Concedida pensão por morte de segurada do IPERGS a companheiro sadio.
Tribubal de Justiça do Rio Grande do Sul - TJRS
Comarca de Campo Bom
1ª VARA
Processo nº: 087/1.08.0003724-9
Natureza: Ordinária - Outros
Autor: José Teodoro Alves
Réu: Instituto de Previdência do Estado do Rio Grande do Sul
Juiz Prolator: Juíza de Direito - Dra. Cíntia Teresinha Burhalde Mua
Data: 26/04/2010
Vistos etc.
Cuida-se de ação ordinária para concessão de pensão por morte ajuizada por JOSÉ TEODORO ALVES em face do INSTITUTO DE PREVIDÊNCIA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, ambos já qualificados nos autos.
A inicial, que atende os predicados do artigo 282, CPC, veio instruída com procuração e documentos, havendo petição pela concessão dos benefícios da AJG e pedido de antecipação de tutela, sendo deferido o primeiro e indeferido o segundo pleito (fl. 23).
Citado, o IPERGS contestou, incorrendo em erro material ao anunciar que o óbito ocorreu em 11/04/04 (fl.29), quando de fato se houve em 09/04/2007, fl. 15, concordando em parte com o pedido, para que, concedido o benefício, seja aplicado o redutor previsto no artigo 40, § 7º da Constituição Federal.
Houve réplica.
Relatei. Decido.
Num país em que a taxa de natalidade decresce continuadamente, projetando num futuro próximo população predominantemente madura, as discussões em matéria previdenciária têm ocupado posição de destaque no cenário do debate nacional.
Sob o ponto de vista jurídico, dentre as várias questões em voga, reputo preocupante a situação de franca desigualdade que grassa à luz da interpretação corrente da Lei Estadual nº7.672/82. Dita normativa prescreve, em seu artigo 9º, para o fim de guindar à condição depensionista, a presunção de dependência econômica da esposa (inciso I) ou da companheira (inciso II) - sadias ou não -- dos segurados do IPE, ao passo em que, mesmo à luz de idêntica contribuição das seguradas, igual titulação aos seus maridos é assegurada se - e apenas se -- houver invalidez, restando a situação dos companheiros à míngua de regulamentação.
Honrando a sua tradição de vanguarda, o Judiciário gaúcho fez a leitura em consonância com a Magna Carta (v.g,: Apelação Cível Nº 599302726, Vigésima Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Francisco José Moesch, Julgado em 27/10/1999), mas ao depois curvou-se ao entendimento do STF que, ao apreciar Recurso Extraordinário nº RE 204.735-RS, Tribunal Pleno, Rel. Min. Carlos Velloso, DJU 28-1-01, entendeu que a pensão aos maridos sadios (e, por extensão, aos companheiros sãos) das seguradas do Instituto de Previdência do Estado depende da edição de lei específica e de contribuição bastante, conforme o art. 195, caput, e seu § 5º, e o art. 201, V, da CF (observado o ditado da Emenda Constitucional 20/98, que lhe deu nova conformação), não sendo possível a interpretação extensiva do artigo 9º, I, da Lei Estadual nº 7.672/82; ademais, em voto-vista, o Ministro Nelson Jobim entendeu que sequer a presunção legislativa em favor da viriago se justifica à luz do contexto sócio-econômico e constitucional atual.
Na mesma senda do que já foi decidido aqui em nosso torrão, penso não se pode ignorar que, hodiernamente, segurados e seguradas têm idêntico desconto previdenciário --- perfilado em percentual fixo sobre os vencimentos (ou subsídios), independentemente da existência ou não de dependentes e à extensão do seu rol, em os havendo ----, sendo que os primeiros têm a certeza que tal rubrica garantirá o pensionamento às suas esposas ou companheiras sobrevivas, sadias ou não, enquanto que as segundas tem de conviver com a possibilidade de deixar os seus ao desabrigo quando de seu passamento. Ou seja: as seguradas concorrem para o financiamento da pensão da cônjuge/companheira de seus iguais (os servidores varões) - sejam elas capazes ou incapazes, economicamente ativas ou não --, mas outrotanto não recebem em reciprocidade!
Com a devida vênia, e lembrando que a decisão do Supremo Tribunal Federal em testilha (e outras a ela similares, e.g., RE 203.250-RS, 1ª Turma, Rel. Min. Moreira Alves, DJU de 1º-2-02, e o RE 208.618-5-RS, Tribunal Pleno, Rel. Min. Carlos Velloso, DJU 30/05/2001) não têm força vinculativa, abrindo ensejo para a crítica técnico-discursiva, com suporte no uso público da razão e na exegese a contrário senso do artigo 36, III, LOMAN, a lei estadual reclamada existe, bastando que seja interpretada consoante a Constituição da República, rejeitando-se a discriminação em razão do gênero, estendendo-se ao marido (ou companheiro) supérstite, independentemente de incapacidade (tal qual se faz em relação à cônjuge ou à companheira do segurado extinto), a condição de beneficiário da pensão pela morte da segurada vinculada ao IPE; a fonte de custeio existe, uma vez que as seguradas adimplem regiamente a idêntica contribuição que é descontada dos seus pares (cujo montante tem sido bastante para o pagamento da pensão vitalícia, pelo evento morte, às suas consortes ou companheiras, sadias ou não), não havendo desta feita qualquer entrave para o pagamento do pensionamento aos maridos ou companheiros sadios daquelas, à luz do sistema jurídico vigente, mesmo após a EC 20/98.
Calha trazer à liça, na trilha posta, excerto do voto-vista do Ministro Marco Aurélio, exarado no RE-AgR 385397-MG, Tribunal Pleno, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJU 06/09/2007, com a lucidez que lhe é peculiar:
"Cumpre indagar: o teor da Carta de 1988 distingue o sexo no que refere à pensão? A resposta é negativa. No inciso V do artigo 201 da Constituição Federal, previu-se a pensão por morte ao segurado, homem ou mulher, ao cônjuge ou companheiro e dependentes, observado o disposto no § 2º" - este último preceito noticia a impossibilidade de o benefício ser inferior ao salário-mínimo.
Vale dizer que, nos termos da própria Constituição Federal, a pensão é devida ao cônjuge supérstite, independentemente do sexo. Se servidor homem, é devida à mulher; se servidora, é devida ao homem, cônjuge ou companheiro. Surge a questão alusiva à fonte de custeio. A ordem natural das coisas revela-a preexistente. A contribuição devida pelo servidor, homem ou mulher, cobre a pensão, pouco importando o dependente que dela venha a usufruir. (...) Repita-se, esta já existia e visava a satisfação do benefício, mostrando-se irrelevante, no caso, o fato de o titular do direito ser o viúvo ou a viúva. A não se entender assim, ter-se-á de concluir que, relativamente à própria viúva, não haveria a cobertura, pela contribuição, do ônus atinentes à pensão, já que, a esta altura, não se pode proclamar a adequação de tratamento diferenciado no tocante aos contribuintes conforme se trate de homem ou mulher, ou seja, a possibilidade de vir-se a cobrar contribuição maior do servidor do sexo feminino, objetivando o recebimento da pensão pelo viúvo. Mais do que isso, a regra do artigo 195, § 5º, da Constituição Federal (...) fez-se com visão prospectiva, ou seja, direcionada à atividade legiferante posterior, implementada no campo ordinário.
Não diz respeito aos benefícios previstos na própria Constituição Federa(...) Em síntese, até aqui prevaleceu, no que tange quer à norma do artigo 40, § 3º, quer à do artigo 201, §§ 5º e 6º, da Constituição Federal, a dispensa da fonte de custeio, sendo que, a partir de regra comezinha de hermenêutica e aplicação do Direito, não cabe distinguir relativamente ao inciso V do mesmo artigo 201 referido. (...)".
Nem se diga que a tradição sociológica do homem como cabeça do casal sustenta tal desiquilíbrio, posto que, à luz da Constituição-Cidadã, homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, preceito que orbita no entorno da orla dos indivíduos em suas multifacetadas acepções (enquanto filhos, pais, cônjuges, companheiros, beneficiários da previdência social pública ou privada, entre tantas fisionomias).
De outra banda, não vislumbro qualquer teratologia na presunção legislativa em favor da mulher dos segurados (artigo 9º, I, da Lei Estadual nº 7.672/82), posto que os que vivem atrelados pelo casamento ou pela união estável compartem o dever da mútua assistência, obrigação que também se desdobra na compulsoriedade do custeio da previdência, não se podendo admitir que a contribuição de uma vida inteira transforme-se em um nada jurídico para alguns dos integrantes do mesmo grupo, corporificando discrímen irrazoável entre iguais, redundando na quebra da solidariedade que se constitui na pedra-de-toque de qualquer sistema previdenciário.
Neste diapasão, não desponta demasiado mencionar que a Lei 8.112, de 11.12.90, que dispõe sobre o regime jurídico dos Servidores Públicos Civis da União, das autarquias e das funções públicas federais, estabelece o(a) cônjuge (art. 217, I, "a") ou o(a) companheiro(a) - art. 217, I, "c" -- como beneficiário(a) da pensão vitalícia pela morte do segurado(a), independentemente da prova de dependência econômica; o Regime Geral da Previdência Social segue a mesma linha filosófico-sociológica (artigo 16, I c/c artigo 74, ambos da Lei 8.213/90).
Dessarte, é possível entender que a Lei Estadual em epígrafe -- em vigor na data de sua publicação (18/06/82), à exceção do benefício de pensão pós morte, cuja vigência retroagira a 1º de janeiro de 1982 (consoante seu artigo 82) --, ao circunscrever ao marido inválido a possibilidade de habilitação à pensão por morte da segurada, labora em franca contrariedade com a CF/88, devendo ser tida como derrogada pelo Texto (já que seria atécnico falar-se em inconstitucionalidade de norma anterior à Constituição), o que estabelece a possibilidade de estender-se aos maridos/companheiros sadios das seguradas a qualidade de beneficiários da pensão pela morte das extintas, porquanto o benefício independe de interpolação legislativa e há fonte de custeio preexistente; ainda, inexistindo exclusão por outra classe, tampouco deverá haver prejuízo à habilitação do ex-consorte ou do ex-convivente da extinta, se em vida esta lhe prestava alimentos.
Contudo, considerando a data do passamento, 09/04/2007, fl. 15, há que incidir o redutor previsto no §7º do artigo 40, CF/88, introduzido pela EC 41/2003.
Neste sentido:
DIREITO CONSTITUCIONAL, PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. PENSÃO POR MORTE. INTEGRALIDADE. ÓBITO DO INSTITUIDOR DO BENEFÍCIO OCORRIDO APÓS A ENTRADA EM VIGOR DA EC Nº 41/03. REMUNERAÇÃO SUPERIOR AO LIMITE MÁXIMO PARA O VALOR DOS BENEFÍCIOS DO REGIME GERAL DE PREVIDÊNCIA SOCIAL. INCIDÊNCIA DO REDUTOR DE 30% NA QUANTIA QUE EXCEDE ESSE TETO. REDISTRIBUIÇÃO DOS ÔNUS SUCUMBENCIAIS. PRECEDENTES DESTA CORTE. APELAÇÕES CÍVEIS PROVIDAS. UNÂNIME. (Apelação Cível Nº 70023418817, Terceira Câmara Especial Civel, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Mário Crespo Brum, Julgado em 26/08/2008)
Apelação cível. Previdência pública. Integralidade de pensão. Adequação dos juros de mora. Os juros de mora, nas condenações impostas à Fazenda Pública para pagamento de verbas remuneratórias devidas a servidores e empregados públicos, não poderão ultrapassar o percentual de seis por cento ao ano. Minoração dos honorários advocatícios. A alteração do art. 40, § 7º, da Constituição da República operada pela Emenda Constitucional nº 41/03, que estabeleceu um redutor para o benefício da pensão por morte, incide somente nos casos em que a morte do segurado ocorreu posteriormente ao advento da referida emenda. Apelos providos. (Apelação Cível Nº 70019481118, Terceira Câmara Especial Civel, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ney Wiedemann Neto, Julgado em 31/07/2007)
ANTE O EXPOSTO, concedo em parte a medida antecipatória requerida e julgo parcialmente procedente o pedido, determinando ao requerido que conceda o benefício de pensão por morte ao autor, observado o disposto no artigo 40, § 7º, CF/88.
Custas, por metade, pelo ERGS, não havendo que se falar em confusão, porquanto a rubrica, por força de Lei, constitui-se em receita do Poder Judiciário do Estado do Rio Grande do Sul.
O demandado pagará também honorários advocatícios aos patronos da parte autora, arbitrados em R$ 800,00 (oitocentos reais), considerando que não se trata de causa complexa, havendo parcial concordância com o pedido proposto.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se.
Campo Bom, 26 de abril de 2010.
Cíntia Teresinha Burhalde Mua,
Juíza de Direito
JURID - Ação Ordinária: Pensão [21/05/10] - Jurisprudência
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