HC. Crime contra a ordem tributária. Instauração de inquérito policial antes do encerramento do procedimento.
Supremo Tribunal Federal - STF
Coordenadoria de Análise de Jurisprudência
DJe nº 30 Divulgação 18/02/2010 Publicação 19/02/2010
Ementário nº 2390 - 2
02/02/2010 SEGUNDA TURMA
HABEAS CORPUS 95.443 SANTA CATARINA
RELATORA: MIN. ELLEN GRACIE
PACTE.(S): JULIANO SCHUMACHER
PACTE.(S): MARCELO KOHLER
IMPTE.(S): FABRÍCIO DE ALENCASTRO GAERTNER E OUTRO(A/S)
COATOR(A/S)(ES): SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
HABEAS CORPUS. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. INSTAURAÇÃO DE INQUÉRITO POLICIAL ANTES DO ENCERRAMENTO DO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO-FISCAL.
POSSIBILIDADE QUANDO SE MOSTRAR IMPRESCINDÍVEL PARA VIABILIZAR A FISCALIZAÇÃO. ORDEM DENEGADA.
1. A questão posta no presente writ diz respeito ã possibilidade de instauração de inquérito policial para apuração de crime contra a ordem tributária, antes do encerramento do procedimento administrativo-fiscal.
2. O tema relacionado â necessidade do prévio encerramento do procedimento administrativo-fiscal para configuração dos crimes contra a ordem tributária, previstos no art. 1º, da Lei nº 8.137/90, já foi objeto de aceso debate perante esta Corte, sendo o precedente mais conhecido o HC nº 81.611 (Min. Sepúlveda Pertence, Pleno, julg. 10.12.2003).
3. A orientação que prevaleceu foi exatamente a de considerar a necessidade do exaurimento do processo administrativo fiscal para a caracterização do crime contra a ordem tributária (Lei nº 5.137/90, art. 1º). No mesmo sentido do precedente referido: HC 85.051/MG, rel. Min. Carlos Venoso, DJ 01.07.2005, HC 90.957/RJ, rel. Min. Celso de Mello, DJ 19.10.2007 e HC 84.423/RJ, rel. Min. Carlos Britto, DJ 24.09.2004.
4. Entretanto, o caso concreto apresenta uma particularidade que afasta a aplicação dos precedentes mencionados.
5. Diante da recusa da empresa em fornecer documentos indispensáveis à fiscalização da Fazenda estadual, tornou-se necessária a instauração de inquérito policial para formalizar e instrumentalizar o pedido de quebra do sigilo bancário, diligência imprescindível para a conclusão da fiscalização e, conseqüentemente, para a apuração de eventual débito tributário.
6. Deste modo, entendo possível a instauração de inquérito policial para apuração de crime contra a ordem tributária, antes do encerramento do processo administrativo-fiscal, quando for imprescindível para viabilizar a fiscalização.
7. Ante o exposto, denego a ordem de habeas corpus.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal, em Segunda Turma, sob a Presidência do Senhor Ministro Cezar Peluso, na conformidade da ata de julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos, denegar a ordem, nos termos do voto da relatora.
Brasília, 02 de fevereiro de 2010.
Ellen Gracie - Relatora
25/08/2009 SEGUNDA TURMA
HABEAS CORPUS 95.443-0 SANTA CATARINA
RELATORA: MIN. ELLEN GRACIE
PACIENTE(S): JULIANO SCHUMACHER
PACIENTE(S): MARCELO KOHLER
IMPETRANTE(S): FABRÍCIO DE ALENCASTRO GAERTNER E OUTRO(A/S)
COATOR(A/S)(ES): SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
RELATÓRIO
A Senhora Ministra Ellen Gracie: 1. Trata-se de habeas corpus impetrado contra julgamento colegiado do Superior Tribunal de Justiça em outro writ anteriormente aforado perante aquela Corte (HC 48.822/SC), que ficou assim ementado:
"HABEAS CORPUS. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. LEI Nº 8.137/90. LANÇAMENTO DEFINITIVO DO TRIBUTO. NULIDADE DAS PROVAS PRODUZIDAS NO INQUÉRITO POLICIAL. QUEBRA DE SIGILO BANCÁRIO. IRREGULARIDADE. NÃO OCORRÊNCIA.
1. Na esteira da compreensão firmada pelo Supremo Tribunal Federal, esta Corte vem entendendo não ser possível -o indiciamento ou a deflagração de ação penal pela prática do crime previsto no art. 1º da Lei nº 8.137/90 enquanto não houver lançamento definitivo do tributo
2. No caso em exame, contudo, os processos administrativos estão concluídos, não havendo que se falar em falta de justa causa para a ação penal ou para o prosseguimento do inquérito policial, eis que constituído definitivamente o crédito tributário.
3. "Tratando-se de inquérito policial em que a investigação transcende a mera apuração do delito de sonegação fiscal, uma vez que as demais condutas não guardam relação com a conclusão do procedimento administrativo -fiscal, não há falar em trancamento do inquérito." (RHC nº 19.083/SP, Relator o Ministro Arnaldo Esteves Lima, DJU de 4.12.2006).
4. Não se encontrando o writ devidamente instruído com cópia da peça investigativa, não há como enfrentar a afirmação de que o inquérito não faz qualquer alusão à prática de outros delitos que não aqueles definidos na Lei nº 8.137/1990.
5. Habeas corpus denegado. "
Narra a inicial que a empresa MC JU Indústria e Comércio de Confecções Ltda., da qual os pacientes foram sócios, sofreu fiscalização por parte da Fazenda Estadual de Santa Catarina (fl. 02).
Informam os impetrantes, que, em razão da fiscalização, foi remetida representação fiscal ao Ministério Público Estadual solicitando a quebra do sigilo bancário da empresa para apuração da prática de crime contra a ordem tributária (fl. 03).
Noticiam que o Parquet estadual requisitou a instauração de inquérito policial para apuração de infrações penais contra a ordem tributária, indicando para a Autoridade Policial a_ necessidade de quebra do sigilo bancário da empresa. Instaurado o inquérito, foi feita representação, acolhida pelo Juízo da Comarca de Brusque/SC, no sentido do afastamento do sigilo bancário da MC JU (fl. 03).
Ressaltam que o inquérito policial está aguardando, em juízo, a conclusão do procedimento administrativo-fiscal para a conseqüente instauração de ação penal (fl. 04).
Foi impetrado habeas corpus perante o Tribunal de Justiça de Santa Catarina, que restou indeferido.
Houve nova impetração, desta vez perante ò Superior Tribunal de Justiça, que também denegou a ordem.
Alegam, em síntese, os impetrantes: a) ilegalidade na instauração de inquérito policial antes da conclusão do procedimento administrativo-fiscal; b) que o posterior encerramento do procedimento administrativo -fiscal não convalida anterior iniciativa de instauração de inquérito policial; e c) ilegalidade da prova obtida por meio da quebra de sigilo bancário decretada judicialmente.
Requerem a concessão da ordem para decretar a nulidade e o trancamento do inquérito policial (fl. 09).
2. Decisão indeferindo a liminar (fls. 100/102).
3. Parecer da Procuradoria-Geral da República no sentido da denegação da ordem (fls. 108/ 131).
4. Petição dos impetrantes requerendo sejam intimados para a sessão de julgamento (fl. 134).
É o relatório.
VOTO
A Senhora Ministra Ellen Gracie - (Relatora): 1. A questão posta no presente writ diz respeito ã possibilidade de instauração de inquérito policial para apuração de crime contra a ordem tributária, antes do encerramento do procedimento administrativo-fiscal.
2. O tema relacionado à necessidade do prévio encerramento do procedimento administrativo-fiscal para configuração dos crimes contra a ordem tributária, previstos no art. 1º, da Lei nº 8.137/90, já foi objeto de aceso debate perante esta Corte, sendo o precedente mais conhecido o HC nº 81.611 (Min. Sepúlveda Pertence, Pleno, julg. 10.12.2003), que teve a seguinte ementa:
EMENTA: I Crime material contra a ordem, tributária (L. 8137/90, art. 1º): lançamento do tributo pendente de decisão definitiva do processo administrativo: falta de justa causa para a ação penal, suspenso, porém, o curso da prescrição enquanto obstada a sua propositura pela falta do lançamento definitivo.
1. Embora não condicionada a denúncia a representação da autoridade fiscal (ADInMC 1571), falta justa causa para a ação penal pela prática do crime tipificado no art.1º da L. 8137/90 - que é material ou de resultado -, enquanto não haja decisão definitiva do processo administrativo de lançamento, quer se considere o lançamento definitivo uma condição objetiva de punibilidade ou um elemento normativo de tipo.
2. Por outro lado, admitida por lei a extinção da punibilidade do crime pela satisfação do tributo devido, antes do recebimento da denúncia (L. 9249/95, art. 34), princípios e garantias constitucionais eminentes não permitem que, pela antecipada propositura da ação penal, se subtraia do cidadão os meios que a lei mesma lhe propicia para questionar, perante o Fisco, a exatidão do lançamento provisório, ao qual se devesse submeter para fugir ao estigma e às agruras de toda sorte do processo criminal,
3. No entanto, enquanto dure, por iniciativa do contribuinte, o processo administrativo suspende o curso da prescrição da ação penal por crime contra a ordem tributária que dependa do lançamento definitivo".
3. Naquela oportunidade, manifestei posição contrária aquela que prevaleceu com base nos votos que representaram a maioria. Aproveito para reproduzir, neste caso, os principais trechos do voto que apresentei:
"(...)
Concordo com o relator que o término do procedimento administrativo não constitui condição exigida pela lei para o exercício da ação penal ou para fins de recebimento da denúncia (Código de Processo Penal, art. 43, III, parte final).
D que este tribunal decidiu na ADInMC 1.571 é que a norma do artigo 83 da Lei 9.430/96 não resultava em prejuízo às atividades do Ministério Público, eis -que endereçada ela, a norma do artigo 83, ao agente fiscal fixando o "momento a partir do qual, se faz obrigatória para a autoridade fiscal a remessa da notícia criminis ao MP" (voto Pertence, folhas 17).
(...) Ou seja, a norma do artigo 83, não se endereça ao Ministério Público, mas visa a impedir que dele se soneguem informações que, necessariamente, levariam a propositura de ação penal, nos. crimes contra a ordem tributária.
Mas, não me filio à corrente que sustenta seja a ação de que o paciente é acusado crime de resultado e, mais, que se precise apurar resultado certo ou líquido, para que o Ministério Público tenha justa causa para a instauração da ação penal.
(...)
3 - Se, como argumenta o eminente Rel., o delito do art. 1º, da Lei nº 8.137/90 é crime material, de dano ou resultado, ou - no máximo "tipo misto alternativo, porém de resultado" (voto Pertence, f. 20), o fato de omitir informação, ou prestar declaração falsa às autoridades fazendárias (inc. I); fraudar a fiscalização tributária omitindo operação de qualquer natureza, em documento ou livro exigido pela lei (inc. II), só haverá justa causa para instauração da ação penal quando de tal atuação resulte a supressão ou dedução de tributo devido. E isso, só será possível afirmar quando encerrada a discussão inaugurada pelo contribuinte a partir da impugnação do auto de infração.
Para o em. Rel., o legislador brasileiro ao redigir a Lei nº 8.137/90, involuiu no tratamento penal dessas condutas, em relação ao que dispunha a Lei nº 4.729/65, onde, claramente, as condutas similares eram penalizadas independentemente de efetiva lesão ao fisco.
Parece-me que assim não é. Que a punibilidade da conduta esteja presente mesmo antes do desfecho da impugnação administrativa pode ser demonstrado pelo dispositivo da Lei nº 9.429/95, art. 34, que autoriza a extinção dessa punibilidade, desde que pagos os tributos antes do recebimento da denúncia. E que o legislador pretendesse tornar mais rigorosa a punição dos sonegadores, revela-se na penalidade exacerbada.
Não é razoável imaginar que o legislador que ampliou a penalidade para o delito em questão tenha, no mesmo ato, inviabilizado sua persecução criminal. O caso se presta para esta demonstração. Os fatos ocorreram em 1991 e 1992, a denúncia foi recebida em 1998, com já metade do prazo prescricional decorrido. Estamos em 2003 e o contribuinte anuncia sua intenção de seguir percorrendo a via administrativa. Por ora, aguarda a publicação da decisão do Conselho de Contribuintes datada de 7.11.2001. O novo recurso, desta feita à Câmara Superior de Recursos Fiscais ainda não é o derradeiro, pois depois dele cabe apelo ao Ministro de Estado. Ou seja, se for deferido o pleito de trancamento da ação penal e anulado o recebimento da denúncia, será de todo impossível fazê-lo processar pelos fatos que constituem, segundo penso, delitos contra a ordem tributária.
Se não fora assim, poderíamos nos encontrar diante de uma situação paradoxal. Ela surgiria quando a autoridade fazendária deixasse transcorrer o prazo de S anos para o lançamento. Nesta hipótese, mesmo havendo ocorrido a supressão de tributo, o delito, que tem prazo prescricional de 12 anos não seria punível! A demonstração pelo absurdo serve para revelar que as esferas, administrativa e penal, são efetivamente independentes.
O entendimento da questão passa pela definição do lançamento, seja como momento do nascimento da obrigação tributária, seja como mero acertamento de seu valor definitivo.
Para alcançar sua refinada construção sobre a natureza do lançamento, o raciocínio de Souto Maior Borges, adotado pelo eminente Rel., suprime premissa básica. Segundo ele, o lançamento corresponderia à criação da norma individual da obrigação tributária concreta, fundada na "obrigação tributária de caráter geral e abstrato nascida com a ocorrência do fato jurídico tributário", mas sempre inovadora e, pois, com "carga de construtividade" em relação a ela.
Com escusas pela ousadia em dissentir do ilustre autor, entendo que a obrigação tributária de caráter geral e abstrato não é a ocorrência do fato jurídico tributário, aquilo que, melhor que ninguém, descreveu Geraldo Ataliba como o fato gerador da obrigação tributária. A obrigação tributária de caráter geral e abstrato é a que se contém na lei. Lá estão descritas, com precisão, as hipóteses de incidência tributária. Quando ocorra o fato típico nela previsto, a obrigação tributária se concretiza e individualiza. Sabe-se, a partir dai, quem deve, quanto deve e quando se deverá fazer o recolhimento.
Ora, quando, no mundo dos fatos, se intermedia a venda de 360 unidades habitacionais e se auferem resultados financeiros decorrentes de tal atividade, o fato torna-se juridicamente relevante para efeitos tributários e sujeita seu titular ao atendimento de impostos que estão, desde já, certos e definidos em seus elementos fundamentais: base de cálculo, alíquotas, vencimento e obrigações acessórias. Pode suceder -- como parece ter ocorrido no caso - que, o contribuinte, pela boa razão de haver ocultado seus ganhos á fiscalização, se viu obrigado a também omitir prejuízos que, eventualmente sofreu e que teriam repercussão sobre os valores a serem recolhidos. No procedimento administrativo tais prejuízos foram reconhecidos ,e o valor inicial da autuação acabou reduzido. Isso não quer dizer, porém, que não fosse certa, desde a ocorrência do fato gerador, a obrigação tributária que, inatendida no vencimento, teve seu ingresso suprimido aos cofres públicos.
Não foi o julgamento redutor do conselho de contribuintes que tornou certa a obrigação tributária. A lei já continha os dispositivos que autorizaram o Conselho a reconhecer e acatar a comprovação tardia das perdas verificadas nos exercícios de 92 e 93 e, assim, reduzir o valor bruto inicialmente apurado.
O tributo era devido em seu vencimento e este prazo tem cômputo que parte da data do fato gerador. As obrigações tributárias são devidas, todos sabemos, em prazo certo. E, seja no montante inicialmente levantado pela autuação, seja.naquele reduzido pelo Conselho - não importa a dimensão - o tributo era devido e deixou de ser atendido no vencimento. Não há previsão de arrecadação que se sustente, nem projeção orçamentária possível sem a expectativa de que a atividade econômica do pais, num determinado exercício fiscal, gere um quantitativo determinado de ingressos. Quando a inadimplência, como no caso, resulte de omissão absoluta de comunicação da ocorrência das operações tributáveis, a conduta atrai a sanção penal.
Querer erigir o lançamento, e seus efeitos preclusivos em relação ao fisco, em momento a partir do qual surja para o contribuinte a obrigação de colaborar no custeio da máquina pública é inverter o fluxo determinado em lei. A preclusão, que se opera em favor do contribuinte, não pode ser transformada em dies a quo do nascimento da obrigação tributária.
Aliás, à base de tanta controvérsia parece estar um equivoco que coloca em pólos opostos contribuintes e fisco. A relação tributária se estabelece, na realidade, entre a sociedade e seus membros que nela, encontram o respaldo de seus direitos e para com ela assumem obrigações, na forma da lei. A administração tributária intermedia o recolhimento das obrigações tributárias, nada mais. Se este setor do serviço público for ineficiente ou insuficiente para evitar que alguns membros da sociedade se furtem a suas obrigações, nem por isso deixa o MP de ter justa causa para a ação penal, independentemente da fixação exata do quantum debeatur.
O eminente Relator, ademais, dá conseqüência diversa á eficácia preclusiva da decisão administrativa, quer ela seja favorável ou desfavorável ao contribuinte (voto Pertence, fl. 25/27), o que me parece sistematicamente inaceitável.
Se a impugnação do contribuinte for julgada improcedente, a decisão não constituiria elemento essencial do tipo, mas assumiria eficácia puramente declaratória, com a conseqüência de retroatividade do lançamento à data de consumação do fato gerador.
Logo, no caso, é daí que correria a prescrição da pretensão punitiva. Vale dizer, o MP só daria inicio a sua atuação ou o juiz só receberia a denúncia dela resultante, com a defasagem que vai desde a ocorrência dos fatos até sua verificação pela autoridade fiscal, consubstanciada na autuação. A essa defasagem se acrescentaria o tempo necessário ao trâmite do processo administrativo que veicula a inconformidade do,contribuinte. Ou seja, nem mesmo o largo prazo prescricional previsto para o delito seria suficiente para evitar a impunidade generalizada das condutas desta espécie.
A mesma fórmula, parece, se deva aplicar aos casos, como o da espécie, em que a impugnação for provida em parte. No caso presente, portanto, como os fatos tiveram lugar nos exercícios fiscais de 92 e 93, é de todo improvável que a justiça criminal consiga cumprir suas funções. Até porque, ainda não está encerrada a fase administrativa e o ilustre patrono lisamente afirma a intenção de recorrer à instância superior.
E, segundo o Relatar, se a impugnação for julgada procedente, afirmando que o contribuinte não suprimiu ou reduziu tributo, estaria então, afastado o juízo positivo de tipicidade da conduta a permitir que o MP desencadeie a ação penal.
Ou seja, obliquamente,. erige-se a solução do processo administrativo em questão prejudicial. Não, porém, para todos os efeitos. Como se viu antes, na hipótese de improvimento ou de provimento parcial da impugnação administrativa, não se lhe reconhece o efeito de impedir afluência do prazo prescricional (CP, art. 116, I).
De qualquer sorte, num e noutro caso, embora recusado o condicionamento da ação,do MP e o "subordinamento da denúncia à prévia certeza de todos os elementos de fato necessários à sua procedência", temos, na realidade, a paralisação do órgão acusador diante de condutas altamente lesivas à sociedade, como as que resultam em evasão dos tributos necessários ao desenvolvimento das políticas públicas.
A prevalência e a generalização do entendimento firmado pelo eminente Ministro Sepúlveda Pertence, não obstante o seu brilhantismo, teria as seguintes conseqüências negativas:
a) A impossibilidade de oferecimento da denúncia pelo Ministério Público ou a impossibilidade de seu recebimento, no aguardo da conclusão do procedimento administrativo-fiscal, faria com que a prescrição fluísse.
b) O poder-dever do Ministério Público, titular exclusivo da ação penal f caria subordinado à burocracia do Poder Executivo.
c) Esta burocracia, por sua vez, passaria a deter o poder - mediante sua eventual omissão - de acarretar a própria extinção do jus puniendi, em evidente afronta ao art. 129, inciso I, da Constituição Federal.
d) a impugnação de autos de infração se tornaria instrumento de postergação do direito de punir estatal com o objetivo pernicioso de se alcançar a prescrição. Os inúmeros recursos administrativos postos à disposição do contribuinte pela legislação tributária, certamente seriam utilizados para atingir tal fim, ainda que nenhuma razão jurídica embasasse a impugnação.
e) E, finalmente, esgotada a instância administrativa, a discussão poderia ser reaberta em sede judicial, até que se estabelecesse - depois do longo iter recursal que os devedores mais abonados podem percorrer - certeza a respeito do quantum debeatur a ser atendido pelo sonegador.
À luz desse panorama, e da clara opção que orientou o legislador, quando exacerbou a punição desses delitos, não me parece a melhor solução condicionar o exercício da função constitucional do Ministério Público (CF, art. 129, I), cujos membros tem independência funcional (CF, art. 127, § 1º), à ação ou inação de um órgão do Poder Executivo.
Eu havia redigido este voto anteriormente e verifico que, na assentada de hoje, o eminente Ministro Sepúlveda Pertence aditou considerações em que mantém o voto anterior pelo trancamento da ação penal, mas suspenso o curso da prescrição. É esse acrescentamento que S. Exa, faz.
Por essas razões é que, com renovada vênia ao eminente Relator, indefiro a ordem."
4. A , orientação que prevaleceu foi a de considerar a necessidade do exaurimento do processo administrativo-fiscal para a caracterização do crime contra a ordem tributária (Lei nº 5.137/90, art.1º). No mesmo sentido do precedente referido: HC 85.051 /MG, rel. Min. Carlos Velloso, DJ 01.07.2005, HC 90.957/RJ, rel. Min. Celso de Mello, DJ 19.10.2007 e HC 84.423/RJ, rel. Min. Carlos Britto, DJ 24.09.2004.
Aproveito para transcrever a ementa do julgamento do HC 85.463/RJ (rel. Min. Carlos Britto, 1ª Turma, DJ 10.02.2006):
"EMENTA: HABEAS CORPUS. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. ALEGAÇÃO DE QUE NÃO HÁ JUSTA CAUSA PARA A AÇÃO PENAL ENQUANTO O LANÇAMENTO DO TRIBUTO ESTIVER PENDENTE DE DECISÃO DEFINITIVA NO PROCESSO ADMINISTRATIVO TRIBUTÁRIO. O Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do HC 86611, fixou o entendimento de que para o oferecimento da denúncia por crime contra a ordem tributária é imprescindível o exaurimento da via administrativa. Habeas corpus concedido para trancar a ação penal, sem prejuízo do oferecimento de nova denúncia após exaurida a esfera administrativa. Razão pela qual fica suspenso o curso do prazo prescricional".
5. Entretanto, entendo que o caso concreto apresenta uma particularidade que afasta a aplicação dos precedentes mencionados.
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6. Verifico da representação de fls. 25/31, que os fiscais de tributos estaduais de Santa Catarina solicitaram ao Ministério Público estadual "o encaminhamento legal do pedido de quebra do sigilo bancário da empresa MC JU IND. COM. DE CONFECÇÕES LTDA.", por ser, tal diligência, imprescindível para a conclusão do procedimento fiscal instaurado.
Com efeito, os fiscais ressaltaram que, no curso dá fiscalização, apesar de devidamente intimados, os representantes legais da empresa não apresentaram informações sobre a conta corrente 0052132-9, da agência 337-9, do banco Bradesco.
Tais informações se mostravam indispensáveis para a fiscalização, diante da "necessidade da identificação de .toda a movimentação financeira ocorrida na conta corrente bancária em questão, objetivando o confronto com os valores lançados pela empresa MC JU IND. COM. DE CONFECÇÕES LTDA nos livros comerciais (Diário e Razão), nos livros fiscais (Registro de Saídas e de Apuração do ICMS), com a finalidade em apurar as operações de vendas de mercadorias.que não foram acompanhadas da emissão de documentos fiscais e, conseqüentemente, dos valores à Fazenda Estadual " (fl. 30).
Ante a imprescindibilidade de informações protegidas pelo sigilo, bancário, houve a representação ao Ministério Público estadual para que este encaminhasse pedido de quebra de sigilo.
7. Consta dos autos, que o Ministério Público requereu judicialmente a quebra de sigilo bancário da empresa, sem, no entanto, que tal pedido fosse formalizado nos autos de inquérito policial ou de processo judicial, o que ensejou a impetração de habeas corpus (HC 2004.037551-4) perante o Tribunal de Justiça de Santa Catarina.
No julgamento do writ, a Corte estadual concedeu. parcialmente a ordem para anular o despacho que deferiu a quebra do sigilo bancário, por considerá-lo "manifestamente ilegal, haja vista, haver sido prolatado sem forma ou figura de Juízo, ausentes o inquérito ou processo judicial"'. (fl. 39)
Por força da referida decisão, o Parques estadual requisitou a instauração de inquérito policial, no bojo do qual foi formalizado o pedido judicial de afastamento do sigilo bancário da empresa dos pacientes (fls. 41/44).
O pedido de quebra do sigilo bancário da empresa foi formalizado pela Autoridade Policial (fls. 44) e deferido pelo Juízo da Comarca de Brusque/SC (fls. 45/48).
A requisição de instauração do inquérito policial pelo Parques (fls. 41/42) se deu, portanto, exclusivamente em razão da necessidade de se formalizar e instrumentalizar o pedido de afastamento do sigilo bancário da empresa, diante da decisão do Tribunal de Justiça de Santa Catarina no julgamento do HC 2004.037551-4 (fls. 32/40), no sentido que "inexistindo inquérito policial ou processo judicial, a quebra de sigilo bancário a requerimento do Ministério Público em "processo " sem forma ou figura de Juízo, constitui manifesta ilegalidade, sanável pelo Habeas Corpus, face a possibilidade de resultar da ilicitude da prova reflexos sobre a liberdade pessoal".
8. Durante a fiscalização, foram identificados, pelo Fisco estadual, depósitos realizados pela empresa Têxtil Testo Ltda. na conta nº 52132-9, da agência 337-9, do Banco Bradesco, sem o devido registro nos livros fiscais e contábeis da empresa dos pacientes, revelando, assim, a possível venda de mercadorias correspondentes aos depósitos mencionados, sem a emissão dos respectivos documentos fiscais.
Tais depósitos configuravam fortes indícios de ausência de recolhimento do Imposto sobre Circulação de Mercadorias - ICMS nas operações realizadas entre a empresa dos pacientes e a empresa Têxtil Testo Ltda.
9. Ocorre que, como ressaltaram os fiscais estaduais, para conclusão da fiscalização e verificação da efetiva prática de crime de sonegação fiscal, era imprescindível ter acesso à movimentação financeira da empresa dos pacientes na conta corrente nº 52132-9, da agência 337-9, do Banco Bradesco.
Destaco, por oportuno, o seguinte trecho da representação fiscal relacionado à referida conta corrente (fls. 30/31):
"Resulta, portanto, a necessidade da identificação de toda a movimentação financeira ocorrida na conta corrente bancária em questão, objetivando o confronto com os valores lançados pela empresa MC JU IND. CM DE CONFECÇÕES LTDA nos livros comerciais (Diário e Razão), nos livros fiscais (Registro de Saídas e de Apuração do ICMS), com a finalidade em apurar as operações de vendas de mercadorias , que não foram acompanhadas da emissão de documentos fiscais e conseqüentemente, dos valores devidos à Fazenda Estadual.
No entanto, como a referida movimentação financeira na conta corrente de número 0052132-9, mantida pela empresa na agência 337-9, do Banco Brasileiro de Descontos -BRADESCO, não consta dos lançamentos efetuados na sua escrita fiscal e comercial, bem como não possui a Fazenda Pública condições para apuração dos valores devidos a título de' incidência" do ICMS nas operações realizadas, exceto através da análise dos extratos bancários em confronto com os documentos fiscais e lançamentos realizados, que não foram apresentados pela empresa, o que resulta na necessidade da obtenção destas informações via quebra dó sigilo bancário, eis que evidenciado o interesse público na questão."
Deste modo, a instauração do inquérito policial teve como escopo possibilitar à Fazenda estadual uma completa fiscalização na empresa dos pacientes, que apresentava sérios indícios de irregularidades.
Sem a quebra, do sigilo bancário determinada nos autos de processo judicial vinculado ao inquérito policial instaurado, não seria possível a conclusão da fiscalização, eis que a empresa dos pacientes se recusava a entregar aos fiscais os documentos necessários para apuração de eventuais valores devidos a título de ICMS.
Portanto, diante da recusa da empresa em fornecer documentos indispensáveis à fiscalização da Fazenda estadual, tornou-se necessária a instauração de inquérito policial para formalizar e instrumentalizar o pedido de quebra do sigilo bancário, diligência imprescindível para a conclusão da fiscalização e, conseqüentemente, para a apuração de eventual débito tributário.
10. Registro, que ao final da fiscalização, foi apurado um débito relativo à falta de recolhimento de ICMS pela empresa dos pacientes superior a 23 milhões de reais (fls. 68/69).
Esta significativa quantia, que poderia ser destinada para a construção de hospitais e escolas públicas no Estado de Santa Catarina, teria ficado escondida do Fisco estadual, caso não tivesse sido requerida e deferida a quebra do sigilo bancário da empresa dos pacientes.
11. Não consigo enxergar, com a devida vênia, constrangimento ilegal com a instauração de inquérito policial, para pacientes que se negaram a fornecer documentos solicitados pela Fazenda durante processo de fiscalização que visava apurar eventual sonegação de tributo.
Ao meu sentir, considerar ilegal, na presente hipótese, a instauração de inquérito policial, que era imprescindível para possibilitar uma completa fiscalização da empresa, equivale a assegurar a impunidade da sonegação fiscal.
Adotar o entendimento de que o inquérito policial somente poderia ser instaurado após a constituição definitiva do credito tributário, no presente caso, significaria impedir a fiscalização por parte da Fazenda estadual, visto que, os pacientes se negaram a fornecer os documentos necessários justamente para verificação da existência de eventual débito por parte da empresa.
12. Como já mencionado, os fiscais da Fazenda estadual não tinham como concluir a fiscalização na empresa sem o afastamento do sigilo bancário da conta corrente nº 52132-9, da agência 337-9, do Banco Bradesco, diante da recusa dos pacientes em apresentar os respectivos extratos bancários.
De outro lado, o Ministério Público estadual teve que requisitar a instauração do inquérito para possibilitar a formalização do pedido de quebra, por força da decisão do Tribunal de Justiça de Santa Catarina no sentido de que o afastamento do sigilo bancário somente pode ser determinado nos autos de inquérito policial ou de processo judicial (fls. 32/40),
Ora, se a Fazenda estadual não tinha como concluir a fiscalização da empresa sem os extratos da conta corrente nº 52132-9, da agência 337-9, do Banco Bradesco - que não foram entregues pelos pacientes - e se para determinar o afastamento do sigilo desta conta bancária era necessária a instauração de inquérito policial, por força de decisão do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, a não instauração do inquérito significava inviabilizar a fiscalização da empresa.
Deste modo, entendo possível a - instauração de inquérito policial para apuração,de crime contra a ordem tributária, -antes do encerramento do processo administrativo-fiscal; quando for imprescindível para viabilizar a fiscalização.
13. Ainda que o .procedimento, administrativo-fiscal, não estivesse concluído por ocasião dá instauração do inquérito policial, é certo que naquele momento já .havia claros indícios da prática de' crime contra a' ordem tributária, diante da.".existência ,de oito .comprovantes de depósitos feitos pela empresa Têxtil Testo Ltda.,em favor da empresa dos.pacientes (fls. 25/26) que não foram registrados nos livros fiscais e contábeis.
Além disso, os fiscais assinalaram também: a) a ocorrência de lançamentos contábeis de " ordem genérica", sem a correspondente identificação e detalhamento documental; b) a inexistência de livros auxiliares de contabilidade ou lançamentos que identificassem, através.de extratos bancários ou borderôs, as entradas de numerários no "Caixa Geral" da empresa especificamente com relação à conta corrente referida; e c) a inexistência por lançamento no livro Diário ou. Razão da empresa, de movimentação financeira através de contas correntes bancárias. Tais ocorrências de acordo com a fiscalização, evidenciavam a falta de declaração, na escrita comercial, de movimentação financeira efetuada através de contas correntes bancárias.
Diante disso, mostrava-se evidente a necessidade de instauração de inquérito policial para possibilitar o afastamento do sigilo bancário, diligência, esta, imprescindível para conclusão dá fiscalização na empresa pela Fazenda estadual e, conseqüentemente, para apuração de eventual prática de crime de sonegação fiscal.
Sem.o inquérito policial, que serviu de instrumento para formalizar o afastamento do sigilo bancário da empresa, a Fazenda estadual ficaria de" mãos atadas", impossibilitada.de exercer sua função de fiscalização e de velar pelo correto pagamento dos tributos estaduais.
14. Vale ressaltar, por fim, que o inquérito instaurado está aguardando em cartório o julgamento de recurso pelo Conselho Estadual de Contribuintes (fl. 52) e, portanto, a justa causa para eventual ação penal poderá ser averiguada caso o crédito tributário apurado durante a fiscalização seja confirmado pelo referido Conselho.
15. Assim, diante das peculiaridades do caso concreto, entendo que não houve ilegalidade na instauração do inquérito policial antes do encerramento do procedimento administrativo fiscal.
16. Ante o exposto, denego a ordem de habeas corpus.
25/08/2009 SEGUNDA TURMA
HABEAS CORPUS 95.443-0 SANTA CATARINA
ADITAMENTO AO VOTO
A Sra. Ministra Ellen Gracie (Presidente e Relatora) - Acrescento ainda, Senhores Ministros, que, a não ser assim, estaríamos até incentivando as empresas a manterem a sua contabilidade em má ordem e a recusarem a fiscalização da documentação necessária ao exercício do seu mister, tornando-se efetivamente impossível chegar a qualquer conclusão por parte das autoridades fiscais.
Por todas essas razões, estou denegando a ordem.
25/08/2009 SEGUNDA TURMA
HABEAS CORPUS 95.443 SANTA CATARINA
VISTA
O SENHOR MINISTRO CEZAR PELUSO - Senhora Presidente, o inquérito policial tinha por objeto apenas o crime material de sonegação fiscal ou também outro crime?
A SENHORA MINISTRA ELLEN GRACIE (PRESIDENTE E RELATORA) - O objetivo da fiscalização era essa apuração, pois havia sérios indícios de que o ICMS não havia sido recolhido. Como vimos, existem pelo menos oito recibos anteriores.
O SENHOR MINISTRO CEZAR PELUSO - Vossa Excelência fez referência a várias irregularidades.
A SENHORA MINISTRA ELLEN GRACIE (PRESIDENTE E RELATORA) - Irregularidades de ordem contábil. A fiscalização estava apontando diversas incongruências nos lançamentos.
O SENHOR MINISTRO CEZAR PELUSO - Vou pedir vista.
SEGUNDA TURMA
EXTRATO DE ATA
HABEAS CORPUS 95.443-0
PROCED.: SANTA CATARINA
RELATORA: MIN. ELLEN GRACIE
PACTE.(S): JULIANO SCHUMACHER
PACTE.(S): MARCELO KOHLER
IMPTE.(S): FABRÍCIO DE ALENCASTRO GAERTNER E OUTRO (A/S)
COATOR(A/S)(ES): SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Decisão: Após o voto da Senhora Ministra-Relatora, que indeferia o pedido de habeas corpus, o julgamento foi suspenso em virtude de pedido de vista formulado pelo Senhor Ministro Cezar Peluso. Falou, pelo paciente, o Dr. Rodrigo Pereira de Mello. Ausentes, justificadamente, neste julgamento, os Senhores Ministros Joaquim Barbosa e Eros Grau. 2ª Turma, 25.08.2009.
Presidência da Senhora Ministra Ellen Gracie. Presentes à sessão os Senhores Ministros Celso de Mello e Cezar Peluso. Ausentes, justificadamente, os Senhores Ministros Joaquim Barbosa e Eros Grau.
Subprocurador-Geral da República, Dr. Francisco Adalberto Nóbrega.
Carlos Alberto Cantanhede
Coordenador
02/02/2010 SEGUNDA TURMA
HABEAS CORPUS 95.443 SANTA CATARINA
VOTO - VISTA
O SENHOR MINISTRO CEZAR PELUSO: 1. Trata-se de habeas corpus, impetrado em favor de JULIANO SCHUMACHER e MARCELO KOHLER, contra decisão do Superior Tribunal de Justiça, que, ao julgar o HC nº 48.822, lhe denegou a ordem. Segundo a impetração, não há justa causa para o prosseguimento do inquérito policial, diante da pendência do procedimento administrativo-fiscal. A eminente Relatora, Min. ELLEN GRACIE, proferiu voto pelo indeferimento da ordem.
Pedi vista dos autos para melhor examinar a questão.
2. Acompanho a eminente relatora.
A argumentação da defesa repousa, em síntese, na tese de impossibilidade de instauração de inquérito ou de ação penal para a apuração de crimes contra a ordem tributária antes do lançamento definitivo do tributo, conforme o entendimento cristalizado na súmula vinculante nº 24. Assim, o inquérito policial, instaurado para viabilizar a quebra de sigilo bancário que, por sua vez, visava a informar o procedimento administrativo-fiscal, careceria de justa causa. Em conseqüência, as provas obtidas por meio da referida quebra de sigilo seriam imprestáveis, fulminando todos os procedimentos administrativos e judiciais delas dependentes.
O Ministério Público, tendo em vista a representação fiscal de fls. 25-31, havia solicitado a quebra de sigilo bancário de uma das contas de titularidade da empresa dos ora pacientes. Diante da decisão do TJ/SC, que julgou inviável a quebra de sigilo fora do âmbito de inquérito policial ou processo judicial, o MP requisitou a instauração do referido inquérito policial para apurar "indícios da ocorrência de infrações penais contra a ordem tributária" (fls. 41-42). Nele, novo pedido de quebra de sigilo foi encaminhado à autoridade judiciária, que a deferiu (fls. 45-48).
Este pequeno relatório, posto redundante frente ao minucioso voto da relatora, pretende circunscrever o debate neste habeas corpus não me parecem relevantes os fatos ocorridos antes da decisão do TJ/SC que julgou ilegal a primeira quebra de sigilo bancário. Trata-se, tão-somente, de verificar a existência de justa causa para a instauração do inquérito policial. Em caso negativo, a nulidade da quebra de sigilo bancário contaminará todos os procedimentos dela decorrentes. Caso a resposta seja positiva, não há falar em nulidade da prova.
3. Sustentam os impetrantes que a requisição de instauração do inquérito se deu de forma genérica, ao noticiar à autoridade policial a "existência de indícios da ocorrência de infrações penais contra a ordem tributária" (fl. 41). Alegam, ademais, que a decisão que quebrou o sigilo bancário padece do mesmo defeito, ao justificar a medida na configuração, em tese, "da prática de Infrações penais previstas na Lei nº 8.137/90' (fl. 45).
Como se sabe, a investigação policial tem início com a notícia do crime - no caso, indireta, por requisição do Ministério Público, nos termos do art. 5º, II, do CPP. O mesmo artigo, no § 1º, estabelece os requisitos da notitia criminis indireta, quando possível: narração do fato com as suas circunstâncias, individualização do indiciado e das testemunhas. Trata-se, na verdade, de prover a requisição com dados suficientes à condução dos trabalhos policiais, não se admitindo descrições genéricas e indeterminadas, nem relato de fato evidentemente atípico (RHC nº 62.648, Rel. Min MOREIRA ALVES, DJ 12.04.1985).
Não é, decididamente, o que ocorre no caso. A requisição ministerial individualiza os investigados, nomeia testemunhas, recomenda diligências, e, sobretudo, narra os fatos e as circunstâncias, nos seguintes termos:
"A Fiscalização de Tributos Estaduais da 23ª Unidade Setorial de Fiscalização de Brusque, através de Representação Fiscal e demais documentos anexos, noticia a respeito da existência de indícios de ocorrência de infrações penais contra a ordem tributária praticadas por MARCELO KOHLER e JULIANO SCHUMACHER, sócios e responsáveis legais da empresa MC JU Ind E Com de Confecções Ltda.
Extrai-se das peças informativas encaminhadas pela Unidade de Fiscalização Tributária Estadual que a empresa MC JU Ind. E Com de Confecções Ltda. teve depósitos bancários oriundos de vendas de mercadorias sem a cobertura de notas fiscais de saída, além de inexistir registro na escrituração comercial obrigatória" (fl 41).
De igual forma, a decisão que quebrou o sigilo bancário contém descrição suficiente dos fatos e da necessidade da medida, a partir dos indícios de prática delituosa (fl. 45). O fato de a requisição e a quebra de sigilo não fazerem referência ao exato enquadramento legal não compromete, de maneira alguma, a higidez do inquérito. Ora, o fato narrado pode enquadrar-se, em tese, em diversos tipos penais da Lei nº 8.137/90, não fazendo sentido exigir-se uma capitulação legal que seria, necessariamente, provisória, precária e imprecisa - impossível, portanto. A descrição pormenorizada dos fatos imputados aos ora pacientes é suficiente para afastar a tese de que o inquérito, e a quebra de sigilo, foram levados a cabo a partir de alegações genéricas e indiscriminadas.
4. A conclusão pela inexistência de ilegalidade na requisição de abertura de inquérito policial é reforçada pelo fato de que a investigação fundada na venda de mercadorias sem a correspondente cobertura de nota fiscal (fl. 29) não se restringiu a eventuais fatos tipificados nos incisos do art. 1º da Lei nº 8.137/90, mas, como fica claro das informações prestadas pelo juízo de primeiro grau ao STJ, a possíveis "crimes fiscais, crimes de lavagem e ocultação de bens, que independem da conclusão do procedimento administrativa fiscal" (fl. 92).
Não se podendo afastar de piano a hipótese de ocorrência de outros crimes não dependentes de processo administrativo - em outras palavras, se a abertura do inquérito não está fundada apenas na existência de indícios de delitos tributários materiais - não há falar em falta de justa causa para a sua instauração.
Não se diga que a ulterior paralisação do inquérito policial para aguardar a conclusão do referido procedimento administrativo é suficiente para caracterizar a vinculação intrínseca entre o inquérito e a investigação fiscal. A concessão do quanto requerido, como visto, depende exclusivamente da demonstração da inviabilidade jurídica do Inquérito policial. Se, mesmo suprimindo os fatos objeto do procedimento administrativo, o inquérito ainda seria juridicamente possível, havia justa causa formal para a sua instauração.
Não se pode ignorar, por certo, a possibilidade de inexistir, no caso, base material para a instauração do inquérito em relação aos demais crimes. Trata-se, no entanto, de matéria não suscitada na inicial, cuja comprovação, ademais, dependeria do exame aprofundado de provas, tanto no processo administrativo quanto no inquérito policial. A evidente impossibilidade de se levar a cabo tal propósito em sede de habeas corpus conduz à inviabilidade do pedido defensivo.
5. Ante ao exposto, acompanho integralmente a relatora, para denegar a ordem.
SEGUNDA TURMA
EXTRATO DE ATA
HABEAS CORPUS 95.443
PROCED.: SANTA CATARINA
RELATORA: MIN. ELLEN GRACIE
PACTE.(S): JULIANO SCHUMACHER
PACTE.(S): MARCELO KOHLER
IMPTE.(S): FABRÍCIO DE ALENCASTRO GAERTNER E OUTRO(A/S)
COATOR(A/S)(ES): SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Decisão: Após o voto da Senhora Ministra-Relatora, que indeferia o pedido de habeas corpus, o julgamento foi suspenso em virtude de pedido de vista formulado pelo Senhor Ministro Cezar Peluso. Falou, pelo paciente, o Dr. Rodrigo Pereira de Mello. Ausentes, justificadamente, neste julgamento, os Senhores Ministros Joaquim Barbosa e Eros Grau. 2ª Turma, 25.08.2009.
Decisão: Denegada a ordem. Votação unânime. Ausente, licenciado, neste julgamento, o Senhor Ministro Celso de Mello. 2ª Turma, 02.02.2010.
Presidência do Senhor Ministro Cezar Peluso. Presentes à sessão os Senhores Ministros Ellen Gracie, Joaquim Barbosa e Eros Grau. Ausente, licenciado, o Senhor Ministro Celso de Mello.
Subprocurador-Geral da República, Dr. Paulo da Rocha Campos.
Carlos Alberto Cantanhede
Coordenador
Documento assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-212001 de 24/08/2001, que institui a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. O Documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenficacao/autenticartDocumento.asp sob o número 473110
JURID - HC. Crime contra a ordem tributária. Instauração. [20/05/10] - Jurisprudência
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