Penal. Critérios adotados para aplicação da pena. Manutenção da pena-base. Bis in idem afastado. Apelação improvida.
Tribunal Regional Federal - TRF2ªR
APELACAO CRIMINAL - 2003.51.02.007495-4
RELATOR: DESEMBARGADORA FEDERAL LILIANE RORIZ
APELANTE: MARIA THEREZA RAMOS BARBOSA
ADVOGADO: ANA CRISTINA MENDONCA DA CUNHA ALVES DOS SANTOS E OUTROS
APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL
ORIGEM: 1A. VARA FEDERAL - NITEROI/RJ (200351020074954)
EMENTA
PENAL. CRITÉRIOS ADOTADOS PARA APLICAÇÃO DA PENA. MANUTENÇÃO DA PENA-BASE. BIS IN IDEM AFASTADO. APELAÇÃO IMPROVIDA.
1. A materialidade e a autoria não estão em discussão. A irresignação da apelante é restrita aos parâmetros adotados na sentença quando da fixação da pena.
2. Primariedade. Afastada a tese da defesa no sentido de que a fixação da pena-base em patamar superior ao mínimo legal não observou a primariedade e os bons antecedentes da ré. O Magistrado sentenciante não considerou os antecedentes da ré em seu desfavor, ao contrário, utilizou argumentos que militaram a seu favor, na medida em que afirmou que, embora a ré possuísse anotações em sua folha de antecedentes criminais, em homenagem ao princípio constitucional da não-culpabilidade e em atenção à jurisprudência pátria majoritária, a acusada não ostentava antecedentes criminais.
3. Conseqüências do crime. Correta a majoração da pena-base. A sentença ressaltou como conseqüências não só o quantum do prejuízo gerado à entidade autárquica, como, também, o resultado negativo quanto à credibilidade do Estado, ao serviço público e às entidades previdenciárias em especial.
4. O aumento em decorrência das circunstâncias do crime não se deu somente pelo "alto grau de desprezo ético e moral pela instituição onde laborou por longos anos", mas pela circunstância de "ter ludibriado uma faxineira da casa de sua mãe, pessoa de grande humildade e escasso discernimento quanto ao ocorrido, em manifesta má-fé". Não há que se falar em bis in idem quanto a se considerar esta circunstância em concomitância com a violação de dever funcional, levada em consideração na 2a fase da dosimetria da pena (artigo 61, inciso II, alínea "g" do Código Penal).
5. Motivos do crime. O fato de a ré ter agido "em razão do intuito de única e exclusivamente se beneficiar financeiramente", é circunstância que já integra o próprio tipo penal, na medida em que a conduta do crime de estelionato é, justamente, a obtenção vantagem patrimonial ilícita para si ou para outrem.
6. Personalidade. Não se pode passar despercebido pelas 13 (treze) anotações na FAC - Folha de Antecedentes Criminais - da acusada, que sinalizam uma personalidade voltada para o crime e evidenciam que a conduta criminosa analisada nestes autos não foi esporádica em sua vida. Precedentes desta Corte.
7. Na segunda fase de aplicação da pena não há reparos a serem feitos, tendo sido consideradas corretamente a circunstância agravante prevista no artigo 61, inciso II, "g", do Código Penal - violação de dever inerente a cargo, ofício, ministério ou profissão -, bem como a circunstância atenuante da confissão espontânea, descrita no artigo 65, inciso III, "d", do Código Penal.
8. Continuidade delitiva. Possível unificação de penas poderá ser ultimada pelo Juízo da Execução Penal, na forma preceituada no artigo 82, do Código de Processo Penal.
9. Apelação não provida.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados os autos em que são partes as acima indicadas, decidem os Membros da 2ª Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos do voto da relatora.
Rio de Janeiro, 18 de maio de 2010.
LILIANE RORIZ
Relatora
RELATÓRIO
Trata-se de apelação criminal interposta por MARIA THEREZA RAMOS BARBOSA (fls. 412/422) contra a sentença proferida pelo MM. Juiz Federal da 1a Vara de Niterói/RJ (fls. 386/403), Dr. Rogério Tobias de Carvalho, que condenou a apelante pelo crime previsto no artigo 171, § 3º, do Código Penal, às penas de 02 (dois) anos, 4 (quatro) meses e 12 (doze) dias de reclusão e 181 (cento e oitenta e um) dias-multa, no valor unitário de ½ (meio) salário mínimo. A pena privativa de liberdade foi substituída por duas penas restritivas de direito.
Segundo a denúncia, às fls. 313/316, a apelante deferiu 03 (três) benefícios de amparo social ao idoso, não obstante estarem ausentes os requisitos essenciais à concessão dos mesmos.
Ainda de acordo com a inicial, a fraude em tela gerou um prejuízo de R$ 7.392,74 (sete mil, trezentos e noventa e dois reais e setenta e quatro centavos), na percepção do benefício nº 88/110.208.949-1; de R$ 7.299,77 (sete mil, duzentos e noventa e nove reais e setenta e sete centavos), na percepção do benefício nº 88/110.208.994-7; e de R$ 6.808,73 (seis mil, oitocentos e oito reais e setenta e três centavos), na percepção do benefício nº 88/111.312.168-5.
A exordial narrou, também, que a denunciada atuara na concessão irregular de 88 benefícios, tendo confessado sua participação em 41destes, todos eles alvos de investigação policial.
A denúncia foi recebida em 09/11/2005 (fls. 206).
MARIA THEREZA RAMOS BARBOSA apelou (fls. 412/422) e requereu a reforma parcial da sentença condenatória no tocante à dosimetria da pena, ao argumento de que: 1) a pena-base deve ser fixada no mínimo legal; 2) não podem ser considerados como maus antecedentes as anotações registradas na FAC da ora recorrente; 3) a violação de dever funcional foi levada em consideração na 2a fase da dosimetria da pena, tendo sido aplicada a agravante apropriada (artigo 61, inciso II, alínea "g" do Código Penal), não podendo, portanto, ser também utilizada como critério pessoal apto a exasperar a pena na 1a fase, pois agindo assim estaria configurado o bis in idem; e 4) infrações penais em questão foram todas perpetradas pela recorrente com a utilização dos mesmos métodos de execução de outros ilícitos da mesma natureza, caracterizando-se a continuidade delitiva.
Em contrarrazões, o Órgão Ministerial pugnou pela manutenção integral da sentença (fls. 426/432).
O Ministério Público Federal, em parecer, opinou pelo não provimento da apelação criminal (fls. 439/446).
É o relatório.
À douta revisão.
LILIANE RORIZ
Relatora
VOTO
Admissibilidade
O recurso preenche os pressupostos de admissibilidade, de modo que deve ser conhecido.
Mérito
A materialidade e a autoria não estão em discussão. Além de terem sido devidamente comprovadas nos autos, não foram objeto do recurso que ora se analisa.
A irresignação da apelante recai nos parâmetros adotados pelo MM. Juiz a quo para fixar a pena, os quais passo a analisar, seguindo a ordem adotada pelo Código Penal.
Quanto à pena-base, matéria atinente à primeira fase de fixação da reprimenda, está-se diante de crime que prevê penas que variam de 01 (um) a 05 (cinco) anos e multa, tendo o MM. Magistrado a quo fixado a pena-base em 02 (dois) anos de reclusão e 175 (cento e setenta e cinco) dias-multa, sob os seguintes argumentos:
Fl. 401/402 - "Inicialmente, verifico que a Segunda Ré, embora possua anotações em sua folha de antecedentes e já tenha sido condenada em alguns deles, certo é que não há trânsito em julgado em nenhum dos casos ali apontados. Assim, em homenagem ao princípio constitucional da não-culpabilidade e em atenção à jurisprudência pátria majoritária, não ostenta a Segunda Acusada antecedente criminal. Todavia, atento às circunstâncias do art. 59 do Código Penal, especialmente aos motivos, às circusntâncias e às consequencias do crime, vale dizer, em razão do intuito de única e exclusivamente se beneficiar financeiramente, agindo com alto grau de desprezo ético e moral pela instituição onde laborou por longos anos, ludibriando uma faxineira da casa de sua mãe, pessoa de grande humildade e escasso discernimento quanto ao ocorrido, em manifesta má-fé, e ainda, em decorrência do quantum do prejuízo gerado à entidade autárquica, com consequências imensuráveis à credibilidade do Estado, ao serviço público e às entidades previdenciárias em especial, fixo a pena-base acima do mínimo legal, mas abaixo da média , ou seja, em 2 (dois) anos de reclusão e 175 (cento e setenta e cinco) dias-multa.
Da leitura acima, desde logo, deve ser afastada a tese da defesa no sentido de que a fixação da pena-base em patamar superior ao mínimo legal não observou a primariedade e os bons antecedentes da ré.
Isso porque, o MM. Magistrado sentenciante não considerou os antecedentes da ré em seu desfavor, ao contrário, utilizou argumentos que militaram a seu favor, na medida em que afirmou que, embora a ré possuísse anotações em sua folha de antecedentes criminais, em homenagem ao princípio constitucional da não-culpabilidade e em atenção à jurisprudência pátria majoritária, a acusada não ostentava antecedentes criminais.
Em relação às consequências do crime, correta a majoração da pena-base. Note-se que o Magistrado ressaltou como conseqüências não só o quantum do prejuízo gerado à entidade autárquica, como, também, o resultado negativo quanto à credibilidade do Estado, ao serviço público e às entidades previdenciárias em especial.
O aumento em decorrência das circunstâncias do crime não se deu somente pelo "alto grau de desprezo ético e moral pela instituição onde laborou por longos anos", mas pela circunstância de "ter ludibriado uma faxineira da casa de sua mãe, pessoa de grande humildade e escasso discernimento quanto ao ocorrido, em manifesta má-fé". Sendo assim, não há que se falar em bis in idem quanto a se considerar esta circunstância em concomitância com a violação de dever funcional, levada em consideração na 2a fase da dosimetria da pena (artigo 61, inciso II, alínea "g" do Código Penal).
Já em relação aos motivos do crime apontados na sentença, quais sejam, que a ré agiu "em razão do intuito de única e exclusivamente se beneficiar financeiramente", entendo que esta circunstância judicial já integra o próprio tipo penal, na medida em que a conduta do crime de estelionato é, justamente, a obtenção vantagem patrimonial ilícita para si ou para outrem.
Entretanto, não é caso de diminuição da pena-base.
A uma, porque as duas circunstâncias consideradas - consequência e circunstâncias do crime - já seriam suficientes para elevar a pena-base para 02 (dois) anos de reclusão, se levarmos em conta, como visto acima, que se está diante de crime que prevê penas de 01 (um) a 05 (cinco) anos e multa e, ainda, que o artigo 59 do Código Penal descreve 08 (oito) circunstâncias judiciais.
A duas, não se pode passar despercebido pelas 13 (treze) anotações na FAC - Folha de Antecedentes Criminais - da acusada (fls. 376/384), que sinalizam uma personalidade voltada para o crime e evidenciam que a conduta criminosa analisada nestes autos não foi esporádica em sua vida. Assim, as anotações na FAC poderão ser consideradas na aferição da personalidade do agente, não importando, com isso, em violação da presunção de inocência, conforme precedente desta Corte, abaixo transcrito:
MEDIANTE SEQUESTRO. RÉU CONFESSO. RECURSO LIMITADO A DOSIMETRIA. CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS. MAUS ANTECEDENTES. CIRCUNSTÂNCIAS E CONSEQUÊNCIAS DO CRIME. PROGRESSÃO DE REGIME. LEI 11.464/07 E CP.
I- Recorrente primário mas que ostenta maus antecedentes em sua FAC. A consideração dos antecedentes para fins de fixação de pena-base acima do mínimo legal, em nada contraria o princípio da presunção de inocência, visto que eles não são levados em conta porque o acusado já seja dado como condenado pelos crimes que estão relacionados na folha de antecedentes. São, na verdade, considerados para a formação de um juízo concreto a respeito da situação pessoal do acusado, que revela um contexto de envolvimento com outras passagens pela Justiça criminal, o que não pode ser tratado como se nada tivesse ocorrido, ou como se o indivíduo estivesse naquela mesma situação de quem nunca se envolveu em episódios delituosos, sob pena de se igualar pessoas em situações completamente distintas.
II - A personalidade voltada para o crime é avaliação que encontra fundamento nas inúmeras anotações que se prestam de indícios a envolver o recorrente com a prática de diversos e constantes crimes contra o patrimônio entre 1998 e 2003. (grifo nosso).
III - (omissis)
VI - Recurso parcialmente provido para fixar o regime
inicialmente fechado para cumprimento da pena, permitida a progressão a partir dos parâmetros previstos no CP e não na Lei n.º 11.464/2007.
(TRF-2a Região. Primeira Turma Especializada. Apelação Criminal nº 2003.50.01.015474-4. Desembargador Federal ABEL GOMES. DJ 28/02/2008)
Pelo exposto, mantenho a pena-base em 02 (dois) anos de reclusão e 175 (cento e setenta e cinco) dias-multa.
Na segunda fase de aplicação da pena não há reparos a serem feitos, tendo sido consideradas corretamente a circunstância agravante prevista no artigo 61, inciso II, "g", do Código Penal - violação de dever inerente a cargo, ofício, ministério ou profissão -, bem como a circunstância atenuante da confissão espontânea, descrita no artigo 65, inciso III, "d", do Código Penal, tendo a pena sido fixada em 01 (um) ano, 09 (nove) meses e 10 (dez) dias de reclusão e 136 (cento e trinta e seis) dias-multa.
Na terceira fase, aplicando-se a causa especial de aumento de pena prevista no parágrafo 3o, do referido artigo, a pena foi acrescida de 1/3 (um terço), que passou, definitivamente, para 02 (dois) anos, 04 (quatro) meses e 12 (doze) dias de reclusão e 181 (cento e oitenta e um) dias-multa.
Por último, não deve prosperar o pedido da defesa de aplicação da continuidade delitiva entre estes delitos e os demais por ela perpetrados, pois, como bem destacou o Parquet em parecer "possível unificação de penas poderá ser ultimada pelo Juízo da Execução Penal, na forma preceituada no artigo 82, do Código de Processo Penal, pelo que prejuízo algum advirá aos seus interesses".
Isto posto, NEGO PROVIMENTO à apelação, mantendo-se a pena aplicada na sentença.
É como voto.
LILIANE RORIZ
Relatora
JURID - Penal. Critérios adotados para aplicação da pena. [24/05/10] - Jurisprudência
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