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terça-feira, 1 de junho de 2010

JURID - Sentença. Ambiental [01/06/10] - Jurisprudência


Idosa pode manter criação de animais em área urbana.
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Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Norte.

Comarca de Natal
Processo nº 001.04.001100-4



Sentença Proferida

EMENTA: CONSTITUCIONAL. DIREITO AMBIENTAL. GRANJA. CRIAÇÃO DE ANIMAIS. ZONA URBANA. REMANEJAMENTO DO PLANTEL. REJEIÇÃO. ADOÇÃO DE MEDIDA MENOS ONEROSA, QUE SATISFAZ ÀS EXIGÊNCIAS AMBIENTAIS. - A administração pública determinou à autora o remanejamento da criação de animais para zona rural, devido o transtorno causado à vizinhança, sendo que foi encontrada solução menos gravosa, pelo estudo realizado pelo perito do juízo, recomendando a permanência das atividades da autora, já idosa, no mesmo local. Procedência do pedido.

VISTOS EM CORREIÇÃO.


RELATÓRIO

Janete Marques Carvalho, qualificada, assistida por advogados, ajuizou ação principal decorrente de processo cautelar, registrado sob o nº 001.03.029967-6 contra o ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE e o MUNICÍPIO DE NATAL, aduzindo em suma, que é proprietária de granja localizada em Ponta Negra, adquirida em 1970, onde possui criação de porcos, cabras e algumas cabeças de gado bovino.

Aduz que a criação é realizada com obediência a técnicas fito-sanitárias de limpeza, higiene e esgotamento sanitário, utilizando alimentação balanceada para os animais, sem possibilidade de provocar contaminação ou distúrbio ao meio ambiente.

Acrescenta que devido à expansão imobiliária, tem sofrido pressão para retirar-se do lugar, mas tem resistido a esses apelos, porquanto o trabalho realizado na granja gera renda para quatro famílias e, sendo pessoa de idade avançada, é por meio dessa ocupação que se mantém ativa.

Aduz que as autoridades sanitárias concederam um prazo de 60 (sessenta) dias para a retirada dos animais da propriedade, sendo que esse prazo é muito pequeno para as atividades desenvolvidas, principalmente, a que é relacionada à criação de porcos, que obedece a um ciclo de vida, que leva pelo menos 6 (seis) meses, desde a prenhez até a sua comercialização.

A determinação administrativa tornou-se mais difícil ainda de ser cumprida diante da circunstância de que, no momento da comunicação do referido prazo, as principais matrizes do plantel tinham acabado de cruzar.

Afirma que a retirada do plantel para uma região rural e a transferência do maquinário de trabalho não pode ocorrer até o encerramento do período reprodutivo, pelo prazo máximo de dois anos.

Requer o reconhecimento do direito de manter sua criação.

Juntaram-se os documentos de fls. 14/29.

Citado, o Município de Natal apresentou contestação apócrifa, que foi retirada dos autos (fl. 35).

O Estado do Rio Grande do Norte apresentou defesa sustentando a improcedência do pedido, sob o fundamento de que a Secretaria de Agricultura, Pecuária e Pesca procedeu vistoria na granja em decorrência de denúncia dos moradores de um condomínio vizinho, constatando que a demandante não dá destino correto às águas servidas e residuais provenientes dos serviços de limpeza e higienização dos animais. Acrescentou que a localidade da granja antes era rural, mas hoje está inserida em centro urbano, não comportando mais esse tipo de atividade, sendo motivo de perturbação para a vizinhança, na medida em que apresenta insalubridade e mau cheiro.

Juntou documentos de fls. 45/91.

Ao falar sobre a contestação a requerente sustentou que o relatório feito pela Secretaria de Agricultura, Pecuária e Pesca era antigo, tendo sido implementadas algumas melhoras, a exemplo da canalização do esgotamento sanitário, que tem como destino uma fossa séptica, fechada hermeticamente.

O promotor de justiça com atuação na vara opinou pela realização de prova pericial para elucidar melhor os fatos (fls. 97/100).

Foi nomeado perito o engenheiro civil Marco Antônio Emerenciano de Souza, que apresentou laudo de fls. 116/124, evidenciando que há transtornos relacionados à destinação dos efluentes provenientes dos animais, afirmando ao mesmo tempo, que é possível solucioná-los, com a implantação de sistema de tratamento das águas servidas e residuais.

O Estado pediu esclarecimentos ao expert, que os respondeu em fls. 134/139. Posteriormente a demandante apresentou seus apontamentos sobre o laudo, em petição de fls. 145/146.

Em parecer de fls. 152/153 o representante do Ministério Público opinou pela juntada das leis municipais nº 4.100/92 e 5.132/99, além do procedimento administrativo nº 05/01 (fls. 157/, tendo sido cumprido pelo Município de Natal.

Relatado, passo a decidir.


FUNDAMENTAÇÃO

A discussão dos autos está relacionada ao uso de propriedade particular para atividade de criação de animais, em área que se qualifica atualmente como urbana.

A expansão da cidade é fato inconteste, e isso decorre das atividades desenvolvidas pela própria sociedade, que deve se adequar a esse conjunto de transformações. Ao contrário do que afirma a demandante, a área em que se situa a granja é considerada urbana, porque não há mais zona suburbana no Município de Natal, de acordo com o Plano Diretor da cidade.

A situação dos autos evidencia um conflito entre o direito de propriedade e o direito ao meio ambiente saudável, sendo que o embate dos autos pode ser claramente equacionado por medidas que preservem as duas garantias constitucionais.

A demandante afirma que a criação de animais obedece aos rigores de qualidade, mediante o uso de técnicas de limpeza, higiene e esgotamento sanitário, sendo que a população circunvizinha apresenta insatisfação relacionada ao mau cheiro e ao barulho produzidos pelos porcos, o que motivou denúncia na Secretaria Municipal de Saúde e Vigilância Sanitária, que lavrou Termo de Inspeção nº 019549 (fl. 21) e Termo de Notificação (fl. 22).

As duas versões motivaram a necessidade de conhecimento especializado para detectar se de fato existem as irregularidades mencionadas, que foram esclarecidas com o parecer técnico de fls. 116/125, onde se constata que ?os animais ali criados vivem em boas condições de higiene, deixando a desejar na maneira em que as águas servidas são distribuídas e acumuladas na fossa séptica?.

Esse conhecimento especializado possibilita o auxílio do juízo na formação da sua convicção sobre os fatos da causa. No presente caso está clara a existência de algumas irregularidades no tratamento dos efluentes gerados na criação dos suínos, sendo que o parecer técnico informa que existem meios de contornar a questão:

?Esse problema pode ser mitigado pela proprietária de duas maneiras, as quais são: projetar, construir e operar (manutenção) na propriedade um sistema que promova o adequado tratamento dos efluentes da suinocultura, evidentemente o sistema de esgotos deverá ser concebido após a caracterização qualitativa e quantitativa destes efluentes, essa caracterização servirá de subsídios para o correto dimensionamento do sistema de tratamento de esgotos; a outra alternativa é proceder a ligação de seus efluentes a rede pública de coleta de esgotos operada pela Companhia de Águas e Esgotos do Rio Grande do Norte-CAERN...?

A pretensão se dirige à permanência das atividades da demandante na granja, mas seu intento deve se ajustar às exigências ambientais, incluindo a obtenção das licenças expedidas por órgãos da Administração. O respeito ao meio ambiente decorre do status constitucional atribuído a esse bem de caráter difuso, conforme se apura do art. 225 da Constituição Federal:

?Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações?.

Diante da possibilidade de haver o remanejamento de todo o plantel para outra área, como determinou a Secretaria da Agricultura, da Pecuária e da Pesca, ou de executar as medidas sanitárias propostas pelo perito, demonstra ser a solução mais viável, optar por fazer as adequações no próprio local, considerando sobretudo, que existem aspectos sociais que favorecem a manutenção das atividades na própria granja.

Entendo que o caso comporta a aplicação da ideia que norteia o art. 620 do Código de Processo Civil:

?Art. 620. Quando por vários meios o credor puder promover a execução, o juiz mandará que se faça pelo modo menos gravoso para o devedor?.

Sabe-se que a autora está próxima de completar oitenta anos (fl. 14) e que suas atividades geram renda familiar não apenas para si, mas para outros três trabalhadores, conforme se constata do Relatório de Visita Técnica de fls. 46/48. Esse aspecto deve ser levado em consideração para mensurar a alternativa menos onerosa para cumprimento das normas ambientais.

Logo, se é possível manter a granja fazendo as adaptações condizentes com a legislação ambiental, essa deve ser a medida adotada, em vez de determinar a retirada dos animais para alocar em outro ambiente.


DISPOSITIVO

Diante do exposto, julgo procedente a pretensão formulada por JANETE MARQUES CARVALHO, determinando a permanência de suas atividades na Granja Recreio, coadunadas às determinações de adequação às normas ambientais.

Condeno o Município de Natal e o Estado do Rio Grande do Norte ao pagamento dos honorários advocatícios em 10% (dez por cento) sobre o valor da causa, rateado o valor em partes iguais ? art. 20, § 4º, do Código de Processo Civil.

Sentença não sujeita ao reexame necessário pelo Tribunal de Justiça (art. 475, § 2º, do CPC), por não haver condenação em valor certo.


Publique-se. Registre-se. Intimem-se.



JURID - Sentença. Ambiental [01/06/10] - Jurisprudência

 



 

 

 

 

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