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sexta-feira, 28 de maio de 2010

JURID - Indenização. Erro médico [28/05/10] - Jurisprudência


DF deve pagar R$ 100 mil por erro médico em parto no Hospital de Ceilândia.


Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios - TJDFT

Circunscrição: BRASÍLIA
Processo: 2006.01.1.059237-6
Vara: SEGUNDA VARA DA FAZENDA PÚBLICA DO DF

Autor: Maria Fernanda de Oliveira, Noelba Batista de Oliveira e Lourival Cícero de Oliveira
Réu: Distrito Federal
Autos nº 59.237-6/2006



Sentença

Vistos etc...

Trata-se de ação sob o rito ordinário ajuizada por Maria Fernanda de Oliveira, Noelba Batista de Oliveira e Lourival Cícero de Oliveira, qualificados na petição inicial, em desfavor de Distrito Federal.

Aduzem os demandantes, em breve síntese, que Maria Fernanda de Oliveira, filha de Noelba e Lourival, nasceu no Hospital da Ceilândia, no dia 30/08/2005, às 2h50min, tendo gestação corrido dentro da normalidade até a data do parto.

Acrescenta que, em decorrência de erro médico, Maria Fernanda, primeira autora, nasceu com asfixia grave, necessitando de reanimação na sala do parto, evoluindo para um quadro de insuficiência respiratória e convulsão logo após o nascimento, o que lhe causou "seqüela neurológica (tetraplegia espástica - CID G82.4 e paralisia cerebral - CID G80.9), pós encefalopatia hipóxico-isquemica (CID P21.9), pneumopatia crônica e gastrostomizada (CID Z93.1)".

Pugnam pela condenação do réu ao pagamento de danos morais e materiais, inclusive com pensão mensal vitalícia à primeira autora.

Acompanham a inicial os documentos às fls. 17/350.

O réu, em resposta às fls. 356/367, preliminarmente, alega ausência de causa de pedir e impossibilidade jurídica do pedido. No mérito relata ausência de responsabilidade do Estado, sob o argumento de que a parte autora não logrou êxito em demonstrar que os danos sofridos tenham sido decorrentes de negligência imperícia ou imprudência da equipe médica.

Réplica às fls. 369/371.

Foi acostado laudo pericial às fls. 390/393, sobre o qual se manifestaram as partes (fls. 397/401).

Em razão do falecimento da primeira autora, cessou a atuação do Ministério Público (fl. 403).

É o relatório.

Decido.

Consoante o teor das alegações constantes nas peças processuais trazidas aos autos pelas partes, o aspecto controvertido da testilha gira em órbita tríplice: 1) o caso em análise demanda o exame de responsabilidade objetiva do Estado? 2) Em caso positivo, estão implementados os requisitos legais aptos a ensejar a condenação perseguida pelos autores? 3) São cabíveis os pretendidos danos morais?

Passemos então ao exame dos tópicos em relevo.

A resposta à primeira indagação formulada requer, primeiramente, a definição da natureza do comportamento virtualmente ilícito, ostentado pelos médicos da ré, em correlação com o perseguido efeito reparador. Cumpre estabelecer, em um primeiro passo, se a apontada obrigação de reparar o dano decorre da existência de ato ilícito comissivo ou omissivo, em face das repercussões a serem geradas a partir de tal constatação.

Primeiramente, convém assinalar que este Juízo entende aplicável no Direito Pátrio a teoria da faute du service. A lição de Celso Antônio Bandeira de Mello sobre o tema é bastante elucidativa, senão vejamos:

"Ao contrário do que se passa com a responsabilidade do Estado por comportamentos comissivos, na responsabilidade por comportamentos omissivos, a questão não se examina nem se decide pelo ângulo passivo da relação (a do lesado e sua esfera juridicamente protegida) mas pelo polo ativo da relação. É dizer: são os caracteres da omissão estatal que indicarão se há ou não responsabilidade.

Não se pode, portanto, enfocar todo o problema da responsabilidade do Estado por comportamentos unilaterais (...)

É corretíssima, portanto, a posição sempre e de há muitos lustros, sustentada pelo Prof. Oswaldo Aranha Bandeira de Mello - que serviu de fundamento e de norte para os desenvolvimentos contidos neste trabalho - segundo quem a responsabilidade do Estado é objetiva no caso de comportamento danoso comissivo e subjetiva no caso de comportamento omissivo."

Tal entendimento doutrinário restou prestigiado pelo Supremo Tribunal Federal, como se vê no seguinte julgado, assim ementado, ad litteris:

STF - RE n. 179147 - JULGAMENTO: 12/12/1997

"EMENTA: CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. CIVIL. DANO MORAL. RESPONSABILIDADE CIVIL DAS PESSOAS JURÍDICAS DE DIREITO PÚBLICO E DAS PESSOAS JURÍDICAS DE DIREITO PRIVADO PRESTADORAS DE SERVIÇO PÚBLICO. ATO OMISSIVO DO PODER PÚBLICO: MORTE DE PRESIDIÁRIO POR OUTRO PRESIDIÁRIO: RESPONSABILIDADE SUBJETIVA: CULPA PUBLICIZADA: FAUTE DE SERVICE. C. F. art. 37, § 6º. I. - A responsabilidade civil das pessoas jurídicas de direito público e das pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviço público, responsabilidade objetiva, com base no risco administrativo, ocorre diante dos seguintes requisitos: a) do dano; b) da ação administrativa; c) e desde que haja nexo causal entre o dano e a ação administrativa. II. - Essa responsabilidade objetiva, com base no risco administrativo, admite pesquisa em torno da culpa da vítima, para o fim de abrandar ou mesmo excluir a responsabilidade da pessoa jurídica de direito público ou da pessoa jurídica de direito privado prestadora de serviço público. III. - Tratando-se de ato omissivo do poder público, a responsabilidade civil por tal ato é subjetiva, pelo que exige dolo ou culpa, numa de suas três vertentes, negligência, imperícia ou imprudência, não sendo, entretanto, necessário individualizá-la, dado que pode ser atribuída ao serviço público, de forma genérica, a faute de service dos franceses. IV. - Ação julgada procedente, condenado o Estado a indenizar a mãe do presidiário que foi morto por outro presidiário, por dano moral. Ocorrência da faute de service. V. - R. E. não conhecido."

O mesmo posicionamento vem sendo também adotado na jurisprudência do Egrégio Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, senão vejamos:

APELAÇÃO CÍVEL 20000150056560-DF - Ac. nº 138849 - Julgamento em 12/03/2001, 3ª Turma Cível - Rel. Desembargadora ANA MARIA DUARTE AMARANTE - DJU 13/06/2001, p. 46.

"Ementa: CIVIL. OMISSÃO DE AGENTE PÚBLICO. RESPONSABILIDADE CIVIL SUBJETIVA. TEORIA DA FAUTE DU SERVICE. NECESSIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DO NEXO DE CAUSALIDADE NORMATIVO E DA CULPA DO AGENTE PÚBLICO. 1. EM SE TRATANDO DE OMISSÃO DE UM COMPORTAMENTO DE AGENTE PÚBLICO, DO QUAL RESULTE DANO, POR NÃO TER SIDO REALIZADA DETERMINADA PRESTAÇÃO DENTRE AS QUE INCUMBEM AO ESTADO REALIZAR EM PROL DA COLETIVIDADE, FALA-SE NA INCIDÊNCIA DA TEORIA DA FAUTE DU SERVICE, E NÃO EM RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA. 2. NESSAS HIPÓTESES, MISTER SE FAZ A COMPROVAÇÃO DO NEXO DE CAUSALIDADE EM TERMOS NORMATIVOS E NÃO NATURALÍSTICOS, IMPONDO-SE A DEMONSTRAÇÃO DE QUE O DANO RESULTOU DIRETAMENTE DA INAÇÃO DOS AGENTES ADMINISTRATIVOS E DO MAU FUNCIONAMENTO DE UM SERVIÇO DA ADMINISTRAÇÃO. PORTANTO, SE O SERVIÇO CONSISTE EM CONDUTA DE AGENTES PÚBLICOS, ESTA DEVE SER COMPROVADAMENTE CULPOSA, VIOLADORA DE UM DEVER DE EVITAR O RESULTADO, FAZENDO-SE MISTER DEMONSTRAR QUE O AGENTE PODIA E DEVIA AGIR PARA EVITAR O RESULTADO E, AINDA ASSIM, NÃO O FEZ."

No caso em análise, no entanto, aplica-se a teoria do risco administrativo, enquadrando-se o ato comissivo em destaque, em tese, na hipótese normada no art. 37, § 6º, da Constituição Federal. Mostra-se dispensável qualquer ilação sobre a eventual culpa dos agentes do réu, uma vez que a lesão experimentada pela criança Maria Fernanda de Oliveira, já falecida, decorreu dos procedimentos que foram aplicados a esta no momento de seu parto. No entanto, para a configuração dos elementos jurídicos que permitam chegar-se à pretendida condenação do réu, é indispensável a demonstração do dano e do nexo causal entre este e a atividade estatal. Com efeito, a questão em exame pede a análise de possível erro médico por parte do Estado, na prestação de serviço de saúde, nos procedimentos cirúrgicos que lhe foram dispensados, o que teria causado a esta as lesões descritas nos autos.

Assim, a ocorrência do alegado ato ilícito em tela pede a elaboração de juízo de valor sobre o dever legal da entidade responsável pelos serviços médicos prestados à criança referida , e, a argumentação aqui desenvolvida deve, seguramente, girar em torno da existência, ou não, do nexo de causalidade aludido acima, cabendo à autora a prova do fato constitutivo de sua pretensão (art. 333, inc. I, CPC).

No caso estritamente examinado, verifica-se que a prova pericial produzida nos autos, em somatório com o relatório trazido aos autos pelo próprio réu à fl. 399, permite concluir a ocorrência nexo causal entre os procedimentos levados a efeito no momento do mencionado parto e as lesões experimentadas pela criança.

Quanto ao mais, registre-se que, muito embora não se possa exigir de um hospital o imponderável, é imprescindível que os profissionais da medicina adotem todas as providências possíveis, no sentido de prestar um bom atendimento a quem lhe procure.

A existência do mencionado nexo causal pode ser valorada, em tese, aplicando-se o critério da equivalência das condições.

A esse respeito, convém atentar às lições do Mestre Orlando Gomes , verbis:

"Nexo Causal. Para o ato ilícito ser fonte da obrigação de indenizar é preciso uma relação de causa e efeito entre o ato (fato) e o dano. A essa relação chama-se nexo causal.

Se o dever de indenizar o prejuízo causado é a sanção imposta pela lei a quem comete ato ilícito, necessário se torna que o dano seja conseqüência da conduta de quem o produziu.

Não se exige, porém, que o ato do responsável seja a causa exclusiva do dano. Basta que entre as suas causas responda pela que determinou o prejuízo imediato. Não é preciso, da mesma forma que o agente tenha previsto suas conseqüências.

Indispensável é a conexão causal. (...omissis)

O nexo causal pode estabelecer-se entre uma abstenção e um dano, no pressuposto de que aquela que não evita um fato danoso deve ser equiparado, para os efeitos jurídicos, a quem o pratica. Mas não se deve levar essa regra às últimas conseqüências, só se justificando sua aplicação quando aquele que se abstém, além de impedir o dano, estiver obrigado a evitá-lo.

Não é fácil a determinação do nexo causal. Em muitos casos, torna-se penoso saber até aonde vai. Daí o esforço da doutrina para oferecer uma solução que facilite a tarefa do aplicador da lei quando se apresentam causas sucessivas. (...)

Pelo critério da equivalência das condições, qualquer dos fatos condicionantes pode ser tomado como causa eficiente do dano, que não se produziria sem a concatenação dos fatos de que a final veio a resultar o prejuízo. Não é preciso, por conseguinte, que o dano seja conseqüência necessária e imediata do fato que concorreu para sua produção. Basta verificar que não ocorreria se porventura o fato não tivesse acontecido. Pode não ser a causa imediata, mas se for condição sine qua non para a produção do dano, equivale a qualquer outra, mesmo mais próxima, para o efeito de ser considerada causa do dano." (ressalvo os grifos)

Mesmo os que não aceitam tais modelos de critérios para o estabelecimento do nexo causal devem ter em vista a doutrina de juristas de escol, no sentido de que, dentre os vários critérios existentes, deve o Juiz proceder cum arbitrio boni viri, aplicando a cada caso concreto o entendimento adequado à justa composição da lide .

Forte em tais razões, julgo extinto o processo, sem exame de seu mérito, em relação à autora Maria Fernanda de Oliveira, perdendo-se, assim, o objeto da demanda quanto aos pedidos cuja beneficiária é a primeira autora. Quanto ao mais, julgo procedente o pedido inicial para condenar o réu a pagar aos autores remanescentes a quantia de R$ 100.000,00 (cem mil reais), a título de danos morais, pelas lesões e o subseqüente óbito causado a sua filha recém nascida. Correrá correção monetária a partir da data do fato e juros de mora nos termos da lei.

Sem custas e sem honorários, uma vez que os autores estão sendo representados pela Defensoria Pública.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Brasília-DF, 20 de abril de 2010.


Alvaro Luis de A. Ciarlini
Juiz de Direito



JURID - Indenização. Erro médico [28/05/10] - Jurisprudência

 



 

 

 

 

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