Cadastro de Empregadores que tenham mantido trabalhadores em condições análogas à de escravo. Inclusão.
Tribunal Regional do Trabalho - TRT24ªR
PUBLICAÇÃO
Fonte: DO/MS Nº769 de 11/05/2010, pag. null
INTEIRO TEOR
ACÓRDÃO
2ª TURMA
Relator: Des. NICANOR DE ARAÚJO LIMA
Revisor: Des. MARCIO V. T. DE ALMEIDA
Recorrente: UNIÃO (PROCURADORIA-GERAL DA UNIÃO)
Procurador: Arlindo Icassati Almirão
Recorridos: RONALDO MACHADO CORRÊA JUNIOR - ME E OUTRO
Advogados: João Alfredo Danieze e Outros
Origem: Vara do Trabalho de Jardim/MS
CADASTRO DE EMPREGADORES QUE TENHAM MANTIDO TRABALHADORES EM CONDIÇÕES ANÁLOGAS À DE ESCRAVO - INCLUSÃO INDEVIDA . Para a inclusão do nome do empregador no cadastro de empregadores que tenham mantido trabalhadores em condições análogas à de escravo (¿lista suja¿), devem ser observados os requisitos do art. 2º da Portaria n. 540/2004, a saber: a) lavratura de auto de infração relativo à ação fiscal em que tenha havido a identificação de trabalhadores submetidos a condições análogas à de escravo; b) decisão administrativa final quanto a esse auto de infração. Ausentes quaisquer desses requisitos, a inclusão do nome do empregador nesse cadastro torna-se indevida.
Vistos, relatados e discutidos estes autos (PROCESSO N. 0000200-04.2008.5.24.0076-RO.1) em que são partes as acima indicadas.
Trata-se de recurso ordinário interposto pela União às f. 639/650, em face da sentença de f. 566/575, complementada pelas decisões de f. 612/613 e 615/616, proveniente da Vara do Trabalho de Jardim/MS, da lavra do Juiz do Trabalho Marcio Kurihara Inada, que julgou procedentes em parte os pedidos formulados na presente ação.
Insurge-se a ré em face da sentença que deferiu indenização por danos morais.
Contrarrazões da autora às f. 665/666.
Parecer do Ministério Público do Trabalho às f. 718/720, da lavra da Procuradora Simone Beatriz Assis de Rezende, opinando pelo conhecimento do recurso ordinário da União e das contrarrazões e, no mérito, pelo provimento do apelo.
É, em síntese, o relatório.
VOTO
1 - ADMISSIBILIDADE
Interpostos que foram no prazo legal e, presentes os demais pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso e das contrarrazões.
2 - MÉRITO
2.1 - INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS
Insurge-se a União em face da sentença que deferiu indenização por danos morais, resultante da inclusão do nome da autora no cadastro de empregadores que tenham mantido trabalhadores em condições análogas à de escravo.
Sustenta, em síntese, que: a) os requisitos previstos no art. 2º da Portaria MTE n. 540 foram integralmente observados, haja vista que a inclusão do nome do autor no aludido cadastro foi efetivada somente depois de proferida a decisão administrativa final relativa ao auto de infração lavrado no bojo da ação fiscal promovida pelo Grupo Móvel de Combate ao Trabalho Escravo; b) a autora manteve seus trabalhadores em condições análogas à de escravo; c) independentemente das condições sanitárias e de conforto do local de trabalho, a restrição à liberdade de locomoção verificada no caso, por si só, já é suficiente para configurar a exploração de trabalho análoga à de escravo.
Requer, subsidiariamente, a redução do valor da indenização por danos morais, sob o fundamento de que o valor deferido não está em consonância com os fatos verificados.Requer, subsidiariamente, a redução do valor da indenização por danos morais, sob o fundamento de que o valor deferido não está em consonância com os fatos verificados.
Assiste-lhe parcial razão.
A autora requereu na exordial indenização por danos morais resultante da inclusão indevida de seu nome no ¿ cadastro de empregadores que tenham mantido trabalhadores em condições análogas à de escravo ¿ (lista suja), nos termos da Portaria n. 540/2004.
Na defesa, a ré sustentou que os fatos descritos no relatório do Ministério Público, na Representação n. 22/2005, e no auto de infração comprovam a exploração de trabalho humano em condições análogas às de escravo, fato que justifica a inclusão do nome da autora no referido cadastro.
Inicialmente, forçoso verificar os requisitos necessários para a inclusão do nome do empregador no cadastro mencionado.
Pois bem. O art. 2º da Portaria n. 540/2004 dispõe:
A inclusão do nome do infrator no cadastro ocorrerá após decisão administrativa final relativa ao auto de infração lavrado em decorrência de ação fiscal em que tenha havido a identificação de trabalhadores submetidos a condições análogas à de escravo .
Da leitura do supratranscrito dispositivo, infere-se que são 2 (dois) os requisitos para a inserção do nome do infrator no cadastro conhecido como ¿lista suja¿: a) lavratura de auto de infração relativo à ação fiscal em que tenha havido a identificação de trabalhadores submetidos a condições análogas à de escravo; b) decisão administrativa final quanto a esse auto de infração.
Compulsando-se os presentes autos, verifica-se que os mencionados requisitos não estão presentes, conforme a seguir.
O único auto de infração lavrado pelo Ministério do Trabalho e Emprego refere-se à falta de registro em livro, ficha ou sistema eletrônico, de empregados do autor, conforme documento de f. 466.
Por outras palavras, o mencionado auto de infração não tem relação com a submissão de trabalhadores a condições análogas à de escravo.
Quanto às condições aptas a caracterizar exploração de trabalho humano análoga à de escravo, foi lavrado em 17.01.2005 termo de notificação à f. 469 para que o autor adequasse as condições laborais ao que dispõe a legislação.
Ao retornar à propriedade rural em 16.11.2005, o Auditor Fiscal do Trabalho verificou que o autor adequou as condições laborais ao exigido na lei, conforme relatório de ação fiscal de f. 420.
Logo, não houve lavratura de auto de infração relativo à submissão de trabalhadores a condições análogas à de escravo, e tampouco decisão administrativa final nesse aspecto, conforme exigido pela Portaria n. 540/04.
Relativamente à limitação de locomoção dos empregados por falta de pagamento de salário, nos termos do relatório de f. 451/453, condição que configura a redução de trabalhadores a condição análoga à de escravo, conforme art. 149, caput , CP, também não houve lavratura do auto de infração.
Não obstante o Grupo Móvel de Combate ao Trabalho Escravo tenha verificado a presença de trabalhadores submetidos a condições degradantes de trabalho, conforme relatório de f. 390/392, a autora tomou todas as medidas tempestivas para corrigir essa situação, fato que impediu a lavratura de auto de infração relativo ao submetimento de trabalhadores a condições análogas às de escravo, requisito indispensável para a inserção do autor na ¿lista suja¿ do Ministério do Trabalho e Emprego.
Insta mencionar, ainda, que foi firmado termo de ajustamento de conduta com o Ministério Público do Trabalho às f. 158/159 e 177/180 no sentido de registro imediato dos trabalhadores, pagamento de verbas rescisInsta mencionar, ainda, que foi firmado termo de ajustamento de conduta com o Ministério Público do Trabalho às f. 158/159 e 177/180 no sentido de registro imediato dos trabalhadores, pagamento de verbas rescisórias e cumprimento de obrigações de fazer e não fazer.
Mister salientar que não se está afirmando nesta decisão que o autor não submeteu seus trabalhadores a condições análogas à de escravo, mas sim que os requisitos exigidos pelo art. 2º da Portaria n. 540/2004, para inserção do nome do autor no cadastro de empregadores que tenham mantido trabalhadores em condições análogas à de escravo, não estão presentes.
Logo, tendo em vista que a inserção do nome do autor na ¿lista suja¿ do Ministério do Trabalho e Emprego foi indevida, e que a ampla divulgação dessa lista causou danos à sua imagem (art. 5º, V e X, CF/88), entendo cabível a indenização por danos morais (arts. 186 e 927, caput , CC).
O julgador de origem fixou indenização por danos morais no valor de R$ 78.291,00.
O ordenamento jurídico não fixa os parâmetros para o arbitramento da indenização por dano moral, devendo o magistrado agir com parcimônia na fixação do valor, conforme as circunstâncias do caso concreto.
Os elementos balizadores para o arbitramento do dano moral devem levar em consideração a reprovabilidade da conduta ilícita, a intensidade e consequência do dano, a capacidade econômica do causador, a condição socioeconômica do ofendido e caráter punitivo da indenização.
Pois bem. Considerando a receita bruta do autor no ano de 2006 (R$ 156.582,00), conforme declaração simplificada da pessoa jurídica de f. 577/596, a condição de ente público (União) do ofensor e que, não obstante a irregularidade da inserção do nome do autor na ¿lista suja¿ do Ministério do Trabalho e Emprego, houve a constatação de submissão de trabalhadores a condições análogas às de escravo, reduzo, com fulcro nos princípios da proporcionalidade e razoabilidade, a indenizaPois bem. Considerando a receita bruta do autor no ano de 2006 (R$ 156.582,00), conforme declaração simplificada da pessoa jurídica de f. 577/596, a condição de ente público (União) do ofensor e que, não obstante a irregularidade da inserção do nome do autor na ¿lista suja¿ do Ministério do Trabalho e Emprego, houve a constatação de submissão de trabalhadores a condições análogas às de escravo, reduzo, com fulcro nos princípios da proporcionalidade e razoabilidade, a indenização por danos morais para R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais).
Dou parcial provimento para reduzir a indenização por danos morais para R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais).
2.2 - HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS
Insurge-se a ré em face dos valores deferidos a título de honorários advocatícios.
Sustenta, em síntese, que: a) os honorários advocatícios que lhe são devidos devem ser calculados com base no art. 20, § 3º, CPC, já que a Fazenda Pública saiu vencedora no pleito de indenização por danos materiais; b) no pleito em que a Fazenda Pública saiu vencida (indenização por danos morais) deve ser aplicada a regra do § 4º do art. 20 do CPC.
Não lhe assiste razão.
O julgador deferiu honorários advocatícios à União nos seguintes termos:
Honorários advocatícios no importe de R$ 50.000,00 (artigo 20, parágrafo 4º, CPC) sobre o valor do pedido de danos materiais a cargo do autor, compensados (artigo 21 do CPC) pela sucumbência do réu em danos morais pela alíquota de 10%, restando em favor da União o valor de R$ 42.170,90 .
Tendo em vista que o autor foi vencido no pleito referente à indenização por danos materiais, o julgador aplicou o art. 20, § 4º, CPC, para deferir honorários advocatícios, cujo conteúdo dispõe:
§ 4º. Nas causas de pequeno valor, nas de valor inestimável, naquelas em que não houver condenação ou for vencida a Fazenda Pública, e nas execuções, embargadas ou não, os honorários serão fixados consoante apreciação eqüitativa do juiz, atendidas as normas das alíneas a, b, e c do parágrafo anterior.
Conforme se vêConforme se vê do referido dispositivo, a apreciação equitativa para fixação de honorários não se restringe apenas à hipótese em que for vencida a Fazenda Pública, mas também quando não houver condenação, como no caso, motivo pelo qual também é inaplicável o § 3º do art. 20 do CPC, que pressupõe o valor da condenação.
Oportunos os comentários de Nelson Nery Júnior sobre esse dispositivo:
Por causas onde não houver condenação devem ser entendidas aquelas que culminam com sentenças meramente declaratórias ( incluídas aqui as que julgam improcedente ação condenatória ) ou constitutiva. (Código de Processo Civil Comentado e Legislação Extravagante, p. 224, 10ª edição, editora Revista dos Tribunais, g.n.).
Assim, não merece reparo a sentença que fixou honorários advocatícios ao réu em R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), com base em apreciação equitativa que considerou o valor dado à causa (R$ 6.528.000,00 - seis milhões e quinhentos e vinte e oito mil reais, f. 527/528), o grau de zelo do profissional, o lugar de prestação de serviço, a natureza e importância da causa, o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço.
Quanto aos honorários advocatícios deferidos ao autor relativos ao pleito acolhido de indenização por danos morais, o § 4º do art. 20 do CPC, também deve ser invocado, agora sob o fundamento de que a Fazenda Pública foi vencida no litígio.
Ante o exposto, entendo razoável a alíquota de 10% sobre o valor da condenação para o cálculo de honorários advocatícios deferidos à autora.
Nego provimento.
2.3 - PREQUESTIONAMENTO
Requer a ré o prequestionamento de dispositivos constitucionais, em razRequer a ré o prequestionamento de dispositivos constitucionais, em razão da exigência ditada pela Súmula/TST n. 297.
Todavia, considerando que as matérias recursais foram todas debatidas, com exposição de tese, desnecessária a menção expressa dos dispositivos para se tê-los como prequestionados (OJ 118 da SDI-I do TST).
POSTO ISSO
ACORDAM os Desembargadores da Egrégia Segunda Turma do Tribunal Regional do Trabalho da Vigésima Quarta Região, por unanimidade, aprovar o relatório e conhecer do recurso; no mérito, por maioria, dar parcial provimento ao recurso para reduzir o valor da indenização por danos morais para R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), nos termos do voto do Desembargador Nicanor de Araújo Lima (relator), vencidos em parte os Desembargadores Marcio Vasques Thibau de Almeida (revisor), que lhe dava integral provimento, e João de Deus Gomes de Souza, que lhe negava provimento. Não participou do julgamento o Desembargador Francisco das Chagas Lima Filho, em virtude da designação do Desembargador Marcio Vasques Thibau de Almeida.
Em virtude do novo valor da condenação, fixo os honorários advocatícios devidos à União em R$ 45.000,00 (quarenta e cinco mil reais), calculados com base na compensação de honorários autorizada pelo art. 21 do CPC.
Campo Grande, 05 de maio de 2010.
NICANOR DE ARAÚJO LIMA
Desembargador Federal do Trabalho Relator
VOTO VENCIDO
INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS
A empresa autora pleiteou indenização por danos morais, ao argumento de que a União, ré e ora recorrente, i A empresa autora pleiteou indenização por danos morais, ao argumento de que a União, ré e ora recorrente, in devidamente incluiu o seu nome no ¿cadastro de empregadores que tenham mantido trabalhadores em condições análogas à de escr a vo¿ (lista suja), a que alude a Portaria nº. 540/2004 do Mini s tério do Trabalho e Emprego (MTE).
Defendeu-se a União, argumentando que a incl u são da autora no cadastro previsto na Portaria MTE n. 540/2004 tem respaldo no relatório do Ministério Público, na Represent a ção nº. 22/2005 e no auto de infração que demonstram condições análogas às de escravo as do trab a lho dos empregados da autora.
O juízo a quo reconheceu que a União tem o d e ver de reparação civil no caso e a condenou ao pagamento de i n denização por danos morais, no valor de R$ 78.291,00, em razão de reconhecer indevida a inclusão do nome da autora no cadastro de empregadores que tenham mantido trabalhadores em condições análogas à de escr a vo.
Insurge-se a União, afirmando que atendeu os requisitos previstos na Portaria MTE n. 540 para efetuar a i n clusão do nome do autor no cadastro em referência, a par de que a autora de fato manteve sues funcionários em condição análoga à de escravo, aliado ao fato de que a restrição de liberdade de locomoção, por si só, é bastante para configurar a situação em testilha.
E acaso mantida a condenação, pede alternativ a mente a redução do valor da indenização por danos morais.
A pretensão recursal da União não prospera.
Em primeiro eito por absoluto desatendimento aos requisitos formais para a inclusão da empresa autora na cognominada lista suja .
É que, para tal inclusão, o art. 2º da PortÉ que, para tal inclusão, o art. 2º da Port a ria-MTE nº. 540/2004 exige a prévia lavratura do auto de i n fração decorrente da ação fiscal em que tenha havido efetiva identificação de trabalhadores submitidos a condições análoga à de escravo e mais a existência de decisão administrativa final acerca do dito auto de infr a ção.
Compulsando os autos, tem-se que consta apenas o auto de infração de f. 466/467, mas que foi lavrado em face de falta de registro de empregados da empresa autora em livro, ficha ou sistema eletrônico.
Gize-se que o termo de notificação de f. 469 para adequação das condições de trabalho e de higiene do amb i ente de laboral, a par de ter sido atendido no prazo fixado ( ut lançamento que consta do relatório de f. 420), não é e também não substitui o auto de infração e a decisão final acerca desta exigidos pelo dispositivo antes r e ferenciado.
Assim, conquanto não há auto de infração e ta m pouco decisão administrativa final acerca de redução de trab a lhadores à condição análoga à de escravo, convirjo com o ente n dimento manifestado pelo ilustre desembargador relator no se n tido de que, de fato, não foram observados pela União os r e quisitos objetivos para a inclusão da autora no cadastro de e m pregadores que tenham mantido trabalhadores em condições anál o gas à de escravo (lista suja), a que alude a Portaria nº. 540/2004 do M i nistério do Trabalho e Emprego (MTE).
Em sendo assim e apenas por isso, a União não poderia ter levado a efeito a inclusão do nome da autora na dEm sendo assim e apenas por isso, a União não poderia ter levado a efeito a inclusão do nome da autora na d e nominada ¿lista suja¿ , de sorte que dita inclusão se revela m a nifestamente indevida e sem amparo legal a lhe dar suporte, a ensejar reparação na ordem civil ( ut arts. 186 e 927, caput, do Código Civil), tal qual reconheceu o juízo sentenciante, por serem flagrantes os danos à imagem (art. 5º, V e X, CF/88), d i ante da cediça ampla divulgação que é dada a essa lista.
Mas, mesmo que relativizada as exigências obj e tivas supra delineadas, ainda assim, a meu ver não é possível reconhecer legalidade no ato da União que fez a inclusão da a u tora na dita lista suja como calcada em reconhecimento de que de fato teria ocorrido nas propriedade rurais da mesma a expl o ração de trabalho humano análoga à condição de escravo e/ou trabalho em condições degradantes dos trabalhadores, uma vez que dos autos não é possível ter-se tal situação como comprov a da de forma inab a lável.
Ora, de acordo com o que dispõe o art. 149 do Código Penal, alterado pela Lei n. 10.803/2003, a exploração de trabalho humano análoga à condição de escravo decorre de uma das quatro condutas ali tipificas, a saber: a) sujeição alheia a trabalhos forçados; b) sujeição alheia à jornada exaustiva; c) sujeição alheia a condições degradantes de trabalho; d) restrição, por qualquer meio, a locomoção alheia em razão de dívida contraída com empregador ou preposto.
Assim, o trabalho escravo ou degradante, enquanto formas de violação da própria dignidade humana, depende da demonstração de determinados fatores indispensáveis à respectiva caracterização.
Logo, para se ter como reconhecida a condição análoga à de escravo, os fatos que tem de ficar comprovados de forma inarredável são: a limitação do direito de locomoção dos empregados, retenção dolosa dos seus salários com o mesmo escoLogo, para se ter como reconhecida a condição análoga à de escravo, os fatos que tem de ficar comprovados de forma inarredável são: a limitação do direito de locomoção dos empregados, retenção dolosa dos seus salários com o mesmo escopo e más condições ambientais do trabalho.
E a demonstração desses fatos nos autos caberia à União, em razão do que preceituado pelo art. 818, da CLT, que a meu ver, não o fez.
Ora, pelo que se extrai do relatório de f. 451/453, a condição de trabalho análoga à de escravo estaria ocorrendo nas Fazendas São Vitor e Lajeado em razão de serem degradantes as condições de trabalho e haver restrição de locomoção.
Na primeira propriedade rural, porque os alojamentos obedeciam apenas parcialmente as exigência legais, visto que as instalações sanitárias não possuíam condições higiênicas de utilização, pois os gabinetes sanitários foram instalados rentes aos chão, conhecidos como ¿vaso turco¿, sendo que a água proveniente dos chuveiros inundava totalmente tais instalações (f. 451, terceiro parágrafo).
E, na segunda propriedade rural, porque os alojamentos eram construídos com estrutura de madeira nativa, com paredes de pau-a-pique, cobertura de telhas de amianto e revestidos com lona preta; o sanitário era um cubículo com estrutura de madeira nativa sem cobertura e revestido lateralmente com material plástico; e a água fornecida era proveniente de uma mina cercada com lascas de madeira nativa configuravam condições degradantes de trabalho e também porque havia restrição de locomoção para o local de origem dos trabalhadores recrutados em Varzelândia-MG, porquanto o desligamento antes de noventa dias implicava em não receber qualquer valor e ter de arcar com as despesas de retorno à cidade de origem, a par de que esses trabalhadores recebiam valores inferiores ao que previamente ajustado.
Nada obstante o quadro alarmante informado sobre as condições possam num primeiro momento indicar a tipificação legal antes delineada, o que se vê de imediato é um verdadeiro paradoxo nos procedimentos adotados pelos agentes públicos em face da situação fática presenciada e relatada pela ação fiscal.
Explico.
Se de fato as condições de trabalho tinham co n tornos análogos ao de escravo, com condições degradantes e l i mitação de locomoção, caberia, então, às autoridades públicas envolvidas no ato a adoção de medidas para coibir de imediato essa situação, com o consequente resgate dos trabalhad o res.
Contudo, a despeito do asseverado pelo Grupo Móvel de Combate ao Trabalho Escravo que realizou a ação fiscal relatada nas f. 451/453, o que se extrai é que apenas dez dos trinta e quatro trabalhadores deixaram o local de trabalho e por vontade própria, ou seja, simplesmente porque não queriam dar continuidade à relação de emprego ( ut f. 325 em carmim, segundo e terceiros parágrafos).
Nessa senda, não obstante a reconhecida ¿fé p ú blica¿ que detêm os integrantes dos órgãos públicos, quer me parecer que de fato a situação não tipificava de pronto o tr a balho em condição análoga à de escravo, inclusive diante do f a to de não terem sido resgatados os trabalhadores, não ter sido lavrado de imediato o auto de infração e, na sequência, ter s i do determinado o arquivamento do procedimento administr a tivo em referência após atendidas as exigências feitas mediante notif i cação.
No mais, o fato de estarem acampados em barracão nos moldes descritos na ação fiscal, por si só, não se presta para caracterizar trabalho em condições análogas a escravidão, como também não se presta a afirmaNo mais, o fato de estarem acampados em barracão nos moldes descritos na ação fiscal, por si só, não se presta para caracterizar trabalho em condições análogas a escravidão, como também não se presta a afirmação de que a água é de bica da própria fazenda, porquanto isso não significa ausência de qualidade para o consumo humano.
Cumpre ainda registrar que a figura típica de retenção dolosa de salários, tecnicamente ocorre quando o empregador deixa dolosamente de efetuar o pagamento dos seus empregados de forma contumaz pelo período de três meses, nos termos preconizados no art. 2º, § 1º, do Decreto-lei n. 369/68, o que efetivamente não é o caso dos autos nem mesmo em face da situação referenciada para aqueles trabalhadores contratados em Varzelândia-MG (f. 451, quinto e sétimo parágrafos). Em verdade, não foi constatado e sequer comprovado que tenha havido trabalhador sem salário por esse interstício.
Também, não ficou evidenciado que a empregadora tenha agido dolosamente com seus empregados no que tange ao direito de ir e vir, porquanto não se colhem evidências de que eram impedidos de exercerem esse direito, a par de que não se vislumbra que de fato estivessem obrigados a permanecer no emprego.
A mera descrição em ação fiscal das condições em que se desenvolve o trabalho não se presta, por si só, para o reconhecimento de que efetivamente há tipificação da espécie, malgrado como já dissemos a reconhecida ¿fé pública¿ de que se revestem suas declarações , exigindo, pela gravidade e pelos efeitos reflexos, a apuração em procedimento que observe a ampla defesa, para apenas após isso ser dada por tipificada.
Aliás, também não se presta a esse desiderato nem mesmo o Termo de Ajustamento de Conduta firmado com o M i nistério Público do Trabalho, cuja cópia consta de f. 158/159 e 177/180, com objetivo de registro imediato dos trabalhadores, pagamento de verbas rescisórias e cumprimento de obrigações de fazer e não f a zer.
Destarte, apenas com o que consta dos autos não há como reconhecer condições de trabalho análogas à de escravo capaz de justificar a ação da União de incluir a autora na lista suja.
A par disto é que mantenho a indenização por danos morais deferida à empresa autora e nos patamares fixados em primeira instância, pelo que nego provimento ao recurso.
É o voto.
Campo Grande, 05 de maio de 2010.
JOÃO DE DEUS GOMES DE SOUZA
Desembargador Federal do Trabalho
JURID - Cadastro de Empregadores que tenham mantido trabalhadores. [19/05/10] - Jurisprudência
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