Liminar garante internação de paciente
PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
JUÍZO DE DIREITO DA 17ª VARA CÍVEL DA COMARCA DE NATAL
Processo nº: 001.10.016951-2
Ação: Obrigação de Fazer/Não Fazer (Cominatória)
Parte Autora: João Teodoro Sobrinho
Parte Ré: Hapvida Assistência Médica Ltda.
DECISÃO
Vistos etc.
João Teodoro Sobrinho ajuizou ação ordinária contra Hapvida Assistência Médica Ltda., estando ambas as partes qualificadas nos autos.
O autor alega, em síntese, que:
A) celebrou com a parte ré, em 09/09/2009, contrato de plano de saúde, tendo dado entrada na emergência do Hospital Antônio Prudente no dia 31/05/2010, com estado de saúde bastante grave, porquanto encontrava-se vomitando sangue, provavelmente em razão de alguma disfunção no estômago, e com pressão baixa e tonturas;
B) permaneceu em observação no referido hospital até o dia 01/06/2010, sem que tenha sido disgnosticada a doença causadora dos sintomas acima, mesmo após a realização de duas endoscopias digestivas;
C) após solicitação de internação feita pelo médico, foi surpreendido com a negativa do procedimento, pois o réu argumentou que em um hemograma a que se submeteu o autor foi detectada alteração na taxa de glicose acima do normal, caracterizando diabetes, o que, segundo o plano de saúde, seria uma doença preexistente para cujo tratamento o demandante ainda não alcançou o período de carência;
D) diante na negativa da internação pelo réu, teve que arcar com o procedimento às suas expensas, através de seu filho, mesmo sem poder arcar com tais despesas sem prejuízo de seu sustento e de sua família.
Requer antecipação dos efeitos da tutela específica de obrigação de fazer para que este juízo determine à parte ré que autorize e custeie a internação do autor junto ao Hospital Antônio Prudente e o tratamento médico para o mal que o acomete, inclusive arcando com as despesas decorrentes do contrato celebrado entre o seu filho e o referido hospital.
Postula, ainda, o benefício da justiça gratuita e a juntada de instrumento de mandato aos advogados que subscrevem a petição inicial no prazo do art. 37 do CPC.
Juntou os documentos de fls. 27-56.
É o que importa relatar. Decido o pedido de antecipação de tutela.
A antecipação dos efeitos da tutela é instituto do Processo Civil moderno, oriundo do direito à efetividade e à tempestividade da tutela jurisdicional, constitucionalmente garantida. Isso porque, o direito de acesso à justiça, albergado no art. 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal, não quer dizer apenas que todos têm direito a recorrer ao Poder Judiciário, mas também quer significar, sobretudo, que todos têm direito à tutela jurisdicional efetiva, adequada e tempestiva.
Trata-se da medida liminar requerida da situação especificada no artigo 461, caput e § 3º, do CPC, a seguir transposto:
"Art. 461. Na ação que tenha por objeto cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou, se procedente o pedido, determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento.
(...)
§ 3º Sendo relevante o fundamento da demanda e havendo justificado receio de ineficácia do provimento final, é lícito ao juiz conceder a tutela liminarmente ou mediante justificação prévia, citado o réu. A medida liminar poderá ser revogada ou modificada, a qualquer tempo, em decisão fundamentada."
São necessários para a concessão da antecipação dos efeitos da tutela específica de obrigação de fazer/não fazer dois requisitos: relevante fundamento da demanda e receio de ineficácia do provimento final. Devendo ambos, concomitantemente, serem demonstrados pela autora no caso concreto.
Como relevante fundamento da demanda, a lei exige não a certeza do direito pleiteado, mas prova suficiente que faça o magistrado acreditar ser a parte requerente titular do direito material invocado. Isso em razão de, nesta fase, ocorrer um juízo provisório, sendo suficiente somente que as provas apresentadas indiquem a probabilidade das afirmações realizadas, mesmo que haja alteração posterior dessa convicção.
Na situação em análise aplicam-se as normas consumeristas, haja vista tratar-se de relação jurídico-material em que a seguradora de saúde figura como fornecedora de serviços e, por seu turno, o autor se apresenta como seu destinatário final, enquadrando-se, pois, como consumidor.
Assim sendo, é possível o Poder Judiciário intervir na relação contratual pactuada entre as partes com a finalidade de devolver ao negócio jurídico o equilíbrio determinado pela lei e a função social a ele inerente.
Com efeito, o autor anexou à petição inicial documentos que comprovam a contratação do plano de saúde Hapvida individual/familiar por Maria da Glória Teodoro Bezerra, tendo o demandante como dependente (fls. 42-45 e 49).
Há nos autos, ainda, comprovação de pagamento das mensalidades do plano de saúde contratado, até a que vencera no dia 10/05/2010, conforme se vê dos documentos de fls. 48 e 50-56.
Verifico, outrossim, que o demandante encontra-se internado no Hospital Antônio Prudente em razão de instrumento particular de assunção de responsabilidade e confissão de dívida celebrado entre o referido nosocômio e o Sr. Sérgio Eduardo Bezerra Teodoro, filho do autor. Portanto, demonstrado está que não houve cobertura do plano da saúde réu para tal internação.
No que tange ao argumento de doença preexistente utilizado pela Hapvida para negar a autorização para internação do autor, entendo, ao menos neste instante processual de cognição sumária, que não se pode aceitar tal justificativa para negativa de cobertura ao procedimento indicado ao autor, uma vez que a praxe forense nos mostra que as seguradoras de plano de saúde, na ânsia de angariar consumidores, não exigem destes qualquer exame prévio para detecção de doenças antecedentes à contratação. Ao revés, limitam-se a aceitar como verdadeira a declaração de saúde preenchida à mão pelo próprio segurado.
Destarte, ainda que no caso dos autos tenha havido a submissão do autor à perícia médica (fl. 44), o certificado individual de fl. 49 não traz qualquer ressalva à contratação do seguro de saúde em benefício de pessoa acometida de diabetes anterior à celebração do contrato.
Ademais, não tendo sido disgnosticada a causa dos sintomas que levaram o autor ao hospital no dia 31/05/2010, não se pode afirmar, ao menos por enquanto, que o mal que acomete o demandante decorra de diabetes ou de qualquer outra doença cuja instrução do processo possa demonstrar ser preexistente à contratação do plano de saúde.
Assim, não havendo nos autos qualquer indício de que o autor tivesse ciência ou já sofresse, ao tempo que contratou o plano de saúde, da enfermidade que o réu imputa preexistente, não há como se afirmar tenha o demandante agido de má-fé, devendo ser consideradas verossímeis as alegações autorais, até prova em contrário pela parte ré.
No que tange ao risco de ineficácia do provimento final (periculum in mora), verifico que também se encontra presente, vez que o autor está tendo que arcar com despesas de internação que lhe foram negadas pelo plano de saúde contratado, o que prejudica o seu sustento e de sua família, além de poder causar prejuízos ao próprio tratamento médico necessário à cura do autor caso este não tenha mais condições de manter-se internado às suas expensas.
Saliente-se, por último, que ainda que o autor depois não tenha condições de pagar a a quantia necessária para cobrir os custos da internação e dos procedimentos médicos, gerando risco de irreversibilidade da medida, a tutela deve ser deferida, pois o direito do autor que se apresenta com alto grau de verossimilhança deve preponderar sobre o risco de o réu sofrer consequências irreversíveis.
Sobre a possibilidade de conceder-se a antecipação de tutela, mesmo havendo risco de irreversibilidade, observe-se o ensinamento de Luiz Guilherme Marinoni:
"O art. 273 afirma, no seu § 2º, que "não se concederá a antecipação da tutela quando houver perigo de irreversibilidade do provimento antecipado." Em virtude dessa regra, seria possível pensar que o juiz não pode conceder tutela antecipatória quando ela puder causar prejuízo irreversível ao réu. Contudo, se a tutela antecipatória, no caso do inc. I, é preordenada a evitar um dano irreparável ao direito provável, não há como não se admitir a concessão da tutela sob o simples argumento de que ela pode trazer um prejuízo irreversível ao réu. Seria como dizer que o direito provável deve sempre ser sacrificado diante da possibilidade de prejuízo irreversível ao direito improvável."
O Superior Tribunal de Justiça já decidiu que" a exigência da irreversibilidade inserta no § 2º do artigo 273 do CPC não pode ser levada ao extremo, sob pena de o novel instituto da tutela antecipatória não cumprir a excelsa missão a que se destina." (Resp. 144.656/ES, 2ª T., un., rel. Min. Adhemar Maciel, DJU 27.10.1997, p. 54.778).
Para o fim de compelir o réu ao cumprimento da medida determinada em antecipação de tutela é cabível a fixação de multa diária, conforme previsto no artigo 461, § 5º, do CPC.
Na hipótese de descumprimento da decisão judicial, deve ser aplicada também a multa prevista no art. 14, parágrafo único, do CPC, que deverá ser revertida em favor do Estado, em razão do ato atentatório ao exercício da jurisdição.
Isto posto, estando presentes os requisitos do art. 461, § 3º, do CPC, defiro o pedido de antecipação dos efeitos da tutela específica de obrigação de fazer para determinar que a Hapvida Assistência Médica Ltda. autorize e custeie a internação no Hospital Antônio Prudente e o tratamento médico para o mal que acomete o autor, inclusive as despesas para as quais assumiu a responsabilidade o Sr. Sérgio Eduardo Bezerra Teodoro através do instrumento de fl. 29, desconsiderando o prazo de carência para eventual doença preexistente, sob pena de multa diária de R$ 1.000,00 (um mil reais) em favor do autor (art. 461, § 5º, do CPC), até o limite de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), e multa de R$ 500,00 (quinhentos reais) em favor do Estado (art. 14, parágrafo único, do CPC), a ser aplicada por cada dia em que os procedimentos não forem autorizados.
Intime-se a parte ré, por mandado, com urgência, para dar imediato cumprimento a esta decisão.
Cite-se, no mesmo mandado, a parte ré para, querendo, apresentar resposta à pretensão autoral no prazo legal de 15 dias, advertindo-a quanto ao disposto na segunda parte do art. 285 do CPC.
Defiro ao autor o benefício da justiça gratuita e autorizo a juntada do instrumento de mandato aos advogados do demandante no prazo de 15 dias a contar do ajuizamento da demanda, nos termos do art. 37 do CPC.
Publique-se. Intimem-se.
Natal/RN, 04 de junho de 2010.
Andréa Régia L. Holanda M. Heronildes
Juíza de Direito em Substituição Legal
JURID - Liminar. Tratamento [18/06/10] - Jurisprudência
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