Penal. Processo penal. Estelionato previdenciário. Pena-base. Culpabilidade. Consequencia do crime. Personalidade.
Tribunal Regional Federal - TRF2ªR
APELACAO CRIMINAL 7316 2005.50.01.001538-8
RELATOR: DESEMBARGADORA FEDERAL MARIA HELENA CISNE
APELANTE: PAULO EDSON FERREIRA DE PAULA
ADVOGADO: RODRIGO CARLOS HORTA E OUTROS
APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL
ORIGEM: 1 VARA JUSTIÇA FEDERAL SAO MATEUS/ES (200550010015388)
EMENTA
PENAL. PROCESSO PENAL. ESTELIONATO PREVIDENCIÁRIO. PENA-BASE. CULPABILIDADE. CONSEQUENCIA DO CRIME. PERSONALIDADE DO RÉU. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.
I - Não há de se falar em ausência da intimação pessoal do réu, se as razões de apelação, apesar de juntadas aos autos antes da intimação do réu, são cronologicamente posteriores a esta.
II - Restando cabalmente comprovado nos autos que o apelante valeu-se de informações falsas para obter o benefício previdenciário de aposentadoria por idade, impõe-se manter a sua condenação pelo crime do art. 171, § 3o, do CP.
III - A intenção de obter vantagem indevida, por integrar o dolo do crime de estelionato previdenciário, não pode justificar o aumento da pena-base com fulcro na culpabilidade do réu (art. 59 do CP). Também o fato de o crime ser nocivo ao Sistema Previdenciário, em razão de já corresponder a uma causa de aumento de pena prevista no § 3o, do art. 171, do CP, não pode ser considerado como circunstância judicial desfavorável ao acusado (consequencia do crime).
IV - A personalidade do Réu não pode ser considerada como circunstância judicial em seu desfavor (art. 59 do CP), pois qualquer conclusão nesse sentido depende de exame aprofundado com fundamento em noções de psicologia e psiquiatria, o que, in casu, não ocorreu.
V - Recurso parcialmente provido para reduzir a pena-base.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indicadas, decide a Primeira Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento ao Recurso de Apelação, nos termos do Voto da Relatora.
Rio de Janeiro, 12 de maio de 2010 (data do julgamento).
MARIA HELENA CISNE
Desembargadora Federal
RELATÓRIO
Trata-se de APELAÇÃO CRIMINAL interposta por EDSON FERREIRA DE PAULA em face da sentença de fls. 587/613, que o condenou, pela prática do crime do art. 171, § 3o, do CP, às penas de 02 (dois) anos e 08 (oito) meses de reclusão e 50 (cinquenta) dias-multa, tendo sido substituída a pena privativa de liberdade por uma restritiva de direito e multa.
EDSON FERREIRA DE PAULA CARLOS DA SILVA foi denunciado por obter fraudulentamente, entre junho/2001 e abril/2004, parcelas de benefício de aposentadoria em prejuízo ao INSS.
Em razões de fls. 644/683, a defesa de EDSON FERREIRA DE PAULA alega, preliminarmente, restar configurada nulidade por cerceamento de defesa ante a ausência de intimação pessoal do Réu dos termos da sentença condenatória. No mérito, pugna pela absolvição do Réu, aduzindo inexistirem nos autos provas que autorizem um juízo condenatório em seu desfavor. Alternativamente, requer a redução da pena.
Contrarrazões do MPF às fls. 693/698, no sentido de que seja parcialmente provido o Recurso da defesa tão-somente para diminuir o quantum da pena-base.
Em parecer de fls. 702/705, o órgão do Parquet Federal opina pelo provimento parcial do Recurso de Apelação.
É o relatório. Ao Revisor.
MARIA HELENA CISNE
Desembargadora Federal
VOTO
Conforme relatado, trata-se de APELAÇÃO CRIMINAL interposta por EDSON FERREIRA DE PAULA em face da sentença de fls. 587/613, que o condenou, pela prática do crime do art. 171, § 3o, do CP, às penas de 02 (dois) anos e 08 (oito) meses de reclusão e 50 (cinquenta) dias-multa, tendo sido substituída a pena privativa de liberdade por uma restritiva de direito e multa.
Não se constituindo ofensa ao artigo 93, IX, da CRFB, o Relator do acórdão acolher como razões de decidir os fundamentos do parecer ministerial - motivação "per relationem"-, desde que comportem a análise de toda a tese objeto de impugnação, adoto os seguintes motivos contidos nas contrarrazões de Recurso de fls. 693/698, os quais foram ratificados no parecer ministerial de fls. 702/705, para conhecer da Apelação, rechaçar os argumentos de nulidade e de inexistência de provas para a condenação do Réu e reduzir a sua pena-base. Confira-se:
A preliminar não merece prosperar.
À fl. 689 foi juntada a intimação pessoal do apelante, datada de 03 de março de 2010. Cabe destacar que as razões de apelação, apesar de juntadas aos autos antes da intimação do réu, são cronologicamente posteriores à intimação pessoal deste (já que foram juntadas aos autos em 05 de março de 2010, conforme fl. 644).
Assim, não há de se falar em ausência da intimação pessoal do réu.
No mérito, frise-se, de início, que a materialidade e autoria do delito restaram sobejamente comprovadas ao longo da instrução criminal, consoante a farta prova testemunhal produzida sob o crivo do contraditório.
No que tange ao mérito das razões aduzidas pelo Apelante, a primeira tese apresentada, consubstanciada na ausência de material probatório que justifique o decreto condenatório, não merece prosperar.
Isto porque restou cabalmente comprovado que o apelante valeu-se de informações falsas para obter o benefício previdenciário de aposentadoria por idade. Foi apurado que a oficina onde o réu informou trabalhar entre 1970 e 1976 sequer existia.
Nesse sentido, cabe destacar os seguintes trechos do depoimento (fls. 397/398) de Maria de Lourdes Meira da Silva, esposa de Rozevaldo Alves da Silva, suposto empregador do apelante:
"(...) QUE vieram para São Mateus em 1983; QUE veio de Conceição da Barra; QUE ele abriu a fábrica e começou a trabalhar aqui em São Mateus; QUE se mudou para cá em 1983; (...)"
No mesmo sentido, as declarações prestadas, em sede policial, por Romildo Meira da Silva, filho de Rozevaldo Alves da Silva (fl. 453):
"(...) Que nasceu em Pedro Canário e com mais ou menos sete ou oito anos, mudou-se com seus pais para São Mateus, desse modo sua família veio para São Mateus nos anos de 1983/1984; QUE seu pai, chegando em São Mateus, abriu uma oficina de móveis; (...)"
Cabe destacar que Romildo prestou depoimento em juízo (fls. 504/505), o qual se coaduna com as declarações prestadas em sede policial.
Como se não bastasse o fato de o suposto empregador sequer residir na cidade onde o apelante alega ter trabalhado no período compreendido entre 1970/1976, as testemunhas de defesas sequer prestaram depoimentos convergentes no mesmo sentido.
A título de exemplo podem ser ditados os depoimentos de Sérgio Beltrame (fls. 439/440) e de Moysés Francisco (fls. 441/442). O primeiro sustenta que o empregador do apelante era um homem de "pele clara, cabelo liso", enquanto o segundo afirma que o mesmo empregador era um homem "moreno baixo, cabelo de 'pico' enrolado".
Fica claro , desse modo, que há nos autos fortes elementos de convicção para justificar o decreto condenatório, não podendo prosperar a tese de inexistência de elementos que embasem a condenação.
Finalmente, no tocante à tese consubstanciada na inexistência de elementos que justifiquem a condenação acima do mínimo legal, o apelo merece parcial acolhida.
Ao analisar a fundamentação para exasperação da pena base acima do mínimo legal, da dosimetria da pena na r. sentença de fls. 587/613, verifica-se que efetivamente ocorreu excesso na dosimetria da pena base.
Forçoso é reconhecer que a fundamentação para o aumento da pena base, no tocante à culpabilidade e às conseqüências do crime são inegáveis hipóteses de bis in idem.
Com relação à culpabilidade, a intenção de obter vantagem indevida faz parte do dolo do crime de estelionato previdenciário, não havendo previsão legal do crime de estelionato culposo.
Por sua vez, quanto às conseqüências do crime, o fato de ser nocivo ao Sistema Previdenciário já é causa de aumento prevista no parágrafo 3o do artigo 171 do Código Penal.
Assim, é necessária a reforma da sentença nesse ponto específico, para diminuir o quantum de pena aplicada na primeira fase da dosimetria da pena face a aplicação do critério trifásico eis que o juízo a quo teria incorrido em bis in idem.
Apenas acrescento que tampouco a personalidade do Réu pode ser considerada como circunstância judicial em seu desfavor, uma vez que qualquer conclusão nesse sentido depende de exame aprofundado fundamentado em noções de psicologia e psiquiatria, o que, in casu, não ocorreu.
Quanto à alegação de que o Réu teria instruído uma das testemunhas para que apresentasse depoimento em seu favor, deve-se aguardar o resultado das investigações de suposta prática do crime de falso testemunho por MOYSÉS FRANCISCO (fls. 429/430, 441/442 e 445).
Sendo assim, impõe-se manter a condenação de EDSON FERREIRA DE PAULA pela prática do crime do art. 171, § 3o, do CP.
Passo à nova dosimetria de sua pena.
Uma vez ausentes circunstâncias judiciais em seu desfavor (art. 59 do CP), fixo a sua pena-base no mínimo legal, ou seja, em 01 (um) ano de reclusão e 10 (dez) dias-multa, a qual majoro em 1/3 (um terço), com fulcro no § 3o, do art. 171, do CP.
Ausentes agravantes, atenuantes e causas de aumento e diminuição da pena, a pena definitiva de EDSON FERREIRA DE PAULA resta fixada em 01 (um) ano e 04 (quatro) meses de reclusão e 13 (treze) dias multa, no valor unitário de 1/10 (um décimo) do valor do salário mínimo vigente à época do crime.
Mantenho o regime inicial aberto para o cumprimento da pena privativa de liberdade, a qual substituo por uma restritiva de direitos e multa, nos exatos termos da sentença (fl. 612).
Ante o exposto, DOU PARCIAL PROVIMENTO ao Recurso de Apelação.
É como voto.
MARIA HELENA CISNE
Desembargadora Federal
JURID - Penal. Processo penal. Estelionato previdenciário. [21/05/10] - Jurisprudência
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