou à saciedade a presença do fumus comissi delicti exigido na parte final do art. 312 do CPP (prova da existência do crime e indícios suficientes de autoria). Ali ficou caracterizado que os denunciados habitualmente praticavam crimes de peculato, estelionato qualificado, advocacia administrativa, quadrilha ou bando, dentre outros.
Passo a apreciar separadamente a situação dos investigados.
2 - QUANTO À FRANCISCO FERREIRA COTTS ("CHICÃO")
É servidor do INSS, mas também atua como advogado. É inscrito na OAB/RI com número de inscrição, 89.299 e atua no Escritório Rodrigues e Figueiredo Advogados Associados...
Conforme exaustivamente demonstrado na decisão que originariamente que decretara a prisão preventiva em desfavor de FRANCISCO (fls. 1.260/1.346), há provas da existência de diversos crimes praticados por ele em detrimento do INSS, dentre os quais, os de advocacia administrativa, estelionato qualificado, peculato e prevaricação. Na mesma oportunidade, foram elencados caudalosos indícios de que FRANCISCO seria peça chave no esquema criminoso trazido à lume. A mencionada decisão, cujas razões adoto, comprou satisfatoriamente o fumus comissi delicti, exigido na parte final do art. 312 do CPP (prova da existência do crime e indícios suficientes de autoria), em relação a FRANCISCO.
O outro requisito exigido no corpo do art. 312 do CPP, consiste no periculum libertatis que, na prática, consubstancia-se na necessidade da custódia preventiva do investigado ou do réu, considerando-se o risco que sua liberdade ofereceria à ordem pública ou econômica, à garantia da aplicação da lei penal e à conveniência da instrução criminal. Como é sabido, a prisão de um indivíduo antes do trânsito em julgado de sua condenação é medida excepcional que deve ser adotada estritamente nas hipóteses elencadas.
No caso em exame, reputo que a prisão de FRANCISCO é necessária não apenas para a garantia da ordem pública, como também, por conveniência da instrução criminal.
Em relação à ordem pública, chega-se a essa conclusão considerando-se que o denunciado, mesmo estando sob investigação da Corregedoria do INSS desde setembro de 2006 (Processo Administrativo n°35.301.003530/2006-01, instaurado naquela data pela Corregedoria do INSS), permaneceu em seu firme propósito de continuar atuando em desfavor da Previdência, praticando diversos crimes.
No diálogo 105, travado em 25.10.2007 com uma mulher de nome Arinete, trata de assunto relativo à concessão de beneficio previdenciário, fato que configuraria, nó mínimo, advocacia administrativa, posto que FRANCISCO é servidor do INSS...
Consta também dos autos, mais especificamente no apenso XVIII, que FRANCISCO ajuizou ação na Justiça Federal de Itaperuna em 09 de outubro de 2006, em seu nome, com o fito de obter licença para tratamento de saúde, uma vez que estaria acometido por fortes dores nas costas, que o impediriam de exercer suas funções no INSS. Até meados de setembro de 2006, pelo menos, o pleito de FRANCISCO ainda estava em andamento, o que sugere que ainda estaria sofrendo das aludidas dores.
Sucede, entretanto, que diálogos travados por FRANCISCO com seu "sócio " ZIRALDO e com seu cliente "ZÉ ROBERTO" em 06.07.2007, às 8:39 hs e às 14:42 hs, respectivamente, dão conta de que ele estaria em pleno exercício de sua "atividade paralela ", ou seja, de advocacia, viajando, inclusive, para diversos locais, como, por exemplo, Itaperuna e Apiacá. Essas conversas revelam que a suposta dor nas costas seria, de fato, uma fraude, total ou parcial, considerando-se que não lhe incapacitaria a exercer a função pública para qual é remunerado.
No que toca á necessidade de prisão de FRANCISCO por conveniência da instrução criminal, resta demonstrado que a liberdade de FRANCISCO é uma verdadeira ameaça ao bom andamento do processo. E normal nas espécies delitivas habitualmente praticadas por ele e pelos outros denunciados, que as ações do grupo sejam cometidas de modo dissimulado, oculto. Esse modo secreto de proceder, serve, evidentemente, para "não frustrar os próprios fins do crime e para evitar a pena como efeito jurídico". Seria, portanto, "natural'; que o denunciado e os outros acusados evitassem conversar sobre suas `práticas" com terceiros ou em momentos inoportunos.
Sem embargo, no caso em tela, entendo que não seria essa "prudência" que ensejaria a custódia por conveniência da instrução criminal. D elemento diferenciados que aqui se revela - e que justifica a prisão do acusado - é que FRANCISCO, ciente de que vinha sendo investigado pela Corregedoria do INSS (Processo Administrativo nº 35.301.003530/2006-01), em razão de denúncias feitas pela segurada Dobres Faustina Campos de Almeida, buscou persuadir duas testemunhas, Leca e Jussara, arroladas no aludido procedimento administrativo, a deporem em seu favor...
Ante esses fatos, infere-se que o FRANCISCO não se limita a tentar ocultar seus atos espúrios. Aliás, nesse ponto ele é até de certo modo descuidado, considerando-se que, ao que parece confiando na impunidade, mesmo sendo servidor do INSS, se apresentava ostensivamente como advogado atuante em causas desfavoráveis à autarquia previdenciária. Na verdade, o que FRANCISCO faz é extrapolar esses limites normalmente esperados de um estelionatário ou de um fraudados quer dizer, de tentar manter as fraudes por ele cometidas em sigilo , e tenta, mediante à persuasão de testemunhas, "apagar" os rastros de suas infrações.
Como se pode observar, FRANCISCO, ainda que sob investigação, continua a lesar os cofres do INSS por meio de seus crimes, sem maiores preocupações, a não ser a de ser ver livre de eventuais punições. Com o intuito de manter seu enriquecimento ilícito às custas do Erário, não hesita em procurar pessoas para mentir em eventuais declarações a serem prestadas em procedimento administrativo instaurado para apurar irregularidades nas quais teria incorrido. Se para escapar de sanções administrativas procura subverter provas, o que faria para escapar de uma persecução criminal? A resposta, evidentemente, só pode ser num sentido, ou seja, a de que, solto, FRANCISCO, ao menos tentará alterar o teor dos depoimentos das testemunhas na ação penal em andamento.
Por tudo o que foi exposto, decreto a prisão preventiva de FRANCISCO FERREIRA COM, nos termos do art. 312 do CPP.
Notifiquem-se os denunciados, servidores públicos, para que apresentem resposta preliminar, na forma do art. 514 do CPP. "
9. O decreto de prisão preventiva, na realidade, se baseou em fatos concretos e individualizados, notadamente no risco da continuidade das práticas delitivas e na interferência da própria investigação criminal, em especial quanto á persuasão de testemunhas arroladas no procedimento administrativo.
A custódia cautelar também foi decretada para garantia da ordem pública, visto que, segundo as investigações, o ora paciente exercia função de chefia na organização criminosa.
Portanto, verifico que o Juiz fundamentou suficientemente a decisão que decretou a prisão preventiva do paciente, já que, diante do conjunto probatório dos autos da ação penal, a custódia cautelar se justifica para garantia da ordem pública e conveniência da instrução criminal, nos termos do art. 312 do Código de Processo Penal.
Como já decidiu esta Corte, "a garantia da ordem pública, por sua vez, visa, entre outras coisas, evitar a reiteração delitiva, assim resguardando a sociedade de maiores danos " (HC 84.658/PE, rel. Min. Joaquim Barbosa, DJ 03.06.2005), além de se caracterizar "pelo perigo que o agente representa para a sociedade como fundamento apto à manutenção da segregação " (HC 90.398/SP, rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJ 18.05.2007). Ademais, a constrição cautelar pode ser justificada pela "necessidade demonstrada para a instrução criminal em razão de provável influência nos depoimentos das testemunhas" (HC 93.283/ES, rel. Min. Eros Grau, DJe 25.04.2008).
10. Quanto à alegação de excesso de prazo, melhor sorte não assiste ao impetrante.
4 parecer de lavra do Ministério Público Federal salientou que: "Pelo que consta dos autos, em nenhum momento houve inércia ou descaso do Poder Judiciário quanto á ação penal movida contra o paciente. A demora decorreu da divergência quanto ao Juízo competente para o processo e julgamento da ação penal." (fl. 524).
Como regra, desde que devidamente fundamentada e com base no parâmetro da razoabilidade, é possível a prorrogação dos prazos processuais para o término da instrução criminal de caráter complexo (HC 71.610/DF, Pleno, rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 30.03.2001; HC 82.138/SC, 2ª Turma, Rel. Min. Mauricio Corrêa, DJ 14.11.2002; HC 81.905/PE, 1ª Turma, de minha relatoria, DJ 16.05.2003).
A razoável duração do processo (CF, art. 5º, LXXVIII), logicamente, deve ser harmonizada com outros princípios e valores constitucionalmente adotados no Direito brasileiro, não podendo ser considerada de maneira isolada. e descontextualizada do caso relacionado á lide penal que se instaurou a partir da prática dos ilícitos.
De fato, não vislumbro excesso de prazo mencionado pelo impetrante. O magistrado de primeira instância, em 18.08.2008, após constatar que um dos denunciados exercia o mandato de vereador, remeteu os autos da ação penal ao Tribunal Regional Federal da 2ª Região. A Corte Federal, em 05.09.2008 (decisão monocrática) e em 29.09.2008 (acórdão que negou provimento ao agravo regimental), declarou sua incompetência, devolvendo o feito ao Juízo de origem.
Aliás, das informações prestadas pelo Juízo de primeira instância, extrai-se que: "Os autos da ação em questão encontram-se tramitando regularmente, sendo certo que somente agora encontram-se na fase de análise para recebimento da denúncia, já que os autos estiveram em trâmite entre este juízo e o Tribunal Regional Federal e, posteriormente, ficaram aguardando o demorado cumprimento de carta precatória expedida para a notificação de dois acusados servidores públicos em outro município, o que só ocorreu recentemente" (fl. 535).
Ressalto, destarte, que há elementos, nos autos, indicativos da complexidade do processo, que apura a existência de organização criminosa dedicada à prática de delitos no âmbito de agência do INSS, composta por dezoito denunciados, e com necessidade de expedição de cartas precatórias para fins de cumprimento do art. 514 do CPP (defesa preliminar antecedente ao recebimento da denúncia), o que justifica a demora no recebimento da denúncia.
12. Ante o exposto, não conheço do habeas corpus, forte na incidência da orientação contida na Súmula 691/STF e, em conseqüência, revogo a decisão que havia concedido liminar em favor do paciente.
É como voto.
SEGUNDA TURMA
EXTRATO DE ATA
HABEAS CORPUS 97.299
PROCED.: RIO DE JANEIRO
RELATORA: MIN. ELLEN GRACIE
PACTE.(S): FRANCISCO FERREIRA COTTS
IMPTE.(S): LUIZ FRANCISCO BOECHAT JUNIOR
COATOR(A/S)(ES): RELATORA DO HABEAS CORPUS Nº 123624 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Decisão: A Turma, à unanimidade, não conheceu do pedido de habeas corpus, cassada a liminar deferida, nos termos do voto da Relatora. Falou, pelo paciente, o Dr. Vinícius Mota de Egidio. Ausente, justificadamente, neste julgamento, o Senhor Ministro Joaquim Barbosa. 2ª Turma, 15.12.2009.
Presidência da Senhora Ministra Ellen Gracie. Presentes à sessão os Senhores Ministros Celso de Mello, Cezar Peluso e Eros Grau. Ausente, justificadamente, o Senhor Ministro Joaquim Barbosa. Compareceu à Turma o Senhor Ministro Gilmar Mendes, Presidente do Tribunal, a fim de julgar processos a ele vinculados, assumindo, nesta ocasião, a Presidência da Turma, de acordo com o art. 148, parágrafo único, RISTF.
Subprocurador-Geral da República, Dr. Mário José Gisi.
Carlos Alberto Cantanhede
Coordenador
JURID - Processual penal. HC. Liminar indeferida no superior. [31/03/10] - Jurisprudência
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