Cargo de confiança. Artigo 224, § 2º, da CLT.
Tribunal Regional do Trabalho - TRT3ªR
Processo: 00989-2009-063-03-00-4 RO
Data de Publicação: 26/05/2010
Órgão Julgador: Nona Turma
Juiz Relator: Des. Maria Lucia Cardoso Magalhaes
Juiz Revisor: Des. Ricardo Antonio Mohallem
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Recorrente(s): Caixa Economica Federal (1)Haroldo de Faria Paes Leme (2)
Recorrido(s): os mesmos
EMENTA:: CARGO DE CONFIANÇA. ARTIGO 224, § 2º, DA CLT. A exceção prevista pelo artigo 224, § 2º, da CLT, não é tão restrita quanto àquela do artigo 62 do mesmo estatuto. A caracterização do cargo de confiança no setor bancário nem sempre exige amplos poderes de mando e gestão nem subordinados. O fator determinante é o grau de confiança, que deve estar acima do comum, além daquele que é inerente a qualquer relação de emprego. Evidenciando pela prova dos autos tal situação, fica perfeitamente delineada fidúcia bancária relevante, nos termos do citado artigo 224, § 2º, da CLT.
Vistos, relatados e discutidos os presentes autos de recurso ordinário, decide-se:
RELATÓRIO
A MM. Juíza do Trabalho de Ituiutaba, por meio da r. sentença de f. 1110/1116, cujo relatório adoto e a este incorporo, julgou procedentes, em parte, os pedidos formulados por HAROLDO DE FARIA PAES em face de CAIXA ECONÔMICA FEDERAL, condenando a reclamada ao pagamento das parcelas discriminadas no decisum.
A reclamada interpôs recurso ordinário, às f. 1117/1135, pretendendo a modificação da sentença nos pontos que serão abaixo detalhados.
Por sua vez, o reclamante também apresenta recurso ordinário adesivo às f.1168/1171, buscando a reforma do julgado para que sejam acrescidas à condenação as parcelas que menciona e em seguida serão apreciadas.
Preparo recursal comprovado pelas guias de f.1136/1137.
Contrarrazões apresentadas às f.1157/1162 e 1178/1189, ambas pelo desprovimento do recurso interposto pela parte contrária.
Tudo visto e examinado.
VOTO
JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE
Preenchidos os pressupostos objetivos e subjetivos de admissibilidade, conheço dos recursos.
JUÍZO DE MÉRITO
QUESTÃO DE ORDEM
Primeiramente registro que os documentos apresentados pelo reclamante às f.1164/1165 não serão apreciados porque estranhos aos autos e juntados a destempo, assim como aqueles carreados pela reclamada às f.1144/1155. Não determino o desentranhamento a fim de se evitar tumulto processual.
RECURSO DA RECLAMADA
COISA JULGADA
Pretende a reclamada o reconhecimento da existência de coisa julgada em relação à natureza indenizatória do auxílio alimentação, afirmando que a matéria foi objeto de pronunciamento judicial em Dissídio Coletivo de natureza econômica, quando o Poder Judiciário chancelou a natureza indenizatória da verba. Busca a extinção do processo em relação ao pedido, com resolução do mérito.
Sem razão.
Como bem consignado em primeiro grau, não existe a tríplice identidade (mesma parte, mesmo pedido e mesma causa de pedir) entre a presente ação e o DC 39/89, cumprindo salientar que a decisão ali proferida teve validade fixada na sentença normativa, não produzindo efeito na presente ação.
Assim, incontroversa a inexistência de coisa julgada, cabe rejeitar a arguição.
Nego provimento.
PRESCRIÇÃO
Renova a reclamada a arguição de prescrição total, aduzindo que o pleito inicial está lastreado em alteração contratual ocorrida em 02/10/2000, por ato único e positivo do empregador. Pretende seja modificada a sentença tanto quanto ao pedido principal quanto em relação a eventuais reflexos inclusive o FGTS, considerando-se apenas o período não colhido pela prescrição nos termos do artigo 7º inciso XXIX da CR/88, extinguindo-se o processo quanto ao período prescrito com julgamento do mérito.
No entanto, a pretensão do autor está vinculada à licitude ou não da alteração contratual perpetrada, considerando a disposição do art. 468 da CLT e os limites da jornada de trabalho, em face do enquadramento ou não do trabalhador nas hipóteses de cargos de confiança preceituados no parágrafo 2º do art. 224 da CLT, matéria que se insere na exceção consubstanciada na parte final da Súmula 294 do TST.
Portanto, em se tratando de parcela assegurada por preceito legal, ou seja, o direito às horas extras pela aplicação ou não da disposição do parágrafo 2º do art. 224 da CLT, a lesão se renova mês a mês, afastando a arguição de prescrição total renovada pela reclamada, conforme entendimento consolidado na parte final da Súmula 294 do TST.
Saliente-se, ainda, a v. sentença declarou a prescrição das parcelas anteriores a 14/04/2004.
No tocante à integração do auxílio alimentação, o entendimento é o mesmo. É que o contrato de trabalho da reclamante continua em vigor, o que afasta a incidência da prescrição bienal.
A data de adesão ao PAT não tem relevância para o deslinde da questão, pois a prescrição bienal, repito, é contada a partir do término do contrato de trabalho e a quinquenal a partir do dia da alegada violação do direito.
Em se tratando de pedido de diferenças salariais oriundas de norma regulamentar, decorrentes de alteração unilateral praticada pelo empregador e que deveriam ter sido quitadas mês a mês, a prescrição é parcial atingindo apenas as parcelas anteriores ao qüinqüênio, na forma, repito, da parte final da Súmula 294 do TST, não havendo falar em prescrição total.
Entretanto, quanto à prescrição do FGTS a sentença merece pequeno reparo.
O juízo de origem aplicou, quanto aos reflexos do FGTS, a prescrição trintenária, nos termos da Súmula 362 do C. TST.
À autora foram deferidas diferenças salariais sobre as quais não se recolheu o FGTS nas épocas próprias, o que atrai a aplicação da Súmula 206 do C. TST, que assim dispõe:
"206. A prescrição da pretensão relativa às parcelas remuneratórias alcança o respectivo recolhimento da contribuição para o FGTS."
Tal entendimento cristalizado pela jurisprudência guiou-se pelo princípio de que prescrito o principal, segue-se-lhe o mesmo destino o acessório que, no caso, são os reflexos sobre o FGTS.
Assim, dou provimento ao apelo para declarar prescritos os reflexos das diferenças salariais no FGTS anteriores a 14/04/2004.
Provejo parcialmente.
HORAS EXTRAS EXCEDENTES DA SEXTA DIÁRIA
O MM. Juiz de primeiro grau, após fixar o horário obreiro, no período imprescrito, como sendo das 9h às 18h30min, de segunda a sexta-feira com 15min de intervalo, condenou a demandada ao pagamento de horas extras assim consideradas aquelas que ultrapassarem a sexta diária, até 23.05.2005, quando então o reclamante passou a exercer cargo de confiança.
A recorrente, de forma bastante confusa e contraditória, aduz que o reclamante sempre esteve sujeito à jornada de trabalho de 8 horas em razão da função de confiança que exercia.
Ora, como pode a reclamada alegar tal situação se a documentação que ela própria colacionou comprova que somente a partir de 23.05.2005 o reclamante passou a cumprir jornada de 8 horas. É o que se infere dos controles de freqüência de f.258/268. Documentação esta mais que suficiente para afastar toda a argumentação recursal em sentido contrário.
Por outro lado, a prova oral e emprestada produzida nos autos não deixa dúvidas acerca da imprestabilidade dos controles de ponto para aferição das horas extras. Restou amplamente comprovado pelos depoimentos colacionados no feito que os horários registrados não eram fidedignos e poderiam sofrer alterações pelos empregados da ré, de modo que após registrado o horário o obreiro continuasse a trabalhar. (f.1060/1103)
Cumpre aqui frisar que para o direito do trabalho o que importa é a real situação em que se dava a prestação dos serviços, em observância ao princípio da primazia da realidade. Inexistem normas que autorizem a confirmação dos controles de jornada como prova absoluta.
Neste sentido, a matéria foi pacificada pela jurisprudência, por meio do entendimento consagrado na Súmula 338 item II do C. TST.
Portanto, a jornada de trabalho fixada pelo juízo a quo encontra-se em perfeita harmonia com a prova produzida nos autos e não merece qualquer reparo.
Assim, se a jornada descrita nos controles de ponto não eram reais e o pagamento do labor extraordinário dava-se de acordo com tais registros, os quais também estão sendo infirmados por esta instância revisora, devida as diferenças de horas extras na forma determinada na r. sentença.
Nego provimento.
RECURSO COMUM ÀS PARTES
CARGO DE CONFIANÇA
Tendo em vista a identidade de matéria passo neste ponto a examinar conjuntamente os recursos interpostos por ambas as partes.
A reclamada assevera que o autor, por todo o período imprescrito, exerceu cargo comissionado de confiança estando sujeito à jornada de oito horas diárias de trabalho.
O reclamante, por sua vez, não se conforma com o posicionamento de primeiro grau, alegando seu enquadramento na regra geral dos bancários, na forma definida no caput do artigo 224 da CLT e, não, como decidido na origem. Em decorrência, requer lhe seja reconhecida a jornada legal de seis horas de trabalho e deferido a ele o pagamento, como extras, das excedentes
Sem razão ambas as partes.
Primeiramente, importante salientar que o d. Magistrado de primeiro grau entendeu por comprovado nos autos que o autor exerceu cargo de confiança ao desempenhar as funções de tesoureiro de retaguarda ( a partir de 23.05.2005) e supervisor de caixa ( a partir de setembro de 2005), conforme documentos comprabatórios colacionados aos autos e depoimento pessoal do reclamante, motivo pelo qual deferiu-lhe nestes períodos apenas as horas extras excedentes da oitava hora trabalhada.
O teor do artigo 224 parágrafo 2º da CLT é expresso no sentido de que as disposições do artigo relativas à duração normal da jornada dos bancários não se aplicam aos que exerçam funções de direção e gerência, bem como àqueles enquadrados no disposto no inciso II do artigo 62 da CLT, o qual exclui do capítulo atinente à jornada de trabalho os empregados ocupantes de cargos de gestão.
Por outro lado, a atual dicção do mencionado artigo 62, II, Consolidado não mais exige que o exercente de cargo de confiança detenha poderes de representação plena do empregador. Exige-se o exercício de cargo de gestão, que consiste na representação do empregador em vários setores e serviços da empresa ou em ramo relevante de sua atividade, com poder de mando e liberdade de decisão. Enfim, constituindo uma difusa descentralização de poderes decisórios e de mando do empregador, de modo a influenciar os destinos desta unidade econômica de produção.
No caso dos autos, este entendimento aliado ao acréscimo da remuneração, por gratificação superior a um terço do salário obreiro, demonstra que as funções exercidas pelo autor, tesoureiro de retaguarda e supervisor de caixa, inserem-se mesmo no § 2o do artigo 224 da CLT e, não, como pretendido pela CAIXA no disciplinado pelo inciso II do artigo 62 da CLT, ou pelo autor (jornada de seis horas). Inclusive repito, uma vez mais que a própria documentação por ela juntada não lhe socorre, eis que os registros de frequência apontam como sendo de 8 horas a jornada à qual estava submetida o autor (f.238/258), o que rechaça de uma vez por todas a argumentação recursal em sentido contrário.
Acresça-se que imprestabilidade da marcação do ponto para aferição das horas extras já foi acima examinada, sendo descipiendo a repetição dos fundamentos.
Portanto, não há subsídios suficientes a autorizar a pretendida reforma da decisão primeira. A uma, porque se demonstrou a execução de atribuições de fidúcia bancária mais relevantes que obstam o enquadramento obreiro no caput do artigo 224 Consolidado, mas que não caracterizam o exercício de funções diretivas (artigo 62, II, da CLT). A duas, porque ele não era a autoridade máxima na agência. A três, porque recebeu gratificação bem superior a um terço de seu vencimento padrão, como demonstram os recibos de pagamento de f.304/399, pouco importando a natureza técnica da carreira.
Assim, nego provimento a ambos os recursos.
COMPENSAÇÃO DAS GRATIFICAÇÕES RECEBIDAS
PAGAMENTO APENAS DO ADICIONAL DE 50%
Totalmente infundadas as razões recursais nestes pontos.
O juízo a quo não desconsiderou a submissão do autor à jornada contratutal de 8 horas, apenas a limitou ao período em que se iniciou conforme documentação apresentada pela própria ré.
Repito para que não pairem mais dúvidas acerca da matéria: O reclamante iniciou sua sujeição à jornada de 8 horas a partir de 23.05.2005. Até esta data cumpria jornada de 6 horas e o trabalho extraordinário reconhecido se deu em razão da incorreta marcação no registro do ponto.
Ao contrário do que tenta fazer crer a recorrente, a situação descrita no recurso não se relaciona com aquela evidenciada nos autos.
Portanto, não há falar em compensação de gratificação ou recebimento apenas do adicional do sobrelabor, por ausência de amparo legal e fático.
Nada a prover.
BASE DE CÁLCULO DAS HORAS EXTRAS
Uma vez mais se confunde a reclamada.
A r. sentença não desconsiderou a jornada de 8 horas.
Portanto, não merece nenhum reparo no aspecto.
Nada a prover.
JUSTIÇA GRATUITA
Deferiu-se ao reclamante o benefício da gratuidade de Justiça, em razão do preenchimento dos requisitos legais. A reclamada alega que a remuneração percebida pelo autor lhe proporciona capacidade para arcar com as despesas processuais sem prejuízo do seu sustento ou de sua família.
O reclamante firmou declaração de miserabilidade jurídica (f.128), a qual goza de presunção relativa de veracidade (artigo 4º, § 1º, da Lei nº 1.060/50), e a reclamada não produziu qualquer elemento de convicção em contrário.
Os recibos de pagamento de salário do reclamante não afastam a presunção legal.
Portanto, reputa-se acertada a concessão da gratuidade judiciária ao hipossuficiente, nos moldes do § 3º do artigo 790 da CLT.
Desprovejo.
CORREÇÃO MONETÁRIA E JUROS
Corretamente, a r. sentença determinou, arrimada no conteúdo da Súmula nº 381, do Colendo TST, que o índice de correção monetária fosse o do primeiro dia útil do mês subseqüente ao da obrigação.
Da mesma forma, determinou a incidência dos juros, a partir da propositura da ação, nos termos do artigo 883/CLT e Súmula 200/TST.
Apenas saliento que a reclamada sendo empresa pública que equivale a uma empresa privada, nos termos do artigo 173, §1º, II, da CR/88 a ela não se aplica a disposição constante do artigo 1º F da Lei 9494/97.
Assim, deve prevalecer a decisão monocrática que fixou que os juros moratórios devem incidir nos termos do artigo 39 da Lei 8177/91, ou seja, no percentual de 1% ao mês.
Desprovejo.
RECURSO DO RECLAMANTE
NATUREZA DO TÍCKET-ALIMENTAÇÃO
Insurge-se o recorrente contra o entendimento de primeiro grau que não reconheceu a natureza remuneratória do ticket-alimentação, dizendo que, quando de sua admissão, tal pagamento era procedido em dinheiro, e que somente muito tempo depois foi alterado por negociação coletiva, o que viola as disposições contidas nos artigos 9 e 468 da CLT.
Sem razão.
Conforme se infere da documentação acostada aos autos, a reclamada comprovou sua vinculação ao PAT, que descaracteriza a pretendida natureza salarial da parcela.
Demais disso, os instrumentos coletivos da categoria consignam, de forma expressa, o caráter indenizatório da parcela.
Portanto,não merece reparos a sentença no aspecto.
Nego provimento.
CONCLUSÃO (1)
Conheço de ambos os recursos. No mérito, dou provimento parcial ao recurso da reclamada para declarar prescritos os reflexos das diferenças salariais no FGTS anteriores a 14/04/2004. Nego provimento ao apelo adesivo do autor. Mantido o valor da condenação, porque compatível.
MOTIVOS PELOS QUAIS,
O Tribunal Regional do Trabalho da Terceira Região, em Sessão da sua Nona Turma, hoje realizada, analisou o presente processo e, à unanimidade, conheceu de ambos os recursos; no mérito, por maioria de votos, deu provimento parcial ao recurso da reclamada para declarar prescritos os reflexos das diferenças salariais no FGTS anteriores a 14/04/2004, vencido o Exmo. Desembargador Antônio Fernando Guimarães que dava provimento integral ao apelo; sem divergência, negou provimento ao apelo adesivo do autor. Mantido o valor da condenação, porque compatível.
Belo Horizonte, 18 de maio de 2010
Maria Lúcia Cardoso de Magalhães
Desembargadora Relatora
JURID - Cargo de confiança. Artigo 224, § 2º, da CLT. [26/05/10] - Jurisprudência
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