HC. Processual penal. Tráfico de drogas. Prisão em flagrante. Relaxamento. Crime hediondo. Liberdade provisória.
Supremo Tribunal Federal - STF.
Coordenadoria de Análise de Jurisprudência
DJe n° 40 Divulgação 04/03/2010 Publicação 05/03/2010
Ementário s°2392-2
02/02/2010 PRIMEIRA TURMA
HABEAS CORPUS 98.143 MINAS GERAIS
RELATOR: MIN. RICARDO LEWANDOWSKI
PACTE.(S): EZEQUIEL BRENO ROCHA
IMPTE.(S): DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO
COATOR(A/S)(ES): SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
EMENTA: HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. TRÁFICO DE DROGAS. PRISÃO EM FLAGRANTE. RELAXAMENTO. CRIME HEDIONDO. LIBERDADE PROVISÓRIA. INADMISSIBILIDADE. VEDAÇÃO CONSTITUCIONAL. DELITOS ,INAFIANÇÁVEIS. ART. 5°, XLIII, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. PRESSUPOSTOS DO ART. 312 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. DEMONSTRAÇÃO. ORDEM DENEGADA.
I - A vedação á liberdade provisória para o delito de tráfico de drogas advém da própria Constituição, a qual prevê a inafiançabilidade (art. 5º, XLIII).
II - Presentes os requisitos autorizadores da prisão cautelar previstos no art. 312 do Código de Processo Penal, em especial o da garantia da ordem pública, existindo sólidas evidências da periculosidade do paciente, supostamente envolvido em gravíssimo delito de tráfico de drogas.
III - As condições subjetivas favoráveis do paciente não obstam a segregação cautelar, desde que presentes nos autos elementos concretos a recomendar sua manutenção, como se verifica no caso presente.
IV - Ordem denegada.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os ministros da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, sob a Presidência do Senhor ministro Ricardo Lewandowski, na conformidade da ata de julgamentos e das notas taquigráficas, por maioria de votos, superar a preliminar de deslocamento do feito ao Plenário, vencido o Ministro Marco Aurélio. Por unanimidade, indeferir o pedido de habeas corpus, nos termos do voto do Relator.
Brasília, 2 de fevereiro de 2010,
RICARDO LEWANDOWSKI - PRESIDENTE E RELATOR
02/02/2010 PRIMEIRA TURMA
HABEAS CORPUS 98.143 MINAS GERAIS
RELATOR: MIN. RICARDO LEWANDOWSKI
PACTE.(S): EZEQUIEL BRENO ROCHA
IMPTE,(S): DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO
COATOR(A/S)(ES): SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
RELATÓRIO
O Sr. Ministro RICARDO LEWANDOWSKI: Trata-se de habeas corpos, com pedido de medida liminar, impetrado pela Defensoria Pública da União em favor de EZEQUIEL BRENO ROCHA, contra ato da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, que negou provimento ao recurso ordinário em habeas corpos lá interposto.
Narra a inicial que, em 29/5/2008, à época dos fatos, com dezenove anos, o paciente foi preso em flagrante pela prática do delito previsto no art. 33 da Lei 11.343/2006.
Afirma a impetrante que, não obstante a primariedade, os bons antecedentes e a pouca quantidade de droga apreendida, foi indeferido pedido de liberdade provisória para o paciente.
Inconformada, a defesa manejou writ perante Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, e, em seguida, outro no STJ, sendo denegada a ordem em ambas as impetrações.
Sustenta a impetrante, em suma, que o magistrado a quo deveria analisar, em cada caso, se há ameaça ou lesão a direito. Alega, ainda, que a vedação prevista no art. 44 da Lei 11.343/2006 viola o inciso XXXV do art. 5º da Constituição, bem como o principio constitucional da razoabilidade.
Assevera, mais, que o princípio constitucional da não culpabilidade impede que a privação da liberdade se dê sem fundamentos fáticos concretos e devidamente considerados pela autoridade judicial competente.
Ao final, requer a concessão de medida liminar para garantir ao paciente o direito à liberdade provisória e, no mérito, a confirmação dessa decisão vestibular.
Em 11/3/2009, indeferi a liminar e, por entender estarem os autos devidamente instruídos, dispensei as informações da autoridade apontada como coatora.
O Ministério Público Federal, em parecer da lavra do Subprocurador-Geral da República Mário José Gisi, manifestou-se pela denegação da ordem (fls. 58-65).
É o relatório.
02/02/2010 PRIMEIRA TURMA
HABEAS CORPUS 98.143 MINAS GERAIS
VOTO
O Sr. Ministro RICARDO LEWANDOWSKI (Relator): Eis o teor do acórdão ora atacado:
"PROCESSUAL PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES. PRISÃO EM FLAGRANTE. LIBERDADE PROVISÓRIA. VEDAÇÃO IMPOSTA PELA CONSTITUIÇÃO, PELO ART. 2º, INCISO II, DA LEI 8.072/90 E PELO ART. 44 DA LEI 11.343/06. RECURSO NÃO PROVIDO.
1. O inciso XLIII do art. 5º da Constituição Federal estabelece que o crime de tráfico ilícito de entorpecentes é inafiançável. Não sendo possível a concessão de liberdade provisória com fiança, com maior razão é a não concessão de liberdade provisória sem fiança.
2. A legislação infraconstitucional (arts. 2º, lei, da Lei 8.072/90 e 44 da Lei 11.343/06) também veda a liberdade provisória ao preso em flagrante por tráfico ilícito de entorpecentes.
3. A Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça consolidou o entendimento de que a vedação legal é fundamento suficiente para o indeferimento da liberdade provisória (HC 76.779/MT, Rel. Min. Felix Fischer, DJ de 3/4/08).
4. Recurso não provido" (fl. 13).
Bem examinados os autos, tenho que o caso é de denegação da ordem.
Conforme relatado, busca-se neste writ a concessão de liberdade provisória do paciente, ao argumento de que a mantença da prisão mostra-se insustentável por não se encontrar fundada nos requisitos da constrição cautelar, expressos no art. 312 do CPP, acrescentando a impetrante que a simples vedação legal, contida no art. 44 da Lei 11.343/2006 e no art. 2º, II da Lei 8.072/90, ofende à Constituição, uma vez que não leva em consideração as circunstância do caso concreto.
Contudo, não vislumbro, na decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça, nenhuma ilegalidade, abuso de poder ou teratologia que justifiquem o afastamento da prisão, conforme passarei a demonstrar.
Consta dos autos que o paciente foi preso em flagrante pela prática do crime de tráfico de entorpecentes, mostrando-se a atual jurisprudência desta Casa firme no sentido de que é legitima a proibição de liberdade provisória nos crimes de tráfico ilícito de entorpecentes, uma vez que ela decorre da inafiançabilidade prevista no art. 5º, XLIII, da Carta Magna e da vedação estabelecida no art. 44 da Lei 11.343/06.
Nesse sentido transcrevo a ementa do HC 92.747/SP, Rel. Min. Menezes Direito, in verbis:
"Habeas corpus. Penal e Processual Penal. Crimes de tráfico ilícito de entorpecentes e associação para o tráfico. Não configuração de excesso de prazo. Complexidade da causa. Precedentes. Liberdade provisória. Vedação expressa do art. 44 da Lei nº 11.343/06. Ordem denegada. Precedentes da Corte.
1. A orientação perfilhada no acórdão impugnado está em perfeita consonância com a jurisprudência desta Corte, no sentido de que não há constrangimento ilegal quando a complexidade da causa ou a quantidade de testemunhas, residentes em comarcas diversas, justifiquem a razoável demora para o encerramento da ação penal.
2. A vedação de liberdade provisória contida no artigo 2º, inciso II, da Lei nº 8.078/90 decorria da própria inafiançabilidade prevista pelo artigo 5°, inciso XLIII, da Constituição Federal. De qualquer modo, os pacientes foram presos em flagrante quando já vigente a Lei nº 11.343/06, que veda, em seu art. 44, a concessão de liberdade provisória.
3. Ordem denegada" (DJ de 25/4/08).
Cito, também, nessa linha, os HCs 95.671/RS, Rel. Min. ELLEN GRACIE, 95.060/SP, Rel. Min. CARLOS BRITTO, 94.521-AgR/SP, de minha relatoria e 93.229/SP, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA, entre outros.
Ademais, registro, por pertinente, que o decreto prisional está lastreado em argumentação idônea que demonstra a presença dos requisitos necessários para manutenção da prisão preventiva, conforme se verifica dos seguintes trechos:
"Vejo que o requerente não faz jus à liberdade provisória, eis que foi ele preso em flagrante delito, pela prática do crime de tráfico de drogas (art. 33 da Lei 11.343/06), havendo o óbice legal previsto no art. 44 da Lei 11.343/06.
(...)
(...) das declarações das testemunhas inquiridas pelo delegado de polícia, de onde se pode depreender indícios suficientes de materialidade e autoria delitiva.
Verifica-se que todas as circunstâncias narradas no APFD denotam a destinação mercantil do material apreendido e o envolvimento do requerente com o tráfico de drogas.
Dada a gravidade de tais fatos, tenho que se encontram presentes os requisitos do art. 312 do CPP, principalmente para a manutenção da ordem pública.
(...)
Encontram-se presentes os requisitos da prisão preventiva, dispostos no art. 312 do CPP, pelo
que o requerente não poderá ser beneficiado com a liberdade provisória. Além disso, verifica-se a necessidade da manutenção da custódia do requerente como garantia da ordem pública, em razão da natureza do delito. Isso porque o tráfico é prática criminosa denunciadora de alta periculosidade dos seus agentes, devendo estes serem afastados do convívio social par (sic) evitar ameaça a ordem pública e jurídica, evitando, também, que esta sociedade venha a se sentir desprotegida e atemorizada" (fls. 20-24).
Desse modo, entendo que a custódia do paciente encontra-se devidamente fundamentada, visto que, evidenciadas a autoria e a materialidade do delito, a de cisão atacada invoca não apenas a gravidade da conduta do detido, mas também a presença dos requisitos autorizadores elencados no art. 312 do Código Processual Penal, especialmente a garantia da ordem pública.
Além disso, há sólida demonstração da periculosidade do paciente, supostamente envolvido na prática do gravíssimo delito de tráfico de drogas, ao qual se irroga, inclusive, a dedicação à traficância ilegal.
Por fim, anoto que as condições subjetivas favoráveis do paciente não obstam a segregação cautelar, desde que presentes nos autos elementos concretos a recomendar sua manutenção, como se verifica no caso presente. Cito, nessa linha, o HC 98.197/SP, Rel. Min. Eros Grau:
"HABEAS CORPUS. PENAL E PROCESSUAL PENAL. HOMICÍDIO QUALIFICADO E RESISTÊNCIA. QUALIFICAÇÃO JURÍDICA DE FATO INCONTROVERSO. POSSIBILIDADE. PRISÃO PREVENTIVA: PRESUNÇÃO DE AMEAÇA A TESTEMUNHAS. IDONEIDADE. PERICULOSIDADE DO AGENTE EVIDENCIADA PELO MODUS OPERANDI. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. CONDIÇÕES PESSOAIS. IRRELEVÂNCIA. 1. Apesar de o rito do habeas corpus não comportar reexame de fatos e provas, é possível operar-se, nessa via, a qualificação jurídica de fatos incontroversos. Precedentes. 2. Prisão preventiva por conveniência da instrução criminal. Presunção de ameaça a testemunhas. Inidoneidade. 3. Prisão cautelar para garantia da ordem pública. Periculosidade do réu evidenciada pelo modus operandi na prática do crime. idoneidade. Precedentes. 4. Primariedade, bons antecedentes, residência e trabalho fixos não impedem a prisão preventiva guando presentes os requisitos do artigo 312 do CPP. Precedentes. Ordem denegada" (grifos meus).
No mesmo sentido: HC 90.330/PR, Rel. Min. Ellen Gracie; HC 93.901/RS, de minha relatoria e HC 92.204/PR, Rel. Min. Menezes Direito, entre outros.
Ante esse quadro, repito, não identifico qualquer coação ilegal contra o paciente a ser afastada por esta Corte, razão pela qual denego a ordem.
02/02/2010 PRIMEIRA TURMA
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VOTO
O SENHOR MINISTRO AYRES BRITTO - Senhor Presidente, de fato a nossa jurisprudência é firme no sentido de que, se o crime é inafiançável e a prisão se deu em flagrante, a liberdade provisória não tem como operar. Isso por efeito de comando diretamente constitucional (inciso XLIII do artigo 54 da Constituição), sem que essa aplicabilidade jurisprudencial da Constituição implique antecipação de pena.
Agora, parece-me que, nesses casos, o que em verdade cabe é discutir se a prisão em flagrante se deu legalmente ou ilegalmente porque, se foi ilegal, a autoridade judiciária relaxará a prisão.
Há um comando constitucional também expresso nesse sentido. Trata-se do inciso LXV do artigo 5º:
"Art. 5º (....)
LXV - a prisão ilegal será imediatamente relaxada pela autoridade judiciária;"
Acompanharei Vossa Excelência para manter a jurisprudência da Casa, embora confesse que concordo com a alegação do eminente Defensor Público no sentido de que a inafiançabilidade há de ser interpretada restritivamente. Daí porquê me remeteria à análise do exame, à análise da legalidade ou não da prisão em flagrante.
O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI (PRESIDENTE E RELATOR) - Vossa Excelência deve ter reparado que eu já me antecipei a essas críticas muito pertinentes, sobretudo as de vossa Excelência, e fiz uma análise do auto de prisão em flagrante em que se esboça, nesse primeiro documento inicial, exatamente a periculosidade do agente. Mostra que, em tese, ele está dedicado à traficância. Portanto há um plus, além daquele automatismo da prisão inafiançável no caso do tráfico de drogas, que fiz questão de ressaltar.
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O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO - Presidente, farei uma ponderação e, se isolado quanto a ela, pedirei apenas que Vossa Excelência consigne o meu voto vencido.
No caso, tem-se preceito de lei que veda, peremptoriamente, a liberdade provisória considerado o tráfico de drogas - artigo 44 da Lei n° 11.343/06. O Juízo, ao manter a custódia do paciente, manifestou-se quanto â harmonia desse preceito com a Carta da República. Assentou a constitucional idade, e creio que se insiste, nesta impetração, na inconstitucionalidade.
Com os nossos votos, foi aprovado verbete de súmula vinculante consagrando o princípio do colegiado, consagrando a norma do artigo 97 - creio - da Constituição Federal.
Pondero apenas sobre a necessidade de tornarmos estreme de dúvidas a harmonia, ou não, do artigo 44 da Lei de Tóxicos com a Carta da República, e somente o Plenário poderá fazê-lo.
O processo está em ótimas mãos, com Vossa Excelência para o relato perante o Colegiado maior. Não seria o caso de deslocarmos? Na verdade, estaremos, em um primeiro passo, assentando a constitucionalidade ou inconstitucionalidade desse preceito. Aqueles que partem para o exame da prisão preventiva sob o ângulo do artigo 312 temperam o 44 e não reconhecem a validez desse dispositivo da Lei de Tóxicos - presente, talvez, até mesmo o princípio da não culpabilidade - no que veda peremptoriamente, independentemente do atendimento ou não dos pressupostos processuais alusivos à preventiva, a liberdade provisória. Por isso faço essa ponderação.
Sei que o Plenário está muito sobrecarregado e que já há até precedentes da Primeira e da Segunda Turma sobre a matéria. No entanto, tanto quanto possível, devemos realmente afastar - até mesmo para que não tomemos o tempo da Defensoria Pública da União - qualquer dúvida quanto à higidez desse preceito sob o ângulo constitucional.
Por isso, proponho a Vossa Excelência e aos colegas o deslocamento ao Plenário.
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O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI (PRESIDENTE E RELATOR) - Tenho impressão de que o eminente representante da Defensoria Pública fez alusão ao fato de que esta matéria já está afetada ao Plenário mediante um recurso extraordinário em que foi apontada a repercussão geral.
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO - Constitucionalidade do artigo 44?
O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI (PRESIDENTE E RELATOR) - Exatamente. Eu ponderaria aos eminentes Pares que, neste caso, não se trata - pelo menos da leitura que faço novamente do meu relatório - da inconstitucionalidade pura do artigo 44.
O que a Defensoria Pública alegou aqui foi que a simples vedação legal contida no artigo 44 da Lei 11.343 e no artigo 24, II, da Lei 8.072 ofende á Constituição, uma vez que não leva em consideração as circunstâncias do caso concreto. Aqui não estamos analisando simplesmente o artigo 44 e a sua constitucionalidade.
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO - Vossa Excelência me permite?
O que me sensibilizou foi o fundamento do Juízo da Vara de Tóxicos, que se mostrou expresso. Não haveria que se falar em dispositivo constitucional ante o inciso LXVI do artigo 5º da Lei maior que prevê:
LXVI - ninguém será levado à prisão ou nela mantido quando a lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança;
Poderia fazê-lo o juiz individualmente? Poderia, porque o processo não se encontrava no Tribunal. Agora, vamos referendar essa óptica em órgão fracionado? Eu, por exemplo, sinto-me constrangido em fazê-lo, mas é um ponto de vista.
O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI (PRESIDENTE E RELATOR) - Pondero a Vossa Excelência que talvez este não fosse o processo ideal para levar ao Plenário, mesmo porque o juiz, embora tenha feito alusão ao artigo 33 da Lei 11.343 e ao artigo 44, acabou por fundamentar também a prisão no artigo 312 do CPP. Portanto, ele tem uma dupla fundamentação, até prevenindo-se contra uma eventual contestação quanto à constitucionalidade desses dispositivos.
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO - Quem fundamentou no artigo 312 foi o Superior Tribunal de Justiça ao indeferir a ordem. Mas a base da prisão preventiva foi a ausência de conflito entre o artigo 44 da Lei de Tóxicos e a Constituição Federal.
O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI (PRESIDENTE E RELATOR) - Eu, à bem da brevidade - e apenas para esclarecer a Vossa Excelência, cuja ponderação é muito válida, como sempre -, deixei de ler o último trecho do decreto prisional, às páginas 20 e 24, onde consigno o seguinte:
"Encontram-se presentes requisitos da prisão preventiva, dispostos no art. 312 do CPP, pelo que o requerente não poderá ser beneficiado com a liberdade provisória. Além disso, verifica-se a necessidade da manutenção da custódia do requerente como garantia da ordem pública, em razão da natureza do delito. Isso porque o tráfico é prática criminosa denunciadora de alta periculosidade dos seus agentes, devendo estes serem afastados do convívio social para (sic) evitar ameaça a ordem pública e jurídica, evitando, também, que esta sociedade venha a se sentir desprotegida e atemorizada."
Então, eminente Ministro Marco Aurélio, com todo o respeito pelas ponderações de Vossa Excelência, como Relator, eu caminharia no sentido de...
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO - Já adiantei a impressão de que ficaria realmente vencido na matéria e, por isso, pedi a Vossa Excelência que, ultrapassada pela Turma a questão preliminar - deslocamento para o Plenário vossa Excelência apenas consignasse o meu ponto de vista em ata.
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VOTO S/PRELIMINAR
O SENHOR MINISTRO DIAS TOFFOLI:
Senhor Presidente - e Relator deste caso -, entendo que estão presentes outros fundamentos, não só o artigo 44 - que, inclusive, brevemente, terá a sua constitucionalidade decidida pelo Plenário. A discussão que vai se dar no Plenário é se o legislador pode impor ao julgador a impossibilidade de deferir uma liberdade provisória em determinados casos. Ai há uma ordem legal que vai ser analisada de acordo com os direitos e garantias individuais pelo Plenário da Suprema Corte.
No entanto, neste caso, existem circunstâncias específicas e individualizadas no tocante ao paciente; a prisão foi decretada com base nessas circunstâncias, e o indeferimento manteve esse decreto de prisão nos seus fundamentos. Além disso, tendo havido a arguição, ele entrou nesse outro tema, em que, mesmo descartado, há fundamentos para a manutenção do indeferimento da liberdade provisória.
Nesse sentido, mantenho o meu voto e acompanho Vossa Excelência - o que não implica uma adesão á discussão do artigo 44, que vai se dar no Plenário.
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O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO - Presidente, fico vencido quanto à proposta de deslocamento do processo ao Plenário.
Quanto ao mérito, excluo a possibilidade, em se tratando da incidência do artigo 44 da Lei de Regência da Traficância, de ter-se a necessidade de se evocai' o artigo 312 do Código de Processo Penal. Assim faço-o, tendo em conta - como ressaltado na decisão do Juízo - a circunstância de a Carta da República conciliar valores: o do principio da não culpabilidade com outros - também caros à sociedade - como o da prisão imediata de quem transgrediu certa norma penal.
Vem à balha o inciso a que me referi - LXVI do artigo 5° - a revelar a possibilidade de a lei obstaculizar a liberdade provisória, dispondo:
LXVI - ninguém será levado à prisão ou nela mantido quando a lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança;
O princípio do terceiro excluído afasta a interpretação segundo a qual só há a incidência do inciso XLIII do artigo 5° citado quando se trate de crime inafiançável. Se, considerado o crime afiançável, pode haver a cláusula vedadora da liberdade provisória, com maior razão se se tem em jogo um tipo a afastar a fiança. o preceito ë claro ao revelar que:
XLIII - a lei considerará crimes inafiançáveis - vale dizer, crimes em que não é admitida, para chegar-se à liberdade provisória, a fiança, ou seja, nem mesmo com fiança se poderá chegar à liberdade provisória - e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, a tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem;
Por isso, tenho como harmônico com a Carta da República - sinto-me aqui como se estivesse no Colegiado Maior, o Plenário - o artigo 44 em exame, que afasta - repito - a consideração de outros preceitos para chegar-se à custódia provisória, que afasta a consideração do artigo 312, e que, no caso, direciona no sentido de não se exigir do juiz - ocorrida a simples prisão em flagrante, e não a preventiva - que baseie o ato restritivo da liberdade de ir e vir nesse artigo.
Com essa fundamentação e louvando a defesa do paciente a cargo da Instituição maior da defensoria, a Defensoria-Geral da União, indefiro a ordem.
PRIMEIRA TURMA
EXTRATO DE ATA
HABEAS CORPUS 98.143
PROCED.: MINAS GERAIS
RELATOR: MIN. RICARDO LEWANDOWSKI
PACTE.(S): EZEQUIEL BRENO ROCHA
IMPTE.(S): DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO
COATOR(A/S)(ES): SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Decisão: Por maioria de votos, a Turma superou a preliminar de deslocamento do feito ao Plenário, vencido o Ministro Marco Aurélio. Por unanimidade, indeferiu o pedido de habeas corpus, nos termos do voto do Relator. Falaram: o Dr. João Alberto Simões Pires Franco, Defensor Público Federal, pelo paciente; e o Dr. Paulo de Tarso Braz Lucas, Subprocurador-Geral da República, pelo Ministério Público Federal. Presidência do Ministra Ricardo Lewandowski. 1ª Turma, 02.02.2010.
Presidência do Ministro Ricardo Lewandowski. Presentes à Sessão os Ministros Marco Aurélio, Ayres Britto, a ministra Cármen Lúcia e o ministro Dias Toffoli.
Subprocurador-Geral da República, Dr. Paulo de Tarso Braz Lucas.
Fabiane Duarte
Coordenadora
Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.204-2/2001 de 24/09/2001, que institui a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP Brasil. O documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/autenticarDocumento.asp sob o número 481557 e 481780
JURID - HC. Processual penal. Tráfico de drogas. Prisão em flagrante [18/05/10] - Jurisprudência
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