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segunda-feira, 24 de maio de 2010

JURID - Suspensão de liminar em ACP [24/05/10] - Jurisprudência


Suspensa liminar que ordenava imunização contra a gripe A para toda população do PR.



SUSPENSÃO DE LIMINAR OU ANTECIPAÇÃO DE TUTELA
Nº 0011099-66.2010.404.0000/PR
RELATOR: Des. Federal VILSON DARÓS
REQUERENTE: UNIÃO FEDERAL
PROCURADOR: Procuradoria-Regional da União
REQUERIDO: JUÍZO FEDERAL DA 02ª VF DE CURITIBA
INTERESSADO: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
INTERESSADO: ESTADO DO PARANÁ
PROCURADOR: Cristina Leitão Teixeira de Freitas



DECISÃO


Trata-se de pedido formulado pela União Federal colimando a suspensão da execução da tutela antecipada concedida nos autos da Ação Civil Pública nº 5002213-42.2010.404.7000/PR pelo Juízo Federal da 2ª Vara Federal de Curitiba/PR.

Na aludida ação civil pública, o Ministério Público Federal busca provimento jurisdicional com o objetivo de condenar a União e o Estado do Paraná, de forma solidária, a adquirirem e disponibilizarem doses de vacinas contra o vírus da INFLUENZA A - H1N1, em quantitativo suficiente à vacinação de toda a população do Estado do Paraná.

A decisão impugnada determinou o seguinte:

"Ante o exposto, concedo o pedido liminar para determinar à União a aquisição das doses da vacina contra o vírus da Influenza A-H1N1 em quantitativo suficiente para suprir a demanda de toda a população do Estado do Paraná, no prazo máximo de 20 (vinte) dias a contar da ciência da presente decisão, sob pena de multa diária no importe de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais).

A verificação sobre o número de doses necessárias será feita pela União em conjunto com o Estado do Paraná, já que, como constou da fundamentação, esse número não é necessariamente correspondente ao total da população do estado, considerando-se que nem todos têm comparecido aos postos de saúde para tomar a vacina.

Deverá, ainda, o Estado do Paraná apresentar calendário para inclusão dos grupos faltantes e proceder à distribuição do imunobiológico a todos os municípios paranaenses, segundo suas necessidades, promovendo a ampla divulgação para ciência dos interessados. O calendário deverá ser apresentado a este juízo no prazo de 10 dias a contar da intimação do Estado do Paraná desta decisão, sob pena de multa diária de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais).

Aprovado o calendário, competirá ao Estado do Paraná sua ampla divulgação na mídia para ciência dos interessados.

Os prazos constantes dessa decisão poderão ser revistos, se ficar comprovada a impossibilidade de seu cumprimento.

O autor MPF ficará responsável pela fiscalização do cumprimento dessa decisão.

2. Considerando-se que a intimação dos réus sobre a concessão da liminar, para seu cumprimento, deve ser feita com urgência, expeça-se mandado para tal, a ser cumprido em regime de plantão.

3. Cite-se a União - AGU, bem como o Estado do Paraná, para, querendo, contestar a ação no prazo legal, especificando desde logo as provas pretendidas, declinando fundamentadamente a sua finalidade.

4. Apresentada a contestação, diga a parte autora no prazo de 10 dias, especificando, no mesmo prazo, as provas que efetivamente pretende produzir, se for o caso, declinando fundamentadamente a sua finalidade.

Curitiba, 12 de abril de 2010.

Gisele Lemke
Juíza Federal"

Em seu pedido, a União sustenta, em síntese, que a manutenção da tutela antecipada lesa a ordem pública na sua acepção político-administrativa. Segundo entende, a decisão hostilizada não só viola disposições infraconstitucionais como também normas constitucionais, destacando-se, no caso, o direito à saúde de todos os cidadãos não residentes no Estado do Paraná. Defende, ainda, que a medida liminar deferida coloca em risco a implementação de toda uma política formulada pela União com vistas à prevenção, em nível nacional, da INFLUENZA A - H1N1. Essa política, segundo consta, restou formulada com base em orientações e metas traçadas pela Organização Mundial de Saúde (OMS) e pela Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS), além de ter sido precedida de uma série de eventos nacionais e internacionais, que resultou na definição de grupos prioritários a serem incluídos na estratégia de vacinação. Aponta para o fato de que não há doses de vacinas suficientes para atender a toda população (hoje capaz de inocular menos de 1/3 da população mundial), motivo pelo qual resultou na eleição dos grupos de risco, e não de toda a população brasileira. Aduz ter sido elaborada uma estratégia, que está ocorrendo em etapas, mediante observância de um cronograma de vacinação iniciado em 08 de março, devendo se prolongar até 21 de maio de 2010. Entende que os efeitos decorrentes da manutenção da decisão objurgada se agravam na medida em que se multiplicam liminares com o propósito de estender a campanha de vacinação para atingir todas as faixas etárias, correndo sério risco de não possuir quantidade suficiente de vacina para atendê-las, além de comprometer, outrossim, a vacinação dos grupos de risco. Comenta terem sido tomadas todas as providências para combater a disseminação do vírus da Gripe A, tendo agido no limite da reserva do possível.

Pede, por fim, a suspensão da antecipação dos efeitos da tutela deferida na Ação Civil Pública nº 5002213-42.2010.404.7000/PR.

É o relatório. Decido.

A suspensão de ato judicial é dirigida à Presidência dos tribunais e está respaldada no que dispõem as Leis nºs 8.437/92, 9.494/97 e 12.016/09, que tratam da suspensão da execução da decisão concessiva de liminar, de tutela antecipada e, ainda, de segurança concedida liminar ou definitivamente.

O pressuposto fundamental para a concessão da medida suspensiva é a preservação do interesse público diante de ameaça de lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas. É deferida nos casos em que determinado direito judicialmente reconhecido pode ter seu exercício suspenso para submeter-se, mesmo que temporariamente, ao interesse público e evitar que grave dano aos bens legalmente tutelados venha a ocorrer.

Na suspensão de ato judicial descabe a apreciação do mérito da ação principal, tarefa esta reservada para o julgamento do recurso cabível que vier a ser interposto contra a decisão proferida pelo juízo ou tribunal inferior. Restringe-se, por conseguinte, a analisar a potencialidade lesiva do ato judicial impugnado frente aos bens jurídicos antes citados cuja suspensão visa a tutelar.

Nesse sentido, os seguintes precedentes:

AGRAVO REGIMENTAL. SUSPENSÃO DE SEGURANÇA. REFINARIA. PETRÓLEO. ICMS. REGIME TRIBUTÁRIO DIFERENCIADO. LESÃO À ORDEM E À ECONOMIA PÚBLICAS. 1. A agravante não logrou infirmar ou mesmo elidir os fundamentos adotados para o deferimento do pedido de suspensão. 2. No presente caso, a manutenção do tratamento tributário diferenciado concedido à agravante pelo Decreto estadual 37.486/2005, revogado pelo Decreto estadual 40.578/2007, provoca o desequilíbrio da concorrência e dificulta a administração tributária estadual. 3. Na suspensão de segurança não se aprecia, em princípio, o mérito do processo principal, mas tão-somente a ocorrência dos aspectos relacionados à potencialidade lesiva do ato decisório em face dos interesses públicos relevantes consagrados em lei, quais sejam, a ordem, a saúde, a segurança e a economia públicas. 4. Agravo regimental improvido

(SS 3273 AgR, Relator(a): Min. ELLEN GRACIE (Presidente), Tribunal Pleno, julgado em 16/04/2008, DJe-112 DIVULG 19-06-2008 PUBLIC 20-06-2008 EMENT VOL-02324-02 PP-00225 RCJ v. 22, n. 144, 2008, p. 117).

AGRAVO REGIMENTAL. SUSPENSÃO DE TUTELA ANTECIPADA. OCORRÊNCIA DE GRAVE LESÃO À ORDEM PÚBLICA, CONSIDERADA EM TERMOS DE ORDEM JURÍDICO-CONSTITUCIONAL. EFEITO MULTIPLICADOR. TETO. SUBTETO. DECRETO MUNICIPAL 23.919/2004. EMENDA CONSTITUCIONAL 41/2003. 1. O agravante não logrou infirmar ou mesmo elidir os fundamentos adotados para o deferimento do pedido de suspensão. 2. No presente caso, a imediata execução do acórdão impugnado impede, em princípio, a aplicação da regra inserta no art. 37, XI, da Constituição da República, que integra o conjunto normativo estabelecido pela Emenda Constitucional 41/2003. 3. No pedido de suspensão não se aprecia o mérito do processo principal, mas tão-somente a ocorrência dos aspectos relacionados à potencialidade lesiva do ato decisório em face dos interesses públicos relevantes consagrados em lei, quais sejam, a ordem, a saúde, a segurança e a economia públicas. 4. Precedentes do Plenário. 5. Agravo regimental improvido.

(STA 225 AgR, Relator(a): Min. ELLEN GRACIE, Tribunal Pleno, julgado em 07/04/2008, DJe-078 DIVULG 30-04-2008 PUBLIC 02-05-2008 EMENT VOL-02317-01 PP-00019 REPUBLICAÇÃO: DJe-088 DIVULG 15-05-2008 PUBLIC 16-05-2008)

Acrescente-se que a suspensão somente tem cabimento em situações de excepcional gravidade, vale dizer, a decisão combatida deve mostrar-se potencialmente lesiva em face dos interesses públicos legalmente protegidos pela legislação de regência.

No mais, o requerimento de suspensão não comporta dilação probatória, razão pela qual o pedido deve estar acompanhado com todos os documentos pertinentes à apreciação da alegada lesão decorrente dos efeitos da medida judicial impugnada.

No caso concreto, o Ministério Público Federal constatou que a campanha de vacinação organizada pelo Ministério da Saúde visa a garantir a imunização de apenas parte da população brasileira (classificados como grupo de risco), colocando à mercê da própria sorte os demais cidadãos. Em relação ao Estado do Paraná, particularmente, entende que as doses destinadas àquele ente da federação não são suficientes sequer para atender a metade de sua população.

Entende o Ministério Público Federal que as normas constitucionais que garantem o direito à saúde e à vida estão sendo colocados em segundo plano pelo Administrador Público, que estaria economizando recursos financeiros destinados a combater a disseminação do vírus da Gripe A - H1N1.

Diante disso, ajuizou a ação civil pública colimando provimento jurisdicional para o fim de condenar, solidariamente, a União e o Estado do Paraná a adquirir e disponibilizar, de forma imediata, a vacina contra o vírus INFLUENZA A - H1N1 a toda a população residente no Estado do Paraná. Além disso, requer seja imposto aos réus o dever de proceder, de forma suficiente e adequada, a distribuição das doses do referido inoculante a todos os municípios paranaenses, e não só encaminhá-los aos centros regionais de saúde daquele estado da federação.

A partir disso, levando em consideração a existência de farta documentação carreada aos autos, peço vênia para traçar um breve histórico sobre os fatos que antecederam a atual campanha de vacinação, organizada pelo Ministério da Saúde e, por conseguinte, verificar se a estratégia adotada está em conformidade com aquilo que se espera por parte do Administrador Público, especialmente no caso em tela, onde há grave risco de que o vírus da Gripe A venha a "contaminar" grande contingente da população residente em nosso país. Vejamos.

Como amplamente divulgada pela mídia, a partir do ano de 2009, o vírus INFLUENZA A - H1N1 tomou tamanha proporção que causou preocupação no meio médico.

Segundo consta (fl. 184), no dia 24 de abril de 2009, a Organização Mundial de Saúde - OMS notificou os países membros acerca da ocorrência de casos humanos infectados pelo vírus influenza (subtipo A - H1N1), detectados no México e nos Estados Unidos da América.

No dia seguinte, em 25 de abril do ano de 2009, a OMS declarou estado de Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional (ESPII), conforme definido no Regulamento Sanitário Internacional (RSI 2005). Nessa mesma data, foi instituído o Gabinete Permanente de Emergência em Saúde Pública (GPESP), no Centro de Informações Estratégicas e Respostas em Vigilância em Saúde (CIEVS), da Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde, com o objetivo de monitorar a situação mundial, bem como indicar as medidas adequadas a serem adotadas no Brasil.

No dia 29 de abril desse ano, a OMS, após realizar a terceira reunião de seu Comitê de Emergência, resolveu elevar o nível ESPII da fase 4 para fase 5. Cabe esclarecer que esta fase indica a ocorrência de disseminação do vírus entre humanos com infecção em nível comunitário em pelo menos dois países em uma mesma região da OMS.

Em 19 de junho de 2009, o nível passou à fase 6, o que representa a disseminação da infecção entre humanos, em nível comunitário, ocorrendo em diferentes regiões do mundo. Com a elevação a esta fase, o quadro apresentado passou a cumprir o critério para definição de pandemia estabelecida no Regulamento Sanitário Internacional.

Diante do cenário acima apresentado, somando ao fato de ter sido elevado o nível ESPII para a fase 6, o Ministério da Saúde começou a traçar a atual política de combate e prevenção da Gripe A (H1N1). Dentre as medidas adotadas, inclui-se a estratégia de vacinação da população, cujas linhas gerais foram elaboradas levando em consideração os seguintes fatores: 1) situação epidemiológica da influenza pandêmica no Brasil; 2) observação da 2ª onda no hemisfério norte; 3) recomendação do Comitê Técnico Assessor do Programa Nacional de Imunizações PNI/SVS/MS; 4) recomendações da OMS e Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) para definir públicos prioritários; 5) articulação com sociedades científicas, CFM, AMB, ABEN, CONASS e CONASEMS; e 6) critério de sustentabilidade dos serviços de saúde para organizar a estratégia, visando não haver esgotamento na capacidade de atendimento oportuno à população.

No plano internacional, a Organização Pan-Americana da Saúde realizou duas reuniões para discutir a estratégia de vacinação contra o vírus da Gripe A (H1N1). Como resultado, restou acordado entre os participantes os seguintes objetivos a serem atingidos com a vacinação: a) a manutenção dos serviços de saúde envolvidos na resposta à pandemia; e b) a diminuição da morbimortalidade associada à pandemia da influenza.

Nesse ponto, cumpre registrar que nas reuniões acima citadas "ficou estabelecido que o objetivo NÃO seria o de contenção da pandemia e, diante desse cenário, foram definidos os grupos a serem vacinados em ordem de prioridade" (fl. 186), quais sejam: a) gestantes; b) população indígena; e c) população com comorbidade crônica. Recomendou-se, ainda, que na hipótese de disponibilidade de aquisição de vacina, cada país poderia incluir como público alvo outros grupos de indivíduos saudáveis suscetíveis a maior risco de adoecer, devendo, para tanto, proceder à sua respectiva avaliação epidemiológica.

Diante dessa perspectiva e somada às análises realizadas sobre a possibilidade de ocorrência de pandemia no Brasil, precedida, ainda, de discussões realizadas com a participação de entidades científicas, o Ministério da Saúde, contando com o aval de diversos órgãos ligados à saúde, resolveu incluir os seguintes grupos a serem atingidos pela campanha de vacinação: a) crianças saudáveis maiores de 06 meses e menores de dois anos de idade incompletos; e b) adultos saudáveis entre 20 e 39 anos de idade.

O Ministério da Saúde resolveu, outrossim, incluir os indivíduos maiores de 60 anos sem comorbidade. Segundo se depreende pelas informações contidas nos autos, os indivíduos integrantes desse grupo não fazem parte do grupo de risco para Influenza Pandêmica (H1N1), mas constituem o maior grupo de risco para Influenza Sazonal.

Estabelecidos os grupos prioritários, a estratégia nacional de imunização contra o vírus influenza pandêmica e sazonal, conforme tem sido amplamente divulgado, vem sendo realizada por etapas em todo o território nacional, respeitada a ordem de vacinação dos grupos prioritários.

Esses, em síntese, são os principais fatos que antecederam a campanha de vacinação contra o vírus da Gripe A - H1N1, nos moldes em que estabelecidos pelo Ministério da Saúde.

Com base em tais elementos, passo à análise da questão trazida pela União no presente pedido de suspensão.

Antes, contudo, deve ser ressaltado o fato amplamente destacado pela União, tanto na peça inaugural, como nos documentos constantes no presente pedido de suspensão, de que não há doses de vacinas suficientes para atender a toda população mundial. Segundo consta, a quantidade disponível atualmente, seria suficiente para atender a menos de 1/3 da população mundial (fl. 259). Vieram aos autos (fls. 262 e seguintes), outrossim, manifestação dos laboratórios consultados pelo Ministério da Saúde dando conta de que não dispõem de capacidade para fornecer em tempo hábil doses suficientes para atender a demanda gerada para o cumprimento da liminar deferida na ação civil pública originária.

Com relação ao quantitativo de doses para o combate da doença, vale informar, foram adquiridas 83 milhões de doses para o combate do vírus influenza pandêmica A (H1N1) e 22,3 milhões de vacinas para o combate do vírus sazonal, conforme informado pela União nas informações de fls. 193/208. Vale dizer, com quantitativo adquirido é possível aplicar as doses de vacina em mais da metade da população brasileira.

No caso concreto, a medida judicial postulada pelo Parquet busca, em última instância, garantir o direito à saúde que, por sua vez, decorre da proteção constitucional do direito à vida, o mais fundamental de todos os direitos.

Nesse passo, tanto o direito à saúde como à vida possuem aplicabilidade imediata, de forma que sua eficácia não pode ser condicionada ou mesmo postergada sob o pretexto de que a existência de limites orçamentários impede a implementação daqueles direitos tidos como fundamentais pela ordem constitucional vigente.

A propósito, vale citar o seguinte precedente do STJ:

CONSTITUCIONAL. RECURSO ORDINÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA OBJETIVANDO O FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO (RILUZOL/RILUTEK) POR ENTE PÚBLICO À PESSOA PORTADORA DE DOENÇA GRAVE: ESCLEROSE LATERAL AMIOTRÓFICA - ELA. PROTEÇÃO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS. DIREITO À VIDA (ART. 5º, CAPUT, CF/88) E DIREITO À SAÚDE (ARTS. 6º E 196, CF/88). ILEGALIDADE DA AUTORIDADE COATORA NA EXIGÊNCIA DE CUMPRIMENTO DE FORMALIDADE BUROCRÁTICA. 1 - A existência, a validade, a eficácia e a efetividade da Democracia está na prática dos atos administrativos do Estado voltados para o homem. A eventual ausência de cumprimento de uma formalidade burocrática exigida não pode ser óbice suficiente para impedir a concessão da medida porque não retira, de forma alguma, a gravidade e a urgência da situação da recorrente: a busca para garantia do maior de todos os bens, que é a própria vida. 2 - É dever do Estado assegurar a todos os cidadãos, indistintamente, o direito à saúde, que é fundamental e está consagrado na Constituição da República nos artigos 6º e 196. 3 - Diante da negativa/omissão do Estado em prestar atendimento à população carente, que não possui meios para a compra de medicamentos necessários à sua sobrevivência, a jurisprudência vem se fortalecendo no sentido de emitir preceitos pelos quais os necessitados podem alcançar o benefício almejado (STF, AG nº 238.328/RS, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ 11/05/99; STJ, REsp nº 249.026/PR, Rel. Min. José Delgado, DJ 26/06/2000).

4 - Despicienda de quaisquer comentários a discussão a respeito de ser ou não a regra dos arts. 6º e 196, da CF/88, normas programáticas ou de eficácia imediata. Nenhuma regra hermenêutica pode sobrepor-se ao princípio maior estabelecido, em 1988, na Constituição Brasileira, de que "a saúde é direito de todos e dever do Estado" (art. 196). 5 - Tendo em vista as particularidades do caso concreto, faz-se imprescindível interpretar a lei de forma mais humana, teleológica, em que princípios de ordem ético-jurídica conduzam ao único desfecho justo: decidir pela preservação da vida. 6 - Não se pode apegar, de forma rígida, à letra fria da lei, e sim, considerá-la com temperamentos, tendo-se em vista a intenção do legislador, mormente perante preceitos maiores insculpidos na Carta Magna garantidores do direito à saúde, à vida e à dignidade humana, devendo-se ressaltar o atendimento das necessidades básicas dos cidadãos. 7 - Recurso ordinário provido para o fim de compelir o ente público (Estado do Paraná) a fornecer o medicamento Riluzol (Rilutek) indicado para o tratamento da enfermidade da recorrente. (RMS 11183/PR, Rel. Ministro JOSÉ DELGADO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 22/08/2000, DJ 04/09/2000 p. 121)

Contudo, entendo que a medida judicial ora combatida, nos termos em que deferida, pode causar grave dano à ordem pública, na sua acepção política-administrativa, conforme defendido pela União. Isso porque, pelos elementos constantes nos autos, a política adotada pelo Ministério da Saúde está calcada em orientações e metas estabelecidas pela Organização Mundial de Saúde e, também, pela Organização Pan-Americana da Saúde.

Além disso, a estratégia traçada pelo Autoridade Administrativa contou com a participação de diversos órgãos científicos e entidades ligadas à área da saúde, bastando citar o Conselho Federal de Medicina, Associação Médica Brasileira, entre outras não menos importantes.

Diante disso, conclui-se que a campanha lançada pelo Ministério da Saúde está lastreada em orientações, metas e discussões envolvendo setores especializados no trato da questão. Há nos autos elementos suficientes para destacar que a política posta em prática não só está de acordo com aquela adotada no plano internacional, mas também ultrapassa as metas consideradas como mínimas a serem atingidas, pois, como se vê, optou-se por incluir outros grupos da população a serem vacinados, além daqueles grupos considerados como sendo de risco.

Nessa perspectiva, ao manter a tutela antecipada, corre-se o risco, repito, de causar grave dano à ordem pública, pois determina a inclusão de novos grupos da população sem a correspondente avaliação do potencial risco de adoecerem e, fundamentalmente, sem contar com doses suficientes para atendê-los, pois deverão "disputar" o quantitativo disponível com os integrantes do grupo de risco. Muitos destes, aliás, como possuem maior probabilidade de contrair o vírus da Gripe A (H1N1), correm sérios riscos de não serem vacinados por conta da medida judicial.

Nesse passo, tenho por oportuna e adequada a afirmação da União nesta suspensão, nos seguintes termos (fl. 11):

"Por outro lado, a eleição de grupos prioritários, e não a vacinação de toda população, é decorrência da ausência de vacina para atender à toda população mundial, pois como acima referido, a vacina disponível é suficiente para vacinar menos de 1/3 (um terço) da população mundial. Nítido, claro e óbvio que a política pública aqui questionada foi desenvolvida no limite das possibilidades mundiais em atender a demanda que se criou a partir do surgimento da Gripe A - H1N1. É a aplicação mais pura e adequada do princípio da reserva do possível, sendo dispensadas maiores considerações acerca do mesmo.

E a questão toma maiores contornos na medida em que, como revelam os documentos em anexo, as empresas que fornecem a vacina contra o vírus causador da Gripe A não têm condições de fornecer, em tempo hábil, quantitativo suficiente para atender a demanda surgida em decorrência da antecipação de tutela ora sindicada."

Além da já citada impossibilidade lógica de atendimento da decisão pela falta de doses da vacina, vale ressaltar também que a inclusão de novos grupos, se mantida a decisão liminar, exigirá, por parte dos agentes públicos ligados à saúde, a elaboração de novo cronograma de imunização, tal como formulado em relação à atual campanha de vacinação em que ficaram definidos os grupos prioritários. Entretanto, o cumprimento da antecipação de tutela exige que esse complexo plano seja colocado em prática em prazo exíguo sob pena de imposição de multa diária, enquanto a política vigente precede de estudos, reuniões e encontros nacionais e internacionais realizados desde o ano de 2009.

Desse modo, entendo presente, no caso concreto, os requisitos autorizadores para a suspensão da tutela deferida na Ação Civil Pública ajuizada pelo Ministério Público Federal.

Reforça minha convicção pela suspensão da tutela, ainda, o risco de que ações idênticas possam ser ajuizadas nos demais estados da federação, o que viria, certamente, a acarretar que grupos de risco eleitos pela comunidade cientifica internacional restassem sem a necessária e indispensável cobertura.

Veja-se, portanto, que a persistirem os efeitos da tutela em questão pode-se comprometer toda uma política previamente articulada com o objetivo de vacinar os grupos riscos, o que provavelmente ocorreria diante da falta de doses da vacina suficientes para atendimento de toda a população. E mais, compromete também toda a logística de distribuição das doses da vacina já destinadas a cada ente integrante da Federação, uma vez que seria necessário o remanejo de vacinas já destinadas a outros Estados para o atendimento da população do Paraná.

Em face do exposto, defiro o pedido de suspensão da tutela antecipada deferida nos autos da Ação Civil Pública nº 5002213-42.2010.404.7000/PR.

Intime-se. Publique-se.

Transitada em julgado, arquivem-se.

Porto Alegre, 03 de maio de 2010.


Desembargador Federal VILSON DARÓS
Presidente




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