Caracterizado dano a casal por alterações de voos em viagem de lua de mel.
4º JUIZADO ESPECIAL CÍVEL
COMARCA DE PORTO ALEGRE
PROCESSO Nº 001/3.09.0006960-9
AUTORES: WALTER KATZ NETO e CAMILA COSTA DUTRA
RÉS: VRG LINHAS AÉREAS S/A e GOL LINHAS AÉREAS INTELIGENTES
JUÍZA LEIGA: JOSEANE DE FÁTIMA GRANJA
Vistos, etc.
Ajuizaram os autores ação de indenização relatando que adquiram com 11 meses de antecedência passagens aéreas para desfrutarem de sua lua de mel, com partida prevista para o dia 01.12.2008, a qual, foi alterada no dia da festa de casamento para 30.01.2008 e retorno para o dia 07.12.2008. Sustentam que o vôo de retorno foi cancelado tendo chegado a Porto Alegre apenas no dia 08.01.09, sem qualquer assistência das demandadas. Requereram a condenação das Rés ao pagamento de indenização por dano material no valor de R$ 45,00 e compensação por danos morais em valor a ser arbitrado por este Juízo.
As Rés alegram ilegitimidade passiva da segunda requerida, fls. 25.
Em contestação sustentaram que os fatos relatados na inicial se deram em razão da reorganização da malha aérea e culpa de terceiro, argumentaram que meros incômodos cotidianos não caracterizam dano moral, quanto aos danos materiais alegam que não restaram provados. Requereram, ao final, caso não sejam acolhidas as preliminares a improcedência dos pedidos iniciais.
É o breve relatório. Examino.
Quanto a preliminar de ilegitimidade passiva suscitada pela ré Gol, a qual, sustentou ser apenas a holding que controla a empresa VRG, esta última responsável pelo transporte dos autores, tenho que não pode ser acolhida.
Verifica-se pelos bilhetes de fls. 40/45 que as passagens foram adquiridas da empresa Gol, a qual, se comprometeu com o transporte dos autores e recebeu o preço do serviço contratado, além disso a Ré não trouxe aos autos qualquer comprovação de que a responsável pelas suas obrigações seria a empresa VRG.
Inobstante, a teoria da aparência que deve ser aplicada nas relações de consumo permite a responsabilização da Ré em caso de má prestação do serviço, já que repito, foi quem contratou o transporte e recebeu o valor das passagens aéreas.
No mérito, comprovam os autores que possuíam bilhetes de passagens aéreas previstas para o dia 30.11.2008 às 19:15 horas e retorno marcado para 07.12.2008 às 16:10 horas, fls. 67/68.
Comprovado também que apenas na véspera da viagem os autores receberam notificação da alteração dos horários das passagens, com alteração de 1 hora aproximadamente no horário de partida e retomo, fls. 64/65.
Inobstante, as Rés confessaram os fatos relatados na inicial nos seguintes termos: "a alteração da data do vôo de ida, assim como o cancelamento do vôo de volta Recife - Porto Alegre, e ainda, o pequeno atraso para o vôo sair de Recife, ocorreram em razão da reorganização da malha aérea (...)", fls. 79.
Saliento que as Rés enquadram-se no conceito de fornecedor, na forma do art. 3º, caput, do CDC e, como tal, respondem objetivamente pelos danos ocasionados pela má prestação dos serviços que colocam à disposição, em virtude da relação de consumo existente e do risco da atividade desenvolvida, nos termos do artigo 14 do CDC.
Registra-se, por oportuno, que compete aos fornecedores a comprovação das causas de exclusão previstas restritamente na legislação para excluir o dever de indenizar.
Apesar de terem alegado as demandadas culpa de terceiro está excludente de responsabilidade prevista no artigo 14, § 3º, inciso II do CDC, usa a expressão só, ou seja, o fornecedor de serviço apenas não responderá por defeito na prestação de serviço se provar que o dano foi causado, como ensina Rizzatto Nunes(1) , "por terceiro autêntico", prova esta que não veio aos autos.
É suficiente que o serviço apresente uma falha que lhe retire a segurança legitimamente esperada para que seja considerado defeituoso, não se exigindo qualquer participação ou colaboração subjetiva dos fornecedores ou de seus prepostos na ocorrência do evento. Assim, ainda que não tenha havido uma conduta negligente por parte dos fornecedores, constatado o defeito, aqueles serão responsabilizados pelos danos sofridos pelo consumidor.
Portanto, não tendo os autores desfrutado de sua viagem de lua de mel conforme o planejado, como era legitimamente esperado, e, ainda, tendo em vista que as requeridas não obtiveram êxito em demonstrar qualquer causa de exclusão de sua responsabilidade, tem-se que a relação contratual entabulada foi quebrada pela inadimplência das requeridas, em virtude da má prestação do serviço, devendo, assim, os autores serem ressarcidos de seus prejuízos.
Todos os fornecedores que compõe a cadeia de produção podem ser acionados pelo consumidor, ou apenas um deles, pois há solidadriedade entres eles, não impedindo, contudo, que posteriormente o fornecedor possa acionar o causador direito, quer para dividir com ele o ônus de sua solidariedade, quer para obter dele a integral devolução do que tiver pago, caso entenda - e prove - que foi só dele a falha.
Assim, uma vez que os atrasos, alterações e cancelamentos de vôos foram confessados, infere-se que as rés assumiram a obrigação decorrente dos contratos a executar, responsabilizando-se pelos danos decorrentes.
O dano emergente pleiteado não restou demonstrado pelos autores conforme determina o artigo 333, inciso I do CPC, assim o pedido neste ponto não pode ser reconhecido.
Quanto ao dano moral, este ocorre na esfera da subjetividade, alcançando os aspectos mais íntimos da personalidade, resultando turbação no ânimo, mal estar, desgostos, aflições, interrompendo-lhes o equilíbrio psíquico. As sucessivas alterações de horários, cancelamentos e atrasos geram uma sucessão de transtornos, acarretando a necessidade de desmarcar compromissos profissionais, familiares e afetivos, não refutados na contestação, corroborando a alegação de que as situações impostas ao consumidor ocasionaram muitas frustrações e incômodos.
O professor Sérgio Cavalieri Filho, em sua obra Programa de Responsabilidade Civil, 8ª ed, Malheiros, 2009, p. 100/102 conceituou o que venha a ser o dano moral:
"(...)Há os que partem de um conceito negativo, por exclusão, que, na realidade, nada diz. Dano moral seria aquele que não tem um caráter patrimonial, ou seja, todo o dano não-material. Para os que preferem um conceito positivo, dano moral é dor, vexame, sofrimento, desconforto, humilhação - enfim, dor na alma. Tenho para mim que todos os conceitos tradicionais de dano moral terão que ser revistos pela ótica da Constituição Federal de 1988. Pois bem, logo no seu primeiro artigo, incido III, a Constituição Federal consagrou a dignidade humana como um dos fundamentos do nosso Estado Democrático de Direito. Temos hoje o que pode ser chamado de direito subjetivo constitucional à dignidade. Ao assim fazer, a Constituição deu ao dano moral uma nova feição e maior dimensão, porque a dignidade humana nada mais é do que a base de todos os valores morais, a essência de todos os direitos personalíssimos. Nessa perspectiva, o dano moral não está necessariamente vinculado a alguma reação psíquica da vítima. Pode haver ofensa à dignidade da pessoa humana sem dor, vexame, sofrimento, assim como pode haver dor, vexame, sofrimento sem violação da dignidade. Dor, vexame, sofrimento e humilhação podem ser conseqüências e, não causas. Assim como a febre é o efeito de uma agressão orgânica, a reação psíquica da vítima só pode ser considerada dano moral quando tiver por causa uma agressão a sua dignidade. (...) Como se vê, hoje o dano moral não mais se restringe à dor, tristeza e sofrimento, estendendo a sua tutela a todos os bens personalíssimos - os complexos de ordem ética -, razão pela qual revela-se mais apropriado chamá-lo de dano imaterial ou não patrimonial, como ocorre no Direito Português. Em razão dessa natureza imaterial, o dano moral é insusceptível de avaliação pecuniária imposta ao causador do dano, sendo esta mais uma satisfação do que uma indenização."
Concernente a prova do abalo moral, na situação em apreço, é nitidamente impossível de ser demonstrado, pois configura sensações que somente o Demandante poderia experimentar. O que deve ser comprovado são os fatos que ocasionaram o dano moral, o que foi feito.
Insta, considerar que a viagem dos Demandantes tinha como objetivo lua de mel,fls. 39, momento único na vida do casal, do qual se espera tranqüilidade, o que não ocorreu, sendo, inclusive, obrigados a espera angustiante no saguão do aeroporto, sem qualquer assistência das Rés, em plena lua de mel!, fls. 40 e 42.
O fato de as passagens serem compradas com antecedência, fls. 67/68, justamente para evitar transtornos, deve ser sopesado na quantificação do dano.
No que tange ao valor da indenização, entendo que o quantum deve levar em consideração a Função Compensatória, a qual deve avaliar extensão do dano - gravidade da lesão, e as condições pessoais da vítima. Já quanto ao Dano Moral Punitivo (Função Punitiva) deve-se levar em conta as condições econômicas do ofensor e seu grau de culpa, visando o desestímulo da conduta, devendo ter efeito inibitório e educativo.
Deste modo deve a indenização se basear em critérios de significância, razoabilidade e proporcionalidade, pois necessária não somente para punir o ofensor, mas, também, para que ocorra a efetiva compensação da lesão causada ao Autor, levando-se em conta as condições pessoais dos Autores e as condições econômicas das Demandadas, bem como a repercussão do dano e o grau de culpa das partes para a ocorrência do evento danoso.
Sendo assim, a quantificação do dano em comento deve ser obtida pela harmonização entre a função compensatória e a punitiva, com o objetivo de atenuar as conseqüências do dano experimentado pelos Demandantes e punir as Demandadas pela situação a qual lhe submeteu.
Por conseguinte, levando-se em consideração o objetivo da viagem, lua de mel, fls. 39, as sucessivas alterações do contrato de transporte aéreo, fls. 40/45, 62/65 e 67/68, os compromissos profissionais descumpridos por culpa das Rés, fls. 47/48, estes últimos, apesar de impugnados, fls. 37, estão em consonância com o conjunto probatório dos autos já que restou incontroverso que os autores desembarcaram em Porto Alegre apenas na manhã do dia 08.12.2008, fls. 42 e 43, a prestação deficiente do serviço quando deixa de cumprir seu dever legal de cautela e o caráter inibitório de tal conduta, visando desestimular a repetição de ações abusivas com os consumidores entendo como razoável o valor de R$ 6.000,00 à título de compensação por danos morais, para cada Autor.
O valor da indenização por danos morais deve ser corrigido a partir do momento em que foi arbitrado, uma vez que a indenização por dano moral não tem cunho reparatório, mas sim compensatório, dependente de arbitramento judicial, nos termos da Súmula 362 do STJ.
Os juros, por sua vez, devem ser contados da citação. Deve-se ressaltar que os juros legais são valores que se agregam a partir da mora do devedor, devendo incidir, portanto, desde a constituição desta, ou seja, partir da citação, conforme disposto no art. 219 do CPC.
Por estas razões, opino, pelo desacolhimento da preliminar e, no mérito pela pela PROCEDÊNCIA PARCIAL dos pedidos formulados em face de GOL LINHAS AÉREAS INTELIGENTES e VRG LINHAS AÉREAS S/A., para condenar as Rés, solidariamente, ao pagamento da importância de R$ 6.000,00 (seis mil reais) a cada Demandante, a título de compensação por danos morais, este valor deverá ser corrigido monetariamente com base no IGP-M a partir desta data (Súmula 362 do STJ), somando-se ao mesmo juros legais de 1% a.m. (art. 406 do Código Civil c/c art. 161 do Código Tributário Nacional) incidentes desde a citação do Demandado (art. 219 do Código de Processo Civil), até o efetivo resgate.
Por fim, ficam as rés cientes e intimadas de que deverão efetuar o pagamento do débito em até 15 dias, após o trânsito em julgado, e não o fazendo, sujeitar-se-ão a multa de 10% determinada no artigo 475 - J, do CPC e, ainda, lhe serão penhorados bens, independente de nova citação.
Sem custas e honorários advocatícios, conforme os artigos 54 e 55 da Lei 9099/95.
À apreciação da Meritíssima Juíza de direito para os devidos fins.
Porto Alegre, 10 de fevereiro de 2010.
JOSEANE DE FÁTIMA GRANJA
JUÍZA LEIGA
Notas:
1 - Curso de direito do consumidor. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009, pg. 317. [Voltar]
JURID - Condenação: Indenização [18/05/10] - Jurisprudência
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